domingo, 8 de abril de 2018

Uma legalidade a reconquistar, por Ion de Andrade


"No Regime Militar vivemos o mantra mobilizador das “Diretas Já e Constituinte Livre e Soberana”. As eleições estavam, naquela altura, a serviço da recuperação de uma legalidade reconhecidamente perdida e ninguém tinha a ilusão de que, sem ela, o campo democrático de então, chegaria ao Poder. E agora, que bandeira temos para superar mais uma fase autoritária que se abate sobre o Brasil? O que é estratégico então?"



Do Jornal GGN:

A prisão de Lula em desrespeito aberto e ostensivo à Constituição escancara uma ditadura que se utiliza das instituições democráticas para um simulacro. Embora isso seja uma obviedade desde o “impeachment”, esse ato tem magnitude suficiente para que sejamos obrigados a mudar importantes eixos das nossas lutas. Vemos agora com clareza indiscutível que há uma legalidade democrática perdida.

Vivemos portanto um desses preciosos momentos para a conscientização das maiorias em que se vê que o Estado de direito, quando não está sob hegemonia popular, se rege por uma democracia que é um simulacro.
Esse momento é, também para o conjunto da esquerda, a oportunidade para emergir desse transe hipnótico que é o entendimento das eleições como ferramenta estratégica para a recuperação da hegemonia perdida, pois as forças que estão rasgando a Constituição são coerentes no seu propósito e na sua natureza de converter toda democracia real em procedimental, toda a verdade em simulacro. As eleições não podem mais, portanto, figurar para o campo democrático como a grande ferramenta estratégica, a blitzkrieg, mas como uma importante ferramenta tática para a recuperação da legalidade, que deverá servir como nos idos do Regime Militar para irmos medindo os avanços do campo democrático numa luta que devemos antever como longa.
No que toca às eleições, a pergunta que temos que nos fazer é a que servem essas eleições para nós, (e servem muito), quando sabemos que serão feitas apenas para cumprir um rito procedimental de legitimação de um Poder ditatorial que fará TUDO o quanto seja necessário, para que exprima, no que houver de estratégico, os interesses das forças que perpetraram a ruptura institucional. A que servem, portanto, as eleições, se seria uma imperdoável ingenuidade nossa querer teimosamente continuar a enxergá-las como estratégicas? A que tática servem?
No Regime Militar vivemos o mantra mobilizador das “Diretas Já e Constituinte Livre e Soberana”. As eleições estavam, naquela altura, a serviço da recuperação de uma legalidade reconhecidamente perdida e ninguém tinha a ilusão de que, sem ela, o campo democrático de então, chegaria ao Poder. E agora, que bandeira temos para superar mais uma fase autoritária que se abate sobre o Brasil? O que é estratégico então?
Sem querer antecipar respostas, pois essa formulação deverá ser o labor dessa Frente Democrática recém-criada que inclui o PT, o PC do B, o PSOL, e mais timidamente o PDT. Mesmo que não tenha enxergado isso, essa Frente está convocada a escrever um Programa Democrático Comum cuja legitimidade deverá, novamente, passar por uma Constituinte Livre e Soberana, a ser feita quando recuperarmos a iniciativa política e com a qual deverá estar publicamente comprometida.
O que faremos com esse Poder não “estratégico” a que teremos acesso através das prefeituras e governos de Estado que servirão ao Grande Simulacro como argumento hipnótico de exercício pleno da democracia? Que programa comum essa Frente deve ter no conjunto das prefeituras que governar? Como isso se articula com a necessária emancipação do nosso povo e o que ela é? Que horizonte cronológico nos damos para recuperar essa hegemonia perdida? De que será feita a militância quando não estivermos no Poder, que é o que ocorrerá na maioria dos Estados e municípios, para continuarmos crescendo e nos credenciando às disputas eleitorais “não estratégicas” que permearão o nosso cotidiano? Como converter o simulacro em democracia participativa? Como reformar os Poderes? Que propostas temos para o Judiciário? Que ideias temos para os Espaços Públicos onde as comunidades devem se encontrar?
Perguntas cruciais.
Possa a prisão de Lula ser curta, pois mais do que uma eleição temos uma legalidade a reconquistar e uma História a escrever.
De fato, Eleição sem Lula é fraude e tudo é simulacro!

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