É BEM PROVÁVEL que você nunca tenha ouvido falar de uma das mais poderosas alianças do mundo. Pelo simples fato de sua existência ser um segredo de estado – de vários estados – guardado a sete chaves.
A “SIGINT Seniors” é uma coalizão entre agências de espionagem que se reúne anualmente para cooperar em questões internacionais de segurança. São duas divisões cuja atuação está concentrada em diferentes partes do mundo: SIGINT Seniors Europa e SIGINT Seniors Pacífico. Ambas são lideradas pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA), e contam com representantes de pelo menos outros 17 países. Os membros do grupo trabalham para agências de espionagem que interceptam comunicações, uma prática conhecida como “inteligência de sinais”, ou SIGINT [signals intelligence].
Os detalhes das reuniões da SIGINT Seniors foram divulgados em um lote de documentos confidenciais do boletim interno da NSA, o SIDToday, obtidos pelo ex-agente Edward Snowden e publicados por The Intercept. Os documentos trazem à tona a história secreta da aliança, as questões sobre as quais as agências participantes vêm se debruçando recentemente, e os sistemas que permitiram aos países aliados compartilhar entre si informações sensíveis de espionagem.
A SIGINT Seniors Europa foi criada em 1982, em plena Guerra Fria. Naquele tempo, eram nove membros, cujo objetivo principal era descobrir informações militares da União Soviética. Depois do 11 de Setembro, o grupo aumentou para 14 membros e voltou seus esforços para o contraterrorismo.
O núcleo principal da Seniors Europa é formado pelas agências de vigilância dos chamados Cinco Olhos: a NSA e as equivalentes do Reino Unido, da Austrália, do Canadá e da Nova Zelândia. Em abril de 2013, entraram as agências de inteligência da Bélgica, da Dinamarca, da França, da Alemanha, da Itália, da Holanda, da Noruega, da Espanha e da Suécia.
A aliança – à qual a NSA algumas vezes se refere como os “14 olhos” — já atuou em cooperação para monitorar as comunicações durante importantes eventos europeus, como as Olimpíadas de 2004 (na Grécia), as Olimpíadas de Inverno de 2006 (na Itália) e a Copa do Mundo de 2006 (na Alemanha). Entre 2006 e 2007, como parte de uma operação de contraterrorismo, as agências começaram a tentar “tirar proveito da Internet”, o que foi descrito pela NSA como um “enorme avanço” para o grupo, uma vez que alguns dos membros estariam até então “relutantes em reconhecer a importância da Internet”.

A Canadian Navy sailor on board a helicopter patrols the waters off the coast of Somalia as they escort a World Food Programme (WFP) ship on September 17, 2008, providing an anti-pirate escort for the ship taking food aid to Somalia. The UN Security Council in June adopted a resolution authorising foreign warships to enter Somalia's territorial waters with the government's consent to combat pirates, though it has yet to be implemented. European foreign ministers agreed to set up a special unit to coordinate the fight against piracy off Somalia, raising the possibility of a EU naval mission to the region. Ninety percent of food aid is delivered to the Horn of Africa country by ship, the last lifeline for starving millions since insurgents armed with surface-to-air missiles make air and road deliveries too dangerous. AFP PHOTO/SIMON MAINA (Photo credit should read SIMON MAINA/AFP/Getty Images)
Um oficial da Marinha do Canadá a bordo de um helicóptero patrulha as águas costeiras da Somália enquanto escolta um navio do Programa Alimentar Mundial, em 17 de setembro de 2008.
 
Foto: Simon Maina/AFP/Getty Images

EM 2010, as agências estavam concentradas em localizar suspeitos de terrorismo, compartilhar informações de inteligência sobre pirataria na região do Chifre da África, e atuar em conjunto no desenvolvimento de novas técnicas e ferramentas de monitoramento. De acordo com os documentos, a Seniors Europa tinha sua própria rede de comunicação chamada SIGDASYS, por meio da qual as agências poderiam compartilhar cópias das comunicações interceptadas. O grupo também usava um sistema chamado CENTER ICE, especificamente para as informações de inteligência sobre a guerra do Afeganistão.
Os documentos indicam que a Seniors Europa faz uma conferência anual, cada vez em um lugar diferente. Em 2013, por exemplo, o grupo se reuniu na Suécia; em 2011, no Reino Unido; em 2010, na Alemanha; e em 2009, no Canadá. Em 2013, a NSA manifestou interesse em criar instalações permanentes para hospedar representantes da Seniors Europa em um espaço colaborativo comum. A agência discutiu a ideia com sua equivalente no Reino Unido, o GCHQ (Government Communications Headquarters). De acordo com a NSA, os britânicos estavam “dentro”. Houve, no entanto, “contínua resistência” ao plano por parte de alguns membros não identificados da SIGINT Seniors.
A NSA achava que a melhor localização para as instalações era o Reino Unido, que “seria ideal em termos de maior flexibilidade para ajustar a operação em benefício dos Cinco Olhos”. A agência também sugeriu a França como possibilidade, mas destacou suas restrições a instalar uma central de espionagem na Europa continental. “Alguns países europeus podem ficar receosos de abrigar essas instalações em seu território”, observou a NSA, em parte por “preocupações associadas à legislação europeia de direitos humanos”. (Tanto a NSA quanto o GCHQ se recusaram a se pronunciar sobre esta matéria. O GCHQ emitiu uma declaração afirmando que adere a “um rigoroso enquadramento legal e político, que assegura que nossas atividades sejam autorizadas, necessárias e proporcionais”.)
A divisão do Pacífico da SIGINT Seniors é mais recente que o braço europeu. Foi formada pela NSA em 2005, com o propósito de “estabelecer um esforço conjunto para combater o terrorismo na região da Ásia-Pacífico”. Em março de 2007, a NSA declarou que estava “debatendo ideias para expandir o foco da ação de inteligência [da SIGINT Senior Pacífico] para além do contraterrorismo”.
A NSA estava passando aos indianos material ultrassecreto específico, e a Índia começou a vazar algumas dessas informações de inteligência.
Quem fundou a aliança do Pacífico foram as agências de espionagem dos Cinco Olhos, juntamente com Coreia do Sul, Cingapura e Tailândia. Em 2013, França e Índia já haviam se juntado ao grupo. A NSA estava especialmente interessada na participação da Índia, como parte de um esforço mais amplo do governo dos EUA para estreitar relações com o país, e “acreditava francamente que a participação da Índia no compartilhamento multilateral de informações de inteligência ajudaria a amadurecer as agências indianas de SIGINT, bem como a obter expertise regional [em contraterrorismo]”. Em março de 2008, o então diretor-geral da NSA Keith Alexander liderou uma delegação de agentes — que incluiu representantes de Cingapura e da Nova Zelândia — em visita a Nova Déli, onde convidou as agências de espionagem indianas a unirem forças com o grupo. Três meses depois, os indianos aceitaram o convite.
O grupo do Pacífico usava um sistema chamado CRUSHED ICE para compartilhar informações. Segundo um documento da NSA datado de novembro de 2007, o CRUSHED ICE é uma rede segura que permite o compartilhamento de informações secretas de inteligência sobre contraterrorismo, obtidas por meio de interceptação de comunicações. “O sistema permite a colaboração por meio de voz, troca de arquivos binários/e-mails, análises e relatórios, gráficos e mapeamento, comunidades de interesse, gestão de coleções, e outros aplicativos que venham a ser necessários”, afirmava o documento de novembro de 2007.
Há benefícios óbvios para os países convidados a se integrar ao SIGINT Seniors: eles podem aprender novas técnicas de espionagem com as mais poderosas agências do mundo. Ao mesmo tempo, obtêm informações sobre seus próprios países e regiões, a que talvez não tivessem acesso de outra forma. Nem todos os países convidados a se juntar à aliança, porém, aceitaram o convite. Segundo um documento da NSA de março de 2007, o Japão se recusou a fazer parte do grupo do Pacífico, manifestando a preocupação de que “a divulgação não intencional de sua participação representaria um risco muito alto”.
Uma desvantagem do SIGINT Seniors é o risco de que um dos parceiros não dê tratamento adequado às informações sensíveis. Isso aconteceu em pelo menos um episódio envolvendo a Índia. Quando uma série de ataques terroristas atingiu Mumbai em novembro de 2008, o país já havia se juntado ao grupo do Pacífico. A NSA estava passando aos indianos material ultrassecreto específico, como relatórios de interrogatórios e gravações de ligações telefônicas interceptadas. Nas semanas que se seguiram aos eventos de Mumbai, a Índia começou a vazar algumas dessas informações. “Às vezes, parecia uma ocorrência diária”, reclamou o responsável administrativo da NSA no país. Ainda assim, a agência, que havia enviado analistas para a Índia, permaneceu confiante de que as agências de inteligência do país iriam “amadurecer […] e se tornar os parceiros de que a NSA precisa no sul da Ásia”.
O grupo SIGINT Seniors provavelmente permanece ativo até hoje, e é possível que tenha expandido suas habilidades nos últimos anos. De acordo com o “orçamento negro” de 2013 — uma parcela do orçamento federal dos EUA dedicada ao serviço secreto de inteligência –, a NSA estava trabalhando naquele ano para fortalecer as divisões da Europa e do Pacífico do SIGINT Seniors, e planejava “expandir o nível de cooperação [relativo ao contraterrorismo] e explorar outras áreas potenciais de colaboração”.
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Foto do título: Instalações de Defesa da Austrália em Pine Gap, 9 de fevereiro de 2016.
Tradução: Deborah Leão.