domingo, 18 de dezembro de 2016

Houve um tempo da delicadeza. E haverá, outra vez, por Fernando Brito



pena
Ia publicar a bela crônica da Marceu Vieira sobre Villas Boas Correia, mito para todos os que nos desventuramos no jornalismo político, com suas construções frasais floreadas mas, por isso mesmo, capaz de conduzir o leitor com a gentileza de um dançarino.
Como ia publicar, também , as memórias de Marcelo Auler sobre D. Paulo Evaristo Arns, o pastor suave e amigo da humanidade, sobretudo quando ele vai resgatar um religioso do abandono da Aids – no tempo em que o melhor que se tinha para tratar a doença era só uma cama limpa e carinho no final – e aos que o irão visitar exige apenas uma coisa: “vocês vão visitar o padre e ninguém vai perguntar como é que ele adoeceu. Não é para perguntar como adoeceu”.
Mas eles já fizeram a parte deles, escrevendo – e muito bem – do que viveram e sentiram com estes dois personagens.
O que poderia mais dizer?
Há algo, porém: que os dois tinham em grande escala, para além do jornalista e do pastor.
Eram homens que se destacaram num tempo de brutalidade – a ditadura militar – por sua extrema delicadeza, que em nada enfraquecia o que faziam, ao contrário.
Este bruto final de 2016, malvado, foi  minguando e sumindo com os últimos homens do século 20,  foi sumindo e minguando a democracia que reconquistamos, na qual Villas, no seu ofício e D. Paulo, em escala maior, no seu sacerdócio, ajudaram a trazer de volta.
Uma obra da qual o último grande remanescente, Lula, é hoje o objeto da mais incessante perseguição de homens jovens e bem sucedidos com o prestígio que ele deu ao Judiciário, mas que são de uma geração que regrediu em tudo à minha: na humanidade, na simplicidade, na delicadeza.
Nossos ícones que se vão e os que restam – mas  se quer matar antes que o tempo o faça – têm esse traço, que é uma ameaça.
Ameaça porque conduziu-se a sociedade de novo à selva, à ferocidade, às caçadas, aos  “escrachos”, às execuções morais, às fogueiras.
E a delicadeza tornou-se a negação deste tempo, em que se foi a democracia.
Mas, quem sabe, logo, a gente possa para a democracia  cantar os versos do Chico, outro  que odeiam por ser desta cepa: Depois de te perder / Te encontro, com certeza / Talvez num tempo da delicadeza.
Fonte: Tijolaço

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