quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Washignton Novaes: "O Clima bate às portas e pede muita urgência"





  Washington Novaes é conhecido desta coluna, pois temos reproduzido muitos textos dele sobre questões ecológicas. Talvez seja o jornalista mais bem informado de nosso pais. Como estamos acompanhando, não sem preocupações, a Cúpula do Clima (COP 21) em Paris nos começos  de dezembro, oferecemos aqui um apanhado geral da situação climática atual e o impasse, já por nós denunciado num artigo nesse blog e confimado por Washington Novaes neste artigo a aparecer nos primeiros dias de dezembro em O Estado de São Paulo. Os chefes de Estado não despertaram ainda acerca da urgência deste problema que poderá nos preparar surpresas altamente desagradáveis em termos  de estresse da Terra e da dizimação de boa parte da biodiversidade, não poupando nem a espécie humana. Como nunca antes na história, o destino comum está em nossas mãos e sob o nosso cuidado: se queremos cair no abismo que nós mesmos criamos ou se nos livramos dele através de outra forma de habitar e cuidar da Casa Comum - Leonardo Boff

O Clima bate às portas e pede muita Urgência

Washington Novaes

Não está sendo nem será fácil ou tranquila a vida dos chefes de Estado e outros participantes da Cúpula do Clima em andamento em Paris, e que pretende definir novas metas para a redução de poluentes – gerais e em cada país -, além de outras regras para o setor. Já antes que ela começasse, o secretário de Estado John Kerry contrapôs-se ao presidente Obama, ao dizer  que seu país não aceitaria regras obrigatórias, vinculantes – a mesma postura do enviado especial norte-americano, Todd Stern. Este último chegou a propor um “modelo híbrido”, em que obrigatórias seriam apenas as regras para verificar as emissões de cada país – não os limites para estas. Um dos argumentos é o de que os EUA já definiram que pretendem reduzir as suas entre 26 e 28% até 2025 (confrontadas com as de 2005).

Não há surpresa até aí. Quando se encerrou a reunião preparatória em Bonn, há algumas semanas, o documento final com as posições dos países tinha 55 páginas, cada um deles defendendo seus interesses específicos – o que poderia levar à paralisia. Um especialista da CEPAL, Luis Miguel Galindo, advertia que já estamos emitindo no mundo 7 toneladas anuais de poluentes por habitante, ou entre 47 e 48 gigatoneladas (bilhões de toneladas) totais – há quem diga 50 gigatoneladas -, quando seria indispensável baixarmos para 20 gigatoneladas até 2050 (2 toneladas per capita).

Estudos da própria ONU dizem que, nos padrões de hoje, não alcançaremos o objetivo de limitar a 2 graus Celsius o aumento da temperatura na Terra – ficaremos com pelo menos 2,7 graus no fim do século. Para intensificar as medidas de adequação será preciso um fundo anual de US$100 bilhões, sobre o qual não há acordo entre possíveis financiadores.

Não é o único complicador. Relatório da Corporate Accountability International (24/11) entra no pantanoso terreno das finanças das corporações patrocinadoras das negociações sobre o clima. São empresas petrolíferas e de outros combustíveis fósseis, bancos, geradoras de energia etc. Segundo o relatório, contar com elas é como “contratar uma raposa para guardar um galinheiro”.

Como fazer, então, se a Agência Internacional de Energia diz (10/11) que as fontes “limpas” não garantem que fiquemos nos limites adequados ? E até 2040, na marcha atual, as renováveis devem representar apenas 15% do total do investimento no mundo – US$7,4 trilhões. Os combustíveis fósseis receberam subsídios de US$ 490 bilhões em 2014. Pouco menos que isso seria necessário investir em tecnologias de renováveis até 2030. Além disso, será preciso eliminar as usinas que queimam carvão, as mais poluidoras – mas que fornecem principalmente aos setores mais pobres (e há 1,2 bilhão de pessoas sem energia no mundo).

Poucos dias antes da abertura da conferência de Paris, morreu aos 86 anos Maurice Strong , a cuja persistência devemos a criação da Convenção do Clima, depois de ser o chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Quando o jornal “The Guardian” lhe perguntou, há poucos anos, o que pensava do panorama na área, ele respondeu que “operacionalmente” era otimista, pois “ainda é possível fazer o que sonhamos” – apesar de uma realidade preocupante a pontos de os participantes da conferência de Paris se dizerem alarmados com a situação da China e da Índia, com suas capitais cobertas por “nevoeiros sufocantes” (Francepress, 1/12). E com o panorama geral das emissões.

De fato, o total das emissões , que em 1990 era de 38 gigatoneladas anuais (com os EUA como maior emissor), em 2010 já está perto de 50 gigatoneladas (agora a China é o maior emissor com 23%, seguida dos EUA, com 15,5%). Se nada mudar, diz o PNUMA, poderemos ter aumento da temperatura entre 3 e 3,5 graus no fim do século.O estudioso Bill McKibben calcula em 556 gigatoneladas o máximo de dióxido de carbono que poderemos colocar na atmosfera sem ultrapassar 2 graus no aumento da temperatura. No Brasil, seria um despautério globalse queimássemos todas as reservas de combustíveis, inclusive no pré-sal

Há avanços importantes. Nos EUA, o presidente Obama rejeitou a proposta de construir o oleoduto Keystone XL, ligando o Canadá ao Golfo do México e depois espalhando-se pelo centro dos Estados Unidos, com passagem inclusive pelo Aquífero Ogalalla – o que seria inadmissível. A Grã-Bretanha fechará todas as suas usinas a carvão em poucos anos (elas geram 30% do total da energia no país) e passará para o gás e a energia nuclear (também discutível).

Mas também seguem as advertências. A ONU tem alertado o Brasil (ESTADO, 7/11) sobre o crescimento preocupante das emissões de poluentes nas cidades e pelo complexo industrial, segundo as palavras de Achim Steiner, do PNUMA. O jornal “Le Monde” (25/11) tem assinalado a dificuldade crescente de a floresta brasileira regular o clima (em 40 anos, diz, 63 mil quilômetros quadrados de florestas foram abatidos;e 2004, foram 27.772 km2; em 2013, pouco mais de 5 mil; o Brasil já perdeu na região mais de 200 mil quilômetros quadrados de florestas, mais que o território do Reino Unido ). No Cerrado, perto de 40% já foram desmatados.

Do lado mais otimista, o respeitado cientista Carlos Nobre, do INPE, lembra que estamos com emissões de 7,5 toneladas por pessoa/ano, mas poderemos chegar a 4 toneladas anuais em 2030 e 2 toneladas em 2050 (Eco 21, setembro). A própria presidente da República tem afirmado que temos condição de recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e reimplantar florestas em 5 milhões de hectares.

É importante que tudo isso aconteça, que se detenha a progressão de temperaturas em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que se implante de fato um Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima em 11 setores. Muito tem de ser feito. Não é por acaso que se reúnem em Paris os chefes de governo. Não será para trocar amabilidades.

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