terça-feira, 2 de abril de 2019

Da alemã Deutsche Welle: Bolsonaro encerra visita a Israel com absurdo sobre nazismo



DW:

Em momento de tensão com jornalistas em Jerusalém, presidente reforça visão contestada por historiadores de que nazismo foi de esquerda. Fala vem após visita a museu do Holocausto, que define movimento como de direita.
    
Jair Bolsonaro em Jerusalém
Bolsonaro fala durante visita ao memorial Yad Vashem, que lembra os 6 milhões de judeus mortos na Segunda Guerra
O presidente Jair Bolsonaro encerrou sua agenda oficial em Israel nesta terça-feira (02/04). A visita de três dias, marcada por simbolismos e atos controversos por parte do brasileiro, deu início a uma nova fase nas relações entre os dois países e deixou países árabes descontentes.
O fim da viagem também foi marcado por polêmica. Bolsonaro se irritou com a imprensa, defendeu uma declaração passada em que havia elogiado um torturador da ditadura militar e disse "não ter dúvidas" de que o nazismo foi um movimento de esquerda.
A fala contradiz o próprio museu visitado mais cedo nesta terça-feira pelo presidente. Seguindo outros líderes estrangeiros que viajaram a Israel, Bolsonaro esteve no memorial Yad Vashem, em Jerusalém, um museu público em memória às vítimas do Holocausto.
A instituição define o nazismo como um movimento que partiu da direita. Em seu site, num trecho em que explica a ascensão do partido nazista na Alemanha, o Yad Vashem afirma que isso só foi possível graças ao "crescimento de grupos radicais de direita" no país.
A definição de nazismo como sendo de esquerda virou discurso oficial em Brasília com declarações recentes do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
A fala, dada em longa entrevista a um canal simpático à extrema direita no Youtube, repete um discurso que esteve em alta nas mídias sociais brasileiras durante as eleições, mas que jamais foi levado a sério por acadêmicos na Alemanha. A tese é tida como absurda e desonesta por acadêmicos e diplomatas europeus.
Nesta terça-feira em Jerusalém, questionado se concordava com a afirmação de Araújo, Bolsonaro afirmou: "Não há dúvida. Partido Socialista... Como é que é? Da Alemanha. Partido Nacional-Socialista da Alemanha."
Os atuais defensores do "nazismo de esquerda" costumam se basear no nome oficial da agremiação nazista, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou NSDAP. A presença da palavra "socialista" revelaria a linha ideológica do regime. Historiadores internacionais de renome, porém, destacam que isso não passou de uma estratégia eleitoral para atrair a classe trabalhadora.
A declaração de Bolsonaro foi feita em coletiva de imprensa ao fim de um encontro com membros da comunidade brasileira em Israel, no hotel King David, em Jerusalém.
Antes da coletiva, em discurso durante o encontro, ele recordou o dia em que votou a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. À época, diante de uma Câmara lotada, o então deputado dedicou seu voto à "memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff". O militar foi um reconhecido torturador durante a ditadura militar.
Em Jerusalém, o presidente disse que, na época da votação do impeachment, afirmaram que ele não seria eleito para nenhum cargo no país após tal declaração, mas "aconteceu o contrário".
Após o discurso, jornalistas presentes perguntaram por que ele decidiu mencionar esse evento, justo num momento em que o país vive debates acalorados a respeito da ditadura militar. Mas Bolsonaro ignorou o questionamento e disparou: "Mais alguma pergunta?"
Durante a coletiva, o presidente protagonizou outros momentos de irritação com a imprensa, alegando que tenta tratar os jornalistas "com o respeito que merecem", mas reclamando de "perguntas menores que só dão manchetes negativas em jornais".
Agenda em Israel
O último dia da viagem de Bolsonaro a Israel foi marcado por uma visita ao memorial Yad Vashem, que recorda a morte de 6 milhões de judeus durante o Holocausto. "Aquele que esquece o seu passado está condenado a não ter futuro", afirmou o brasileiro.
No local, ele colocou flores no Hall da Memória do museu, inaugurou uma placa em nome do Brasil e plantou uma muda de oliveira no Bosque das Nações.
A árvore crescerá perto de onde o ex-presidente Lula também plantou uma muda durante sua viagem a Israel, em 2010. "A minha vai crescer mais que a dele", disse o presidente, em alusão a um de seus maiores adversários políticos.
Jair Bolsonaro bei einer Gedenkfeier der Holocaustopfer in Jerusalem (picture alliance / Xinhua News Agency)
Bolsonaro coloca flores no Hall da Memória do museu do Holocausto
Na segunda-feira, o chefe de Estado visitou o Muro das Lamentações ao lado do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, tornando-se assim o primeiro líder estrangeiro a fazer a visita ao lado de um premiê israelense.
O local é um dos mais sagrados do judaísmo e está localizado em Jerusalém Oriental, que foi ocupada por Israel na Guerra dos Seis Dias e depois anexada, o que não foi reconhecido pela comunidade internacional.
Uma visita ao lado do premiê de Israel pode ser interpretada como aprovação tácita da anexação. Nem o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que também adota uma política de laços estreitos com Israel, visitou o muro acompanhado de autoridades israelenses.
No domingo, Bolsonaro anunciou que vai abrir um escritório de representação comercial do Brasil em Jerusalém. Essa iniciativa tem menos peso que a transferência de uma embaixada, como anunciado anteriormente, mas também tem valor político para o governo israelense, que tenta legitimar internacionalmente a ocupação de toda a cidade e sua escolha como capital de Israel.
Em resposta, a Autoridade Palestina convocou seu embaixador no Brasil para consultas. O grupo radical palestino Hamas também rechaçou a decisão brasileira, condenou a viagem de Bolsonaro à região – que não incluiu visitas a territórios palestinos, como é de praxe entre líderes internacionais – e cobrou pressão de países árabes contra o governo brasileiro.
Bolsonaro chegou a Israel no domingo e retorna ao Brasil nesta quarta-feira. A volta foi antecipada para duas horas mais cedo, e um evento que estava marcada para a quarta-feira de manhã foi transferido para esta terça-feira.
EK/abr/ots
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