segunda-feira, 15 de julho de 2019

Poema libertário ante a barbárie, por Dora Incontri




Que faremos nós então? / Quem pensa, com sofrimento, / Nas perdas e nos abismos / Do Brasil em sangramento?

Do Jornal GGN:


Poema libertário ante a barbárie, por Dora Incontri


Sem vontade de escrever
Análise racional
Pois não há razão nenhuma
Na tragédia nacional…

Sem enxergar uma luz
Para as nossas desventuras
Já que adentramos sem tréguas
A pior das ditaduras…

Resta-me então a poesia
Qual Castro Alves pariu
Para chorar a bandeira
Aviltada do Brasil…

Esse solo devastado
Por Brumadinhos impunes
Por Amazônia rasgada
Por mortas aves implumes…

A justiça travestida
Em picadeiro bizarro
A nação esquartejada
Por lideranças de barro…

Mortes, exílios, prisões
Ridículo mundial
E tanto povo apoiando
A tragédia social…

Aluvião de miséria
Miséria de pão e de luz
Terraplanismo sem nome
Olavismo credo-cruz!

Estado laico já morto,
Direito dilacerado
Não falta nem mais um passo
Para a imersão no passado.

Que faremos nós então?
Quem pensa, com sofrimento,
Nas perdas e nos abismos
Do Brasil em sangramento?

Que faremos, impotentes,
Vendo esses homens comprados
Arrebentando os futuros
Que foram antes sonhados?

Homens de terno e bravata
Sem cuidado com ninguém
Sem pensar que estão ferindo
Os próprios filhos também…

Voltando ao Brasil colônia
Submisso, fraco e servil
Nada sobrará aos nossos
Senão um futuro vil.

O que está feito já mata
As esperanças mais perto
E o presente nos será
Um deprimente deserto…

Só a esperança mais ao longe,
Mais cansativa e esforçada
Pode abrir uma clareira
À nossa vista embaçada.

Uma jornada mais lenta
Num trabalho em mutirão
Minucioso e profundo
Que se faça educação!

Não é o Estado burguês
Que dará suas migalhas
De proteção e de escola
Com condutores canalhas…

Não será o Estado mínimo
Com máximo de violência
Que distribuirá justiça
E vencerá a indecência.

Seremos nós mesmos, povo…
Organizando as escolas
Semeando a cura mútua
Com as próprias, firmes solas.

Não mais Estado patrão,
Não mais ilusão de colo
Não mais as armas em punho
Não mais dividido solo…

Uma só humanidade
Unida contra a riqueza
Dos que exploram o planeta
Sulcando nossa pobreza.

União horizontal
E não pedido aos de cima
A ninguém darmos direito
De votar por nosso clima.

Trabalho longo, bem sei
Esforço árduo, concordo.
Talvez um século ou dois
Para rumar à bombordo.

Então, apesar das lágrimas
Que derramamos agora
Sintamos o rumo certo
Para singrar sem demora.

Não há mais Estado-pai
Não há mais patrão legal
Não há mais igreja sã
Não há mais poder moral!

Deus é amor, não justiceiro
Poder é do povo apenas
Não o entreguemos jamais
Já sabemos quais as penas.

Não mais os representantes
Que vendem o nosso voto
Não mais juízes que punem
Segundo seu próprio moto.

Adeus poderes humanos!
Só exista o poder do amor
A paz solidária e justa
Sem pátria, lucro ou senhor!

É longo o caminho, sim.
Nossos pés já vão sangrando
Mas há um horizonte certo
No porvir nos acenando…

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