sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O poder dos evangélicos, o fim do Estado Laico e os fundamentalistas do VINACC e "Consciência Cristã"




Carlos Antonio Fragoso Guimarães

 Em nosso tempo instrumental de tecnologia avançada, mas de anulação do humano, do cooperativo em prol do competitivo, do consumismo em detrimento do construtivo e da dessacralização das relações humanas e da natureza, a reação fanática e fundamentalista surge como mais um sintoma de patologia social em que o atual capitalismo condiciona a muitos pois retira a possibilidade de maturação emocional e intelectual na luta pela sobrevivência em um mundo de crescente agressividade interpessoal.

 Pela falta de meios emocionais e sociais para a formação emocional e mental apropriadas, muitas pessoas não conseguem amadurecer o suficiente para construir uma relação pessoal equilibrada com o ideal da divindade e esperam, diante das dores do mundo moderno, uma panaceia que venham tanto a lhes aliviar a dor quanto a valorizá-los, mesmo que simbolicamente, frente aos demais. Renunciando por vezes - pela falta de oportunidade de desenvolver-se plenamente enquanto ser pensante e autônomo - a própria liberdade, o fanático fundamentalista se sente ou se faz um "instrumento" ou acredita se tornar um instrumento nas mãos daquele a quem ele percebe como autoridade, ainda que seja um suposto líder de comunidade religiosa que contorce os dizeres de suas escrituras no modo mais politicamente conveniente aos seus interesses. Busca o modelado "missionário", ao entregar o pensamento crítico ao líder, um apoio e uma "verdade" por vezes espetaculosamente apresentada e que lhe sirva de muleta psicológica, em ponto de segurança que esconda suas dúvidas íntimas, incertezas e inseguranças, as quais busca calar especialmente ao personalizá-las nos outros.

 O fundamentalista, pois, é um escravo que assim se faz pela renúncia do pensar autônomo em troca do que ele acha ser ganhos, imediatos (riquezas, sucesso, salvação) ou secundários (sentir-se aceito ou amado por iguais, etc.), ao mesmo tempo passa a ser intolerante a todo o pensamento diverso do seu e de sua comunidade por este ser um contraponto perigoso às suas crenças e verdades e assim o fanático se vê como soldado e guerreiro de uma "guerra santa" contra as diferenças que podem questionar suas verdades. Que Deus Pai acharia bom ter filhos que não soubessem discernir o certo do errado, dando a líderes e doutrinas a responsabilidade de decidirem por eles, muitas vezes criando contextos e situações de conflitos com seus outros filhos?

 Achando ter o poder e a missão de exorcizar pessoas e mesmo coisas que ele não aceita por não seguirem sua familiar e muitas vezes reducionista visão de mundo, o fundamentalista está sempre pronto a atacar os outros, acusando-os de serem possuidos pelo "demônio", não percebendo que este demônio muitas vezes habita primariamente em si mesmo e se faz visível nos outros por um fenômeno psicológico chamado de projeção do inconsciente...

  E não existe exemplo mais gritante deste fenômeno de projeção e consequente perseguição, coletivamente visto, do que no surreal Encontro para a Consciência Cristã, um evento evangélico que compete agressivamente com um outro mais equilibrado e antigo, chamado Encontro da Nova Consciência, que, ao contrário do dos evangélicos, se caracterizou exatamente pelo encontro ecumênico e diálogo entre correntes de pensamento diferentes, em uma atmosfera de fraternidade e equilíbrio, teólogos, filósofos e representantes de diversas correntes espirituais podiam dialogar fraternalmente com ateus, agnósticos, cientistas e pessoas dos mais diferentes misteres. Pois bem, para a grande maioria dos evangélicos do tal Encontro para a Consciência "Cristã" (na sua maior parte, constituída de pentecostais e neo-pentecostais, havendo, como se sabe, evangélicos melhor esclarecidos, amadurecidos e críticos dos exageros daqueles), todos os participantes do Encontro para a Nova Consciência são dominados pelo diabo e este encontro, então, tem de ser exterminado pelos missionários e esclarecidos evangélicos. Não há diálogo ou dialogicidade, não há fala, não há debates com as diferenças, há discursos de atuo-exaltação e de perseguição.

  Vejamos um exemplo disto neste trecho de "artigo" do Pastor Ridalvo Alves da Silva no site do movimento-seita Consciência "Cristã":

É verdade que o evento emerge dentro do contexto do Nordeste do Brasil, especificamente na cidade de Campina Grande, no momento em que se realizava o VIII Encontro Esotérico intitulado Encontro para a Nova Consciência - Uma Cultura Emergente, como os organizadores a denominaram. Houve nesta conjuntura uma grande preocupação relacionada ao destino da Igreja Cristã Evangélica, pois ninguém havia se levantado até aquele momento para refutar e comparar em nível de reflexão teológica e apologética cristã os ensinos perniciosos que submergia a comunidade campinense como um todo atingindo já naquela época 48 eventos paralelos.

A perplexidade e angústia já haviam chegado ao coração de muitas pessoas reivindicando da Igreja Evangélica de Campina Grande uma tomada de posição firme quanto à invasão esotérica em nossa cidade. A princípio não se sabia como fazer para criar uma estratégia eficaz, não somente para combater os ensinos distorcidos da Nova Era, como também trazer diretrizes seguras para a comunidade quanto aos ensinos de uma Teologia Cristã sadia. Aconteceu somente em fevereiro de 1999 o I Encontro Para
a Consciência Cristã quando os alunos do Instituto Teológico Superior de Missões - ITESMI, sob a nossa direção, que dirigíamos pela orientação e urgência do Espírito Santo de Deus, aceitaram o desafio de enfrentar não somente as dificuldades de recursos financeiros, mas também de recursos humanos.

No início houve crítica, falta de compreensão e de ajuda por parte de muitos, porém, não era hora de olhar para as circunstâncias e sim exercer a fé em Deus que opera nas coisas impossíveis. Aí entra a disponibilidade do homem. Por isso, quero destacar a pessoa do pastor Euder Faber Guedes Ferreira, que nos instantes decisivos, acreditou plenamente na visão de Deus, que estava brotando, e largou seu emprego secular para se dedicar integralmente à grande causa prioritária do Reino de Deus. Quero trazer à memória de nossos caros leitores que foi muito difícil para implantarmos o I Encontro Para a Consciência Cristã, no entanto, o milagre aconteceu.

Não obstante, a razão do Encontro Para a Consciência Cristã não somente abrange a cidade de Campina Grande em seu contexto esotérico de evento anual, mas prepara a igreja contra os falsos ensinos que se alastram em nosso território nacional e também em outras regiões do mundo ocidental e oriental. O pluralismo religioso será certamente o maior desafio da Igreja Cristã neste novo milênio. Não temos dúvidas que por trás de tudo isto está o Império da religião ecumênica liderada pelo seu grande mentor, o Anticristo.

 Vê-se, pois, o quanto salta aos olhos a construção lógica e o grau de civilidade e de maturidade intelectual dos mentores do tal Encontro da Consciência "Cristã", não apenas na falta de adesão ao mandamento de Cristo de "Amar ao próximo", como na total falta de respeito com quem não partilha de suas idéias, em uma quase paranóia que abarca a proteção de um "mercado religioso" altamente lucrativo, baseado na cobrança de dízimos. Estranho ainda é essa expliticidade em se auto-denomiar de cristãos reais e agirem como egoístas mesquinhos com a "missão" de criticar e mesmo perseguir os demais. Por isso reflete o filósofo, teólogo e sociólogo Frei Betto, sobre os atuais fundamentalistas midiáticos:
"Todo fundamentalista é, a ferro e fogo, um “altruísta”. Está tão convencido de que só ele enxerga a verdade que trata de forçar os demais a aceitar o seu ponto de vista... para o bem deles! Há muitos fundamentalismos em voga, desde o religioso, que confessionaliza a política, ao líder político que se considera revestido de missão divina. Eles geram fanáticos e intolerantes."
  Fanáticos intolerantes que se acham no direito de agredir o diferente e que se sentem ofendidos, "perseguidos" se aqueles a quem agridem ousarem criticar seu posicionamento hipócrita. Este comportamento farisáico foi bem discutido pelo psicanalista  e professor universitário da UEM, Dr. Raymundo de Lima, quando, eu seu artigo "O Fanatismo Religioso entre outros", destaca alguns de seus sintomas:


O fanático não fala, faz discursos; é portador de discursos prontos cujo efeito é a pregação de fundo religioso ou a inculcação política de idéias que poderá vir a se tornar ato agressivo ou violento, tomado sempre como revelação da "ira de Deus" ou "a inevitável marcha da história" ou, ainda, a suposta "superioridade de uns sobre os demais". Faz discursos e não fala, porque enquanto a fala é assumida pelo sujeito disposto ao exercício do diálogo, da dialética, do discernimento da verdade, os discursos - especialmente odiscurso fanático - fazem sumir os sujeitos para que todos virem meros objetos de um desejo divinizado; servir ao desejo divino e à produção da repetição de algo já pronto, onde o retorno do recalcado do sujeito faz do Eu (ego) um porta-voz de um sistema de crenças moralistas carregado de ódio em relação ao suposto inimigo ou adversário que precisa ser destruído para reinar o Bem.
Os textos sagrados, tomados literalmente, fornecem a sustentação "teórica" do discurso fundamentalista religioso; com ele, o indivíduo acredita, a priori, estar de posse de toda a verdade e por isso não se dá ao trabalho de levantar possíveis dúvidas, como confrontar com outro ponto de vista, ou desvelar outro sentido de interpretação, ou ainda, contextualizá-lo, etc. O fanático tem certezae isso lhe basta. Creio porque é absurdo, já dizia Tertuliano. Certeza para ele é igual a verdade. (Segundo Popper, no campo científico, a certeza nada vale porque é "raramente objetiva: geralmente não passa de um forte sentimento de confiança, ou convicção, embora baseada em conhecimento insuficiente", já a verdade tem estatuto de objetividade, na medida em que "consiste na correspondência aos factos", na possibilidade da discussão racional com sentido de comprovação. (Popper, 1988, p. 48).
 O problema da religião não é a paixão "fé", mas a inquestionalidade de seu método. O método de qualquer religião traz uma certezadivulgada em forma de monólogo, jamais de diálogo ou debate de idéias. O pastor, padre, rabino, ou qualquer pregador de rua, vivem o circuito repetitivo do monólogo da pregação; acreditam que "vale tudo" para difundir a "verdade única" que o tocou e o transformou para sempre! O estilo fanático usa e abusa do discurso monológico delirante, declarações, comunicados, que jamais se voltam para escuta ou o diálogo, exercício esse que faria emergir a verdade - não a "certeza".
Psicopatologia do fanatismo
Do ponto de vista psicopatológico, todo fanatismo parece ter relação com a fuga da realidade.  A crença cega ou irracional parece loucura quando se manifesta em momentos ou situações específicas, porém se sua inteligência não está afetada, o fanático aparentemente é um sujeito normal. No entanto, torna-se um ser potencialmente explosivo, sobretudo se o fanatismo se combinar com uma inteligência  tecnologicamente preparada. Fanático inteligente é um perigo para a civilização. O terrorismo, por exemplo, que atua com a única meta de destruir inimigos aleatórios é realizado por indivíduos fanáticos cuja inteligência é instrumentada apenas para essa finalidade. No terrorismo é uma das expressões do fanatismo combinado com uma inteligência tecnológico, mas totalmente incapaz de exercitá-la por meios mais racionais, políticos e legais. Para o terrorismo sustentado no fanatismo, os inocentes devem pagar pelos inimigos; a destruição deve ser a única linguagem possível e a construção de um novo projeto político-econômico, não está em questão, porque a realidade no seu todo é forcluída. 
O fanatismo parece surgir de uma estrutura psicótica. O fato do sujeito se ver como o único que está no lugar de certeza absoluta, de "ter sido escolhido por Deus" para uma missão "x", já constitui sintoma suficiente para muitos psiquiatras diagnosticarem aí uma loucura ou psicose. Mas, seguindo o raciocínio de Freud, vemos que "aquilo que o psicótico paranóico vivencia na própria pele, o parafrênico experiência na pele do outro", ou seja, somos levados a supor que o fanatismo está mais para a parafrenia que para a paranóia. Hitler, antes considerado um paranóico, hoje é mais aceito enquanto parafrênico, pois seus atos indicam sua idéia fixa pela supremacia da raça ariana e a eliminação dos "impuros"; mais ainda, o gozo psíquico do parafrênico não se limita "ser olhado" ou "ser perseguido", tal como acontece com paranóicos, mas sim se desenvolve "uma ação inteligente de perseguição e extermínio de milhares de seres humanos", donde extrai um quantum de gozo sádico. Portanto, deve existir membros de um grupo de fanáticos paranóicos, mas certamente o pior fanático é o determinado pela parafrenia, pois visa de fato destruir em atos calculados "os impuros", "os infiéis", enfim, todos os que não concordam com ele.

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