quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Os juristas que desafiam o Estado de Exceção, por Rafael Tatemoto




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Pedro Serrano: “Assim como em 1964 se buscou os militares, hoje busca-se os juízes e promotores”
Seminário da Rede JusDH aponta: juízes brancos e ricos usam poder para consolidar dominação  oligárquica e sufocar lutas sociais — mas é possível resistir
Por Rafael Tatemoto, no Brasil de Fato
“Um Poder que não respeita o Direito”. Assim definiu Maria Inez Pinheiro o Judiciário Brasileiro. A fala integrou a mesa de abertura do 5º Seminário Nacional da Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDH), que ocorre entre os dias 5 e 6 deste mês em São Paulo.
Além de Pinheiro – integrante do setor de Direitos Humanos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -, participaram do debate que iniciou o evento Kenarik Boujikian, desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo e integrante da Associação Juízes para a Democracia (AJD), e Pedro Serrano advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A JusDH articula diversas entidades e pessoas que integram iniciativas para a promoção dos direitos humanos e a democratização do sistema de Justiça.
Retrocessos
Da perspectiva dos movimentos populares, Maria Inez relatou uma série de retrocessos vividos no país.
“Estamos passando por um momento de crescimento do conservadorismo político, o contrato social está sendo rasgado diariamente”, diz ela. Neste contexto, a atuação do Judiciário reforça o “aumento da criminalização dos movimentos populares e suas lideranças”.
Maria Inez Pinheiro citou diversos casos de perseguição contra aqueles que lutam por direitos no Brasil, entre eles, a recente invasão da Escola Nacional Florestan Fernandes do MST e a prisão de militantes do movimento baseadas na Lei de Organizações Criminosas.
Para ela, o funcionamento geral dos órgãos que compõe o sistema de Justiça – Polícia, Ministério Público e Judiciário – é marcado pela seletividade: “Os ricos podem até ir para a cadeira, mas apenas no caso de briga entre eles”. Um dos fatores que marcaria tal atuação, segundo sua visão, seria a própria composição social destas instituições.
“Pesquisas indicam que mais de 85% dos julgadores são brancos de classe média”, aponta.
Contexto
Analisando a atuação da Justiça em relação ao processo político, a desembargadora Kenarik entende que há um cenário disfuncional nas instituições brasileiras.
“O dia 31 de agosto foi um marco. A formalização do golpe de Estado consolidou o desrespeito à soberania popular”, aponta. O resultado é que “temos um Executivo sem representação, sem cumprir o projeto eleito pelo povo brasileiro quando foi às urnas. Temos um Congresso em conluio com o governo, voltado para os interesses das empresas e das forças conservadoras, sem relação com os interesses do povo”.
Neste processo, a desembargadora vê que o Judiciário, em especial o STF se destacou principalmente por suas “omissões”. Em sua análise, indicou que, após o impeachment, o Supremo se soma ao projeto que agora dirige o governo, retirando garantias.
“A PEC 241 está relacionada com a atuação do Supremo, que tem atacado direitos cotidianamente”, exemplifica, citando também decisões como a permissão de se executar penas após condenação em segunda instância, o que contraria a disposição constitucional em relação à presunção de inocência.
Kenarik vê também um processo de expansão da atuação do Judiciário para além de suas funções, mencionando como exemplo o anúncio de Carmem Lúcia, presidenta do Supremo, em criar uma comissão para debater políticas de segurança pública. “O STF não tem nada a ver com isso”, critica.
Outro exemplo das disfunções que têm sido criadas, segundo Kenarik, foi a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em não abrir procedimento administrativo contra Sergio Moro, juiz da Lava Jato. O magistrado era questionado por medidas que contrariam a legislação, como grampear a presidência e conduções coercitivas abusivas.
“O Tribunal justificou a não abertura do procedimento por se tratar de um processo inédito, que exigia soluções inéditas. É um discurso totalitário, admitindo a ideia de que cada juiz pode criar a própria norma. O TRF admitiu o Estado de Exceção. É o que chamamos de tirania da Justiça”, critica.
Democracia
Na mesma linha, Pedro Serrano defende que este cenário possibilita afirmar que a democracia vem sendo enfraquecida.
“Existe um Estado de Exceção permanente, especialmente nas Américas. Há medidas de exceção sendo tomadas no interior da democracia. Na América Latina, principalmente através do sistema de Justiça”, diz.
Segundo ele, parte dos integrantes da Justiça estão se comportando como estamento, que trabalha dentro das instituições democráticas, mas contra seu espírito: “O sistema de justiça funciona como representante do antigo regime. A Ditadura acabou e não se mexeu nisso. A legitimidade é formada pela autoridade democrática, apesar do conteúdo contrário à democracia. Hoje em dia não é um líder pessoal. É um estamento. Como em 64 se buscou os militares, hoje se busca os juízes e os promotores. Um técnico, purificado dos conflitos políticos”, afirma.
Serrano destaca ainda que o Judiciário tem se tornado o ramo central de exercício do poder político no país, em detrimento do Executivo e do Legislativo.
“Quando falamos de democratizar o sistema de Justiça, estamos falando, portanto, da democratização da vida social”, diz.
Resistência
A discussão sobre a democratização do Judiciário, parece distante, aponta Maria Inez. “Como falar de democratização, em período de retrocesso? Haverá, sim, resistência”, diz. Ela, no entanto, não demonstra desânimo: “Nós precisamos nos dedicar, diariamente, ao trabalho de conscientização com o povo”.
Kenarik concorda, indicando que tal debate deve ser amplificado: “Há juízes que resistem, mas não virá deles a democratização. É necessário conversar com mais pessoas, é preciso levar essa discussão para outro lugar que não o próprio sistema de Justiça”.

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