domingo, 27 de novembro de 2016

Notas sobre o empresário da OAS que Moro condenou sem provas, por Cíntia Alves



Jornal GGN - Dois fatos que passaram pela grande mídia sem muito destaque, nesta última semana, reforçam a ideia de blindagem a Sergio Moro: o resultado parcial da primeira rodada de oitivas do caso triplex, com testemunhas de acusação inocentando Lula dos crimes elencados pela Lava Jato, e a notícia de que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou outra decisão da 13ª Vara de Curitiba, agora apontando que Moro condenou dois empresários da OAS sem provas. Entre eles, Mateus Coutinho de Sá, que atuava na área financeira do grupo.
Preso por cerca de nove meses e condenado a 11 anos de prisão por Moro, Coutinho é, neste domingo (27), objeto de uma reportagem especial da Folha que merece algumas notas:
1 - É sintomático que a matéria (confira abaixo) aborde quase que exclusivamente o drama pessoal e familiar de Coutinho, deixando de lado o que levou Moro a proferir uma sentença que precisou ser reformada.
2 - Só agora, absolvido, Mateus é tratado como um "estranho no ninho" - um executivo da OAS que, na visão de outros empresários envolvidos na Lava Jato, foi pego por engano. E todos já desconfiavam disso desde o período em que ele permanecia preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba.
2 - O drama familiar de Coutinho é o fio condutor da matéria, que atinge alguns picos quando fala do sofrimento que ele sentia por causa da distância com a pequena filha, da depressão decorrente desse sentimento de saudade; da visita que ela fez à prisão, combinada com os agentes para que não parecesse que o empresário estava com outros detentos... "Não houve quem não se emocionasse na hora", disse um executivo que sabia detalhes, em condição de sigilo, à Folha. O ápice vem quando o jornal revela que, certa vez, Coutinho - prejudicado com meses de prisão, demissão na OAS e abalo em seu casamento, em função dos erros da Lava Jato - quase "perdeu a calma e partiu para cima" de um oficial da carceragem.
3 - Esse "partiu para cima" guarda relações justamente com a pressão exercida sobre alvos da Lava Jato na prisão, para que façam acordo de delação premiada, segundo denúncia dos advogados de defesa. No caso, o agente teria dito a Coutinho que ele ficaria preso e não veria a filha em muito tempo, por simples vontade de provocá-lo com algo que lhe doía.
4 - Coutinho foi inocentado diante da acusação de que teria ajudado a desviar recursos de contratos da OAS com a Petrobras nas obras da refinaria de Abreu e Lima e Getúlio Vargas. Segundo o Ministério Público Federal, ele participava da quadrilha que ajudou no pagamento de 1% de propina a Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento.
À margem dessa edição da Folha, a relação entre esses contratos da OAS com a Petrobras e o escopo da denúncia do MPF contra Lula no caso triplex. Como Moro já condenou os empresários por esse esquema, a Procuradoria juntou dois desses contratos e um terceiro, também da OAS envolvendo as mesmas refinarias, para dizer que Lula foi beneficiado, no mínimo, mantendo a governabilidade durante seu mandato. Pois Paulo Roberto Costa e Renato Duque, outro ex-diretor da estatal, teriam irrigado caixas de partidos aliados com esses desvios.
5 - Curiosamente, o caso Lula-triplex e a sentença de Moro contra Coutinho e outros empresários da OAS também se cruzam em outros aspectos: no julgamento cheio de atritos e nas acusações de que o magistrado foi parcial e ajudou o MPF a produzir provas contra os acusados.
No despacho em que profere as condenações, incluindo a de Coutinho, Moro dispara contra os advogados de defesa que denunciaram sua suspeição, algo que o juiz diz ter sido feito sem "cuidado e ponderação". "A alegação de suspeição ou de impedimento deve ser formulada quando presente um motivo sério para recusar um juiz ou questionar a sua imparcialidade, mas, aqui, é um mero mecanismo para veicular pura discordância em relação às decisões judiciais."
A defesa de Coutinho e outros advogados também reclamaram que Moro "fez muitas perguntas no decorrer do processo". Moro respondeu que era "natural" que ele tivesse muitas perguntas porque o caso envolvia dois colaboradores (Youssef e Paulo Roberto Costa), que ele vinha acompanhando há muito tempo.
No caso triplex, a defesa de Lula também questionou a postura de Moro durante as oitivas. Uma das críticas é que Moro fez as vezes de um procurador, fazendo questões que não haviam sido abordadas nas audiências ou sobre processos que nada têm a ver com a ação que está julgado. Isso seria, segundo os advogados, uma violação ao Código de Processo Penal, para dizer o mínimo.
Na mesma peça em que condena Coutinho, Moro deixou registrado que o julgamento foi uma verdadeira batalha com os advogados de defesa, que teriam feito "manifestações ofensivas" contra a força-tarefa da Lava Jato e o próprio magistrado. Essas "ofensas", segundo Moro, "permearam todo o processo, até mesmo nessas peças finais, quando utilizam expressões 'justiceiro' ao referir-se ao julgador".
Abaixo, a reportagem da Folha sobre Coutinho.
Por Walter Nunes
Na Folha
Na manhã da sexta-feira 14 de novembro de 2014, o então diretor financeiro da empreiteira OAS, Mateus Coutinho de Sá, com 36 anos, foi retirado de sua casa, em São Paulo, por policiais federais e levado para a superintendência da entidade em Curitiba (PR).
Ele era um dos alvos da 7ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Juízo Final.
O juiz Sergio Moro havia determinado a prisão de presidentes e executivos de algumas das principais empreiteiras do país, altos funcionários da Petrobras e de operadores financeiros.
Todos eles, sem exceção, chegaram à carceragem da Polícia Federal na capital paranaense jurando inocência.
Pouco mais de dois anos depois, as provas contra os que foram presos naquele dia se avolumaram e a Lava Jato avançou para desvendar um dos maiores esquemas de corrupção do país.
O caso do executivo Mateus Coutinho de Sá, porém, destoa desse enredo.
A acusação contra ele era ajudar na distribuição de propina decorrente de contratos da OAS com a Petrobras em obras da Refinaria Getúlio Vargas e Refinaria do Nordeste Abreu e Lima.
A empreiteira é acusada de ter pago propina de 1% sobre o valor destes contratos e dos aditivos à diretoria de Abastecimento da estatal, comandada na época por Paulo Roberto Costa.
Condenado por Moro por corrupção, lavagem de dinheiro e pertencer a uma organização criminosa, Coutinho foi absolvido na última quarta-feira (23) por unanimidade pelos desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Os juízes do órgão de segunda instância consideraram que não havia provas de que ele havia cometido esses crimes.
Ao absolverem Coutinho, os desembargadores aplicaram uma rara derrota em Moro, responsável pela Operação Lava Jato.
Coutinho chegou à cadeia dizendo aos colegas que tudo não passava de um engano e que seus advogados provariam rápido sua inocência, o que não convenceu seus colegas de cárcere.
Pai de uma menina pequena, recomendou à mulher que não a levasse para visitá-lo na prisão para evitar desgastes –afinal, ele tinha convicção de que não ficaria ali por muito tempo.
SAUDADES
Os presos da Lava Jato já se conheciam pelas relações de negócios que tinham fora da cadeia, mas Coutinho era um estranho na turma, segundo um empreiteiro que conviveu com ele na PF. Não era daquele mercado.
Coutinho foi colocado na cela de número 6 junto com os empreiteiros Erton Medeiros Galvão, presidente da Galvão Engenharia, João Auler, ex-presidente do conselho administrativo da Camargo Corrêa, e Sérgio Cunha Mendes, vice-presidente e herdeiro da Mendes Júnior.
No cubículo havia apenas um beliche, e Coutinho, por ser o mais novo, dormia num colchão no chão. Os ex-companheiros de cela o descrevem como sociável, equilibrado e simpático.
Essas características, porém, davam lugar à tristeza toda vez que ele falava da filha. Reclamava repetidamente da saudade que sentia. Ficava deprimido quando se dava conta da ausência dela.
O agente federal Carlos Henrique, que havia estudado psicologia, percebeu o problema de Coutinho e passou a conversar com ele, tentando animá-lo.
Outro agente, menos sensível àquele drama, foi pela via contrária. Num dos dias em que Coutinho lamentava a falta que sentia da menina, ele o provocou dizendo que não a veria tão cedo.
Coutinho perdeu a calma e, não fossem os colegas de cela, teria partido para cima do agente.
VOLTA PARA CASA
Como os pedidos de liberdade caíam um a um nos tribunais superiores, Coutinho passou a estudar a possibilidade de receber a filha numa visita, mas queria preservá-la dos dissabores de uma cadeia. Fez um acordo com a direção da carceragem e a menina foi vê-lo num dia sem visitas de outros presos.
A sala destinada às visitas fica longe das celas. Mesmo assim os presos ouviram a menina gritar "pai" quando o viu. Segundo um executivo preso na PF, não houve quem não se emocionasse na hora.
Coutinho ainda ficou preso até o dia 28 de abril de 2015, quando, por decisão apertada, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram que ele e outros presos da Lava Jato poderiam responder ao processo em prisão domiciliar. Colocou tornozeleira e foi pra casa.
Em agosto daquele ano, Moro trocou a domiciliar por medidas cautelares. Entre as restrições teve que se afastar de atividades econômicas e comparecer à presença do juiz em prazos determinados.
Também perdeu o emprego na OAS, ficou proibido de manter contato com outros réus e entregou passaporte.
Pessoas próximas de Coutinho dizem ainda que nesse processo todo perdeu o casamento e ainda sofre preconceito por ter sido preso na Operação Lava Jato.
"Eu lamento muito que ele tenha passado o tempo que passou numa prisão", diz o advogado Juliano Breda. "Nenhum dos delatores da Lava Jato tinha dito que Coutinho praticou qualquer tipo de crime. Ele não tinha absolutamente nada a ver com qualquer esquema."
Coutinho não respondeu às ligações da Folha. Por mensagem, disse que não tinha condições de dar entrevista. Limitou-se a dizer que quer reconstruir a vida.

Por Walter Nunes
Na Folha
Na manhã da sexta-feira 14 de novembro de 2014, o então diretor financeiro da empreiteira OAS, Mateus Coutinho de Sá, com 36 anos, foi retirado de sua casa, em São Paulo, por policiais federais e levado para a superintendência da entidade em Curitiba (PR).
Ele era um dos alvos da 7ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Juízo Final.
O juiz Sergio Moro havia determinado a prisão de presidentes e executivos de algumas das principais empreiteiras do país, altos funcionários da Petrobras e de operadores financeiros.
Todos eles, sem exceção, chegaram à carceragem da Polícia Federal na capital paranaense jurando inocência.
Pouco mais de dois anos depois, as provas contra os que foram presos naquele dia se avolumaram e a Lava Jato avançou para desvendar um dos maiores esquemas de corrupção do país.
O caso do executivo Mateus Coutinho de Sá, porém, destoa desse enredo.
A acusação contra ele era ajudar na distribuição de propina decorrente de contratos da OAS com a Petrobras em obras da Refinaria Getúlio Vargas e Refinaria do Nordeste Abreu e Lima.
A empreiteira é acusada de ter pago propina de 1% sobre o valor destes contratos e dos aditivos à diretoria de Abastecimento da estatal, comandada na época por Paulo Roberto Costa.
Condenado por Moro por corrupção, lavagem de dinheiro e pertencer a uma organização criminosa, Coutinho foi absolvido na última quarta-feira (23) por unanimidade pelos desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Os juízes do órgão de segunda instância consideraram que não havia provas de que ele havia cometido esses crimes.
Ao absolverem Coutinho, os desembargadores aplicaram uma rara derrota em Moro, responsável pela Operação Lava Jato.
Coutinho chegou à cadeia dizendo aos colegas que tudo não passava de um engano e que seus advogados provariam rápido sua inocência, o que não convenceu seus colegas de cárcere.
Pai de uma menina pequena, recomendou à mulher que não a levasse para visitá-lo na prisão para evitar desgastes –afinal, ele tinha convicção de que não ficaria ali por muito tempo.
SAUDADES
Os presos da Lava Jato já se conheciam pelas relações de negócios que tinham fora da cadeia, mas Coutinho era um estranho na turma, segundo um empreiteiro que conviveu com ele na PF. Não era daquele mercado.
Coutinho foi colocado na cela de número 6 junto com os empreiteiros Erton Medeiros Galvão, presidente da Galvão Engenharia, João Auler, ex-presidente do conselho administrativo da Camargo Corrêa, e Sérgio Cunha Mendes, vice-presidente e herdeiro da Mendes Júnior.
No cubículo havia apenas um beliche, e Coutinho, por ser o mais novo, dormia num colchão no chão. Os ex-companheiros de cela o descrevem como sociável, equilibrado e simpático.
Essas características, porém, davam lugar à tristeza toda vez que ele falava da filha. Reclamava repetidamente da saudade que sentia. Ficava deprimido quando se dava conta da ausência dela.
O agente federal Carlos Henrique, que havia estudado psicologia, percebeu o problema de Coutinho e passou a conversar com ele, tentando animá-lo.
Outro agente, menos sensível àquele drama, foi pela via contrária. Num dos dias em que Coutinho lamentava a falta que sentia da menina, ele o provocou dizendo que não a veria tão cedo.
Coutinho perdeu a calma e, não fossem os colegas de cela, teria partido para cima do agente.
VOLTA PARA CASA
Como os pedidos de liberdade caíam um a um nos tribunais superiores, Coutinho passou a estudar a possibilidade de receber a filha numa visita, mas queria preservá-la dos dissabores de uma cadeia. Fez um acordo com a direção da carceragem e a menina foi vê-lo num dia sem visitas de outros presos.
A sala destinada às visitas fica longe das celas. Mesmo assim os presos ouviram a menina gritar "pai" quando o viu. Segundo um executivo preso na PF, não houve quem não se emocionasse na hora.
Coutinho ainda ficou preso até o dia 28 de abril de 2015, quando, por decisão apertada, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram que ele e outros presos da Lava Jato poderiam responder ao processo em prisão domiciliar. Colocou tornozeleira e foi pra casa.
Em agosto daquele ano, Moro trocou a domiciliar por medidas cautelares. Entre as restrições teve que se afastar de atividades econômicas e comparecer à presença do juiz em prazos determinados.
Também perdeu o emprego na OAS, ficou proibido de manter contato com outros réus e entregou passaporte.
Pessoas próximas de Coutinho dizem ainda que nesse processo todo perdeu o casamento e ainda sofre preconceito por ter sido preso na Operação Lava Jato.
"Eu lamento muito que ele tenha passado o tempo que passou numa prisão", diz o advogado Juliano Breda. "Nenhum dos delatores da Lava Jato tinha dito que Coutinho praticou qualquer tipo de crime. Ele não tinha absolutamente nada a ver com qualquer esquema."
Coutinho não respondeu às ligações da Folha. Por mensagem, disse que não tinha condições de dar entrevista. Limitou-se a dizer que quer reconstruir a vida.

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