O Mecanicismo Econômico
por
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
A Economia como uma construção cientificista
"Vocês que fazem parte desta massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter de caminhar
E dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer."
Zé Ramalho, Admirável Gado Novo
Com o grande sucesso do pararadigma mecanicista das ciências físicas no século XVIII, financiadas pela florescente burguesia que via e buscava nos desenvolvimentos técnicos um meio de ampliação dos lucros, todas as demais disciplinas científicas - ou que buscavam ser reconhecidas como tais -, procuravam imitar desesperadamente os métodos empíricos próprios da Física newtoniana para, a partir daí, se mostrarem como válidas e representativas de fenômenos que seguiam um comportamento "natural" e "previsível", possibilitando, pelo conhecimento racional e metódico, o seu "controle".
Na verdade, o que se procurava estabelecer era o prestígio destas ciências (entre as quais se incluem a Medicina, a Economia e, mais tarde, a Psicologia) frente a uma humanidade que estava fascinada pelo modelo newtoniano de universo, que parecia explicar de forma definitiva o funcionamento da natureza, e, então, quanto mais os cientistas conseguissem emular os métodos da física e fossem capazes de usar conceitos muito parecidos com os conceitos desta ciência, mais elevado e mais aureolada com a presunção de verdade seriam estas ciências aos olhos da comunidade acadêmica e científica. A imposição de modelos e tratamentos matemáticos a estas ciências pareciam dar, ao mesmo tempo, uma rigorosidade racional e um ar de sofisticação numa linguagem só acessível a "iniciados" no que acreditava ser as altas esferas do pensamento considerado "verdadeiro".
Segundo o físico Fritjof Capra, esta tendência de usar a Física como modelo para teorias e conceitos científicos tornou-se uma obsessão com uma série de desvantagens em muitas áreas, mas com consequências por demais graves nas chamadas ciências sociais (Economia, Ciências Políticas, Sociologia, etc.). Estas ciências não têm o mesmo status que, por exemplo, a Física ou a Medicina, mas os seus teóricos tentam a todo custo adquirir a respeitabilidade destas adotando o método cartesiano e os métodos tido como "objetivos", emprestados da física newtoniana. Contudo, o pior problema destas, em especial da economia, está em tentarem agradar quem financia suas áreas criando explicações menos científicas e mais cientificistas (com aspecto científico, mas na verdade prenhe de ideologias e comprometimentos conceituais em prol de uma determinada visão de realidade benéfica a estes patrocinadores), ou seja, se criam mecanismos para encobrir uma mentira que, na prática, é prejudicial à maioria das pessoas e do meio-ambiente, como ocorre atualmente na Europa com a crise financeira do neoliberalismo devastador.
Todos conhecemos como os gráficos baseados em coordenadas cartesianas, representativos da oferta e da procura são tão caros aos economistas, juntamente com a utopia de um crescimento econômico continuo e perpétuo, embora não possamos dizer o mesmo das noções de valores humanos ou recursos naturais, nem do impacto destes estudos no bem-estar das pessoas. Entretanto, basta olhar para a situação do mundo em que vivemos para "sacar" que o método de Descartes e o mundo de Newton quando aplicados a estas ciências, como estrutura básica, são inadequados para o estudo dos fenômenos que eles tentam descrever, deixando de fora - como resíduo - talvez o que seja o mais importante - por exemplo, os valores de uma sociedade que inspiram seu comportamento e visão de mundo.
É impossível que ciências sociais não leve em conta valores, simplesmente porque são os valores, a afetividade, os sonhos que levam o homem a agir, a planejar, determinando consciente ou inconscientemente as estratégias de comportamento individual e social, mas é exatamente isso o que ocorre com a economia, instrumento muito útil na justificativa das estratégias e misérias do capitalismo. Nessa ciência esquece-se que a economia é um dos aspectos de uma realidade muito mais ampla que compõe um sistema ecológico e social: um sistema vivo, inter-determinado, composto de seres humanos em contínua interação e transformação, de recursos naturais (muitos dos quais não renováveis) e de seres vivos de toda espécie e complexidade. Na verdade, a versão dominante da Economia atual, embebida nos "valores" do neoliberalismo, é a grande responsável por uma construção reducionista de uma perspectiva de mundo em que desaparecem por completo preocupações com elementos fundamentalmente importantes para o bem-estar humano, como ética, solidariedade, fraternidade, respeito, gratuidade e realização pessoal e coletiva.
O sucesso tecnológico, em especial o desenvolvimento extraordinário dos equipamentos mecênicos e eletrônicos após a Segunda Guerra Mundial, inteligentemente utilizados para engradecer um modelo econômico social, levou quase que impreterivelmente a maior parte das pessoas a acreditar que o capitalismo seria a única solução viável para o bem-estar mundial, o que ficou mais sedimentado após a derrocada do "socialismo" autoritário da extinta União Soviética, em 1991.
Com isso, muita gente embebida no modelo capitalista advogou que a História de lutas de ideias tinha acabado ou que tinha se reduzido a mecanismos econômicos que destacaram as vantagens da acumulação e riquezas individuais, dando a impressão de um determinismo pragmático onde o vazio humano, de afetos, de sentido, de utopias, poderia ser preenchido pela compra e posse de um sem número de quinquilharias eletrônicas (sempre superáveis e descartáveis. Dai o crescimento do poder e dos interesses de empresas e corporações a suplantarem mesmo a preocupação social com o bem-estar de todos, numa nova etapa da modernidade, o Neoliberalismo transnacional, que, por uma parte, deslumbra e anestesia por suas novidades tecnológicas e tecnocráticas, encobrindo a sua agressividade, destrutividade, que se descompromete com a solidariedade e a compaixão. Para justificar esta "realidade", invista-se em modelos econômicos matemáticos adequados a eliminar qualquer traço de humanismo efetivo, impondo-se, em seu lugar, uma espécie de darwinismo corrompido e pragmático.
Nas palavras do economista Ladislau Dowbor:
Hipnotizados pelos espelhinhos tecnológicos, percebemos crescentemente o capitalismo como gerador de escassez: enquanto aumenta o volume de brinquedos tecnológicos nas lojas, escasseiam o rio limpo para nadar ou pescar, o quintal com as suas árvores, o ar limpo, água limpa, a rua para brincar ou passear; a fruta comida sem medo de química, o tempo disponível, os espaços de socialização informal. O capitalismo tem necessidade de substituir felicidades gratuiras poe felicidades vendidas e compradas (DOWBOR, Prefácio ao livro "À Sombra desta Mangueira", de Paulo Freire, Editora Olho D'Água, 2010).
A extrema fragmentação da economia não é criticada de agora, mas os economistas mais lúcidos foram todos forçados a colocarem-se à margem da "ciência" econômica acadêmica, evitando-se, assim, que os fenômenos econômicos fossem estudados em sua realidade social e ecossistêmica, o que teria de levar a economia a entrar em contato com disciplinas como a Ecologia, a Psicologia, a História e a Filosofia, não muito dadas a "conversa" matemática tão cara à economia. Desse modo, notáveis pensadores econômicos como John Kenneth Galbrath e Robert Heilbroner são considerados sociólogos e Kennet Bouding como filósofo. Karl Marx, ao contrário, recusava-se terminantemente a ser chamado de economista por saber que os economistas na verdade - em sua maioria - são notáveis e criativos apologistas da ordem capitalista. Ele se considerava um crítico social; aliás, o termo "socialista" designava, primariamente, todos os que não aceitavam a visão alienante dos economistas capitalistas.
Um outro aspecto da realidade factual dos fenômenos econômicos é a negligência da ordem dinâmica da economia. Em sua natureza básica e complexa, os fenômenos econômicos são de espécie distinta daqueles que são objeto de estudo das ciências naturais, e por isso, seguem uma lógica de comportamento diverso. Como expõe Capra, a física clássica (Mecânica) aplica-se a uma gama bem definida e imutável de fenômenos naturais, mas a evolução, maturação e declínio de padrões econômicos tendem a ocorrer num ritmo muito rápido. Basta lembarmos das várias facetas de crise e transformação da economia mundial só neste século. Os sistemas econômicos, por serem sistemas complexos inseridos em sistemas ecológicos e sociais, estão em contínua transformação. É necessário, pois, uma estrutura conceitual multidisciplinar para que possamos compreender as continuamente novas situações.
Devemos ter claro em nossa mente - e sempre vamos repetir isso - que a evolução de uma sociedade - implicando também na evolução de seu sistema econômico - ocorre atreleada a mundanças em seu sistemas de valores, o que implica na mudança de sua visão, percepção e compreensão de mundo. Todo o saber e a cultura desta sociedade é, pois, enxarcada na concepção de mundo - ou paradgima - que é típica de sua época. Uma vez expresso e aceito (conscientemente ou não) um conjunto de valores e metas, estes estruturam as percepções (só interessam aquilo que diga respeito aos valores e metas determinados), guiando a sociedade por um caminho definido. Hoje, vivemos sob a égida da cultura Norte-Americana, made for export. À medida que o sistema de valores muda - frequentemente em resposta à crises e desafios -, surgem novos padrões e paradigmas que questionam a visão anterior de mundo.
O estudo dos valores e da percepção de mundo é, pois, de estrema importância para todas as ciências, principalmente as ciências sociais. "Os cientistas sociais que consideram 'não-científica' a questão dos valores e pensam que a estão evitando estão simplesmente tentando o impossível. Qualquer análise 'isenta de valores' dos fenomenos sociais baseia-se no pressuposto tácito (implícito) de um sistema de valores ( no caso, no valor "da objetividade" da ciência econômica ) que está implícito na seleção e interpretação de dados. Ao evitarem, portanto, a questão dos valores, os cientistas socias não estão sendo científicos, porque negligenciam enunciar expliciatamente os pressupsotos inerentes a suas teorias. Eles são vulneráveis à crítica marxista de que 'todas as ciências sociais são ideologias disfarçadas' " (Fritjof Capra, p. 182).
A economia é definida como uma disciplina voltada para o estudo da produção, distribuição e consumo de riquezas. Riquezas, afinal, para quem? Ora, vemos que o capital que poderia ser empregado nos meios de produção, aumentando a oferta de empregos, são, na verdade, egoisticamente aplicados na especulação das bolsas.
Apesar dos riscos, os lucros podem ser fenomenais e mais rápidos do que se fossem aplicados na produção, com os encargos sociais decorrentes, considerados "despesas", e, portanto, não lucrativas. Assim, de todas as ciências sociais, a economia é a que mais claramente depende de valores subjetivos. Seus modelos e teorias se baseiam numa concepção de natureza mecanicista, onde o fator quantidade se destaca, e o qualidade nem mesmo é falada. No nosso atual sistema "materialista" de valores, o "padrão de vida" (que seria um pressuposto de valor qualitativo) é medido pelo montante de consumo anual. Ironicamente, em nosso Brasil do Real, um ex-professor de sociologia que, às custas de uma inteligente estratégia de sedução coseguiu se eleger presidente, e que com ares de grande estadista agora só visa vaidosamente manter o poder e à manutenção da própria imagem, usa cinicamente o exemplo de que os "pobres podem, agora, comprar mais dentaduras" como sinônimo de que a quantidade vale pela qualidade, num país onde a saúde pública é cada vez mais sucateada - se não o fosse, haveria menos desdentandos - ou está nas mãos dos carteis dos planos de saúde (geridos, em sua maioria, por médicos-empresários capitalistas), pouco ou nada se fazendo em prol de uma medicina-preventiva e onde a educação, real riqueza de um povo, é destruida e manipulada pelo detentores do poder. Deveríamos começar a ser mais sensíveis a uma economia do "modo de vida correto", nos quais a finalidade seria a de realizar o máximo de bem-estar humano com um padrão ótimo (no sentido de equilíbrio entre as necessidades individuais e coletivas) de consumo. Um padrão que seguisse a máxima budista de "caminho do meio". Claro que isso implica em toda uma reedcação, a começar pelos valores consumistas vinculados pela mídia, e uma volta ao estudo da ética, principalmente nas escolas e universidades.
A obsessão em dotar a economia de valor científico ainda que maquiando muito mal os valores mecanicistas implícitos em si mesma levou os economsitas a aderirem de modo doentio a um linguajar técnico. Essta tendência é muito forte nos EUA e nos países que rezam por sua cartilha e que estabelece que todos os problemas possuem soluções técnicas claramente mensuráveis. Essa ênfase na quantificação parece conferir uma aparência de ciência exata à economia. Mas, ao mesmo tempo, ela exclui distinções qualitativas inerentes às dimensões ecológicas, sociais e psicológicas das pessoas que estão submetidas às conseqüências da visão mecanicista dos economistas; eles "menosprezam completamente a pesquisa psicológica sobre o comportamento das pessoas ao adquirir renda - a não ser se for para incrementar o consumo -, porque os resultados de tais pesquisas não podem ser integrados nas análises quantitativas correntes" (Capra, p. 183).
A abordagem isolada dos economistas (eles negligenciam frequentemente as outras ciências sociais) e sua preferência por modelos matemáticos abstratos e seu pouco caso pela evolução dinâmica da economia resultaram em que os técnicos como os antigos escolásticos medievais, se fecham em castelos e monatérios - que podem ser universidades, departamentos ou repartições - e ficam sem querer observar a enorme defasagem entre a teoria e a prática, pois, afinal, como pode uma estrutura teórica tão bem fundamentada na matemática e no modelo cartesiano apresentar falhas? Segundo oThe Washington Post, "ambiciosos economistas elaboram elegantes soluções matemáticas para problemas teóricos com escassa ou nenhuma importância para as questões públicas" (cit. in Capra, 1986, p. 184). Nem precisamos falar no desemprego avassalador causado por uma globalização capitalista que visa única e exclusivamente ao lucro de quem já tem demais, e que é saudada com fogos pelos economistas ligados a este sistema, em detrimento da população trabalhadora do grande maioria dos países, inclusive do chamado Primeiro Mundo.
Como nos fala com muita sabedoria os professores Antônio Houaiss e Roberto Amaral, precisamos questionar o aparente triunfo final de tudo aquilo que contraria a história (e daí se dizer do fim da história): a vitória tão falada do capitalismo, a partir da destruição do mundo socialista representado pelo comunismo do leste europeu; mas a questão parece ser: não será a vitória de uma ideologia, de uma visão de mundo calculadamente construída, que nega uma realidade gritante que a contradiz? Será que a grande miséria que vem ao lastro da globalização é uma irrealidade? Não será que um dos pontos característicos principais desta ideologia não é o de negar e maquiar uma realidade que é o oposto do que nos querem fazer acreditar, ou, em outras palavras, esta ideologia não constrói a sua "realidade" numa forma de prevalecer o discurso sobre os fatos? Sendo estas proposições válidas, estamos falando então de alienação, o instrumento mais efetivo de dominação, por implicar o controle do discurso e, consequentemente de modelação de um paradigma que nos impõe uma forma de ver, perceber, gostar, e sentir a si mesmo, aos outros e ao mundo. O mundo, suas representações, seus símbolos, o espelho de nossa auto-compreensão, submetidos a um conjunto de idéias que nos querem impor como sendo a própria realidade... Por que o bem-estar tem de estar vinculado ao consumo e o fator qualitativo ser sinônimo de quantidade? Acho que temos, pelo menos, o direito de pensar o porquê de o mundo estar, agora, mais dividido nos fatos do que na teoria como nunca antes o foi... Pensar é, ao menos, possível, melhorar, uma necessidade.
"(...) O que os economistas precisam fazer com a máxima urgência é reavaliar francamente a sua base conceitual, cujas vaiáveis e conceitos foram criados há centenas de anos e que já foram superados por mudanças sociais, e recriar seus modelos e teorias fundamentais de conformidade com essa reavaliação. A atual crise econômica só será superada se os economistas estiverem dispostos a participar da mudança de paradigma que está ocorrendo hoje em todos os campos. (...) A substituição do paradigma cartesiano por uma visão holística e ecológica não tornará as novas abordagens menos científicas, mas, pelo contrário, as fará mais compatíveis com as novas conquistas das ciências sociais".
Fritjof Capra
Seja como for, o seguinte clipe, Society, resume bem o que foi dito acima
Com o grande sucesso do pararadigma mecanicista das ciências físicas no século XVIII, financiadas pela florescente burguesia que via e buscava nos desenvolvimentos técnicos um meio de ampliação dos lucros, todas as demais disciplinas científicas - ou que buscavam ser reconhecidas como tais -, procuravam imitar desesperadamente os métodos empíricos próprios da Física newtoniana para, a partir daí, se mostrarem como válidas e representativas de fenômenos que seguiam um comportamento "natural" e "previsível", possibilitando, pelo conhecimento racional e metódico, o seu "controle".
Na verdade, o que se procurava estabelecer era o prestígio destas ciências (entre as quais se incluem a Medicina, a Economia e, mais tarde, a Psicologia) frente a uma humanidade que estava fascinada pelo modelo newtoniano de universo, que parecia explicar de forma definitiva o funcionamento da natureza, e, então, quanto mais os cientistas conseguissem emular os métodos da física e fossem capazes de usar conceitos muito parecidos com os conceitos desta ciência, mais elevado e mais aureolada com a presunção de verdade seriam estas ciências aos olhos da comunidade acadêmica e científica. A imposição de modelos e tratamentos matemáticos a estas ciências pareciam dar, ao mesmo tempo, uma rigorosidade racional e um ar de sofisticação numa linguagem só acessível a "iniciados" no que acreditava ser as altas esferas do pensamento considerado "verdadeiro".
Segundo o físico Fritjof Capra, esta tendência de usar a Física como modelo para teorias e conceitos científicos tornou-se uma obsessão com uma série de desvantagens em muitas áreas, mas com consequências por demais graves nas chamadas ciências sociais (Economia, Ciências Políticas, Sociologia, etc.). Estas ciências não têm o mesmo status que, por exemplo, a Física ou a Medicina, mas os seus teóricos tentam a todo custo adquirir a respeitabilidade destas adotando o método cartesiano e os métodos tido como "objetivos", emprestados da física newtoniana. Contudo, o pior problema destas, em especial da economia, está em tentarem agradar quem financia suas áreas criando explicações menos científicas e mais cientificistas (com aspecto científico, mas na verdade prenhe de ideologias e comprometimentos conceituais em prol de uma determinada visão de realidade benéfica a estes patrocinadores), ou seja, se criam mecanismos para encobrir uma mentira que, na prática, é prejudicial à maioria das pessoas e do meio-ambiente, como ocorre atualmente na Europa com a crise financeira do neoliberalismo devastador.
Todos conhecemos como os gráficos baseados em coordenadas cartesianas, representativos da oferta e da procura são tão caros aos economistas, juntamente com a utopia de um crescimento econômico continuo e perpétuo, embora não possamos dizer o mesmo das noções de valores humanos ou recursos naturais, nem do impacto destes estudos no bem-estar das pessoas. Entretanto, basta olhar para a situação do mundo em que vivemos para "sacar" que o método de Descartes e o mundo de Newton quando aplicados a estas ciências, como estrutura básica, são inadequados para o estudo dos fenômenos que eles tentam descrever, deixando de fora - como resíduo - talvez o que seja o mais importante - por exemplo, os valores de uma sociedade que inspiram seu comportamento e visão de mundo.
É impossível que ciências sociais não leve em conta valores, simplesmente porque são os valores, a afetividade, os sonhos que levam o homem a agir, a planejar, determinando consciente ou inconscientemente as estratégias de comportamento individual e social, mas é exatamente isso o que ocorre com a economia, instrumento muito útil na justificativa das estratégias e misérias do capitalismo. Nessa ciência esquece-se que a economia é um dos aspectos de uma realidade muito mais ampla que compõe um sistema ecológico e social: um sistema vivo, inter-determinado, composto de seres humanos em contínua interação e transformação, de recursos naturais (muitos dos quais não renováveis) e de seres vivos de toda espécie e complexidade. Na verdade, a versão dominante da Economia atual, embebida nos "valores" do neoliberalismo, é a grande responsável por uma construção reducionista de uma perspectiva de mundo em que desaparecem por completo preocupações com elementos fundamentalmente importantes para o bem-estar humano, como ética, solidariedade, fraternidade, respeito, gratuidade e realização pessoal e coletiva.
O sucesso tecnológico, em especial o desenvolvimento extraordinário dos equipamentos mecênicos e eletrônicos após a Segunda Guerra Mundial, inteligentemente utilizados para engradecer um modelo econômico social, levou quase que impreterivelmente a maior parte das pessoas a acreditar que o capitalismo seria a única solução viável para o bem-estar mundial, o que ficou mais sedimentado após a derrocada do "socialismo" autoritário da extinta União Soviética, em 1991.
Com isso, muita gente embebida no modelo capitalista advogou que a História de lutas de ideias tinha acabado ou que tinha se reduzido a mecanismos econômicos que destacaram as vantagens da acumulação e riquezas individuais, dando a impressão de um determinismo pragmático onde o vazio humano, de afetos, de sentido, de utopias, poderia ser preenchido pela compra e posse de um sem número de quinquilharias eletrônicas (sempre superáveis e descartáveis. Dai o crescimento do poder e dos interesses de empresas e corporações a suplantarem mesmo a preocupação social com o bem-estar de todos, numa nova etapa da modernidade, o Neoliberalismo transnacional, que, por uma parte, deslumbra e anestesia por suas novidades tecnológicas e tecnocráticas, encobrindo a sua agressividade, destrutividade, que se descompromete com a solidariedade e a compaixão. Para justificar esta "realidade", invista-se em modelos econômicos matemáticos adequados a eliminar qualquer traço de humanismo efetivo, impondo-se, em seu lugar, uma espécie de darwinismo corrompido e pragmático.
Nas palavras do economista Ladislau Dowbor:
A extrema fragmentação da economia não é criticada de agora, mas os economistas mais lúcidos foram todos forçados a colocarem-se à margem da "ciência" econômica acadêmica, evitando-se, assim, que os fenômenos econômicos fossem estudados em sua realidade social e ecossistêmica, o que teria de levar a economia a entrar em contato com disciplinas como a Ecologia, a Psicologia, a História e a Filosofia, não muito dadas a "conversa" matemática tão cara à economia. Desse modo, notáveis pensadores econômicos como John Kenneth Galbrath e Robert Heilbroner são considerados sociólogos e Kennet Bouding como filósofo. Karl Marx, ao contrário, recusava-se terminantemente a ser chamado de economista por saber que os economistas na verdade - em sua maioria - são notáveis e criativos apologistas da ordem capitalista. Ele se considerava um crítico social; aliás, o termo "socialista" designava, primariamente, todos os que não aceitavam a visão alienante dos economistas capitalistas.
Um outro aspecto da realidade factual dos fenômenos econômicos é a negligência da ordem dinâmica da economia. Em sua natureza básica e complexa, os fenômenos econômicos são de espécie distinta daqueles que são objeto de estudo das ciências naturais, e por isso, seguem uma lógica de comportamento diverso. Como expõe Capra, a física clássica (Mecânica) aplica-se a uma gama bem definida e imutável de fenômenos naturais, mas a evolução, maturação e declínio de padrões econômicos tendem a ocorrer num ritmo muito rápido. Basta lembarmos das várias facetas de crise e transformação da economia mundial só neste século. Os sistemas econômicos, por serem sistemas complexos inseridos em sistemas ecológicos e sociais, estão em contínua transformação. É necessário, pois, uma estrutura conceitual multidisciplinar para que possamos compreender as continuamente novas situações.
Devemos ter claro em nossa mente - e sempre vamos repetir isso - que a evolução de uma sociedade - implicando também na evolução de seu sistema econômico - ocorre atreleada a mundanças em seu sistemas de valores, o que implica na mudança de sua visão, percepção e compreensão de mundo. Todo o saber e a cultura desta sociedade é, pois, enxarcada na concepção de mundo - ou paradgima - que é típica de sua época. Uma vez expresso e aceito (conscientemente ou não) um conjunto de valores e metas, estes estruturam as percepções (só interessam aquilo que diga respeito aos valores e metas determinados), guiando a sociedade por um caminho definido. Hoje, vivemos sob a égida da cultura Norte-Americana, made for export. À medida que o sistema de valores muda - frequentemente em resposta à crises e desafios -, surgem novos padrões e paradigmas que questionam a visão anterior de mundo.
O estudo dos valores e da percepção de mundo é, pois, de estrema importância para todas as ciências, principalmente as ciências sociais. "Os cientistas sociais que consideram 'não-científica' a questão dos valores e pensam que a estão evitando estão simplesmente tentando o impossível. Qualquer análise 'isenta de valores' dos fenomenos sociais baseia-se no pressuposto tácito (implícito) de um sistema de valores ( no caso, no valor "da objetividade" da ciência econômica ) que está implícito na seleção e interpretação de dados. Ao evitarem, portanto, a questão dos valores, os cientistas socias não estão sendo científicos, porque negligenciam enunciar expliciatamente os pressupsotos inerentes a suas teorias. Eles são vulneráveis à crítica marxista de que 'todas as ciências sociais são ideologias disfarçadas' " (Fritjof Capra, p. 182).
A economia é definida como uma disciplina voltada para o estudo da produção, distribuição e consumo de riquezas. Riquezas, afinal, para quem? Ora, vemos que o capital que poderia ser empregado nos meios de produção, aumentando a oferta de empregos, são, na verdade, egoisticamente aplicados na especulação das bolsas.
Apesar dos riscos, os lucros podem ser fenomenais e mais rápidos do que se fossem aplicados na produção, com os encargos sociais decorrentes, considerados "despesas", e, portanto, não lucrativas. Assim, de todas as ciências sociais, a economia é a que mais claramente depende de valores subjetivos. Seus modelos e teorias se baseiam numa concepção de natureza mecanicista, onde o fator quantidade se destaca, e o qualidade nem mesmo é falada. No nosso atual sistema "materialista" de valores, o "padrão de vida" (que seria um pressuposto de valor qualitativo) é medido pelo montante de consumo anual. Ironicamente, em nosso Brasil do Real, um ex-professor de sociologia que, às custas de uma inteligente estratégia de sedução coseguiu se eleger presidente, e que com ares de grande estadista agora só visa vaidosamente manter o poder e à manutenção da própria imagem, usa cinicamente o exemplo de que os "pobres podem, agora, comprar mais dentaduras" como sinônimo de que a quantidade vale pela qualidade, num país onde a saúde pública é cada vez mais sucateada - se não o fosse, haveria menos desdentandos - ou está nas mãos dos carteis dos planos de saúde (geridos, em sua maioria, por médicos-empresários capitalistas), pouco ou nada se fazendo em prol de uma medicina-preventiva e onde a educação, real riqueza de um povo, é destruida e manipulada pelo detentores do poder. Deveríamos começar a ser mais sensíveis a uma economia do "modo de vida correto", nos quais a finalidade seria a de realizar o máximo de bem-estar humano com um padrão ótimo (no sentido de equilíbrio entre as necessidades individuais e coletivas) de consumo. Um padrão que seguisse a máxima budista de "caminho do meio". Claro que isso implica em toda uma reedcação, a começar pelos valores consumistas vinculados pela mídia, e uma volta ao estudo da ética, principalmente nas escolas e universidades.
A obsessão em dotar a economia de valor científico ainda que maquiando muito mal os valores mecanicistas implícitos em si mesma levou os economsitas a aderirem de modo doentio a um linguajar técnico. Essta tendência é muito forte nos EUA e nos países que rezam por sua cartilha e que estabelece que todos os problemas possuem soluções técnicas claramente mensuráveis. Essa ênfase na quantificação parece conferir uma aparência de ciência exata à economia. Mas, ao mesmo tempo, ela exclui distinções qualitativas inerentes às dimensões ecológicas, sociais e psicológicas das pessoas que estão submetidas às conseqüências da visão mecanicista dos economistas; eles "menosprezam completamente a pesquisa psicológica sobre o comportamento das pessoas ao adquirir renda - a não ser se for para incrementar o consumo -, porque os resultados de tais pesquisas não podem ser integrados nas análises quantitativas correntes" (Capra, p. 183).
A abordagem isolada dos economistas (eles negligenciam frequentemente as outras ciências sociais) e sua preferência por modelos matemáticos abstratos e seu pouco caso pela evolução dinâmica da economia resultaram em que os técnicos como os antigos escolásticos medievais, se fecham em castelos e monatérios - que podem ser universidades, departamentos ou repartições - e ficam sem querer observar a enorme defasagem entre a teoria e a prática, pois, afinal, como pode uma estrutura teórica tão bem fundamentada na matemática e no modelo cartesiano apresentar falhas? Segundo oThe Washington Post, "ambiciosos economistas elaboram elegantes soluções matemáticas para problemas teóricos com escassa ou nenhuma importância para as questões públicas" (cit. in Capra, 1986, p. 184). Nem precisamos falar no desemprego avassalador causado por uma globalização capitalista que visa única e exclusivamente ao lucro de quem já tem demais, e que é saudada com fogos pelos economistas ligados a este sistema, em detrimento da população trabalhadora do grande maioria dos países, inclusive do chamado Primeiro Mundo.
Como nos fala com muita sabedoria os professores Antônio Houaiss e Roberto Amaral, precisamos questionar o aparente triunfo final de tudo aquilo que contraria a história (e daí se dizer do fim da história): a vitória tão falada do capitalismo, a partir da destruição do mundo socialista representado pelo comunismo do leste europeu; mas a questão parece ser: não será a vitória de uma ideologia, de uma visão de mundo calculadamente construída, que nega uma realidade gritante que a contradiz? Será que a grande miséria que vem ao lastro da globalização é uma irrealidade? Não será que um dos pontos característicos principais desta ideologia não é o de negar e maquiar uma realidade que é o oposto do que nos querem fazer acreditar, ou, em outras palavras, esta ideologia não constrói a sua "realidade" numa forma de prevalecer o discurso sobre os fatos? Sendo estas proposições válidas, estamos falando então de alienação, o instrumento mais efetivo de dominação, por implicar o controle do discurso e, consequentemente de modelação de um paradigma que nos impõe uma forma de ver, perceber, gostar, e sentir a si mesmo, aos outros e ao mundo. O mundo, suas representações, seus símbolos, o espelho de nossa auto-compreensão, submetidos a um conjunto de idéias que nos querem impor como sendo a própria realidade... Por que o bem-estar tem de estar vinculado ao consumo e o fator qualitativo ser sinônimo de quantidade? Acho que temos, pelo menos, o direito de pensar o porquê de o mundo estar, agora, mais dividido nos fatos do que na teoria como nunca antes o foi... Pensar é, ao menos, possível, melhorar, uma necessidade.
Seja como for, o seguinte clipe, Society, resume bem o que foi dito acima
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