SÃO PAULO, SP, BRASIL, 20.11.2017, 12h30 - O apresentador de televisão Luciano Huck durante palestra na primeira edição do Festival de Cultura Empreendedora, em São Paulo (SP). (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress)
Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress


15 de Fevereiro de 2018, 7h00

FANTASIAS BEM BOLADAS pulularam no Carnaval. Na avenida, o vampiro enlaçado pela faixa presidencial só não teve nome, Michel Temer, para quem não quis ver. Nas ruas, foliões se vestiram de War, a guerra de tabuleiro; Vai Malandra; álbum de figurinhas de jogador de futebol; e, agora com até 280 caracteres, tuíte.
Unicórnios superaram chuveiros. Cocares celebraram a cultura indígena e a tradição carnavalesca, prevalecendo sobre a casmurrice de garotos-enxaqueca. Um rosto cobriu-se com a imagem dupla da face do Jô Soares, e a reprodução da embalagem do achocolatado Toddynho serviu de camisa. Assim criou-se uma Jojo Todynho.
Da fantasia realista da escola Paraíso do Tuiuti à fantasia literal que festejou a funkeira de “Que tiro foi esse”, abundou criatividade. Mas não houve criatividade capaz de evitar o malogro da fantasia que desfilou no noticiário junto com blocos, patos e mijões: Luciano Huck enroupado como “novo na política”, o quarentão com ares de garotão que arejaria a campanha presidencial.
Comparado a amigos que colecionou em sua vida política, o apresentador da TV Globo e empresário é mesmo novo. Tem 46 anos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com saúde de astronauta, chegou aos 86. O senador José Serra completou 75. O senador Aécio Neves, 57.
Não houve criatividade capaz de evitar o malogro da fantasia que desfilou no noticiário junto com blocos, patos e mijões: Luciano Huck enroupado como “novo na política”
Huck já proclamou Aécio seu “irmão de sangue”. Acarinhou Serra como “grande amigo”. Incensou FHC, com quem costuma jantar, “a cabeça mais moderna do Brasil”. “Sou muito próximo dele”, contou.
Presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique identifica em Huck o “estilo” do partido. FHC, porém, jura fidelidade ao correligionário Geraldo Alckmin, que alonga e aquece para entrar em campo. O desconforto, para o governador de São Paulo e seus devotos, é que ele aparenta má forma, como um boleiro barrigudo.
No mais recente Datafolha, em cenário sem o nome do ex-presidente Lula como opção, Alckmin estaciona em um dígito, 8% das intenções de voto. O desempenho é idêntico ao de Huck, ainda que o animador do “Caldeirão” não se reconheça como candidato.

A ilusão do neófito político

Foi esse o rame-rame durante o reinado de Momo: se o marido da Angélica se lançará ou não. Os prognósticos variam, em contraste com a arenga comum e constante: sua força proviria do caráter moderno e renovador em meio a um ambiente de políticos carcomidos e politicagem putrefata.
Sobre políticos e politicagem, nada ou pouco a acrescentar. Mas Luciano Huck como neófito político é um diagnóstico tão confiável quanto o goleiro Muralha ou o tapa-sexo da madrinha de bateria da X-9.
Ele já pelejava em campanhas eleitorais em 2002, o ano em que o smartphone BlackBerry causou alvoroço ao surgir nas lojas. Ou dois anos antes do aparecimento do Facebook, e a três da entrada do YouTube em cena.
Luciano Huck como neófito político é um diagnóstico tão confiável quanto o goleiro Muralha ou o tapa-sexo da madrinha de bateria da X-9.
Em setembro de 2002, foi mestre de cerimônias em comícios de Serra, candidato a presidente, e Aécio, a governador de Minas. “Caldeirão tucano”, titulou uma reportagem da “Folha de S. Paulo”. Huck esquentou a plateia de Teófilo Ottoni: “Boa noite! Não ouvi boa noite! Aí, galera do fundão!” E discursou no palanque.
O apresentador propagandeado em 2018 como calouro político integrava, 16 anos atrás, um grupo que elaborou uma “agenda jovem” e propostas de governo para José Serra. Noutra cidade mineira, Capelinha, Huck cabalou votos para Serra e Aécio, elogiados por ele como “gente honesta e morrendo de vontade de fazer um Brasil melhor para todos nós”.
Releve-se o conteúdo da mensagem. O busílis, por hoje, é a contradição entre a imagem farsesca de iniciante na política e a condição real de veterano nos embates político-partidários. Em sua casa no Rio, como lhe assiste o direito e incentiva a democracia, Huck promoveu encontros pró-Aécio em campanhas ao Senado e à Presidência.
Em 2014, votou vestindo uma camiseta azul estampada com o mote da campanha do peessedebista, “Muda Brasil”. Com um adesivo do número 45 grudado no pulôver, acompanhou ao lado de Aécio a apuração do segundo turno e o desencanto com a derrota para Dilma Rousseff.

As fotografias sumidas de Huck

A fornida iconografia que documenta sua relação com o neto de Tancredo Neves flagra-o de camisa da seleção, camiseta esportiva, camisa social, terno e gravata. Não eram meros companheiros de ocasião, e Huck não ocultava a militância. Fotos desapareceram de suas redes sociais depois da divulgação da conversa do senador pedindo 2 milhões de reais ao espertalhão Joesley Batista.
Entre os retratos sumidos está um que Joesley e Huck confraternizam a bordo de um iate. O bambambã da Friboi comprara de Huck e Angélica uma ilha em Angra dos Reis. O negócio expõe o mundo em que vive e prospera o apresentador cotado para a Presidência. É o do poder e da fartura, no país cuja desigualdade de renda a ONU classifica entre as dez maiores do planeta. A nação obscena onde a riqueza de seis biliardários equivale à dos 100 milhões de brasileiros mais pobres.
No Twitter, em 2010, Huck enalteceu o empresário Eike Batista: “Podem falar o que quiser, mas qtos + @eikesbatista s no Brasil, melhor. Gosto da sua visão de mundo. Do orgulho de fazer direito. E de ajudar”.
Na mesma rede, chaleirara chefões do PMDB: “Vale um parabéns especial para Eike Batista, Eduardo Paes e Sérgio Cabral. Só somando forças é possível construir um Rio mais justo”.
Enquanto as escolas desfilavam e os blocos pipocavam, o blog “Tijolaço” revelou que em 2013 Huck recorrera a empréstimo de R$ 18 milhões do BNDES para comprar um jatinho para empresa sua. O empréstimo, com juros de 3% ao ano, soa estranho à dicção liberal do empresário que se queixa de excessiva presença estatal na economia.
Como um virgem chocado com a bandalheira no bordel, Huck escreveu em novembro, num artigo na “Folha”: “O Brasil está sofrendo demais — especialmente os mais pobres, mas não apenas eles — para ficarmos privados e reféns deste sistema político velho e corrupto”. Referiu-se às “necessidades da gente. Da nossa gente”. Na parede da memória, ecoou Fernando Collor ao microfone: “Minha gente…”.
Huck sugeriu ser o avesso do “velho”. Oito meses antes, desfraldara sua bandeira: “É hora de a minha geração ocupar os espaços do poder”.

Uma candidatura “nova” cogitada há anos

A possível candidatura, que alguns supõem aventureira, carece de impulso juvenil. É hipótese cultivada há muitas estações. Em 2011, em entrevista à revista “Alfa”, Huck admitiu-a: “Agora, não. Daqui a dez anos, talvez eu tenha mudado a resposta”.
Ele demorou menos do que previra para preconizar, em março de 2017: “Bicho, vamos colocar a base da ética, da transparência”. E insinuar: “Se vou ser eu, não faço a menor ideia”.
Em novembro, também na “Folha”, alardeou a desistência: “Contem comigo. Mas não como candidato a presidente”. Em evento da revista “Veja”, exclamou: “Não vou ser político nunca! Não quero ser político!”.
No mês passado, irrompeu no “Domingão do Faustão”. Comportou-se como candidato e exibiu credenciais: “Estou há 18 anos viajando por esse país”. Não anunciou o sim, mas nada descartou.
Acionado por parlamentares petistas na Justiça Eleitoral, oscilou mais uma vez, por meio dos seus advogados: “Luciano Huck […] reitera que não será candidato no pleito de 2018”.
Em seguida, Fernando Henrique Cardoso esclareceu, na Rádio Guaíba, que o amigo está considerando candidatar-se.
Ao colega Fausto Silva, Huck disse não acreditar em direita e esquerda. Não é original. Silvio Santos antecedeu-o nessa abordagem. Em seus breves dias de campanha em 1989, antes de o TSE retirá-lo do páreo, o homem do Baú prometeu governar com “todos”: “Os homens mais capazes desse país vão se juntar a mim, porque sabem que eu tenho boas intenções”.
Huck seria de uma coalizão poderosa. O empresariado parrudo procura alguém com potencial para em outubro vencer Lula ou um apadrinhado do petista.
A TV tocava o jingle com a melodia característica do programa dominical: “Silvio Santos já chegou, e é o 26/ Silvio Santos já chegou, e o Brasil ganhou”.
Há quase trinta anos, o dono do SBT era candidato dele mesmo — e de suas “colegas de trabalho”. Huck seria de uma coalizão poderosa. O empresariado parrudo procura alguém com potencial para em outubro vencer Lula ou um apadrinhado do petista.
Querem um presidente que mantenha a política econômica do vampiro da Sapucaí. Temem que Alckmin, o ministro Henrique Meirelles, a ex-ministra Marina Silva e os deputados Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia soçobrem. Não gostam de Ciro Gomes.
Na essência, Huck defenderia em 2018 o que Aécio defendeu em 2014.
Huck tem se aconselhado com próceres do Democratas, agremiação parceira habitual do PSDB que agora acena com voo solo. O ex-DEM é a sucessão história do PFL, que antes constituíra um naco do PDS, cuja denominação anterior era Arena, o partido da ditadura.
Se direita e esquerda inexistem, então o DEM não é de direita. Para disputar a eleição, o PPS estendeu a Huck seu tapete, cujo vermelho desbotou faz tempo.
As ideias de Huck podem ser boas ou ruins, a depender da cachola de cada um. É inequívoca sua longa trajetória como agente político. Ele representa a continuidade de um projeto, tão legítimo e controverso quanto outros.
Se a renovação tem a cara de Luciano Huck, já nasce enrugada.
É fantasia rasgada, máscara que caiu, ilusão de Carnaval.
Foto do título: O apresentador Luciano Huck durante palestra no Festival de Cultura Empreendedora, em São Paulo, em 20 de novembro de 2017.