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terça-feira, 22 de julho de 2025

Da humilhação (imperialista) como nova violência institucional, por José Sócrates, ex-Primeiro ministro de Portugal, sobre os ataques de Donald Trump ao Brasil e ao mundo

 

 

A ameaça feita pelos Estados Unidos à soberania do Brasil é tão injusta que não deixa alternativa que não seja o seu enfrentamento


José Sócrates
José Sócrates

Primeiro-ministro de Portugal, de 2005 até 2011

COLUNISTAS ICL

Da humilhação como nova violência institucional





Primeiro ponto: os Estados Unidos são hoje uma potência sem controle. Difícil imaginar pior. A nação mais poderosa do mundo tem hoje uma política externa dominada pela imprevisibilidade, pelo capricho e pela vaidade do seu presidente. Uma das culturas políticas mais admiradas no mundo ocidental foi repentinamente substituída pela anarquia institucional e pela retórica da humilhação dos outros países. O prestígio americano nunca foi tão baixo. A crise do ocidente é também a crise da sua liderança.

Segundo ponto: a ameaça feita pelos Estados Unidos à soberania do Brasil é tão injusta, tão repulsiva e tão humilhante que não deixa alternativa que não seja o seu enfrentamento. Mais ainda: o que qualquer país decente espera é que, nestes momentos críticos, governo e oposição se unam perante uma humilhação externa completamente injustificada. A atitude da oposição, que se colocou contra os interesses do seu próprio país, foi um suicídio político.

Terceiro ponto: o presidente e o governo brasileiro têm gerido muito bem a crise política. Sublinhando o óbvio: entre o Brasil e os Estados Unidos, o déficit comercial é em favor do segundo; os assuntos de justiça doméstica são matéria de soberania nacional. O caso brasileiro tem sido apresentado com sobriedade e sem retóricas inflamadas. Não há humilhação sem humilhados: a resposta do Brasil, firme, mas contida, colocou o mundo do seu lado. Repito: o governo está indo muito bem, a oposição muito mal.

Quarto ponto: não, não concordo com o mandato de buscas e apreensão a casa do antigo presidente Bolsonaro nem com a coação de uso de tornozeleira eletrônica. Acho que foi um ato fútil de retaliação. Um ato impróprio de um poder judicial que deve, mais do que os outros, ter um comportamento moderado e contido. Mais: foi um ato condenável de humilhação. Como se o moderno monopólio do uso legitimo da força tivesse sido substituído pelo monopólio do uso (ilegítimo) da humilhação. Como se a violência institucional não se dirigisse mais ao corpo, mas ao rosto. Como se o poder disciplinar tivesse sido substituído pela vulgaridade da humilhação pública. Somos sensíveis à violência, somos sensíveis às injustiças, mas quase nos tornamos indiferentes às humilhações. E, no entanto, a história do mundo mostra-nos a poder diabólico do ressentimento. O nosso dever é não permitir uma sociedade da humilhação, em particular contra os nossos adversários políticos. Porque, justamente por serem nossos adversários, temos para com eles um dever especial — e é por essa razão que estou a escrever estas linhas.

Quinto ponto: os Estados Unidos decidiram escalar, em vez de conversar. O ministro dos Negócios Estrangeiros americano, Marco Rubio, insiste na tentativa de humilhação e cancela o visto de entrada ao juiz Alexandre de Moraes, colocando de novo toda a nação brasileira ao lado do seu juiz. Sempre a tentação do bruto: quando desafiado, deixa de pensar. Mas não há humilhação sem humilhados: a humilhação exige o silêncio do humilhado e o Brasil não aceita, o Brasil reage, o Brasil enfrenta. A atitude é tão repugnante que tem ressonância mundial — já ninguém no mundo leva este governo americano a sério.

Finalmente: visto de fora, Lula da Silva (é justo referir também o comportamento impecável do vice-presidente Alckmin) parece ser o único estadista na sala. Os estarolas americanos parecem querer decidir a eleição presidencial brasileira logo no primeiro turno.

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