sexta-feira, 30 de junho de 2017

Doleiro tenta entregar esquema bilionários de tucanos em São Paulo, mas Lava Jato protetora e já experiente no escândalo Banestado e APAE resiste




  Desde a prisão no ano passado, o doleiro Adir Assad, tido como operador central de desvios de obras dos governos tucanos em São Paulo, vem tentando negociar uma "colaboração premiada" na qual promete contar em detalhes e mostrar provas de um esquema criminoso na estatal paulista Dersa, do qual fez parte Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, diretor da estatal entre 2007 e 2010, na gestão José Serra (PSDB) no governo de São Paulo; esquema de contratos fictícios teria movimentado R$ 1,3 bilhão; procuradores da Lava Jato consideram, no entanto, o depoimento de Assad como "frágil"; reportagem de Helena Sthephanowitz, da Rede Brasil Atual (da introdução do 247)

Por Helena Sthephanowitz, RBA - Alvo da Operação Dragão, da Polícia Federal, o doleiro e empresário Adir Assad está preso na carceragem da PF em Curitiba desde o ano passado, sob acusação de, entre outros crimes, chefiar um esquema de empresas de fachada responsáveis por emitir notas frias para lavagem de dinheiro de propinas para empreiteiras, entre as quais a Andrade Gutierrez.
Desde a prisão, Assad, tido como operador central de desvios de obras dos governos tucanos em São Paulo, vem tentando negociar uma "colaboração premiada" na qual promete contar em detalhes e mostrar provas de um esquema criminoso na estatal paulista Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A – estatal responsável por obras viárias,), do qual fez parte Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, diretor da estatal entre 2007 e 2010, na gestão José Serra (PSDB) no governo de São Paulo.
Na tratativa com o Ministério Público Federal (MPF), Assad afirmou que mostraria provas de um repasse de R$ 100 milhões em propina a Paulo Vieira, que ele teria feito e, ainda, daria como prova detalhes sobre um imóvel onde o dinheiro em espécie era armazenado. Assad disse que o conheceu o ex diretor da Dersa há mais de 15 anos, e, foi Paulo Souza que o apresentou a representantes das maiores construtoras do País.
Paulo Vieira, conhecido como "Paulo Preto", foi apontado pelo Ministério Público de São Paulo como figura chave nas denúncias de desvio de dinheiro público no governo de José Serra, do PSDB, ganhou notoriedade durante a campanha de José Serra à Presidência por ter fugido com R$ 4 milhões em propina que seriam usados na campanha do atualmente senador tucano.
Em depoimento no Ministério Público de Curitiba, Assad admitiu ter usado sete empresas de fachada para lavar dinheiro de empreiteiras em obras viárias na capital paulista e região da Grande São Paulo, entre elas a Nova Marginal Tietê, o Rodoanel e o Complexo Jacu-Pêssego. Assad contou aos procuradores que nos contratos com a Dersa, as empreiteiras subcontratavam suas empresas, o valor das notas frias era transformado em dinheiro e as companhias indicavam os beneficiários dos recursos.
Segundo conta Assad, entre 2007 e 2012, o "noteiro" movimentou cerca de R$ 1,3 bilhão em contratos fictícios assinados com grandes construtoras. E ainda propôs aos procuradores mapear o funcionamento do sistema paralelo de finanças das construtoras, responsável por abastecer as contas de suas empresas, e de como firmas sem prestar serviços e sem ter funcionários conseguiram movimentar quantias milionárias nos bancos brasileiros.
Uma pergunta: será que o MPF também vê ameaça na delação que envolve bancos?
A relação das empresas de Assad com obras nos governos tucanos em São Paulo já apareceram nas quebras de sigilo de construtoras que respondem a processos. Os documentos mostram um pagamento de R$ 37 milhões do Consórcio Nova Tietê, liderado pela Delta Engenharia e vencedor da licitação de um dos lotes da Nova Marginal, para uma das empresas de Adir Assad.
Das empresas que executaram obras no Rodoanel, o Consórcio Rodoanel Sul 5 Engenharia, formado por OAS, Carioca Engenharia e Mendes Júnior, depositou R$ 4,6 milhões na conta da Legend Engenheiros, de Assad. O SVM, do qual a Andrade Gutierrez faz parte, pagou R$ 7,4 milhões para a Legend, entre 2009 e 2010. O consórcio atuou no Complexo Jacu-Pêssego.
Nas primeiras tratativas para fechar delação premiada, Assad delatou Paulo Vieira Souza que, além de ex-diretor da Dersa, é sabidamente ligado a políticos do PSDB. O doleiro afirma ter provas de propinas em obras tocadas há anos pelos sucessivos governadores tucanos de São Paulo. Todas já foram denunciadas pelo Ministério Público Paulista, mas o caso não andou.
Apesar disso, o depoimento do doleiro para o Ministério Público Federal de Curitiba foi avaliado como "frágil", mesmo sendo Assad considerado o operador central de desvios de recursos dessas obras.
Diante de tantos detalhes apresentados na confissão e mais a promessa de apresentar provas das acusações de corrupção nas obras tucanas, causa certa estranheza que as negociações para delação enfrentem resistência por parte do Ministério Público Federal. Afinal, "ninguém está acima da lei ou fora do seu alcance", como disse Rodrigo Janot sobre Temer.

A rejeição de Bolsonaro e de Dória cresce mais do que sua aceitação. Lula segue favorito. Reportagem de Marina Lacerda


  "A rejeição de Dória e de Bolsonaro, novatos em eleições presidenciais, cresce mais rapidamente do que suas intenções de votos, conforme o tempo passa e eles vão ficando mais conhecidos. De abril desse ano para cá, as intenções de voto em Dória cresceram 11% (ele tinha 9 e passou para 10 pontos) e a rejeição cresceu 25%. As intenções em Bolsonaro cresceram 7% (de 15 para 16), e a rejeição 30%. É possível que o tom elitista de Dória e o tom radical de Bolsonaro mais desagradem do que agradem os eleitores."



GGN. -Temos discutido aqui os movimentos de opinião que as últimas pesquisas eleitorais indicam. Havíamos dito, em fevereiro, que Bolsonaro crescia estrondosamente, e que havia superado o máximo da extrema direita brasileira em eleições nacionais – o que segue sendo verdade. Segundo a última pesquisa Datafolha, hoje ele tem 16% das intenções de voto, 20% excluídos brancos e nulos -- mais que o dobro da votação do integralista Plínio Salgado em 1955, que obteve 8,3% dos válidos.
Já em abril dissemos que Bolsonaro provavelmente havia alcançado seu limite máximo. Se Bolsonaro bateu no teto ou não a última pesquisa Datafolha não ajuda a elucidar totalmente, mas é provável que sim. Bolsonaro cresceu um ponto percentual desde abril, dentro da margem de erro. Lula também se mantém estável nessa perspectiva (30%), considerando o Cenário A.
A rejeição de Dória e de Bolsonaro, novatos em eleições presidenciais, cresce mais rapidamente do que suas intenções de votos, conforme o tempo passa e eles vão ficando mais conhecidos. De abril desse ano para cá, as intenções de voto em Dória cresceram 11% (ele tinha 9 e passou para 10 pontos) e a rejeição cresceu 25%. As intenções em Bolsonaro cresceram 7% (de 15 para 16), e a rejeição 30%. É possível que o tom elitista de Dória e o tom radical de Bolsonaro mais desagradem do que agradem os eleitores.
Agora, consideremos não o percentual do crescimento, mas o acréscimo de pontos na rejeição e aceitação de cada um, de acordo com o Datafolha de abril e de junho de 2017. Vamos fazer uma brincadeira: pegar o acréscimo nas intenções de voto e subtrair disso o acréscimo na rejeição de cada candidato. Temos, assim, o seguinte resultado:

As intenções aqui são aquelas da pergunta estimulada. “Alguns nomes já estão sendo cogitados como candidatos a presidente em 2018. Se a eleição para presidente fosse hoje e os candidatos fossem esses..., em quem você votaria?”. A evolução de Alkmin é tomada pelo Cenário B e a de Dória no Cenário C; antes quem integrava o Cenário A era Aécio. Já a rejeição indica as respostas à pergunta: “Em quais desses candidatos... você não votaria de jeito nenhum no primeiro turno da eleição para presidente da República em 2018?”.
Lula é o mais estável – sua alteração está na margem de erro. Tanto Dória quanto Marina cresceram um ponto nas intenções, e sua rejeição aumentou quatro pontos. Alkmin ganhou dois e perdeu seis. O crescimento dos tucanos é pequeno especialmente se se considerar que eles deveriam incorporar os oito pontos que Aécio tinha. Bolsonaro cresceu um ponto, mas perdeu sete. Bolsonaro tem a pior relação ganho/perda. Provavelmente os setores mais à direita já conhecem Bolsonaro e já o apoiam. Os outros setores o estão conhecendo agora e não gostam dele.
Questiona-se sobre o poder evangélico na eleição de Bolsonaro. Jair Bolsonaro é católico. Seu filho Eduardo, porém, já se elegeu pelo PSC e o Bolsonaro pai saiu do PP para o PSC recentemente. O PSC, embora não seja um partido evangélico, é o partido mais expressivo das pautas evangélicas e com maior proporção de evangélicos na Câmara. Há uma identificação entre o Bolsonaro e esse setor e uma aproximação crescente. Mas mesmo se Bolsonaro se tornar o candidato dos evangélicos (talvez ele já seja o candidato de grande parte dos pentecostais), não há tanto espaço de crescimento assim. Pelo CENSO de 2010 (já faz sete anos, mas é o dado que temos), os evangélicos eram 22% da população brasileira. Só que o evangélico é um grupo religioso heterogêneo. Os pentecostais, politicamente mais à direita, são apenas 13,3%.
Somemos a isso outra análise de opinião, a sobre o crescimento da simpatia ao Partido dos Trabalhadores. O PT desde os anos 2000 foi o partido com mais adesão, mas a simpatia ao partido caiu bastante em 2015 (ainda que continuasse sendo o favorito). A simpatia ao PT voltou a crescer, e alcançou recentemente 18%, a uma distância grande dos segundos colocados – PMDB e PSDB, com 5%.
Em resumo, temos que a esquerda se aglutinou no PT, que a extrema direita se aglutinou no Bolsonaro, e que a direita e o centro propriamente dito ainda carecem de líder, já há um ano da campanha eleitoral.
Lula está tecnicamente parado tanto na adesão quanto na rejeição. Isso indica incapacidade de a Lava-Jato lhe causar mais dano, mas também a dificuldade que o ex-presidente tem de ampliar seus apoios. Lula tem hoje, no Cenário A, 30% dos votos, ou 38% dos votos válidos. Ele supera a marca petista entre 27 e 32% dos votos válidos em primeiro turno, alcançada em 1994 e 1998, as últimas eleições em que Lula perdeu. Mas ele ainda está longe dos 46 e 48% que alcançou em primeiro turno nas eleições de 2002 e 2006, quando venceu. Está longe mesmo da marca de Dilma Rousseff no primeiro turno de 2010: 46%. No primeiro turno de 2014, com o país mais dividido, Dilma alcançou 42%.
O percentual de indecisos vem caindo, e chegou a 2%. Mesmo assim há muitos fatores de desestabilização iminente: possibilidade de condenação de Lula, possibilidade de mudança de regime (para o parlamentarismo), possibilidade de eleições a qualquer momento com a queda eventual de Temer. Tudo isso influenciará, é evidente, o cenário eleitoral.  

quinta-feira, 29 de junho de 2017

O incrível mito do “gasto social insustentável”


"O imperativo do ajuste fiscal encobre o real propósito de alterar o modelo de sociedade pactuado em 1988. Essa marcha foi deflagrada no início dos anos 1990. Nesse sentido, a atual estratégia de implantar o projeto neoliberal turbinado no Brasil nada tem de novidade.
A mesma estratégia foi tentada sempre com êxito incompleto nos governos Collor, Itamar e Fernando Henrique."
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Por Eduardo Fagnani, em Carta Capital
O imperativo do ajuste fiscal encobre o real propósito de alterar o modelo de sociedade pactuado em 1988. Essa marcha foi deflagrada no início dos anos 1990. Nesse sentido, a atual estratégia de implantar o projeto neoliberal turbinado no Brasil nada tem de novidade.
A mesma estratégia foi tentada sempre com êxito incompleto nos governos Collor, Itamar e Fernando Henrique. Em 2002, ela reapareceu sob o disfarce da famigerada “Agenda Perdida”, a qual, para surpresa de muitos, foi incorporada pelo ministério da Fazenda do governo Lula. Mais adiante, em 2005, a mesma estratégia apareceu reembalada como “Programa do Déficit Nominal Zero”, fustigado como “programa rudimentar” pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Após uma breve trégua, outra vez a estratégia de radicalizar o neoliberalismo reaparece nos programas dos candidatos derrotados em 2014, mas que, paradoxalmente, foram chancelados pela presidenta eleita, Dilma Rousseff.
Na etapa de preparação do golpe contra a democracia, a ofensiva do mercado inicia-se com a chamada “Agenda Brasil” (2015) e culmina no documento “Uma Ponte para o Futuro” (2016), reedição do passado com nova roupagem, e que se transformou no “programa de governo” da coalização espúria que assumiu o poder.
Assim, desde 1990, o modelo econômico que as elites financeiras tentam implantar aparece traduzido na política de ajuste fiscal na qual as classes dominantes acertam-se em torno de uma agenda de desconstrução de direitos sociais, sindicais, trabalhistas, humanos, ambientais e culturais.
No caso da proteção social, a mudança no modelo de sociedade pactuado em 1988 tem por propósito acabar com o embrionário Estado Social e implantar o Estado Mínimo Liberal. Para isso, os ventríloquos do mercado utilizam-se do falso consenso de que os gastos constitucionais “obrigatórios” (previdência social, assistência social, saúde, educação, seguro-desemprego, dentre outros) teriam crescido num ritmo que comprometeria as contas fiscais. Por esse raciocínio, a estabilização da dinâmica da dívida pública exigiria modificar o “contrato social da redemocratização”.
Argumentam que a crise atual decorreria da trajetória “insustentável” de aumento dos gastos públicos desde 1993, por conta dos direitos sociais consagradas pela Carta de 1988. A visão de que “o Estado brasileiro não cabe no PIB” ou que “as demandas sociais da democracia não cabem no orçamento” tem sido sentenciada por diversos representantes do mercado. Vendem a falsa ideia de que a questão fiscal somente será resolvida se se extinguirem os direitos sociais de 1988. Essa construção ideológica não se sustenta, como se argumenta a seguir.
O gasto social reflete as demandas da democracia
O comportamento do gasto social no Brasil a partir da Constituição Federal não é “um ponto fora da curva” na história das nações industrializadas e democráticas. O que ocorreu no Brasil a partir de 1988 guarda semelhanças com a experiência de muitos países da Europa e da América desde 1880 e, mais acentuadamente, a partir de 1945.
Lindert (2004) aponta que o “grande avanço” das transferências sociais como porcentagem do PIB ocorrido em diversos países europeus entre 1880 e 1930 reflete “o aparecimento tardio e parcial do estado de bem-estar”. Esse fenômeno foi impulsionado, dentre outros fatores, pelo contínuo avanço do processo de “democratização que moldou a história pré-1880”.
Mais impressionante é o aumento dos gastos sociais em relação ao PIB, entre 1945 e 1975. Pierson (1991) destaca que o aumento do gasto social “foi um dos mais marcantes fenômenos do desenvolvimento capitalista de pós-guerra”. Nos países da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), a taxa média anual de crescimento dos gastos sociais cresceu de 0,9% (entre 1950-1955), para 6,5% (1960-1975). No período de maior expansão (1960-1975), a proporção do PIB destinada ao gasto social aumentou, em muitos países, de 12% para 23%.
Gasto social, neoliberalismo e crise financeira internacional
Entretanto, o dado mais relevante é que a relação gasto social/PIB continuou a crescer na maior parte dos países desenvolvidos entre 1990 e 2000, mesmo no contexto da hegemonia neoliberal. E continuou a crescer entre 2000 e 2015, mesmo com as restrições impostas pela crise financeira global de 2008 (Figura 1).
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O gasto social do Brasil não é elevado, na comparação internacional
Documento elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) revela que, entre 2002 e 2013, “o gasto social do Governo Central aumentou mais de 11% em todos os grupos de países no período analisado” [Europa Emergente, Zona do Euro, Países Nórdicos e América Latina Emergente], com exceção da Ásia emergente (STN, 2016: 59).
Além disso, o estudo demonstra que o patamar do gasto social do Governo Central no Brasil não é elevado na comparação internacional. Ele é superior ao realizado pelos países emergentes da Ásia e encontra-se num patamar próximo dos países emergentes da América Latina. Entretanto, “em relação aos países europeus e seu estado de bem-estar social, o gasto social brasileiro ainda é relativamente baixo”.
Por outro lado, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. O estudo da STN ressalta que o índice Gini do Brasil “ainda se apresenta expressivamente superior ao dos grupos de países desenvolvidos e, até mesmo, das regiões emergentes do mundo”. Nesse sentido, “mesmo com os significativos avanços com relação ao combate à desigualdade nos últimos anos, o Brasil ainda tem grande potencial para aprimoramento nesse indicador” (idem, p.63).
A distensão do represamento secular dos direitos sociais em 1988
Os adeptos da visão de que “as demandas sociais da democracia não cabem no orçamento” desconsideram que o ano de 1993 coincide com a distensão do represamento secular dos direitos sociais que ocorreu a partir desse ano por força de decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou o cumprimento imediato da Constituição de 1988.
Em mais de 500 anos de história, pela primeira vez os trabalhadores rurais, submetidos a condições de trabalho reminiscentes da escravidão, passaram a ter os mesmos direitos previdenciários que o segmento urbano. Com o início da vigência das aposentadorias rurais o número de concessões salta de um patamar anual de 120 mil para 900 mil. Após o reconhecimento desses direitos, a concessão de benefícios se manteve num patamar em torno de 300 mil anuais (Figura 2).
figura2
A partir de 1993 também passou a vigorar o programa Seguro-Desemprego, adotado no Brasil com mais de meio século de atraso em relação às nações desenvolvidas. Atualmente são concedidos cerca de 7 milhões de benefícios.
Com a regulamentação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1994, deu-se início à implantação do programa Benefícios de Prestação Continuada (BPC), que atende atualmente quase 5 milhões de famílias com renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo e pessoas portadoras de deficiências.
Também passaram a vigorar as novas regras da Previdência Social urbana, com destaque para a introdução do piso de aposentadoria equivalente ao salário mínimo.
A série de dados iniciada em 1993 também não leva em conta fatores atípicos como, por exemplo, a notável “corrida às aposentadorias” urbanas ocorrida nos anos que precederam a Reforma da Previdência ensaiada pelo governo Collor e realizada pelo governo de FHC (Emenda Constitucional 20 de 1998).
A Figura 3 mostra que o número de aposentadorias concedidas por tempo de contribuição na área urbana saltou de um patamar de 60 mil por ano (até 1990) para 416 mil por ano em 1997. Essa “corrida às aposentadorias” foi fruto do temor das mudanças restritivas trazidas pela tramitação da reforma da Previdência no Congresso Nacional.
figura3
No período atual, assiste-se à nova “corrida às aposentadorias”, uma reação ante a proposta excludente da Previdência que tramita no Congresso. Se estudassem o passado, saberiam que reformas da Previdência sempre agravaram as dificuldades e tornaram ainda mais difícil o ajuste fiscal.
As transferências de renda para os ricos
Talvez por conflito de interesses, os adeptos da visão de que os direitos sociais “não cabem no PIB” não escrevem uma linha sequer sobre os formidáveis mecanismos de transferência de renda para os ricos que poderiam ser contidos, por quem se interessasse em algum ajuste fiscal real.
Eles não mencionam, por exemplo, as renúncias fiscais para grupos econômicos e famílias de alta renda, que totalizaram 280 bilhões de reais em 2015 (cerca de 4% do PIB). Significa que, anualmente, o governo Federal abre mão 20% das suas receitas, transferidas na forma de isenção fiscal.
O poder público também deixa de arrecadar cerca de 500 bilhões de reais anualmente pela ausência de políticas severas de combate à sonegação fiscal. A falta de rigor na fiscalização fez com que o estoque da Dívida Ativa Federal atingisse mais de 1,8 trilhão de reais em 2016.
Também não há referência aos gastos com juros que, em 2015 (502 bilhões de reais), foram superiores aos gastos previdenciários (486 bilhões de reais). Observe-se que, sobretudo em função da elevada taxa de juros, o ritmo de crescimento do estoque da dívida pública triplicou em uma década (2006-2016), passando de 1 trilhão de reais para 3 trilhões de reais (em valores nominais). Em apenas um mês (de agosto a setembro de 2016), esse estoque cresceu 3,1%.
Diante desse fato, como sustentar que os gastos sociais sejam os vilões da dívida pública, se no período pós Constituição de 1988 eles cresceram em torno de 3% ao ano, e os gastos financeiros crescem 3% ao mês?
Também não se mencionam as possibilidades de crescimento da receita governamental caso se providenciasse uma reforma tributária que incidisse sobre a renda e o patrimônio. Como se sabe, a estrutura fiscal brasileira é extremamente regressiva, e promover melhor justiça fiscal pode também ser uma alternativa para enfrentar com eficácia a questão fiscal.
Todo o poder emana do mercado
Em suma, o gasto social no Brasil não é um “ponto fora da curva” do cenário internacional. Ele reflete um fenômeno global associado ao avanço do processo democrático nas sociedades industrializadas. As alternativas para o ajuste fiscal passam pela revisão dos programas de transferência de renda para os ricos e pelo choque das receitas, o que depende de ações concretas voltadas para ativar o crescimento da economia.
Contudo, muito diferente do que ordena o artigo primeiro da Constituição, no Brasil todo o poder emana do mercado, que o exerce diretamente, ou por meio de representantes eleitos.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Do El País: Propinas, reformas e obstrução: as últimas provas de crimes contra Temer...


E as panelas, em cumplicidade, continuam em silêncio.... e as catracas do Metro paulista não estão livres para as camisas da CBF e nem a Vênus Platinada faz muito esforço para bem esclarecer multidões a ir às ruas... E por onde anda mesmo o japinha-maravilha do MBL???

Reportagem do El País:


Ministério Público e Polícia Federal identificaram caminho de propinas de empresas para o presidente



Michel Temer
O "presidente" MIchel Temer na Russia na semana passada  GETTY IMAGES

Não faltavam opções ao presidente Michel Temer. Anfitrião de uma reunião secreta com o empresário Joesley Batista, sócio do frigorífico da JBS, Temer podia mandar o velho conhecido pleitear suas demandas como qualquer pessoa, nos balcões dos órgãos públicos onde queria facilidades. Mas, na fatídica conversa de 7 de março, Temer ofereceu um atalho a Joesley e falou para ele tratar “tudo” com o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), ex-assessor e homem da inteira confiança do presidente. Isso mudou tudo. Dias depois, Rocha Loures se encontrou com Joesley, disse falar em nome do presidente, e prometeu resolver um problema do empresário no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em troca da facilidade, Rocha Loures pediu e levou R$ 500 mil de propina. Terminava, assim, a sequencia de ações, registradas em conversas gravadas por Joesley e comparsas, que colocou Temer na mira do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.




Como foi considerado o principal beneficiário da propina entregue pela JBS a Rocha Loures, Temer foi denunciado nesta segunda-feira por corrupção passiva. Mas não será só acusado disso. Como boa parte do caminho de propinas para Temer já está identificado, registrado em provas documentais e testemunhais, ele também deve sofrer outras acusações de corrupção passiva, obstrução de Justiça, participação em organização criminosa e lavagem de dinheiro, de acordo com investigadores entrevistados pelo EL PAÍS. Hoje, Rocha Loures está preso na carceragem da Polícia Federal e Temer, sem tantas opções, luta para não encontrá-lo tão cedo.
No convescote secreto, Joesley entrou no Palácio do Jaburu como alvo de cinco investigações em busca de trunfos para um acordo de delação premiada. Mas nem nos sonhos mais otimistas ele esperaria que o mais alto mandatário do país, normalmente descrito como um sujeito cerimonioso, verbalizaria tantas frases capazes de se incriminar. Joesley parecia entrevistá-lo, sem tanta desenvoltura ao alternar entre a confissão de um pagamento de propina e o pedido de um favor no governo. Embora normalmente se gabe de ser doutor em direito constitucional e autor de obras jurídicas de sucesso, Temer não teve grande hesitação na conversa. Quando o empresário falou em “pendências zeradas” com o ex-deputado Eduardo Cunha, o presidente respondeu: “Tem que manter isso, viu?”. Em outra confissão de pagamento de propinas por Joesley ao procurador Ângelo Goulart, Temer respondeu: "Ótimo, ótimo!". Essa conversa gravada será a base de uma acusação de obstrução de Justiça contra o presidente. Ao contrário do que a defesa de Temer alegou, o áudio da conversa entre Joesley e Temer não foi editado, de acordo com perícia da Polícia Federal.
Temer agora mobiliza toda a máquina do governo federal para servir aos interesses do Congresso e, em troca, barrar a abertura de ações penais. Para cada denúncia oferecida contra Temer, o Supremo Tribunal Federal só irá julgar se será aberta ação penal caso 342 deputados aprovem isso. Com boa parte do Congresso investigado na Operação Lava Jato, negociatas de Temer com os parlamentares ainda podem reforçar uma outra acusação no caminho do presidente: participação em organização criminosa. Mas, ainda que Temer escape temporariamente de processos com a ajuda providencial dos parlamentares, ele está fadado a enfrentar ações penais na Justiça comum quando terminar o mandato presidencial. De acordo com assessores de Janot entrevistados pelo EL PAÍS, eventual blindagem do Congresso a Temer não impede que o presidente seja denunciado pelos mesmos fatos quando acabar o governo. E não serão poucas ações penais, pelas provas obtidas até agora.

O mapa da propina de Temer

Também está no caminho de Temer outra ação penal por atos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro cometidos com o frigorífico JBS antes do mandato presidencial. De acordo com a delação premiada de Florisvaldo Oliveira, o entregador de propinas da JBS, foi entregue uma caixa com R$ 1 milhão em espécie a um velho amigo e operador de Temer, o coronel aposentado João Baptista Lima Filho. O dinheiro foi repassado em 2 de setembro de 2014 na sede da Argeplan, uma das empresas do coronel, na Rua Juatuba, 68, em Vila Madalena, Zona Oeste de São Paulo. A remessa poderia motivar apenas uma acusação de caixa dois – os delatores da JBS não sabiam qual seria o destino do dinheiro nem falaram em nenhuma contrapartida. De acordo com os delatores da JBS, o dinheiro fazia parte de uma partilha total de R$ 15 milhões que a JBS deu para Temer entre agosto e outubro de 2014. De acordo com os delatores, Temer dividiu o dinheiro da seguinte forma: doações oficiais (R$ 9 milhões), pagamento do marqueteiro Duda Mendonça (R$ 2 milhões), entrega de dinheiro ao ex-deputado Eduardo Cunha (R$ 3 milhões) e uso pessoal na entrega para o coronel Lima (R$ 1 milhão).
Não fosse a entrega da JBS para Lima, Temer poderia se desvencilhar da acusação de que se beneficiou pessoalmente desses pagamentos. Mas a Operação Patmos, deflagrada em 17 de maio, obteve provas documentais de que o coronel custeava despesas pessoais da família de Temer. Foram achados e-mails e notas fiscais de fornecedores e prestadores de serviço de uma reforma na casa de uma das filhas de Temer, Maristela. Ao invés de cobrar a dona da casa, ou algum familiar, esses prestadores de serviço cobraram o coronel e faturaram os pagamentos em nome de Lima no segundo semestre de 2014. Ou seja, enquanto o coronel recolhia a propina da JBS, a casa da filha de Temer era reformada com despesas pagas por ele.
Mas não foi só da JBS que Lima recolheu propina em 2014. Em outubro do mesmo ano, ele recebeu pouco mais de R$ 1 milhão, diretamente em uma conta bancária, a mando da empreiteira Engevix. O pagamento foi confirmado por Lima, mas ele negou que fosse propina e, sim, a prestação de algum serviço que ele não quis revelar para a Alúmi Publicidade, uma prestadora de serviço do Aeroporto de Brasília (controlado pela Engevix). O repasse de propina foi revelado pelo empresário José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix, em proposta de delação premiada, mas ele não deu detalhes de como o dinheiro foi recebido pelo coronel. A confirmação do pagamento de cerca de R$ 1 milhão, a mando da Engevix, para a PDA Projeto, outra empresa de Lima, foi revelada pela revista ÉPOCA em junho do ano passado. O coronel tinha escapado de investigações até agora porque a delação premiada da Engevix foi recusada por Janot em março de 2016, um mês antes de Temer assumir a presidência da República. E os crimes eram, teoricamente, anteriores ao mandato presidencial. Mas, com as novas provas contra Lima e Temer, o sócio da Engevix pode ser convocado como testemunha.
Ex-assessor de Temer na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo nos anos 80, Lima até ajudou no primeiro divórcio de Temer. Parecia remoto o risco do coronel arrastar o velho amigo para alguma investigação enquanto Temer estivesse no Olimpo presidencial, protegido do julgamento de crimes anteriores ao mandato. Mas Lima não saiu do lugar, tinha no velho escritório guardadas as provas documentais dos favores ao presidente e Temer já não pode oferecer atalhos sem medo de gravações.



segunda-feira, 26 de junho de 2017

Luis Nassif, em video, discute as "palestras" de Moro e Deltan Dellagnol


Da TV GGN:



Sobre as teorias exóticas às quais Dallagnol recorreu para acusar Lula

Um novo fato volta a chamar atenção à cúpula que coordena a Operação Lava Jato. Há alguns dias começou a rodar no Twitter um post com a imagem de um site de palestras vendendo apresentações do procurador Deltan Dellagnol, que por sua vez vende em suas palestras conteúdo público, levantado no trabalho público que realiza na Lava Jato.

O Twitter viralizou, levando Dellagnol a usar sua conta pessoal no Facebook para desmentir o objetivo de lucro das palestras, deixando-o em uma situação complexa. Dellagnol dizia no texto que, por modéstia, não tinha divulgado que todo o dinheiro da palestra ia para uma grande causa, que era financiar ações do tipo Lava Jato.

Mas tem um problema que pesa contra a argumentação de Dellagnol: não existe possibilidades legais de acontecer a doação de pessoas físicas para áreas públicas, em benefício de qualquer tipo de ação, e para ter qualquer tipo de repasse ele teria que ter uma pessoa jurídica. Então, para comprovar que não está mentindo, Dellagnol teria que mostrar o CNPJ da pessoa jurídica que recebe o dinheiro das palestras. Ele não poderia alegar, por exemplo, que o dinheiro ficou na sua conta, e estando na sua conta, esperava abrir a pessoa jurídica para transferir. Isso caracterizaria que está faltando com a verdade.

O procurador deve estar, de fato, com uma demanda considerável de pedidos de palestras. Vamos supor, três palestras por mês, em uma faixa de R$ 30 mil, por evento, portanto R$ 90 mil por mês. Em dez meses, R$ 900 mil.

A demanda é isso, ou seja, a Lava Jato proporcionou através de uma ação pública, com a cobertura de mídia, a criação de uma figura midiática, que passa a comercializar a imagem e as informações que ela levantou em um trabalho público.

A hipocrisia dos pretensos "bem-pensantes" do Brasil, por Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política - FESPSP



   "O fato é que no Brasil, a paz é uma mentira, a democracia é uma falsidade e a realidade é deplorável, violenta e constrangedora. Deplorável, violenta e constrangedora para os índios, para os negros, para as mulheres, para os pobres, para os jovens e para a velhice. A paz, a cultura e a ilustração só existem para uma minoria constituída pelas classes médias e altas que têm acesso e podem comprar a seguridade social, a educação, a cultura e o lazer."



O pacifismo hipócrita dos bem-pensantes
por Aldo Fornazieri, no GGN
No Brasil basta que um político, um jornalista ou um intelectual seja xingado num aeroporto ou num restaurante para que os bem-pensantes liberais e de esquerda se condoam com o "insuportável clima" de radicalização e de ódio. Todos derramam letras e erguem vozes para exigir respeito e para deplorar as situações desagradáveis e constrangedoras. Até mesmo a nova presidente do PT e parlamentares do partido entram na cruzada civilista para exigir o respeito universal, mesmo  que para inimigos. Os bem-pensantes brasileiros, cada um tem seu lado, claro, querem conviver pacificamente nos mesmos aeroportos, nos mesmos restaurantes e, porque não, compartilhar as mesmas mesas. Deve haver um pluralismo de ideias e posições, mas a paz e os modos civilizados devem reinar entre todos e a solidariedade e os desagravos precisam estar de prontidão. As rupturas na democracia e no Estado de Direito não devem abalar este convívio.
Trata-se de um pacifismo dos hipócritas. O fato é que no Brasil, a paz é uma mentira, a democracia é uma falsidade e a realidade é deplorável, violenta e constrangedora. Deplorável, violenta e constrangedora para os índios, para os negros, para as mulheres, para os pobres, para os jovens e para a velhice. A paz, a cultura e a ilustração só existem para uma minoria constituída pelas classes médias e altas que têm acesso e podem comprar a seguridade social, a educação, a cultura e o lazer. O Estado lhes garante segurança pública.
A hipocrisia pacifista das elites econômicas e políticas e dos bem-pensantes sempre foi um ardil para acobertar a violência que lhes garante os privilégios, o poder e a impunidade. Ardil que anda inseparado de sua irmã siamesa - a democracia racial - e, juntos, constituem a ideologia da dominação e da dissimulação da tragédia social e cultural que é o nosso país.
O pacifismo é um brete, uma jaula, que procura aprisionar e conter a combatividade cívica dos movimentos sociais e dos partidos que não compartilham com a ideia de ordem vigente. Essa ideologia operante exige que as manifestações de rua sejam sempre tangidas pelas polícias e, quando algo não fica no figurino, a violência e a repressão são legitimadas para manter a paz dos de cima. A democracia racial, que sempre foi uma crassa mentira, difundida por bem-pensantes e por representantes do Estado, é uma rede de amarras e de mordaças que visa impedir a explosão de lutas e os gritos por direitos e por justiça de negros e pobres, que são pobres porque são negros. A ideia de democracia racial também não passa de um ardil para acobertar a violência e a opressão racial e econômica e para escamotear o racismo institucionalizado - herança escravocrata entranhada como mentalidade e como cultura na alma pecaminosa da elite branca.
Uma história violenta
O Brasil nasceu e se desenvolveu sob a égide da violência. Não da violência libertadora, da violência cívica que corta a cabeça dos dominadores e dos opressores para instituir a liberdade e a justiça. Aqui, os malvados, os dominadores e opressores, nunca foram ameaçados e mantêm o controle político a partir de um pacto preliminar do uso alargado da exploração e da violência como garantia última do modo de ser deste país sem futuro.
Primeiro, massacraram e escravizaram índios. Depois, trouxeram cativos da África, muitos dos quais chegavam mortos nos porões dos navios e foram jogados como um nada nos mares e nas covas e se perderam, sem nomes, nos tempos. Trabalho brutal, açoites e exploração sexual foi o triste destino a que estavam reservados. Essa compulsão violenta ecoa até hoje, no racismo, na exploração e na própria violência contra as mulheres em geral, pois a genética e a cultura brancas trazem as marcas da impiedade machista da vontade de domínio, até pela via da morte.
A hipocrisia do pacifismo bem-pensante não se condói sistematicamente com os 60 mil mortos por ano por meios violentos - prova indesmentível de que aqui não há paz. Mortos, em sua maioria, jovens pobres e negros. Também não se condói com o fato de que as nossas prisões estão apinhadas de presos, em sua maioria, pobres e negros e sem uma sentença definitiva. Presos que vivem nas mais brutais condições de desumanidade.
Não se pode exigir paz e civilidade num país que ocupa o quarto lugar dentre os que mais matam mulheres no mundo, sem contar os outros tipos de violência de gênero. E o que dizer da continuada violência contra os camponeses e do recorrente extermínio dos índios?
A paz e a civilidade existem nos restaurantes dos Jardins, nos gabinetes e palácios, nas redações da grande mídia, nos intramuros das universidades, nos escritórios luxuosos, nos condomínios seguros, nos aviões que voam levando os turistas brasileiros para fazer compras no estrangeiro. Mas elas não existem nas ruas, nas praças, nas periferias, nas favelas, no trabalho.
O Brasil caminha para o abismo, sem destino, tateando no escuro, aprisionado pela sua má fundação e de sua má formação. Precisamos recusar este destino e isto implica em recusar a mentira hipócrita do pacifismo e da civilidade dos bem pensantes e falsidade da democracia racial. Os gritos das dores das crueldades praticadas ao longo dos séculos precisam retumbar pelos salões de festa das elites e nos lares e escritórios perfumados pela alvura que quer disfarçar uma herança de mãos manchadas de sangue e de rapina. Os historiadores precisam reescrever a história deste país para que possamos entender a brutalidade do passado e do presente e projetar um outro futuro.
A doce ternura da paz e da civilidade dos bem-pensantes, dos bem-educados, dos bem-vestidos, dos bem-viventes, precisa ser confrontada e constrangida pelo fato de que nos tornamos uma nação de insensíveis e de brutais, praticantes do crime imperdoável de desalmar as vítimas da violência para dar-lhe uma alma (branca) também insensível e brutal. Não temos o direito de persistir na mentira hipócrita e na enganação. Não temos o direito de interditar caminhos de liberdade e de justiça pelas nossas ideologias ludibriantes. Se não fomos capazes de construir um nação com direitos, justiça, democracia e liberdade, deixemos que os deserdados deste país a construam e, se possível, vamos ajudá-los com humildade e sem vaidades. A paz efetiva só existirá quando estes bens se tornarem realidade para todos.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).