Se já está fora de dúvida que Sergio Moro tem uma relação próxima e fora do padrão diplomático com autoridades norte-americanas, como relatei em artigo publicado ontem, é preciso entender como o juiz construiu internamente o poder de que desfruta.
O criminalista Fernando Fernandes explicou em detalhes como se deu o emparedamento de Teori Zavascki em 2014, na origem da Lava Jato, fato que o DCM revelou em no ano passado, no projeto de crowdfunding “Lava Jato: das origens à perseguição a Lula”.
Mas Moro já tinha musculatura quando um vazamento para a revista Veja, em 2014, com repercussão no Jornal Nacional, pressionou o ministro, a ponto de Teori Zavascki dar entrevista ao Jornal Nacional, para formalizar o recuo de sua decisão.
A Lava Jato, com isso, venceu os poderes da república.
Mas a força de Moro começou a ser construída muito antes, depois que ele teve em suas mãos o maior arquivo do submundo das finanças no Brasil, na forma dos processos que ficaram conhecidos como caso Banestado.
O doleiro Dario Messer, nunca incomodado pelo juiz, apareceu na investigação, assim como seus operadores.
Dois deles contaram recentemente a procuradores do Rio de Janeiro que um pool de doleiros pagava 50 mil dólares por mês ao advogado Antônio Figueiredo Basto para não serem citados em delações nem terem a Polícia Federal e o Ministério Público Federal em seus calcanhares.
Se Moro, o todo-poderoso da 13a. Vara Criminal Federal, tem algo a ver com isso, só uma investigação profunda e isenta pode dizer. Por enquanto, são indícios apenas, e indícios abundantes.
Nenhum poder, no entanto, ele teria se não fosse convalidado pelas instâncias superiores, e é nesse ponto que se começa descobrir que o juiz, além da habilidade que tem na condução dos processos, domina como poucos a arte da política nos tribunais.
Um dos episódios mais marcantes na história do Tribunal Regional Federal da 4a. Região foi a aposentadoria do desembargador Dirceu de Almeida Soares, em 2010.
Dirceu foi processado pelo Superior Tribunal de Justiça e também no Conselho Nacional de Justiça, depois de uma denúncia feita em 2005 por sete juízes federais, entre eles Sergio Moro.
Segundo os juízes, o desembargador ligava para os juízes com objetivo de interferir em processos.
Na época, entrevistado pelo repórter Lourival Sant’Anna, de O Estado de S. Paulo, Dirceu admitiu as ligações, mas disse que era uma rotina entre magistrados e não tinha o objetivo de forçar decisões.
O desembargador atribuiu as denúncias a uma “disputa política feroz” no tribunal e citou o ex-presidente Vladimir Passos de Freitas.
Segundo a reportagem do Estadão, Vladimir trabalhou para ser nomeado para o Superior Tribunal de Justiça, mas acabou preterido por não ter o apoio dos deputados paranaenses José Janene e José Borba.
Para Dirceu, a denúncia dos juízes contra ele era armação, fruto de vingança.
Um detalhe importante: quem nomeou o ministro do STJ foi Lula, hoje preso por decisão de Sergio Moro, um dos autores da denúncia que Dirceu denunciou como armação.
Dirceu acabaria aposentado em 2010, depois de uma decisão desfavorável no Conselho Nacional de Justiça. Pouco tempo depois, faleceu.
Outro que denunciou o desembargador Dirceu é o juiz federal Ricardo Rachid, braço direito e auxiliar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin.
Em junho de 2015, pouco depois de ser nomeado por Dilma Rousseff para  o STF, Fachin, que é do Paraná, convidou Rachid para ser juiz auxiliar em gabinete.
Rachid trazia no currículo uma breve passagem pela Lava Jato, quando substituiu Sergio Moro em um período de férias. Na ocasião, mandou prender Nestor Cerveró.
Com as voltas que o mundo dá, Teori Zavascki morreria um ano e meio depois, em acidente aéreo cujo inquérito ainda não foi concluído, e Fachin assumiria a relatoria da Lava Jato no Supremo.
Para assumir, ele trocou de turma e, coincidência, foi sorteado para ocupar o lugar de Teori Zavascki. Por sorte (ou não), já tinha um lavajateiro trabalhando em seu gabinete.
Fachin, hoje, é um dos que convalidam as decisões de Moro e não colocou para votar a ação que, há anos, dormita na corte, para que se decida sobre a falta de competência do juiz de primeira instância para tocar os processos que ficaram conhecidos como operação Lava Jato.
Dirceu de Almeida Soares deve ser um nome marcante na vida de Moro.
Na sentença em que condenou José Dirceu à pena de prisão, ele errou o nome do ex-ministro. José Dirceu de Oliveira e Silva foi chamado de José Dirceu de Almeida Soares oito vezes.
Ato falho?
Freud explica.
Morro erra o nome de José Dirceu e escreve o do desembargador Dirceu de Almeida Soares, desafeto de seu grupo político nos tribunais