segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Lava Jato completa dois anos sob sérios questionamentos



Jornal GGNPassaram-se dois anos desde que a Operação Lava Jato iniciou as investigações que levantaram o esquema de corrupção em contratos da Petrobras, entre dirigentes da estatal e empreiteiras. Sob o comando do juiz da Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, o percurso do levantamento de provas foi, em repetitivos momentos, questionado.

Além do instrumento da delação premiada, usada pelos investigadores como forma de coerção para se conseguir informações, também estão sob questionamentos a suposta manipulação de transcrição de depoimentos; o recebimento de provas pela Suíça, considerada no país irregular, e a quebra de sigilo obtida pela Polícia Federal.

"O problema não é a delação, mas o modo como tem sido obtida. Para sair da preventiva, que ainda não foi julgada, é preciso dizer algo. Mais: é preciso uma confissão que agrade a hipótese do investigador. É uma falha que gera nulidade absoluta do processo", afirmou o professor de direito constitucional da PUC­-SP, Pedro Estevam Serrano.

"A Lava Jato já é um enunciado performativo. Virou uma marca. Ou uma série de TV. Está se criando um clima com o objetivo de constranger qualquer tribunal superior que venha a reconhecer alguma irregularidade ou nulidade nos processos em favor dos acusados", disse o membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Lenio Streck.


Por Rodrigo Russo

"É evidente que a soltura dos acusados vai gerar sensação de impunidade. Estamos tratando de caso rumoroso. A lentidão da Justiça faz com que a sociedade aviste as prisões preventivas como instrumento de punição, não de garantia."

Ao votar, em abril de 2015, pelo fim da prisão preventiva de Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC e um dos réus da Lava Jato, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes abordou um dos pontos que advogados de defesa e alguns juristas consideram mais problemáticos na operação até aqui.

Para estes, o juiz Sergio Moro e o Ministério Público Federal têm usado as prisões preventivas para forçar os réus a aceitar a delação premiada. "O problema não é a delação, mas o modo como tem sido obtida. Para sair da preventiva, que ainda não foi julgada, é preciso dizer algo. Mais: é preciso uma confissão que agrade a hipótese do investigador. É uma falha que gera nulidade absoluta do processo", afirma Pedro Estevam Serrano, professor de direito constitucional da PUC­-SP e advogado da Odebrecht na área cível.

Para as defesas, mais questionável que a determinação das prisões preventivas em si, geralmente justificadas por Moro com base na continuidade dos crimes de corrupção, é a estratégia para lidar com pedidos de habeas corpus.

O caso de Alexandrino de Alencar, ex-­executivo da Odebrecht, ilustra bem essa situação. Cumprindo prisão preventiva, recorreu ao Tribunal Regional Federal.

Antes que a corte examinasse seu habeas corpus, Moro já havia feito uma segunda determinação de prisão preventiva, razão pela qual o tribunal considerou o recurso de Alexandrino prejudicado. Seria preciso refazer o considerou o recurso de Alexandrino prejudicado. Seria preciso refazer o caminho. 

Outro habeas corpus, então, foi submetido ao Superior Tribunal de Justiça; o pedido foi negado pelo ministro relator, em decisão individual, e, posteriormente, em julgamento colegiado.

Apenas ao ser examinado pelo ministro Teori  Zavascki, no STF, o assunto teve decisão diversa. "Realmente, não há razão lógica e jurídica para obrigar a defesa a renovar o pedido de liberdade perante as instâncias subsequentes", sentenciou Zavascki.

Para um advogado que atua na Lava Jato, esse tipo de estratégia é perversa. "Você está para conseguir e vem nova prisão a partir de simulacros de fatos novos."

"A Lava Jato já é um enunciado performativo. Virou uma marca. Ou uma série de TV. Está se criando um clima com o objetivo de constranger qualquer tribunal superior que venha a reconhecer alguma irregularidade ou nulidade nos processos em favor dos acusados", afirma Lenio Streck, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional.

NULIDADES

A legalidade de alguns episódios da operação deverá ser questionada nos tribunais superiores para pedir a nulidade de processos. Recentemente, a defesa de Marcelo Odebrecht acusou a força­tarefa responsável pela operação de ter manipulado transcrição de depoimento do ex­diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa sobre o empresário.

Em vídeo do depoimento, Costa afirma: "Nem põe o nome dele aí porque com ele não, ele não participava disso". Para a defesa de Odebrecht, se trechos assim integrassem o processo, seria mais difícil manter sua prisão. 

Na opinião do advogado Alberto Toron, que defendeu o dono da UTC, Ricardo Pessoa, a denúncia de Odebrecht "é muito grave". "Fica clara a parcialidade do juiz", diz.

Advogados questionam outros dois pontos. Um deles é a forma como o Ministério Público obteve informações de contas offshore ligadas à Odebrecht na Suíça. No final de janeiro, um tribunal daquele país considerou o envio dos dados irregular. A decisão, no entanto, rejeitou decretar a nulidade das provas.

O segundo problema, de natureza similar, está no modo como a Polícia Federal estabeleceu um canal direto com a empresa canadense Research in Motion, fabricante dos aparelhos BlackBerry, para cumprir ordens de quebra de sigilo de mensagens.

"São provas obtidas por via ilícita, sem respeitar os trâmites legais", afirma Serrano

OUTRO LADO

Para Roberson Henrique Pozzobon, procurador da República que integra a força-­tarefa da Lava Jato no Paraná, não fazem sentido as críticas apontadas, sobretudo por advogados, a certos aspectos da operação.

Pozzobon define como "uma falácia gigante" a consideração de que as prisões preventivas estejam sendo usadas como punição e modo de obtenção de delações premiadas.

"As preventivas são excepcionais, temos mais de 180 acusados e um número bem inferior de cautelares", diz. 

"Já nos manifestamos pró-­réu em alguns casos. Além disso, o que causa certo espanto a esses advogados é que agora também criminosos de colarinho branco sejam objeto de prisões preventivas. Por que a crítica ao instrumento só é feita nesse momento?", questiona o procurador da República.

Sobre a acusação de uso de prisões preventivas para forçar delações, Pozzobon explica que mais de 70% dos acordos celebrados com réus da operação ocorreram enquanto estes estavam soltos.

O procurador observa também que o Ministério Público, em todos os acordos firmados, jamais tomou a iniciativa de sugeri­-los aos acusados. "É sempre uma opção do colaborador", afirma.

Quanto à crítica de que se estaria usando, na operação, o artifício de decretar mais de uma prisão preventiva para um mesmo réu, com a finalidade de atrasar o julgamento de recursos de habeas corpus nas instâncias superiores, Pozzobon argumenta que a cada vez que isso é feito é com base em motivos novos e relevantes, que precisam ser levados em conta pelos órgãos revisores da Justiça.

"Se surgem novos motivos, ou documentação mais robusta de provas, deveríamos omiti­-los do Judiciário? Essas evidências, que justificam e reforçam a necessidade de prisão, precisam constar do processo", diz Pozzobon.

O procurador qualifica o questionamento em torno da transcrição do depoimento de Paulo Roberto Costa como uma "tempestade em copo d'água", feita a partir de releitura equivocada da defesa de Marcelo Odebrecht. 

Segundo Pozzobon, o termo levou em conta o que importava no contexto. "O termo de depoimento foi colhido no início das investigações e funciona como um sumário, um resumo do mais importante naquele momento. Hoje, com maior conjunto de provas que o incrimina, se Paulo Roberto falasse algo similar, essa informação seria relevante e constaria do termo", avalia.

No que diz respeito a possíveis alegações de nulidades por falta de trâmites de cooperação jurídica internacional adequados nos casos da Suíça e do Canadá, Pozzobon avalia que os críticos se atêm a "procedimentalismo" sem cabimento, em tentativas de macular o que for possível no processo a essa altura.

"A BlackBerry presta serviços a brasileiros no Brasil, logo está sujeita à legislação nacional. Não há razão para cooperação internacional, é pacífico nos tribunais", diz.

Por fim, manifestando­-se acerca dos documentos vindos da Suíça, o procurador afirma que a insurgência é "manifestamente irrelevante". Ele frisa que todos os pontos da decisão de um tribunal suíço foram esclarecidos no processo brasileiro.

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