textos de Miguel do Rosário e Paulo Moreira Leite
Sim, a estratégia é essa.
Asfixiar a economia brasileira, e dar um golpe.
A direita não está nem aí para o sofrimento de milhões. E ainda vende o discurso de “salvar o país”, ou pior, “refundar a república”.
Afinal, é fácil enganar o povo brasileiro, cujo comportamento foi moldado por décadas de monopólio midiático.
A Globo, nascida com dinheiro do golpe, se tornou um membro da família.
O governo tem uma parcela de culpa, ao não ter investido em sua politização, deixando-o vulnerável à manipulação.
Desde muito tempo que deveríamos, da mesma forma, ter iniciado discussões para democratizarmos nossa justiça e nos protegermos do arbítrio de promotores e juízes.
A REPÚBLICA LAVA JATO PODE QUEBRAR O PAÍS
19 de junho de 2015
por Paulo Moreira Leite, em seu blog.
Prisões de Marcelo Odebrecht e de presidente da empreiteira Andrade Gutierrez ameaçam gerar um efeito destruidor sobre economia brasileira
Com as prisões de hoje, a Operação Lava Jato não entrou em sua 14a. fase, como foi anunciado em Curitiba.
Entrou numa etapa em que uma ação judicial ultrapassa a fronteira do que é legítimo e razoável para assumir a fisionomia de uma operação abertamente política, capaz de destruir parcelas ainda saudáveis da economia, agravando todos os sacrifícios que tem sido feitos — e serão feitos — pela população nos próximos meses. As prisões e mandados criam uma situação desnecessária de incerteza e insegurança num país que quer trabalhar em paz, progredir e construir uma vida melhor. Habituada a justificar as centenas de prisões preventivas com o argumento de que é preciso preservar a “ordem pública,” a partir de hoje a Lava Jato tornou-se definitivamente uma ameaça a ordem pública.
Como décadas atrás explicou Louis Brandeis, um dos mais brilhantes integrantes da Suprema Corte dos Estados Unidos, o que se promove com esse comportamento é a baderna:
— Nosso governo é o mestre poderoso e onipresente. Para o bem ou para o mal ensina todo povo pelo seu exemplo. Se o governo torna-se infrator da lei, cria ele próprio o desrespeito a mesma, incita cada um a tornar-se a própria lei e portando, à anarquia.
Marcelo Odebrecht, herdeiro e principal executivo do grupo do mesmo nome, e Octavio Azevedo, principal executivo da Andrade Gutierrez, não têm importância apenas como pessoas físicas, que devem ser respeitadas em seus direitos e garantias. Também tem importância como pessoas jurídicas. Por mais que executivos que dirigem grandes empresas possam ser acusadas de cometer toda série de atos ilícitos que marcam a política brasileira — atos que devem ser investigados e punidos de forma responsável e isenta — as companhias fazem parte da história do país. Ajudaram a construir a sétima economia do mundo. Respondem por centenas de milhares de empregos. Estão presentes em mercados importantes da economia global. Sua prisão é um péssimo sinal interno e externo. Ajuda a enfraquecer o país e pode contribuir, especialmente, para piorar as condições de vida da população.
As prisões ocorrem dias depois que, num recorde de descontração, um delegado da Polícia Federal afirmou que “muito provavelmente” o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será submetido a uma investigação. Assim, como hipótese.
Impossível deixar de associar as prisões desta manhã à campanha da força tarefa do Ministério Público, com o indispensável respaldo do juiz Sergio Moro, para impedir que o país encontre uma saída racional para a crise aberta pelas denúncias da Lava Jato.
Estamos falando dos acordos de leniência,que representam uma solução lúcida para a situação de ruína em que várias empresas se encontram. O que se pretende, basicamente, é assegurar a punição de quem for considerado culpado de crimes de corrupção, mas preservar o patrimônio das empresas. Não é uma invenção brasileira. Foi empregada na Alemanha, quando se investigaram as denuncias recentes contra a Siemens — que só não foram investigadas no Brasil, embora não faltassem indícios imensos em vários governos estaduais. Também foi empregado nos Estados Unidos. Na reconstrução alemã, após o pesadelo nazista, os dirigentes de empresas foram julgados e condenados. As companhias foram poupadas. Isso explica, por exemplo, por que a Volkswagen, nascida de uma campanha de Adolf Hitler para construção de um carro popular, pode ser preservada.
O problema é que os procuradores condenam os acordos de leniência, que podem — ou não — ser celebrados pela advocacia geral da União.
É didático observar seus argumentos, que denunciam um projeto político, digno de ser disputado em urna, com base no voto popular — e não pelo braço da judicialisação. Em entrevista ao Estado de São Paulo de hoje, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima explica o que está acontecendo no país — e o que se pretende fazer diante daquilo que chama de “falsa República.”

— O que nos preocupa é não conseguirmos montar para a população um quadro completo da corrupção, da cartelização, das mais diversas fraudes, enfim, da extensa criminalidade que permeia as relações público-privadas em nosso país. Cada acusação é como uma pequena peça de um imenso quebra-cabeça, e precisamos encaixar um número suficiente de peças desse puzzle para que todos que olharem esse conjunto possam saber como ele ficaria se completo. Só assim a população poderá separar o joio do trigo e poderemos enfim refundar nossa República.”
Então ficamos combinados: enquanto o MP tenta impedir os acordos que poderiam trazer um alívio ao ambiente político e econômico do país, as prisões de hoje se destinam a montar “um quadro completo da corrupção” e assim por diante. O espetáculo precisa continuar porque os procuradores acham que “só assim a população poderá separar o joio do trigo” e “refundar nossa República.” Não são guardiões da Constituição. Tornaram-se ideológos, doutrinadores, reformadores sociais sem mandato. E maus professores, além de tudo.
No espetáculo da Lava Jato não há lugar para apurar nem esclarecer, quem sabe por curiosidade, o jantar de R$ 7 milhões em donativos de empresários — tanto representantes da Odebrecht como da Andrade Gutierrez se encontravam no Alvorada naquela noite — para o Instituto Fernando Henrique Cardoso, quando ele ainda ocupava a presidência da República.
Advogados experimentados não deixaram de notar um detalhe. As prisões desta manhã ocorrem quando faltam poucos dias para o recesso do Judiciário, o que sempre dificulta o trâmite de recursos para a soltura de prisioneiros. Embora seus advogados possam entrar com recursos e pedidos de habeas corpus, os pedidos terão um longo caminho a percorrer entre tribunais intermediários antes de chegar ao Supremo Tribunal Federal. É claro que o ministro Teori Zavaski, relator do caso no STF, tem o direito de intervir a qualquer momento, atravessando o percurso no meio. Tem poderes para isso. Até agora, não agiu dessa forma. Aguardou pacientemente que o caso chegasse a sua mesa para só então se manifestar.
Nós já sabíamos que o modelo de trabalho de Sergio Moro, o juiz que comanda a Operação Lava Jato, é a Operação Mãos Limpas — aquela que entregou o país ao bunga-bunga Sylvio Berlusconi e transformou uma das glórias culturais e políticas da humanidade num reino de segunda classe, dependente e subordinado às potências vizinhas, a começar pela Alemanha de Angela Merkel.
Também sabíamos que, para Daltan Dallagnol, no necessário combate à corrupção o Brasil deveria mirar-se no espelho de Hong Kong — uma cidade-estado onde vivem 7 milhões de pessoas, que não têm sequer direito de escolher seus governantes pelo voto direto, em urna. O Brasil estava neste estágio pré-democrático até 1989. É bom não esquecer.
Sabemos agora, através do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, uma das vozes principais da Lava Jato, que o plano é “refundar a República.”
A partir dessa manhã, será possível enxergar melhor o que pretendem com isso.
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