domingo, 8 de fevereiro de 2015

A mídia golpista brasileira contra o Papa Francisco

  "Acredita-se que a mídia passa, após o caráter mais político conferido a imagem do Papa por ele mesmo, a noticiar um número menor de notícias banais e de entretenimento relacionadas ao Papa. Essa mudança de paradigma, que reduz o carisma na cobertura, pode indicar menos apreço por Francisco pela pauta da imprensa brasileira, talvez devido à oposição entre a linha editorial conservadora de veículos e as declarações progressistas do chefe romano."

Segue texto de Arthur Gandini, extraído do Jornal GGN/Luis Nassif Online:


As 4 fases da cobertura do Papa Francisco pela mídia brasileira


No Blog do Dini

  Bento XVI, o homem que não queria ser Papa (como mostra o livro de Andréas Englisch, com o mesmo título) foi um brilhante teólogo e eficiente em desarticular os teólogos da libertação da América Latina nos anos 80, no papado de seu antecessor.

  Entretanto, se compactuava com a visão teológica de João Paulo II, não possuía o mesmo carisma que o polonês. Não era "pop", não era ovacionado pelas mesmas multidões - a não ser pela força que qualquer intitulado como sucessor de São Pedro atrai dos fiéis - sorria pouco e mostrava que seu forte era refletir sobre os dogmas do catolicismo romano, e não de exercer a política pressionada pelos bastidores políticos da cúria romana.

  Bento XVI, por isso, nunca atraiu tanta atenção da mídia. Não vendia notícias, a não ser por declarações conservadoras polêmicas como se dizer contra o uso de preservativos na África, continente com os países da África Subsaariana assolados pelo vírus da AIDS.

  Sua igreja ganhava espaço nos noticiários por fatos não relacionados de forma direta ao pontífice: a pedofilia do clero e os desvios de dinheiro no Banco do Vaticano.

  Tudo muda, entretanto, no dia 13 de março de 2013 quando sai a fumaça branca da chaminé da Capela Sistina e Jorge Mario Bergoglio é anunciado como Francisco, sucessor de Bento XVI, que havia renunciado ao papado.

  Surge na varanda central da Basílica de São Pedro um novo pontífice que brinca: "vocês estavam precisando de um Papa e foram buscar ele no fim do mundo". Primeiro Papa latino-americano, Bergoglio abandona as vestes romanas monárquicas do antecessor e se veste de branco. Coloca-se ao lado dos pobres, como um homem de costumes simples que fala com todos, desde os moradores de rua da Praça São Pedro até os membros da cúria que executam as tarefas da sede mundial do catolicismo romano.

  A mudança de imagem do papado por si só é notícia. Mas Francisco também é simpático, carismático (como aquele vovô alegre com quem todo mundo gosta de conversar), dá esperanças de uma saída para a crise de imagem pela qual a ICAR passa e agrada aos setores progressistas da Igreja de Roma que eram contrários a Bento XVI.

A primeira fase


 A imprensa brasileira, em uma 1ª fase, repercute a vida do novo chefe da igreja romana e noticia fatos como a polêmica sobre a atuação de Bergoglio na ditadura militar argentina (1966 -1973) e sobre a relação conflituosa entre o então arcebispo metropolitano de Buenos Aires e a ainda hoje presidente do país, Cristina Kirchner.

 O posicionamento, entretanto, logo muda para uma 2ª fase na qual tudo o que o acontece em relação a Francisco vira notícia.

  A necessidade de produção de conteúdo somada a um Papa que parece querer aparecer na mídia resulta em notícias como "Internautas veem semelhança entre Papa Francisco e religioso de cerveja" (no G1) e "Papa Francisco surpreende de novo e telefona para estudante italiano" (no G1), quando pegamos de exemplo um dos principais veículo do país, o portal das Organizações Globo.

  O novo pontífice, entretanto, já no final de 2013, passa a mostrar que seu posicionamento ao lado dos pobres vai além da caridade e se aproxima mais da teologia da libertação, temida pelos combatentes do comunismo durante a Guerra Fria. Em setembro, Francisco encontra Gustavo Gutierrez (leia na Carta Maior), processado nos anos 80 pela Congregação para a Doutrina da Fé (antiga inquisição) chefiada por Joseph Ratzinger, o futuro Bento XVI.

  Gutierrez é nada mais que considerado por muitos fundador da corrente teológica que relembra a faceta revolucionária de Jesus Cristo e defende o cristianismo como libertador dos pobres da opressão capitalista.
(Atualmente, agora o Papa escreve encíclica sobre ecologia com a ajuda de textos enviados por Leonardo Boff sobre o assunto, o que já foi confirmado por Boff. O teólogo brasileiro foi censurado pela CDF e se desligou do sacerdócio nos anos 90, tornando-se uma estrela da teologia da libertação no mundo).

  O posicionamento político do Papa Francisco traz algo que pode ser visto como uma 3ª fase da cobertura da imprensa brasileira onde diminui o número de notícias relacionadas ao Papa. A percepção não é quantitativa, mas qualitativa via empirismo do autor deste texto e pode dar origem a futuros estudos.

  Acredita-se que a mídia passa, após o caráter mais político conferido a imagem do Papa por ele mesmo, a noticiar um número menor de notícias banais e de entretenimento relacionadas ao Papa. Essa mudança de paradigma, que reduz o carisma na cobertura, pode indicar menos apreço por Francisco pela pauta da imprensa brasileira, talvez devido à oposição entre a linha editorial conservadora de veículos e as declarações progressistas do chefe romano.

  Contextualiza-se aqui que o pontífice, dentro da doutrina católica-romana, é considerado praticamente um santo vivente no reino mundano. Embora Francisco se autoproclame com humildade apenas "Bispo de Roma" (dentro de uma ideia de menor centralização hierárquica na Igreja) e faça ligações a fiéis se apresentando apenas como "Padre Bergoglio", dogmas como o da "infabilidade papal" e o absolutismo do sistema político do Vaticano lhe trazem muito poder, o que lhe blinda de críticas até dos setores conservadores católicos, que são raramente feitas em público.

Uma nova fase

  O que motiva a redação dessa análise é que esse cordão de isolamento parece ter sido rompido no Brasil, culminando no que podemos antecipar como uma possível 4ª fase da cobertura midiática brasileira do Papa, mesmo em um momento onde o pontífice é popular e atacá-lo significa ficar contra a opinião pública.
Papa Francisco declarou na última semana, sobre os atentados à redação da revista Charlie Hebdo, que “as liberdades de expressão e religiosa são direitos fundamentais, mas ninguém pode insultar, ofender a fé dos outros".

  Francisco toca aqui, ao impor esse limite, em um ponto sensível e fundamental aos veículos midiáticos. Sob o manto da liberdade de expressão, a grande imprensa se legitima como um quarto poder ou um poder moderador que estaria acima dos poderes republicanos (leia aqui). O conceito também é justificativa para transformar propostas de regulação econômica em tentativas de censura.

  O ato resultou na primeira crítica pesada feita pelo blogueiro brasileiro conservador Reinaldo Azevedo ao Papa, em seu blog (aqui e aqui). Reinaldo, que antes defendia o Papa de suposta descontextualização de suas falas na imprensa e negava seu viés progressista, agora ainda não critica esse viés, mas suas "falas ambíguas".

  Após escrever em seu blog que Francisco não está preparado para ser líder da Igreja Católica (Romana), publicou artigo no jornal Folha de S.Paulo com a seguinte pergunta no título: "Francisco, por que não te calas? (aqui)"

  O Papa também recebeu crítica pesada de Guilherme Fiuza (aqui), que o chamou de demagogo e populista e o comparou ao ex-presidente Lula; de Ricardo Noblat (aqui), ainda que de forma respeitosa; e de Luciano Henrique (aqui), autor de um blog sobre "religião política".
A análise é importante, pois talvez a mudança em como Papa Francisco é confrontado não ocorra daqui para frente apenas no âmbito da imprensa.

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