domingo, 14 de janeiro de 2018

Professor Doutor Juarez Cirino dos Santos, titular da UFPR comenta, no terceiro artigo da série "A Guerra de Moro contra Lula", sobre as frágeis autodefesas do Juiz Moro. Publicado no Justificando


Episódio n. 3 da Série “A guerra de Moro contra Lula” e continuação do Episódio 2, sob o título: As frágeis autodefesas do Juiz Moro
Série visa qualificar a cobertura jornalística de demais veículos sobre o tema, bem como trazer a análise do Professor Juarez Cirino dos Santos, que teve íntimo contato com o caso, para além das visões comuns.

Do site Justificando:

Sobre as frágeis autodefesas do Juiz Moro
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil. Arte: André Zanardo/Justificando
Domingo, 14 de Janeiro de 2018

Sobre as frágeis autodefesas do Juiz Moro

1.2. As interceptações telefônicas de Lula
Sobre a interceptação telefônica contra Lula, requerida pelo MPF em 19/02/2016 (Evento 4, do Processo 500620598-2016.4.04.7000), o Juiz Moro diz ter sido “longamente fundamentada” (84-85); sobre a ampliação da interceptação telefônica, requerida pela autoridade policial em 26/02/2016 (Evento 42, do mesmo Processo 500620598-2016.4.04.7000), o Juiz Moro também diz ter sido “igualmente fundamentada” (86). Mas a sentença condenatória apenas menciona que estão “fundamentadas” aquelas decisões, sem reproduzir o conteúdo das decisões para demonstrar a fundamentação alegada. Mais uma vez, é preciso acreditar na palavra do Juiz Moro, já que o Juiz Moro não se dispõe a demonstrar como sua palavra merece crédito. Assim, para verificar a fundamentação das decisões é preciso recorrer aos eventos processuais eletrônicos originários, sonegados na sentença condenatória.
1.2.1. A decisão do Evento 4: decisão judicial sem fundamentação
A decisão do Evento 4, que funciona como paradigma de fundamentação de todas as interceptações posteriores, não está fundamentada: a decisão assume como verdadeira a hipótese não demonstrada de que Lula seria o “real proprietário” do Sítio de Atibaia – aliás, uma imputação inexistente na Denúncia do Caso Tríplex e, por isso, estranha ao processo criminal. Em síntese, em vez da fundamentação exigida pela Constituição (art. 93, IX), o Juiz Moro oferece uma hipótese psíquica como fundamento da interceptação telefônica.
Como se sabe, a quebra de sigilo somente é admissível para apurar ilícito penal em investigação criminal ou instrução processual penal – ou seja, quando existe um fato demonstradoimputável à pessoa investigada, na forma do art. 1o, § 4o da LC 105/2001 –, conforme decisão do STF, segundo a qual “a quebra de sigilo – (…) que não indica fatos concretos e precisos referentes à pessoa sob investigação – constitui ato eivado de nulidade”, concluindo que “revela-se incompatível com o ordenamento constitucional, quando fundada em deliberações (…) destituídas da necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica como pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Constituição da República”. (MS 25.668, DJ 04.08.2006, Rel. o Ministro Celso de Mello).
Como se vê, se não existe ilícito penal demonstrado, falta a causa provávellegitimadora da ruptura da intimidade, determinando a ilegalidade da quebra de sigilo – no caso, a ilegalidade da quebra de sigilo contra Lula. A decisão judicial exclui o essencial: primeiro, não demonstra os tipos de crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro; segundo, não demonstra qual seria a infração penal anterior, originária dos bens, direitos e valores que teriam sido ocultados ou dissimulados por Lula. A manobra judicial é clara: para compensar a ausência de um fato demonstrável contra Lula, o Juiz Moro decide investigar a relação entre (a) as empreiteiras do esquema criminoso e (b) as entidades e pessoas relacionadas na decisão. Assim, substitui o Direito Penal do fato pelo Direito Penal do autor: se não tem um fato para imputar à pessoa, então investiga pessoas para encontrar um fato imputável.
Mais: para compensar a falta de provas contra Lula naquelas decisões, o Juiz Moro fala do “considerável acervo de provas” do MPF sobre o apartamento e sobre o sítio – mas não indica, na decisão do Evento 4 (nem na decisão do Evento 42), quais são essas provas ou em que consiste esse considerável acervo de provas do MPF; ao contrário, continua em ilegais referências genéricas e atolado em dúvidas: talvez maior esclarecimento” poderia resultar da relação entre o “ex-Presidente Lula e as empreiteiras”, com a investigação dos “benefícios” agregados pelas empreiteiras para os dois imóveis, diz o Juiz Moro, naquelas decisões.
1.2.2. Uma ilegal investigação prospectiva
  1. O discurso judicial é sintomático: revela a perplexidade insuperável daquele “talvez” – um advérbio incompatível com decisões judiciais – e não fala mais do considerável acervo de provas atribuído ao MPF. Eis o dilema evidente: seexiste aquele considerável acervo de provasentão não seriam necessários maiores esclarecimentos; se são necessários maiores esclarecimentos, entãonão existe aquele considerável acervo de provas. No jogo do processo penal o Juiz Moro parece blefar, mas na prática da quebra de sigilo acaba promovendo uma ilegal investigação prospectiva.
  2. Na promoção dessa ilegal investigação prospectiva o Juiz Moro amplia as interceptações telefônicas (a) para as entidades controladas pelo ex-Presidente Lula, (b) para os auxiliares mais próximos do ex-Presidente Lula e (c) para o caseiro do sítio – neste caso, não por envolvimento no crime, mas para determinar a propriedade, diz a decisão. Em suma, o Juiz Moro não tem um fato como causa provável – ao contrário, tem apenas hipóteses e, no caso do caseiro do sítio, a hipótese do Juiz Moro revela a própria nudez: se o caseiro é investigado para determinar a propriedade do imóvel, então onde estaria o considerável acervo de provas do MPF?
  3. Enfim, a falta de causa provável consistente em fato determinado induz o Juiz Moro a investigar pessoas determinadas para saber se fatos indeterminados teriam sido praticados por Lula – porque, conforme está claro, a prova do fato, como causa provável necessária da quebra de sigilo, não existe! Assim:
  4. a) no mesmo dia 20 de fevereiro de 2016, às 09h53 (Evento 14), fundado nas mesmas hipóteses indemonstradas, o Juiz Moro determina a interceptação dos terminais telefônicos de várias pessoas físicas e do Instituto Lula, igualmente sem fundamentação: pressupõe demonstrado o indemonstrado, remetendo às razões do Evento 4, que não fundamentam nenhuma quebra de sigilotelefônico;
  5. b) ainda no dia 20 de fevereiro de 2016, às 12h48 (Evento 24), o Juiz Moro determina a interceptação do terminal do ex-Presidente Lula, fazendo alusão a genéricos indícios de ocultação de patrimônio, mas com idêntica ausência de fundamentação, mediante a mesma cômoda remissão ao Evento 4, que nada demonstra;
  6. c) no dia 26 de fevereiro (Evento 42), o Juiz Moro determina novas interceptações de terminais telefônicos de pessoas físicas e do Escritório do advogado Roberto Teixeira, com a mesma ilegalidade por falta de fundamentação, sob o pressuposto falso de demonstração de fatos não demonstrados, mediante igual cômoda remissão ao Evento 4 – a base de todas as ilegalidades judiciais das quebras de sigilo –, que nada demonstra.
  7. Parece inacreditável: 40 (quarenta) dias após a quebra de sigilo de Lula (Evento 4), em que o Juiz Moro afirma (a) que Lula é o proprietário real do sítio de Atibaia e (b) que o MPF possui um considerável acervo de provas sobre a propriedade do imóvel, o Juiz Moro decreta a quebra de sigilo do caseiro do sítio Atibaia para prova do domínio do ex-Presidente Lula sobre o imóvel (Evento 55). Como a nova interceptação telefônica foi determinada com o objetivo de prova do domínio, a conclusão é óbvia: o Juiz Sérgio Moro não tem fatos contra Lula – ao contrário, tem apenas hipóteses e, fundado no primado da hipótese sobre o fatosuspendeu ilegalmente o sigilo constitucional das comunicações telefônicas de inúmeras pessoas físicas e jurídicas.
 Juarez Cirino dos Santos é Advogado criminalista, Professor Titular de Direito Penal da UFPR, Presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC e autor de vários livros.

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