AO CHEGAR NESTA segunda (18) ao posto de procuradora-geral da República, Raquel Dodge fez um discurso em que martelou 11 vezes seu dever de combater a corrupção. Seu predecessor, Rodrigo Janot, saiu deixando uma carta onde afirma existirem “larápios egoístas e escroques ousados que, infelizmente, ainda ocupam vistosos cargos em nossa República”. Para saber seus nomes, basta ler as denúncias deixadas pelo ex-procurador-geral. Nelas, fica claro que a mesma bancada do PMDB na Câmara que afastou Dilma é agora quem manda na organização criminosa, sob a tutela de Michel Temer. Fica o alerta para Dodge: se quiser combater a corrupção, terá de enfrentar o mesmo PMDB que a levou ao cargo, pois ele é — e sempre foi — o maior nome por trás da articulação.

PMDB e Temer são citados desde a denúncia contra Lula

Até mesmo quando o alvo da denúncia era o núcleo do PT, o ex-procurador-geral da República esbarrou no PMDB. O nome de Michel Temer, por exemplo, aparece 14 vezes ao longo do texto.
O crime do qual Janot acusa Lula, Dilma e os demais integrantes do “núcleo PT” da Lava Jato, foi o de montar uma organização criminosa que desviou uma soma incontável de dinheiro, dividida entre políticos, operadores e empresários.
Entre os políticos, cerca de R$ 1,4 bilhão teria ficado com o próprio PT, aproximadamente R$ 400 milhões com o PP e mais R$ 1,2 bilhão teria sido usado para comprar o apoio de políticos do PMDB. Ou, nas palavras de Janot, Lula “negociou ilicitamente o apoio de integrantes do PMDB e PP” e essa negociação, quando se tratava do PMDB, era feita com Temer.
Dilma Rousseff abraça ex-presidente Luiz Inacio Lula Da Silva sob o olhar de Michel Temer.
Ao ser reeleita, Dilma Rousseff abraça Lula sob o olhar de Michel Temer, em outubro de 2014.
 
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Janot explica que a organização não tinha um sistema de hierarquia. “A relação mantida era de aderência de interesses comuns, marcada por uma certa autonomia”, explica o ex-procurador-geral na peça contra o núcleo do PMDB da Câmara.
Ele lembra que Temer e seu partido já participavam ativamente da organização desde 2006 e que, naquele ano, dez anos antes do impeachment, foi o atual presidente da República quem colocou o PMDB na base do governo Lula, sob a condição de prorrogar a CPMF e ampliar a base do governo, que havia sido abalada com a revelação do mensalão.
Ainda segundo a denúncia de Janot contra Lula, entre 2006 e 2015, como recompensa, Temer indicou 15 nomes para presidências de estatais, secretarias de governo e ministérios. Entre eles, a diretoria internacional da Petrobras, a vice-presidência da Caixa Econômica Federal e a presidência de Furnas — todas hoje envolvidas em denúncias de corrupção.

Dinheiro da Petrobras e da Transpetro foi majoritariamente para o PMDB

A nomeação de Sérgio Machado, grande nome à frente dos esquemas da Transpetro, foi um pedido dos senadores do PMDB. Lula é acusado de nomeá-lo, mas Janot deixa claro que o crime de corrupção ali envolveu mais especificamente os políticos de outro partido:
“No período que presidiu a TRANSPETRO, Sérgio Machado, em decorrência do esquema criminoso instalado na empresa, arrecadou, no mínimo, R$ 100.000.000,00 em propina. Esses valores foram repassados a diversos agentes políticos, notadamente os Senadores do PMDB.”
Ex-presidente do Senado Federal Renan Calheiros (PMDB-AL), recebe Rodrigo Janot.
O ex-presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), recebe Rodrigo Janot.
 
Foto: Jane de Araújo/Agência Senado
A denúncia também cita que Paulo Roberto Costa chegou a ter sua posição enfraquecida dentro da organização, e que buscou políticos do partido para continuar na diretoria de abastecimento da Petrobras. Janot afirma que a partir desse ponto, em 2006, “membros do PMDB passaram a receber uma parcela da vantagem indevida relativa aos contratos da Petrobras vinculados à Diretoria de Abastecimento”.
Em outra diretoria da estatal, há relatos de que as propinas iam majoritariamente para o PMDB:
“Rogério Araújo, executivo da Odebrecht, foi procurado alguns meses antes do lançamento da carta convite por Aluísio Teles Ferreira Filho, gerente da Diretoria Internacional da Petrobras que ofereceu informações privilegiadas ao grupo Odebrecht em troca do pagamento de propina de 5% sobre o valor do contrato, sendo que 4% ficaria para o grupo do PMDB da Câmara e 1% para o grupo político dos ora denunciados” [grifo nosso]

Impeachment não acabou com a corrupção, apenas mudou quem a coordenava

Apesar de explicar que não há qualquer tipo de hierarquia entre os três principais partidos envolvidos nos esquemas de corrupção (PMDB, PT e PP), Janot conta que o partido na presidência acaba tendo certo destaque, “em razão da concentração de poderes no Chefe do Poder Executivo Federal, especialmente no que tange às nomeações dos cargos públicos chave”.
Temer na China
Michel Temer em viagem à China, em setembro de 2017.
 
Foto: Lintao Zhang/Pool/Getty Images
Não à toa, tanto na denúncia contra o próprio Temer e o núcleo do PMDB na Câmara quanto na denúncia contra o núcleo do Senado, Janot fez questão de escrever que os denunciados operam como organização criminosa “até os dias atuais”. Outra coisa que se repete nas diferentes denúncias é a afirmação de que o impeachment foi apenas um momento de mudança dos nomes de quem controlava a organização, exatamente pela influência que o cargo de presidente carrega.
Segue abaixo um trecho da denúncia aberta contra Dilma e Lula:
“Com a reformulação do núcleo político da organização criminosa, a partir de maio de 2016, os integrantes do PMDB da Câmara passaram a ocupar esse papel de destaque dentro da organização.”
E, na denúncia contra Temer, o impeachment mais uma vez é citado:
“Em maio de 2016, com a reformulação do núcleo político da organização criminosa, os integrantes do “PMDB da Câmara”, especialmente Michel Temer, passaram a ocupar esse papel de destaque.”
Na carta enviada aos colegas do Ministério Público, Janot cita a famosa frase de “Hamlet”: “Há algo de podre no Reino da Dinamarca”. A peça de Shakespeare tratava de uma Dinamarca corroída pela corrupção. Em suas denúncias, o ex-procurador-geral deixa claro que também há algo de podre no Planalto.