quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O golpe judiciário, por Sérgio Sérvulo, jurista.



Alguns analistas afirmam que o impeachment da presidente Dilma Rousseff caracterizou um golpe de Estado, que se veio a designar como “golpe de Estado parlamentar”, não obstante a participação nele, além da oposição política, de setores da mídia e do judiciário.
O impeachment de Dilma assegurou, à oposição, a tomada do governo. Entretanto, conforme alguns desses analistas, o objetivo maior do golpe – a tomada do poder político, com o esmagamento do PT – só se consumará com a desmoralização de Lula, e sua inabilitação para concorrer às eleições presidenciais de 2018.
Esses mesmos analistas estão agora mencionando um “golpe judiciário”, a partir da decisão adotada, na última 5ª. feira (dia 22 de setembro de 2016) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (sede em Porto Alegre), com a qual, por 13 votos a 1, foi repelida representação contra ato ilegal do juiz Sérgio Moro, titular da Vara Privativa dos Feitos do PT, dos seus membros, parentes e amigos, com sede em Curitiba. Essa decisão não invoca jurisprudência do STF, isto é, acórdãos proferidos, em casos semelhantes, pela Suprema Corte; mas replica a extensão dada, por ela, à sua jurisdição.
À parte outras considerações sobre a gravidade dessa decisão “contra legem”, ela sepulta de vez qualquer esperança quanto à reforma da sentença a ser proferida, pelo juiz Sérgio Moro, ao julgar a denúncia recentemente aceita contra o ex-presidente.
Nos últimos editoriais deste site, analisei essa denúncia, e as três imputações que contém. Demorei-me com relação à segunda, que é inepta, visto acusar Lula de haver praticado um crime impossível (a ocultação de propriedade imóvel); e porque principalmente a partir dela é que se pode esperar a condenação: das três, é a única endereçada também contra d. Marisa Letícia. Acontece que a denúncia perderia a utilidade caso apenas se inabilitasse eleitoralmente Lula, deixando-se porém, em aberto, a possibilidade de indicar como candidata sua mulher. O juiz Moro mostrará o quanto é magnânimo, na sentença, ao descartar a terceira acusação (aquela do acervo presidencial); mas desde já evidencia o quanto é sensível, ao lamentar a inclusão, como ré, da ex-primeira dama.
Devo discordar, porém, dos que identificam apenas agora, na decisão do TRF-4, a consumação do golpe.
Desde 2010 tenho denunciado que o Supremo Tribunal Federal cometeu um golpe de Estado judiciário quando assumiu funções legislativas.
Denunciei esse golpe em texto publicado na Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais em abril de 2013 (n° 14). Ele foi resumido no prefácio à 2ª. edição de meu livro sobre recurso extraordinário (2012), onde se lê: “A importância dessa mudança, ocorrida no papel institucional da Corte Suprema, transcende a lógica jurídica e o direito processual, e passa a reclamar também a atenção dos cientistas políticos.” E mais, em conclusão: “O comportamento da Suprema Corte revela o que podemos designar como ‘lei da incontinência do arbítrio’. Assim como o sistema normativo da ditadura – que se buscou legitimar com o ato institucional – veio a recair no casuísmo, o STF, tendo abandonado a Constituição como norte de sua atividade, já não encontra freio na lei e sequer no seu regimento interno. O que ressalta hoje em seus anais – tal como nos anos negros de 1964 – é a tecnocracia dos números, posta por cima dos direitos cidadãos”.
Sérgio Sérvulo da Cunha é advogado, autor de várias obras jurídicas. Foi procurador do Estado de São Paulo e chefe de gabinete do Ministério da Justiça.
Fonte: Jornal GGN

Nenhum comentário:

Postar um comentário