terça-feira, 5 de maio de 2015

Paulo Moreira Leite sobre o Caso Paraná e o futuro que queremos

   "O que se passou no Paraná foi um episódio muito grave, que não deve ser visto com um caso isolado. Em São Paulo, principal laboratório político tucano do país, Geraldo Alckmin transformou a repressão policial em instrumento regular de intervenção política. Estudantes universitários que ousam cometer atos de protesto — e mesmo gestos mais insolentes, próprios de seus hormônios políticos — são reprimidos e perseguidos judicialmente, arriscando-se a cumprir longas suspensões que podem atrasar e até impedir a formatura, com prejuízo para os cidadãos que, dentro ou fora das universidades, pagam pelo ensino público através de impostos."

O caso Paraná e o futuro que queremos

3 de maio de 2015 | 14:34 Tijolaço.com
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Para alguma coisa serviu o massacre de professores no Paraná.
Deixou mais transparentes as opções políticas que se descortinam para os brasileiros.
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PML: O CASO PARANÁ E A GRANDE REPRESSÃO TUCANA
Os governadores do PSDB “têm acumulado recordes macabros em confrontos com a população”, afirma Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília, depois de descrever a violência da Polícia Militar do governador Beto Richa contra professores como “uma vergonha que não será esquecida tão cedo”; segundo ele, “o que se passou no Paraná foi um episódio muito grave, que não deve ser visto com um caso isolado”; PML cita o governador Geraldo Alckmin e a repressão dos protestos iniciais contra aumento da passagem de transporte de 2013, em São Paulo; “Para um partido que quer eliminar a CLT, nada mais apropriado do que assumir o lema da República Velha, onde a questão social era um caso de polícia”
3 DE MAIO DE 2015 ÀS 14:01
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog e no site Brasil 247.
Trinta anos depois do fim da ditadura militar, chegou a hora de os brasileiros acertarem o relógio a respeito dos métodos de governo do PSDB e o tipo de futuro que planeja para o país. Embora seus fundadores tenham participado da luta pela democratização, os governadores do PSDB têm acumulado recordes macabros em confrontos com a população.
Com pit-pulls, helicópteros, balas de borracha e bombas de gás, a brutalidade da Polícia Militar do governador Beto Richa é uma vergonha que não será esquecida tão cedo. Mais de 200 pessoas foram atendidas nos hospitais da região, numa mobilização que procurava, essencialmente, impedir que a Assembléia Legislativa, controlada pelo governo, legalizasse uma apropriação inacreditável do ponto de vista social: colocar a mão no fundo de pensão da aposentadoria dos professores para cobrir um rombo nas contas do Tesouro estadual. Não estamos falando daquelas operações contábeis — chamadas pedaladas –, praticadas por todos os governos federais depois que o país adotou a Lei de Responsabilidade Fiscal. O caso, no Paraná, era tungada mesmo.
“O centro de Curitiba transformou numa praça de guerra,” afirma Carmen Helena Ferreira Foro, vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores, presente aos protestos — onde teve de ser medicada por causa de um ferimento no braço, produzido por uma bomba. “Foram duas horas de tiroteio, uma insanidade ” diz ela.
O que se passou no Paraná foi um episódio muito grave, que não deve ser visto com um caso isolado. Em São Paulo, principal laboratório político tucano do país, Geraldo Alckmin transformou a repressão policial em instrumento regular de intervenção política. Estudantes universitários que ousam cometer atos de protesto — e mesmo gestos mais insolentes, próprios de seus hormônios políticos — são reprimidos e perseguidos judicialmente, arriscando-se a cumprir longas suspensões que podem atrasar e até impedir a formatura, com prejuízo para os cidadãos que, dentro ou fora das universidades, pagam pelo ensino público através de impostos.
A repressão violenta dos protestos iniciais contra aumento na passagem de transporte público de 2013 será inesquecível por ter provocado uma revolta nacional, mas não serviu de lição. Em janeiro, um novo protesto contra o aumento de passagens foi atacado de forma violenta pela PM, reação desproporcional diante de uma vidraça quebrada. Indo mais para trás. Alguém esqueceu Pinheirinho?
Essa opção repressiva não acontece por um “descuido”, “excesso” ou “erro.” É uma decorrência da conversão do PSDB à doutrina mais radical da economia de mercado. Este processo levou o partido a abandonar compromissos com a negociação de políticas de bem-estar social que marcaram seus anos iniciais, trocando o papel que Mário Covas exerceu na Constituinte, como guardião dos direitos sociais, pelo objetivo que Fernando Henrique se colocou na posse presidencial, em 1994, de encerrar a Era Vargas. Em seu governo, FHC inaugurou o novo período ao colocar tanques do Exército nas ruas para enfrentar um protesto de petroleiros que queriam impedir a privatização da Petrobras.
Na nova etapa ideológica, a negociação de conflitos e a barganha entre interesses sociais divergentes, típica das sociedades democráticas, tornou-se inconveniente e disfuncional. Por isso, faz-se o possível para evitar negociação e qualquer tipo de concessão que possa servir de estímulo a novas mobilizações. A ideia é mostrar que as decisões são tomadas de cima e não deve haver esperança de que possam vir a ser modificadas — o que explica a recusa do Palácio dos Bandeirantes em sequer marcar um audiência de professores às vésperas de completar dois meses em greve.
Ao contrário do discurso exportado pelos republicanos norte-americanos, apontando para elementos de caráter libertário na opção pelo mercado, a experiência prática demonstra que ela cobra um culto à ordem.
Procurando avaliar a teoria e a prática liberal na obra Décadas de Espanto e uma Apologia Democrática, publicada em 1998, no final do primeiro mandato de FHC, o professor Wanderley Guilherme dos Santos lembra que “depois de criado, o Estado liberal transforma-se no estado em que a hegemonia burguesa não é seriamente desafiada. Trata-se de um estado cuja intervenção em assuntos sociais e econômicos tem por fim garantir a operação do mercado como o mais importante mecanismo de extração e alocação de valores e bens.”
Neste esforço para separar a realidade liberal do discurso liberal, o professor esclarece: “Não é de modo algum um Estado não intervencionista. Muito pelo contrário, o Estado liberal está sempre intervindo, a fim de afastar qualquer obstáculo ao funcionamento ‘natural’ e ‘automático’ do mercado.”
Entre os principais obstáculos que atrapalham esse funcionamento ‘natural’ e ‘automático’, encontram-se a a política econômica e a política trabalhista, que devem ser “completamente revistas e modificadas.”
Não chega a espantar, assim, que o PSDB, num esforço para ajustar as leis sociais à nova ordem, tenha assegurado os votos que garantiram a aprovação, na segunda votação da Câmara, do PL 4330.
É coerente, vamos combinar. Para um partido que quer eliminar a CLT, nada mais apropriado do que assumir o lema da República Velha, onde a questão social era um caso de polícia.
Com alguma imaginação é possível entender como a peça da repressão se encaixa em outra parte do jogo, aquela que estimula a judicialização da atividade política, questionando a soberania popular em nome da palavra final da Justiça.
Não é difícil entender o que está acontecendo, certo?

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