sábado, 11 de junho de 2016

A propina de R$ 2,7 milhões de Temer e sua galeria de parceiros corruptos



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A longa viagem de um inquérito que apurou supostas propinas de R$ 2,7 milhões recebidas por Michel Temer no porto de Santos. Apesar da riqueza de detalhes…

Em novembro de 2000, o processo de separação de uma estudante de psicologia e do então presidente da Companhia Docas de Santos (Codesp), Marcelo de Azeredo, provocou um terremoto na 3ª Vara de Família e Sucessões de Santos.

Junto com o pedido de reconhecimento e dissolução de união estável, Érika Santos juntou um dossiê com planilhas e documentos que, segundo ela, comprovariam o milionário esquema de arrecadação de propinas no porto de Santos.

Além do ex-marido, Érika acusou de fazerem parte do esquema o então deputado federal Michel Temer e uma pessoa identificada como “Lima” – provavelmente o empresário João Baptista Lima Filho, amigo e homem de confiança de Temer, dono da fazenda Esmeralda e de outras terras na região de Duartina, no interior de São Paulo.

Ao ocupar a propriedade, em maio último, o MST acusou Lima de ser “laranja” de Temer:

    João Batista Lima Filho, o Coronel Lima, sócio da Argeplan e proprietário formal da fazenda Esmeralda, é coronel da reserva da Polícia Militar da Paraíba, mas curiosamente é proprietário de milhares de hectares de terras em São Paulo.

As informações contidas nos documentos juntados por Érika ao processo de separação expuseram o esquema que seria comandado por Azeredo.

A ex copiou arquivos que estavam no computador de Marcelo de Azeredo como forma de provar que ele era capaz de pagar a pensão de R$ 10 mil que ela pleiteava.

As planilhas revelavam a divisão da propina. Segundo os documentos, 25% eram de Azeredo, 25% de Lima e 50% de Temer.

Os arquivos tratavam de obras, serviços e valores repassados. A concessão dos terminais 34 e 35 para a empresa Libra Terminais teria rendido ao grupo R$ 1,28 milhão. Neste negócio, Temer teria embolsado R$ 640 mil.

Nas obras civis do terminal de grãos e do terminal ferroviário, a propina de Temer, identificado nos arquivos digitais como MT, teria sido de R$ 1,56 milhão.

Em negócio aparentemente relacionado ao lixo do porto, a parte do agora presidente interino teria sido de R$ 26.750,00.

Já em contrato com a empresa Rodrimar o então deputado Michel Temer teria levado R$ 300 mil, “+200.000 p/ camp”, anotação que segundo os advogados de Érika sugere que houve um extra pago à campanha eleitoral de Temer.

Contabilizadas as planilhas noticiadas pela imprensa, a parte de Temer só nos negócios revelados por Érika foi de R$ 2.726.750,00.

O esquema no Porto de Santos era muito parecido com os revelados posteriormente pela Operação Lava Jato.

Mas, o que aconteceu com as apurações?

Nos bastidores, conversamos com alguns investigadores que trabalharam no caso. Eles nos ajudaram a entender porque a história ficou escondida e esquecida por tanto tempo.

Batata-Quente

Depois que o dossiê de Érika foi anexado ao processo, a juíza encaminhou o material à Justiça Federal.

Citado, Temer ameaçou entrar com queixa-crime contra Érika.

Ela acabou se acertando amigavelmente com Azeredo, encerrou o processo na Vara de Família e deixou de colaborar com as investigações.

A papelada, no entanto, já havia se transformado em procedimento no Ministério Público Federal em Santos, com o número 1.03.000.000229/2001-76.

Como envolvia deputado federal com foro privilegiado, o material foi encaminhado ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro.

Brindeiro, que recebeu do jornalista Fernando Rodrigues o apelido de “engavetador-geral da República”, arquivou sumariamente as investigações contra Temer.

Mas, como havia inquérito em andamento em relação a outros dois acusados, o caso prosseguiu no Ministério Público Federal em Santos, sob os cuidados de uma procuradora sobrinha de um influente político do Nordeste.

O caso ficou praticamente parado por 5 anos!

Só quando outra procuradora assumiu o posto a papelada foi despachada para a Polícia Federal, que instaurou o inquérito 5-104/2006, em Santos.

Foram feitas diversas diligências para apurar o conteúdo do dossiê. A investigação se arrastou por outros cinco anos.

Em 2010, o delegado Cássio Nogueira tentou ouvir o depoimento de Michel Temer duas vezes. Não teve sucesso.

Ainda assim, o caso foi enviado outra vez ao STF. Em 28 de fevereiro de 2011, nasceu o inquérito 3105.

A essa altura, Temer já era vice-presidente da República.

Sem o empenho de Érika e com as investigações se arrastando por mais de uma década, não é de estranhar o que aconteceu em seguida.

No dia 8 de abril, o procurador Roberto Gurgel recomendou o arquivamento do caso.

No dia 30 do mesmo mês, o ministro Marco Aurélio arquivou a investigação contra Temer mas recomendou a continuidade dos trabalhos em relação a Marcelo de Azeredo na Justiça Federal.

O inquérito voltou à primeira instância e ganhou o número 2004.61.81.001582-7. Prosseguiu na 4ª Vara Criminal Federal, em São Paulo.

De acordo com a página do TRF3, consta como arquivado em Segredo de Justiça na secretaria da 6ª Vara Criminal Federal.

Por alguma razão, a página do STF não dá informações sobre o Inquérito 3105, que cogitou investigar Temer. A pesquisa pelo número retorna com um “inexistente”.

É impossível obter mais detalhes do que aqueles que a própria Érika ofereceu à Justiça e foram publicados à época pela revista Veja e outros órgãos de imprensa.

Isso não significa que os problemas de Michel Temer com a Justiça acabaram.

Segundo o TRE de São Paulo, o presidente interino está oficialmente inelegível por ter feito contribuições de campanha em 2014 acima do valor permitido (10% da renda no ano anterior).

O Viomundo retratou, na Galeria dos Hipócritas, um dos deputados que receberam ajuda de Temer oficialmente: o gaúcho Alceu “tem que chover na minha horta, neguinho” Moreira, apelidado de Tico Butico.

Temer também foi mencionado numa troca de mensagens entre Eduardo Cunha e José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, da empreiteira OAS.

Na conversa digital, Cunha reclama que Pinheiro repassou R$ 5 milhões a Temer mas deixou outras pessoas da “turma” esperando.

Do grupo, segundo o procurador-geral Rodrigo Janot, fariam parte os hoje ministros Henrique Eduardo Alves e Geddel Vieira Lima.

A assessoria de Temer confirma que a OAS fez contribuição oficial de R$ 5,2 milhões ao PMDB em cinco parcelas. Porém, o PGR interpretou as mensagens como indicativas de um suborno pago em parcela única.

Além disso, contra Temer pesa uma possível delação premiada de José Antonio Sobrinho, dono da Engevix.

A procuradores, o empreiteiro disse que a indicação do presidente da Eletronuclear, almirante Othon Pinheiro, acusado de receber propinas em contratos da empresa, foi feita por Michel Temer.

Sobrinho revelou que esteve no escritório político de Temer em São Paulo na companhia de Lima e que pagou ao coronel aposentado R$ 1 milhão em suborno por contratos de sua empresa junto à Eletronuclear.

Com o escândalo em torno da Operação Lava Jato, Lima teria procurado Sobrinho para devolver o dinheiro.

A revista Época, em reportagem que tratou da possível delação do dono da Engevix  — comprometendo Michel Temer, Renan Calheiros, Erenice Guerra e a campanha de Dilma Rousseff –, descreveu assim o “amigo de Temer”:

O AMIGO DO TEMER

    Em 2009, a pequena Argeplan, empresa paulistana de arquitetura e engenharia, ganhou um belo contrato. Por R$ 232 mil, iria reformar o forro da biblioteca do Tribunal de Justiça de São Paulo. A sede da empresa é uma casa de dois andares numa viela residencial da Vila Madalena, na capital, onde não há letreiro. A Argeplan é “especializada em obras públicas no Estado de São Paulo”, conforme revela seu próprio portfólio na internet. É comandada por dois sócios: o arquiteto Carlos Alberto da Costa e o coronel da Polícia Militar João Baptista Lima Filho, ambos septuagenários. João Baptista, que todos conhecem somente como Lima, obteve diploma de arquiteto depois de se aposentar da corporação.

    Três anos depois, enquanto acabava a reforma na biblioteca do Tribunal de São Paulo, a Argeplan obteve um contrato melhor. Em maio de 2012, venceu, por R$ 162 milhões, uma licitação internacional da estatal Eletronuclear, para serviços altamente especializados de eletromecânica na usina nuclear de Angra 3. A empresa do coronel Lima não obteve sozinha o contrato. Entrou num consórcio com a finlandesa AF, que criou uma filial no Brasil para participar da licitação. Segundo documentos obtidos por ÉPOCA, Lima também é sócio dessa empresa.

    Como a empresinha do coronel Lima conseguiu tamanho contrato? Em sua proposta de delação, Antunes afirma que a Argeplan é uma empresa ligada ao vice-presidente Michel Temer. Segundo Antunes, o coronel Lima “é a pessoa de total confiança de Michel Temer”. Aos 74 anos, Lima é do círculo próximo de Temer desde os tempos em que o vice assumiu cargos de alto escalão no governo de Franco Montoro, em São Paulo.

    Lima também é próximo do almirante Othon Pinheiro, presidente da Eletronuclear nos governos Lula e Dilma, que foi preso na Lava Jato, acusado de corrupção nos contratos de Angra 3. Segundo dois chefes do PMDB e um lobista do partido, o almirante foi indicado por Temer e pelos senadores do PMDB – Temer nega ter feito a indicação.

    Consta da proposta de delação de Antunes que “Lima foi diretamente responsável pela indicação de Othon junto a Michel Temer, e por sua manutenção no cargo de presidente da Eletronuclear”. O delator disse ainda ter ouvido de Lima que a manutenção de Othon na presidência da empresa estava diretamente associada a “resultados”.

    Antunes disse que foi procurado pelo coronel Lima para entrar no contrato de Angra 3. A empresa de Lima, afinal, não tinha quaisquer condições de executar os serviços. Antunes topou e foi subcontratado pelo consórcio AF/Argeplan, criado, segundo ele e documentos comerciais, por Lima e pessoas ligadas ao almirante Othon.

    Antunes afirma que “entre as condições para que Othon fosse mantido no cargo, estava a de ajudar Lima nesse contrato e em outros futuros, de modo que a Argeplan/AF e mesmo a Engevix se posicionassem bem nos futuros projetos nucleares”.

    Fontes da Engevix ouvidas por ÉPOCA garantem, contudo, que, apesar de integrar o consórcio, a AF Consult do Brasil não realizou nenhuma obra em Angra 3, e que sua participação no contrato jamais foi explicada pela direção da empresa.

    Antunes afirmou ainda, em sua proposta de delação, que esteve por duas vezes no escritório de Michel Temer em São Paulo, acompanhado de Lima, “tratando de assuntos, incluindo a Eletronuclear”. Diz que foi cobrado por Lima, que dizia agir em nome de Temer, a fazer um pagamento de R$ 1 milhão.

    Esse dinheiro, segundo Antunes, iria para a campanha do peemedebista em 2014. Antunes disse aos procuradores que fez o pagamento por fora, por intermédio de uma fornecedora da Engevix. Segundo Antunes, a Lava Jato amedrontou Lima. Antunes diz que Lima o procurou no ano passado, para propor a devolução do dinheiro. Antunes diz que não topou.

    Não é a primeira vez que Lima surge na Lava Jato. O nome do coronel é citado em uma troca de e-mails de Antunes sobre o contrato Eletromecânico 1 de Angra 3, justamente o que foi firmado pela Engevix, com participação da Argeplan. Lima e sua empresa também aparecem em interceptações telefônicas do almirante Othon Pinheiro.

    Em 7 de julho de 2015, Lima perguntou se Othon teria previsão de ir a São Paulo para um encontro. Num diálogo que denotava subordinação de Othon a Lima, o almirante dizia que não tinha previsão, porém poderia rapidamente organizar a viagem para segunda-feira, menos de uma semana depois da ligação.

    “Segunda-feira, se o senhor vier aqui, a gente precisava ter uma conversa. Tem de tomar uma providência aí que… eu acho que tá chegando no ponto que vai culminar naquele tema”, diz Lima na gravação.

    Procurado, Temer disse conhecer Lima há mais de 30 anos. Também afirmou que recebeu Antunes e Lima em seu escritório em São Paulo, mas que o encontro foi para falar sobre o Porto de Rio Grande, obra tocada pela Engevix.

    Temer não revelou em maiores detalhes o teor da conversa. Disse apenas que os pleitos do empreiteiro não foram atendidos. Afirmou que não ajudou a indicar o almirante Othon para o cargo, que não tinha qualquer influência na Eletronuclear e que não autorizou ninguém a buscar recursos ilícitos em nome dele.

    O almirante Othon disse que só se pronunciaria em juízo. A Eletrobras, que tem se pronunciado sobre questões envolvendo a Eletronuclear, não retornou o pedido de informação até o fechamento da reportagem.

O caso que envolve o dono da Engevix e a Eletronuclear foi o único desmembrado até agora pelo STF. Ficou fora da Lava Jato e, portanto, das mãos do juiz Sérgio Moro.

A investigação corre no Rio de Janeiro, sede da Eletronuclear. A delação de José Antonio Sobrinho ainda não foi homologada.

Será que, por envolver o agora presidente interino, terá o mesmo destino do inquérito sobre as supostas propinas no porto de Santos?

*É repórter investigativo com 20 anos de experiência, contratado pelos leitores do Viomundo para produzir a Galeria dos Hipócritas.

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