quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

EUA usaram controle de armas para reduzir violência




Também morre quem atira: vítimas de tentativas de latrocínio em SP conseguiram evitar o desfecho fatal em apenas 13,8% dos casos
 
Estudantes protestam contra armamento nos EUA. Foto: Aliança Internacional/J. Mone
 

Reportagem de  Lilian Milena

Jornal GGNO decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), nesta terça-feira (15), facilitando a posse de armas é uma ação isolada na política federal de segurança pública e contraria evidências científicas de que trará impacto na segurança da população. A avaliação é da coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Violência e Administração de Conflitos da UFSCar, membro da diretoria do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Jacqueline Sinhoretto.
 
“O Ministério da Justiça não apresentou [ao lado do decreto] uma resolução com várias medidas. O ato do presidente foi uma ação isolada, visando uma resposta de campanha e não se baseia em evidências”, diagnosticou Jacqueline ao GGN
 
A professora foi coordenadora da pesquisa “Também morre quem atira”. No trabalho, de 2000, encomendado pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo ao IBCCRIM, ela comparou dados de boletins de ocorrência que tiveram mortos e feridos, em casos de crimes patrimoniais, onde as vítimas tinham armas de fogo, com os dados de boletins de ocorrência onde as vítimas não estavam armadas. 
 
Resultado: a parcela da população da cidade de São Paulo que possuía arma de fogo corria um risco 56% superior de ser vítima fatal numa situação de roubo do que o restante da população e, ainda, as vítimas de tentativas de latrocínio conseguiram evitar o desfecho fatal em apenas 13,8% dos casos.  
 
"Mesmo quando a arma de fogo está presente na cena do crime, na mão do assaltante, na maioria dos casos não chega a ser usada. Quando a vítima está armada a tendência é agir", explica a pesquisadora. No momento em que é surpreendida, dificilmente a pessoa apresenta condições e reflexos rápidos o suficiente para reverter o quadro a seu favor. 
 
"Verificamos também que, em uma situação de ocorrência onde várias pessoas estão armadas, o número de vítimas é maior que dois. Não é só o assaltante que está ferido e a vítima, mas outros que estão passando no local, ou que acompanham a vítima. Portanto, o objetivo de autodefesa não se cumpre sem outras consequências que são tão nefastas quanto a ação que se quer evitar", pondera Jacqueline. 
 
A principal crítica da pesquisadora, ao ler o decreto do presidente Bolsonaro, é a falta de embasamento científico. 
 
"O decreto cita o Atlas a Violência, com dados coletados pelo Fórum de Segurança Pública, mas ao usar esse levantamento parece fazer uma provocação, porque não reconhece as conclusões das pesquisas feitas por esses institutos de que a política de segurança envolve maior controle de armas e não a liberação", arremata. 
 
Jacqueline destaca que não existe na literatura sobre políticas de segurança pública um caso em que o aumento de armas teve o efeito de reduzir os casos de violência. 
 
"O aumento de armas em circulação vai contra todas as políticas internacionais e os padrões de segurança que falam em reduzir. Inclusive nos Estados Unidos, grande exemplo dos ideólogos que inspiraram o decreto, temos estados que fizeram a política de redução da criminalidade limitaram armas de fogo. Falo de Washington e Nova Iorque, que enfrentaram epidemias de homicídios pelo controle de armas". 
 
Em 2013, um mês após o massacre em uma escola primária na cidade de Newtown, no Estado do Connecticut, o Senado e a Câmara dos Deputados, nos Estados Unidos, aprovaram uma lei com restrições à posse de armas. Na mesma época, Nova Iorque aplicou regras ao porte de armas consideradas as mais rígidas entre todos os 50 estados norte-americanos. 
 
No estudo de 2000 que coordenou, Jacqueline apontou também que a média de armas de fogo em circulação na cidade, em 2000, era de 1,8 armas para cada grupo de 10 habitantes, enquanto a média de armas entre as vítimas de roubo seguido de morte (latrocínio) era de 2,84 armas para cada 10 habitantes. 
 
O decreto de Bolsonaro, basicamente, não altera a Lei do posse de armas, processo mais difícil e que exigiria o trâmite pelo Congresso. Por outro lado, coloca todo o cidadão brasileiro em condições para requisitar o equipamento, definindo como critério de autodefesa a taxa de homicídios no estado de residência de 10 para cada 100 mil habitantes. Foi nesse ponto que o governo se apoiou no Atlas da Violência de 2018, com dados de 2016, e que mostra que todos os estados brasileiros e o Distrito Federal superam essa taxa. 
 
O decreto manteve o acesso para pessoas acima de 25 anos, mas ampliou o número de 2 para 4 equipamentos, em casa ou no local de trabalho, sem o aval da Polícia Federal. O número pode ser ainda maior, se comprovada a real necessidade e se a pessoa tiver mais propriedades em seu nome. 
 
O registro e a análise da documentação continuam sob responsabilidade da Polícia Federal, mas poderá haver convênios com as polícias militares e civis para esse trabalho. Já o prazo de renovação do registro de armas passa de cinco para 10 anos e os registros ativos, feitos antes da publicação do decreto, estão automaticamente renovados pelo mesmo período.
 
A título de comparação, o prazo para renovação a carteira de motorista no Brasil é de cinco em cinco anos, incluindo o exame psicotécnico. 
 

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