domingo, 2 de setembro de 2018

A retórica de Barroso para fazer do caso Lula uma exceção. Por Patrícia Faermann



"Ministro ignorou prazos legais, criou sessão extraordinária, restringiu o direito garantido de defesa, adotou tempo recorde de análise das sustentações, mostrou-se vítima de relatoria do processo, rebaixou decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU, mas tentou tapar erros exaltando falso garantismo."

Do Jornal GGN:


Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Para cassar a candidatura do ex-presidente Lula, o ministro Luís Roberto Barroso abusou de uma sequência de estratégias características da retórica sofista, na arte de persuadir o público por sua tese antilógica. Ao escancaradamente saltar diversos direitos de defesa inquestionáveis para se julgar uma candidatura, Barroso teve que se empenhar para que a última impressão não parecesse o que era. 
 
"Não houve, como pretendo demonstrar, nem apelo nem tratamento desigual", foi uma das frases introduzidas pelo ministro, com cautela, na noite de ontem. A fala tentava tapar um buraco deixado pelo relator, após ter saltado todos os prazos legais garantidos à defesa em processo como este.
 
Trata-se de fases importantes para a instrução do processo e que, por mais que exista brecha legal para se omitir ou não as seguir, ao longo deste mês diversos especialistas em direito eleitoral foram consultados apresentando o unânime consenso de que um caso como este, envolvendo um candidato à Presidência, Lula, preso desde o início de abril em um processo recheado de polêmicas, deveria, pelo menos, ter seu rito rigidamente seguido no TSE.
 
Pelo protocolo regimental, este caminho inclui, a partir da apresentação da defesa de Lula, um prazo de 5 dias para o Tribunal ouvir testemunhas indicadas por todas as partes - do candidato e dos acusadores. Paralelamente, os advogados também podem solicitar a coleta de provas, neste prazo de 5 dias. No caso dos 16 questionamentos apresentados por diversos partidos, políticos, advogados e candidatos à Justiça Eleitoral, muitos deles incluiam pedidos de coleta de provas e de testemunhas. Mas em seu voto, Barroso disse entender que não eram necessários.  
 
Justificou que os fatos eram de conhecimento "público e notório" e se valeu do contraditório argumento de que a "insegurança jurídica" ao se demorar para julgar este caso seria um risco maior do que ferir os próprios direitos da defesa: "Esta é uma etapa importante, quando não decisiva do processo eleitoral. Os fatos são notórios, todos os argumentos dos impugnantes e do impugnado são de conhecimento geral, não ha para qualquer razao para o Tribunal Superior Eleitoral contribuir para a indefinição e para a insegurança jurídica no país."
 
Ainda pelo caminho protocolar, em seguida, um prazo adicional de 5 dias é concedido para as alegações finais. Elas não servem para repetir o que já foi defendido na primeira manifestação das partes. Mas para que a partir da exposição da defesa do processado, Lula, ou dos acusadores, os ministros e a Procuradoria Eleitoral pudessem estudar os argumentos e possivelmente modificá-los.
 
A defesa de Lula, que diversas vezes foi acusada de tentar prolongar o resultado da cassação, não pediu testemunhas, nem provas, como o fizeram os partidos acusadores. Solicitou somente este tempo para que os juízes pudessem considerar e avaliar as sustentações da defesa. Mas o prazo legal de 5 dias não só não foi concedido por Barroso, como também essa "análise" foi feita em um tempo recorde. 
 
O relator usou menos de 24 horas para ler a defesa de Lula, desde que foi entregue. E os demais ministros apenas alguns minutos, ao vivo, durante a sessão, e com seus votos já escritos no papel.
 
Para abafar esse encurtamento no direito de defesa, Luis Roberto Barroso usou duas táticas. A primeira delas foi ocupar boa parte da apresentação introdutória do processo, nos primeiros minutos da sessão, para expor um resumo da defesa entregue pelo candidato do PT a ele, 24h atrás. E para que não houvesse dúvidas ao público, chegou a interromper a leitura de pontos da defesa para ressaltar a sua boa vontade em dedicar este tempo maior.
 
A segunda técnica foi apresentar-se a si como vítima do caso: logo nos primeiros minutos, Barroso mencionou que se pudesse escolher, não gostaria de estar nesta situação. Posteriormente, sustentou que o prazo de menos de um dia desde a apresentação da defesa também foi prejudicial a ele, como se não tivesse outra escolha, dizendo com expressões de fadiga que "a noite foi longa para mim e para a minha equipe".
 
Somadas a isso, da tese casuísta de que Barroso fazia o que estava a seu alcance e que também fora prejudicado pelo reduzido tempo, expressões chave durante todo este processo foram evidenciadas e repetidas pelo ministro para convencer de que possíveis erros se valiam por um bem maior.
 
Reverteu o conceito de "insegurança jurídica" que vislumbrava a própria defesa de Lula, ao ver o Tribunal fazer do caso Lula uma exceção, para sustentar que a insegurança nas instituições seria que um candidato pudesse ser impugnado após ter iniciado o horário de propaganda eleitoral. "Busco assegurar os direitos do impugnado e da sociedade brasileira, com os candidatos definidos, e não gerar ao meio do caminho, talvez, se precisasse fazer, uma substituição", disse. 
 
Por isso, mesmo com o raciocínio lógico da defesa de Lula, que no palanque do Tribunal solicitava o prazo de considerações finais, foram estes pontos que fizeram que os demais ministros encerrassem na madrugada deste sábado a decisão. Apesar de Fachin ter votado contra a cassação, mostrou-se convencido pelos argumentos da pressa. A própria presidente da Corte, Rosa Weber, admitiu que preferia a rigidez dos ritos processuais do que a pressa defendida por Barroso, mas que estava com a maioria.
 
Assim, todos os ministros foram convencidos de saltar os prazos legais a que Lula tinha direito. 
 
E se para o julgamento ser concluído na noite passada, Barroso abusou da retórica reversa, também assim o fez no argumento principal de contrariar a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que obrigou o Brasil a possibilitar que Lula participe das eleições. Dizendo que a Lei da Ficha limpa "não foi um golpe", ironizou, fazendo referência a um dos principais argumentos de defensores de Lula para a sua prisão e perseguição política.
 
Na mesma linha sustentada, em contradição, pela Procuradora-Geral da República Raquel Dodge minutos antes, Barroso tentou levar à conclusão de que o pedido da ONU confrontava a Lei da Ficha Limpa e que a defesa dos direitos humanos estava sendo adotada pelo Judiciário brasileiro, ao fazer prevalecer a lei, reconhecida por sua característica democrática de ter saído das ruas.
 
"A Lei da Ficha limpa não foi um golpe. E não foi uma decisão de gabinete. Foi fruto de uma grande mobilização popular, em torno do aumento da moralidade e da probidade na política. Estamos falando de ampla liberdade democrática", disse ministro, levando à reversão do raciocínio de defesa e direitos humanos, e ignorando que a decisão da ONU não representava uma afronta à legislação brasileira.  
 
 


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