sexta-feira, 16 de junho de 2017

Democracia direta para solucionar crise política



Aumento da participação direta do cidadão pode ajudar a promover novo pacto democrático no país
Foto: Mídia Ninja
Foto: Mídia Ninja
Jornal GGN A repactuação entre a classe política e o eleitorado depende, invariavelmente, da ampliação do sistema democrático. É o que alerta o cientista político e membro do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), José Antônio Moroni.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o pesquisador aponta que o voto popular, exercido de dois em dois anos, "não pode ser a única expressão de soberania" dos brasileiros e, ainda, que a implementação de uma agenda política que de fato represente a ampla sociedade depende do aumento da participação popular no jogo político, fazendo frente às elites políticas e econômicas, que conseguiram nos últimos anos encaminhar o país para um estado de desmonte social.
O Brasil entra agora em uma situação limite em que a democracia direta, termo que vem sendo utilizado para definir a participação direta dos cidadãos no processo de tomadas de decisão na política, ganha força no campo popular. Não por acaso, o cientista político faz parte do grupo que defende a realização de eleições diretas. "Nosso Congresso não tem legitimidade nenhuma para fazer uma eleição indireta, e a única forma de fazer a vontade do povo ser respeitada é estando na rua", completou.
 
 
 
Além das Diretas, democracia participativa é um dos principais eixos do Plano Popular de Emergência 
 
O sistema de democracia representativa vivido no Brasil, em que o povo participa da vida política do país de quatro em quatro anos apenas para eleger os candidatos aos poderes executivo e legislativo, é tido como um dos grandes entraves para democratização do Estado brasileiro.
 
Somado a isso, ainda existe a enorme influência de grandes empresas privadas nos processos eleitorais, que contribuíram com R$ 5 bilhões em doações somente nas eleições de 2014. Esses seriam apenas alguns dos fatores que contribuem para a falta de credibilidade e o não reconhecimento da população em relação às instituições do país, como mostra a pesquisa realizada pela organização GfK Verein, ao constatar que o brasileiro é o povo que menos confia em seus políticos entre as grandes economias do mundo, realizada em 2016.
 
Para José Antonio Moroni, cientista político e integrante do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o direito ao voto é somente a base da democratização, mas da forma como o temos hoje, ele "não pode ser a única expressão de soberania popular".
 
Moroni ainda destaca que as elites políticas e econômicas brasileiras nem sequer são capazes de respeitar o mínimo estabelecido, já que em 2014 destituíram a ex-presidenta eleita democraticamente Dilma Rousseff, assumindo o governo de Michel Temer, responsável por implementar uma agenda política contrária aos interesses do povo brasileiro, como as reforma trabalhistas e da Previdência.
 
"A gente percebe que as nossas elites, tanto políticas quanto econômicas, não tem apreço nenhum ao princípio básico da democracia, que é o respeito ao voto", ressalta Moroni.
 
Nesse sentido, o cientista político aponta a necessidade de ampliar a participação da população nas decisões do Estado, para garantir o fortalecimento de uma democracia direta, com a construção de instrumentos como referendos revogatórios e convocações de plebiscitos. "Hoje não temos nenhum mecanismo institucional de expressão da soberania popular para resolver essa crise. Não somos chamados para resolvê-la, quem resolveria é o judiciário e as elites, e essa é a mensagem que nos passam a todo momento", disse.
 
Primeiro passo
 
Todavia, para que tal avanço pudesse ocorrer, Moroni destaca que o primeiro passo para a democratização do Estado é a antecipação das eleições diretas, uma das medidas defendidas pelos setores progressistas da sociedade para restabelecer a democratização do Estado. No Plano Popular de Emergência, documento elaborado pelos movimentos que compõem a Frente Brasil Popular (FBP) - que é formada por mais de 80 organizações -, mais quatro medidas retratam a necessidade de uma maior soberania popular no país.
 
A aprovação urgente de uma Reforma Política, com adoção do voto em lista partidária, do financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais e de um revezamento entre homens e mulheres, com cotas raciais e geracionais; é outro ponto destacado. Além disso, a revisão da atual lei do Impeachment e a democratização da mídia e do Poder Judiciário, também estão representados no Plano.
 
Diretas Já
 
A antecipação das eleições presidenciais já parece ser um consenso entre a população, já que uma recente pesquisa realizada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Vox Populi, no último dia 5 de junho, revelou que a antecipação das eleições presidenciais no Brasil para 2017, sob o mote das "Diretas Já", é defendida por 9 em cada 10 brasileiros. A cassação do presidente golpista Michel Temer é o desejo de 85% dos entrevistados, enquanto apenas 3% aprovam seu governo.
 
A pesquisa contemplou 118 municípios do Brasil, de todos os estados e do Distrito Federal, e reflete a popularização cada vez maior das "Diretas Já". Não à toa, uma série de manifestações vêm sendo marcadas por todo o Brasil para exigir a antecipação das eleições, principalmente após o dia 17 de maio, quando áudios vazados por um dos sócios da empresa JBS, Joesley Batista, revelaram o envolvimento de Temer em casos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato.
 
Entre maio e junho deste ano, diversos atos culturais pelas Diretas Já, com apresentações de artistas conhecidos, estão sendo marcados em cidades como  Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Porto Alegre e Recife. No Rio de Janeiro, a manifestação reuniu 150 mil pessoas. Em São Paulo, 100 mil pessoas acompanharam os shows.
 
Em suas redes sociais, o ator Wagner Moura, um dos artistas que participou da divulgação dos atos, destacou a importância do evento. "Pelo direito do brasileiro votar. Nossa crise é de legitimidade, não podemos deixar que nosso Congresso, com mais de 200 deputados investigados, eleja o nosso próximo presidente", afirmou.
 
O Deputado Federal Ivan Valente (Psol-SP), que compareceu ao ato de São Paulo, afirmou que, na sua opinião, a adesão à palavra de ordem só tende a crescer. "Vai se estender para o Brasil inteiro. Quanto mais o governo Temer sangrar e a elite brasileira quiser uma solução para continuar suas reformas anti-povo, mais vai crescer o movimento das diretas. Portanto, Diretas Já é devolver a soberania ao povo brasileiro", disse.
 
Na mesma linha, a professora da rede pública estadual, que também compareceu ao ato cultural pelas Diretas Já em São Paulo, Maria Eduarda Silva destacou que a participação social na democracia é essencial para garantir a melhoria da crise institucional que vivemos. 
 
"A democracia brasileira vem sendo sistematicamente atacada desde o golpe, e eu acredito em uma democracia participativa. Acho que esses atos mostram a participação ativa da sociedade na democracia. Nosso Congresso não tem legitimidade nenhuma para fazer uma eleição indireta, e a única forma de fazer a vontade do povo ser respeitada é estando na rua", ponderou.
 
Nesse sentido que Moroni aponta que o maior desafio para a bandeira da democratização do Estado é transformar o engajamento na campanha das Diretas Já em uma mobilização física. "Como transformar essa maioria favorável às eleições diretas em mobilizações de rua, outras formas de luta, para que a gente possa disputar um projeto político no campo popular? Isto não está dado, mas há um grande potencial de luta em cima dessa bandeira", acredita.
 


Edição: Luiz Felipe Albuquerque

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