domingo, 6 de dezembro de 2015

A luta dos estudantes e o Estado de Direito em discussão, por Rafael Valim



  "Ainda custo a acreditar nas cenas a que assisti nos últimos dias. A brutalidade da Polícia Militar do Estado de São Paulo contra adolescentes em plena luz do dia, à vista de todos, beira o fantástico.
  "Também surreal é o sossego das varandas gourmets, a apatia das panelas, o silêncio cúmplice dos “cidadãos de bem” de nosso Estado démodé perante uma situação de tamanha gravidade. Será que testemunharíamos a mesma reação se a violência fosse perpetrada contra adolescentes que frequentam, por exemplo, uma escola da elite paulistana?" - Rafael Valentim



A luta dos estudantes e o Estado de Direito 


por Rafael Valim, Doutor em Direito e Professor da Faculdade de Direito da PUC/SP.

Fonte do texto: Jornal GGN

Ainda custo a acreditar nas cenas a que assisti nos últimos dias. A brutalidade da Polícia Militar do Estado de São Paulo contra adolescentes em plena luz do dia, à vista de todos, beira o fantástico.

Também surreal é o sossego das varandas gourmets, a apatia das panelas, o silêncio cúmplice dos “cidadãos de bem” de nosso Estado démodé perante uma situação de tamanha gravidade. Será que testemunharíamos a mesma reação se a violência fosse perpetrada contra adolescentes que frequentam, por exemplo, uma escola da elite paulistana?

A postura da Polícia Militar, entretanto, revela algo muito mais profundo. Em outras palavras, a covardia, o sadismo e, sobretudo, o ousadia demonstrados por aqueles ignóbeis militares são apenas a face visível de um fenômeno que se desenvolve há muitos anos no Estado de São Paulo.

E qual seria este fenômeno? Bastam poucas palavras para defini-lo: em São Paulo não há Estado Democrático de Direito. Ou seja: há muitos anos o Estado de São Paulo não se submete à Constituição e às leis e, por consequência, à vontade popular.

A Assembleia Legislativa, o Ministério Público Estadual, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas do Estado simplesmente não contrariam o “soberano” Governador do Estado, cujas decisões costumam vir acompanhadas dos conselhos “sábios” de dois arremedos de constitucionalistas. Isto explica a “valentia” dos milicos em face dos estudantes, bem como outros episódios grotescos como a falta de água na maior parte do Estado e as chacinas não investigadas nas periferias das grandes cidades.

Aliás, se São Paulo fosse um Estado sério e obediente à ordem jurídica, neste momento já estaria deflagrado o processo de impeachment do Governador, cuja nefasta política violou, à toda evidência, o art. 227 da Constituição Federal, cujos termos nunca é demais lembrar: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (grifos nossos).

A tudo isto se soma uma imprensa beija-mão que se incumbe de distorcer fatos e ocultar os desvarios de um Governo medíocre, farsesco e que se recusa ao diálogo.

Toda esta nefasta conjuntura, entretanto, só aumenta a importância e a transcendência dos gestos heroicos desta rapaziada que, no eterno verso de Gonzaguinha, segue em frente e segura o rojão, que não foge da fera e enfrenta o leão, que não corre da raia à troco de nada e que constrói a manhã desejada!

E vamos à luta!

Rafael Valim é

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