sábado, 20 de janeiro de 2018

Da justiça (de exceção) no Estado Pós-Democrático - Por Leonardo Isaac Yarochewsky




"Sobre o “Estado de Exceção” o filósofo italiano GIORGIO AGAMBEN observa que:


O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração por meio de estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, parecem não integráveis ao sistema político. Desde então, a criação de um estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos."

Do site jurídico Empório do Direito:

Da justiça (de exceção) no Estado Pós-Democrático - Por Leonardo Isaac Yarochewsky 





1- Estado de Exceção

Sobre o “Estado de Exceção” o filósofo italiano GIORGIO AGAMBEN observa que: 

O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração por meio de estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, parecem não integráveis ao sistema político. Desde então, a criação de um estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos.[1] 

Ainda de acordo com AGAMBEN, dialogando com CARL SCHMITT, O estado de exceção “define um ‘estado de lei’ em que, de um lado, a norma está em vigor, mas não se aplica (não tem ‘força’) e em que, de outro lado, atos que não têm valor de lei adquirem sua ‘força’”[2] Para AGAMBEN, o “estado de exceção” é um espaço anômico onde o que está em jogo é uma força de lei sem lei. 

Em incursão as obras DE CARL SCHMITT, ADAMO DIAS ALVES e MARCELO ANDRADE CATTONI DE OLIVEIRA, no que se refere ao estado de exceção em SCHMITT, observam que: 

A exceção em Schmitt desempenha elemento central. Para Schmitt, somente diante da excepcionalidade (Aus­nahmezustand) pode-se vislumbrar quem é o soberano, pois é justamente o soberano quem decide sobre o estado ou situação de exceção (...)

Por estado ou situação de exceção, Schmitt busca um conceito geral da Teoria do Estado, não uma decretação de emergência ou um estado de sítio, posto que a exceção, no sentido amplo da palavra, sentido buscado por Schmitt, não pode advir da norma abstrata.[3] 

Grosso modo, pode-se dizer que o estado de exceção se opõe ao Estado de Direito. No estado de exceção a democracia é substituída pelo autoritarismo ou pela “pós democracia”, pela restrição de direitos e garantias fundamentais. 

2- Estado Pós-Democrático

Em “Estado Pós- Democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis[4] - obra indispensável para entender o momento político e jurídico atual - RUBENS R. R. CASARA constata que a exceção virou a regra e “Hoje, são as regras e, em especial, os direitos e garantias fundamentais, que aparecem como o principal conteúdo rejeitado pelos órgãos estatais de nossa época, por mais que o discurso oficial insista na existência de um Estado Democrático de Direito. Os direitos fundamentais não são mais percebidos como trunfos contra a maioria ou como garantias contra a opressão do Estado”. [5] Mais adiante, CASARA observa que “Não há mais Estado de Exceção (ou em termos benjaminianos, na tradição dos oprimidos, o  Estado de Exceção é a regra). É justamente a normalização da violação aos limites democráticos, o fato de ter se tornado regra, que caracteriza o Estado Pós-Democrático (...) O que era exceção no Estado Democrático torna-se a regra da pós-democracia”.[6] 

Neste diapasão, o que seria, em tese, um tribunal ou uma justiça de exceção em uma democracia, transforma-se em regra – com violação de direitos e garantias fundamentais - na pós-democracia. 

3- Julgamentos no Estado Pós-Democrático

No Estado Pós-Democrático os julgamentos – transformados em espetáculos – ignoram os princípios fundamentais que regem o processo penal democrático. Assim, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a proibição da obtenção de provas por meio ilícito, o julgamento por um juiz imparcial, a presunção de inocência entre outras garantias fundamentais são atropeladas, notadamente, em nome de um fantasmagórico combate à corrupção. Em nome deste combate e da perversa lógica de que “os fins justificam os meios”, bem como de uma utilização política da corrupção e do aniquilamento do inimigo, os direitos e garantias fundamentais – verdadeiros limitadores do poder punitivo estatal – são violados. 

4- Conclusão

O autoritarismo pode se revelar por diversas formas, contudo, como bem observa CHRISTIANO FALK FRAGOSO[7], é no processo penal que o autoritarismo vai encontrar um campo fértil para as suas diferentes formas de manifestações. 

É no direito penal e no processo penal - como formas de manifestações e instrumentos de poder - que o autoritarismo e fascismo brotam e se desenvolvem. Através do direito penal e do processo penal se busca controlar a sociedade e neutralizar os indesejáveis - eleitos como inimigos - sejam na concepção de CARL SCHMITT ou na de GUNTHER JAKOBS. 

Quando o judiciário ao invés de resguardar os direitos e garantias fundamentais - próprias do Estado Democrático de Direito – passa a julgar para agradar determinadas maiorias e a opinião publica (da) e, consequentemente, para aniquilar o “inimigo” da ocasião, fica evidenciado  o autoritarismo, próprio de Estados de Exceção. 

Neste sentido, CASARA salientou que “o Poder Judiciário, para concretizar direitos fundamentais, deveria julgar contra a vontade das maiorias de ocasião, sempre que isso for necessário para assegurar esses direitos”.[8] 

Por fim, é necessário compreender que o Estado Pós-Democrático não tem limites e, caso não seja desconstruído, poderá levar a sociedade ao fascismo sem volta. Caso não haja um real enfrentamento do autoritarismo, o que era exceção se transformará em regra.



[1] AGAMBEN, Giorgio.  Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 13.

[2] AGAMBEN, Giorgio. Op. cit. p. 61.


[4] CASARA, Rubens R. R. Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

[5] CASARA, op. cit. p. 69-70

[6] Idem, p. 72.

[7] FRAGOSO, Christiano Falk. Autoritarismo e sistema penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

[8] CASARA, op. cit., p. 163.



Imagem Ilustrativa do Post: NJ to PA Turnpike Bridge // Foto de: James Loesch // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jal33/13992955032

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