quinta-feira, 16 de junho de 2016

Eugênio Aragão analisa criticamente a Lava Jato, suas ilegalidades e o prejuízo à democracia, por Marcelo Auler

Eugênio Aragão foi crítico à Lava Jato e cobrou um maior controle
das ilegalidades ocorridas pelos órgão jurisdicionados.
Foto Marcelo Auler

Uma seleta plateia de pouco menos de cem pessoas, composta basicamente por alunos e professores da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) presenciou Eugênio Aragão, subprocurador da República e ex-ministro da Justiça da presidente afastada Dilma Roussseff, analisar criticamente a crise no país provocada pela Operação Lava Jato. No debate promovido pela professora Margarida Lacombe Camargo, ele abordou o tema “O Ministério Público na crise de 2016“.

Foi na segunda-feira, (13/06) quando, por aproximadamente três horas, expôs suas ideias, muitas delas que provocarão polêmica, sem cansar os ouvintes — poucos saíram antes do final — e acabou recebendo aplausos e elogios pela maneira franca, dura e às vezes sarcástica, com que analisou o momento político do país e, obviamente, a Operação Lava Jato:
Todo mundo fica caladinho. Do Moro você não pode falar mal, se você falar mal da Lava Jato, vira sacrilégio. E aí, pronto, você já está sujeito a levar uma chapuletada…. Infelizmente“.
Ataque aos métodos — Antes que alguns mais afoitos corram a apontá-lo como candidato a coveiro da Lava Jato e do combate à corrupção, deixa-se claro que ele não se posicionou contra o combate à corrupção, mas foi bastante crítico à maneira como isto está acontecendo. Classificou, por exemplo, de ilegais, as gravações que estão sendo feitas por envolvidos como forma de se beneficiar, através das delações premiadas; criticou os vazamentos de gravações, como das conversas privadas da ex-primeira dama Mariza Letícia da Silva;
Uma seleta plateia, composta de alunos e professores da Faculdade de Direito , além de dois procuradores da República, assistiu Eugênio Aragão falar por cerca de três horas. Foto Marcelo Auler
Uma seleta plateia, composta de alunos e professores da Faculdade de Direito,
além de dois procuradores da República, assistiu Eugênio Aragão falar por cerca
de três horas.
Foto Marcelo Auler
Cobrou dos órgãos jurisdicionais,uma posição mais firme diante destas ilegalidades; criticou — e muito — seus próprios colegas do Ministério Público Federal, e até mesmo a forma de escolha pelos governos do PT do Procurador Geral da República — através de eleição “corporativa”; também não passou em brancas nuvens a atuação da Polícia Federal tendo, em certo momento, deixado claro que seu antecessor no ministério da Justiça, José Eduardo Cardoso, poderia ter agido mais firmemente com relação à instituição.

Defendeu a necessidade de se despolitizar o Supremo Tribunal Federal e de que a sociedade mantenha um controle sobre seus ministros; alertou para o risco à economia não apenas do Brasil, como de toda a América Latina, com a possível quebra das empresas de construção civil brasileiras.

Em um dos pontos que certamente gerará polêmica, Aragão citou o estudo de um economista do Banco Mundial no qual seu autor defende que:
“às vezes, até, para certo tipo de corrupção, você tem que ser leniente (…) em alguns estados extremamente burocratizados, com alto custo da economia, uma tese de que um certo nível de corrupção funciona como graxa  nas engrenagens e bota a economia para funcionar“.
Ao lembrar este estudo — frisando sempre que esta defesa é do ponto de vista econômico, jamais ético ou juridicamente falando — ele criticou seus colegas que vangloriam-se de terem internalizado valor altos, como R$ 2 bilhões, mas  sem notarem que geraram prejuízos muito maiores ao paralisarem economicamente o país. Para ele, toda a crise gerada teve um único objetivo:
“Tirá-la (a Dilma) do poder. Tirar o PT do poder. Não tenho dúvida nenhuma disso“.
Esclarecimento e agradecimento — O editor do blog foi o único jornalista presente à palestra que era aberta ao público e foi devidamente anunciada. Gravamos em áudio quase toda a fala do ex-ministro e fizemos algumas filmagens, muitas delas com problemas técnicos que devem ser atribuídos ao amadorismo de quem as filmou. Desde já nos desculpamos com todos por defeitos que surgirão, mas que mantivemos para evitar maiores cortes. Assim como lamentamos não ter filmado outros trechos do encontro. A edição destes vídeos coube ao experiente repórter fotográfico Américo Vermelho, a quem renovamos nossos agradecimentos. O áudio da palestra está sendo compilado pela jornalista Lara Vieira Faria, a quem também agradecemos a colaboração. Os assuntos abordados serão publicados em diversas reportagens, a partir desta quinta-feira (16/06).

No início da semana em que veio à público a integra da delação premiada feita pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, o ex-ministro foi bastante crítico com as gravações que o político fez junto a outros colegas parlamentares e ao ex-presidente José Sarney. Ele parte da constatação que estas gravações não foram tiveram o objetivo de serem usadas na defesa de Machado —  única hipótese em que o Supremo Tribunal Federal considera válidas. Na verdade, atenderam à necessidade do Ministério Público Federal, sendo feitas para beneficiar quem as gravou com a diminuição da pena. Por isso, segundo Eugênio, precisariam de autorização judicial prévia, sem o que correm o risco de serem provas nulas.

Questionando as delações — Suas críticas, porém, começam com as delações premiadas. Lembra que elas são feitas debaixo de torturas psicológicas e, por serem obtidas sob tortura pela lei não têm validade judicial. Reclama que a Lava Jato não se preocupa com isto.
É curioso, porque a medida que você coloca as pessoas suspeitas em custódia e deixa elas mofarem lá dentro para abrir a boca, elas acabam entregando até a mãe. Principalmente se essa pressão é acompanhada também pela destruição da reputação da pessoa pela imprensa e pressões em cima da família, então não tem ninguém que resista. As pessoas começaram a “cantar”, como se dizia na linguagem da ditadura militar, começaram a “cantar” como se estivesse em um pau de arara“.
Na sua análise, ele vai além e questiona:
Até que ponto você pode usar o confinamento de uma pessoa em uma cadeia, para ele falar? Uma coisa é a pessoa falar por, naturalmente, ter receio da consequência dos seus atos, porque a Justiça já sabe de quase tudo e ele não vai escapar de uma sanção e ele gostaria de diminuir a sua sanção. Outra coisa é quando o sujeito não disse nada, ele sabe que a Justiça não sabe de nada e a Justiça o confina, sine die, dentro de uma cela, para ele “cantar”. Se faz isso com os poderosos, imagina o que faz com o pequeninho. O poderoso fica na cadeia dois a três meses, o pequeninho vai direto para o pau de arara“. (ouça no vídeo)



Não há ganho para a democracia — Ele também questionou a legalidade de gravações como as que Sérgio Machado fez com políticos como Renan Calheiros, José Sarney e Romero Jucá, embora sem citar o nome de nenhum deles. Atentou para um detalhe do prejuízo para o Estado Democrático de Direito.

“Existe muito, atrás disso, a aparência de um baixo nível de ética pública, condenável. Porque, o estado se valer do maucaratismo de uns, que vão ali, sorrateiramente, gravando seus amigos, para entregá-los à polícia, isso de alguma forma estimula o estado policial. Estimula o estado policial de uma forma que hoje, por exemplo, em Brasília, as pessoas têm medo de falar, até no celular, até com seus amigos (…) do ponto de vista da democracia, isto não foi nenhum ganho“. (ouça no vídeo)



Logo depois, ao avançar neste assunto, expôs seu entendimento de que estas gravações devem ser desconsideradas como provas, pois não foram feitas com o objetivo de defesa de quem as gravou, mas em um trabalho encomendado pelo Ministério Público. Por isso, são provas ilícitas. Ele diz Machado serviu como uma “longa-manus” do Ministério Público, e nesse caso, seria necessário autorização judicial:

“Se você é uma longa-manus do Ministério Público, só pode fazer o que a lei autoriza a fazer e a autorização está condicionada a uma autorização judicial.para escuta. Se não tiver autorização judicial para escuta, babau, não vale isso. Mas hoje ninguém mais está preocupado com isso. basta a escuta em si, e não o processo em que a escuta foi obtida“. (ouça no vídeo)



Estratégia de desconstrução de reputação — Ao abordar os vazamentos das gravações feitas com ou sem autorização legal, ele apontou a estratégia de desconstrução de reputação das pessoas. Citou a divulgação do grampos feitos nos telefone da ex-primeira dama, Mariza Letícia, em que captaram ela falando com o filho, momento em que além de utilizar palavrões, fez críticas aos coxinhas. O ex-ministro lembrou que, pela lei, gravações como estas não podem ser usadas e deveriam ser destruídas, não divulgadas. Em seguida ele cobra:

“Isso é criminoso. Isso é para destruir reputações. Cadê o procurador-geral da República? Cadê o Supremo Tribunal Federal? Cadê os órgãos jurisdicionais se opondo a este abuso? Não, todo mundo fica paradinho. Do Moro não se pode falar mal. Se você falar mal da Lava Jato será um sacrilégio. E aí, pornto, você está sujeito a levar uma chapuletada“. (ouça no vídeo)



Os vídeos aqui apresentados foram filmados pelo editor do blog que assume a responsabilidade pelos erros cometidos. Gentilmente foram editados pelo nosso companheiro, repórter fotográfico/editor de vídeos, Américo Vermelho – da Luz e Sombra, fotografia e vídeos —, a quem publicamente agradecemos a ajuda prestada inclusive melhorando o que era possível melhorar.

Marcelo Auler

Fonte: Contexto Livre

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