sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Um retrato fiel do STF atual em seu contexto midiático


Seguem abaixo dos textos esclarecedores, sendo um de Luis Nassif e o outro, de Leonardo Boff

Joaquim Barbosa e o exemplo do Tea Party

 
Luís Nassif , hoje, na CartaCapital:

O destempero do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa contra seu colega Luís Roberto Barroso – pelo fato de ter proferido um voto contrário ao seu entendimento – é prova maior do fundo do poço em que o Tribunal foi colocado pelas intenções políticas de alguns ministros.
Quem conhece Joaquim Barbosa de perto, assegura: não é desonesto, não é malicioso, não se mete em negócios obscuros nem em más companhias, como seu colega Gilmar Mendes. Mas é um completo desequilibrado.

Dia desses conversava com um ex-conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Dizia ele que, se Barbosa entrar em um recinto e ver duas pessoas cochichando, imediatamente armará encrenca, supondo que estejam falando dele.

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Na sessão do STF – que deliberou sobre a acusação de formação de quadrilha para os réus da AP 470 – Barbosa interrompeu várias vezes Barroso, foi grosseiro, atropelou todos os códigos de conduta, ao insinuar que o colega teria negociado seu voto para conseguir o cargo.  Mas quem vai tirar o piloto do Boeing em pleno vôo?

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Tempos atrás, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertou para os riscos da aventura Joaquim Barbosa. Mostrou sua falta de tato, de cintura política, a intolerância a qualquer opinião contrária.

Ocorre que o mito Barbosa surgiu impulsionado pelo clima de radicalização, de criminalização da política, do denuncismo desvairado que a oposição levantou a partir de 2006 e, especialmente, a partir da era José Serra.

Trouxeram de volta para a cena política o macartismo, abusaram da religiosidade, despertaram os piores demônios existentes no tecido social brasileiro, aqueles que demonizam as leis e propõem o linchamento, transformaram a disputa política em um vale-tudo.

Não valia denunciar aparelhamento da máquina, a política econômica, apontar erros na gestão pública, como em qualquer disputa política civilizada.

Repetiram nos mínimos detalhes a radicalização da política norte-americana, o movimento da mídia e do Partido Republicano dos Estados Unidos adotando o discurso virulento de ultra-direita do Tea Party.

Durante toda a campanha eleitoral nos EUA, comentaristas vociferantes espalhavam toda espécie de boatos contra Barack Obama. A campanha viciou o eleitorado republicano nas catarses do Tea Party e o partido terminou refém da radicalização. Hoje em dia, as vozes mais preparadas e ponderadas dos republicanos têm enorme dificuldade em reconduzir o partido para o caminho da moderação e da responsabilidade política.

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Por aqui, caminha-se para o mesmo desfecho. Só que esse espaço catártico, que Serra preparou para ele próprio, foi ocupado por um jacobino autêntico. Serra era um simulacro de radical, Barbosa é um radical em estado bruto.

LEONARDO BOFF: BARBOSA NÃO HONRA O STF


Extraído do Brasil 247:

Pensador diz que, da estátua que representa a Justiça, Joaquim Barbosa ficou sem as vendas porque não foi imparcial, aboliu a balança porque ele não foi equilibrado, e só usou a espada para punir mesmo contra os princípios do direito: “O animus condemnandi (a vontade de condenar) e de atingir letalmente o PT é inegável nas atitudes açodadas e irritadiças do Ministro Barbosa”.



domingo, 23 de fevereiro de 2014

Documentário demonstra como setores do governo e empresariado americanos incentivam manifestações para a desestabilização e queda de governos

O Negócio da Revolução ou a Revolução delivery, um documentário  que mostra como EUA mantém um plano global de desestabilização de governos incentivando protestos contra regimes considerados inimigos ou potencialmente contrários aos seus interesses.

 

    Ao assistir o documentário, os brasileiros devem parar para pensar e considerar a possibilidade de estarmos igualmente em meio a mais uma fabricada revolução “delivery”, planejada por consultores estrangeiros interessados em desestabilizar o país para a volta dos paus-mandados conservadores e entreguistas, alinhados com seus interesses.



Leonardo Boff e a estrategia da direita para tentar retomar o poder utilizando-se da ingenuidade de alguns e incentivando manifestações violentas

As Manifestações de rua - o que há por trás, quem as incentiva e o porquê




Leonardo Boff

É notório que a direita brasileira especialmente aquela articulação de forças que sempre ocupou o poder de Estado e o tratou como propriedade privada (patrimonialismo), apoiada pela midia privada e familiar, estão se aproveitando das manifestações massivas nas ruas para manipular esta energia a seu favor. A estratégia é fazer sangrar mais e mais a Presidenta Dilma e desmoralizar o PT e assim criar uma atmosfera que lhes permite voltar ao lugar que por via democrática perderam.

Se por um lado não podemos nos privar de críticas ao governo do PT (e voltaremos ao tema), mas críticas construtivas, por outro, não podemos ingenuamente permitir que as transformações politico-sociais alcançadas nos últimos 10 anos sejam desmoralizadas e, se puderem, desmontadas por parte das elites conservadoras. Estas visam a ganhar o imaginário dos manifestantes para a sua causa que é inimiga de uma democracia participativa de cariz popular.

Seria grande irresponsabilidade e vergonhosa traição de nossa parte, entregar à velha e apodrecida classe política aquilo que por dezenas de anos temos construido, com tantas oposições: um novo sujeito histórico, o PT e partidos populares, com a inserção na sociedade de milhões de brasileiros. Esta classe se mostra agora feliz com a possibilidade de atuar sem máscara e mostrando suas intenções antes ocultas: finalmente, pensa, temos chance de voltar e de colocar esse povo todo que reclama reformas, no lugar que sempre lhe competiu historicamente: na periferia, na ignorância e no silenciamento. Aí não incomoda nem cria caos na ordem que por séculos construimos mas que, se bem olhrmos, é ordem na desordem ético-social.

Esta pretensão se liga a algo anterior e que fez história. É sabido que com a vitória do capitalismo sobre o socialismo estatal do Leste europeu em 1989, o Presidente Reagan e a primeira ministra Tatcher inauguraram uma campanha mundial de desmoralização do Estado, tido como ineficiente e da política como empecilho aos negócios das grandes corporações globalizadas e à lógica da acumulação capitalista. Com isso visava-se a chegar ao Estado mínimo, debilitar a sociedade civil e abrir amplo espaço às privatizações e ao domínio do mercado, até conseguir a passagem de uma sociedade com mercado para uma sociedade de puro mercado no qual tudo, mas tudo mesmo, da religião ao sexo, vira mercadoria. E conseguiram. O Brasil sob a hegemonia do PSDB se alinhou ao que se achava o marco mais moderno e eficaz da política mundial. Protagonizou vasta privatização de bens públicos que foram maléficos ao interesse geral.

Que isso foi uma desgraça mundial se comprova pelo fosso abissal que se estabeleceu entre os poucos que dominam os capitais e as finanças e a grandes maiorias da humanidade. Sacrifica-se um povo inteiro como a Grécia, sem qualquer consideração, no altar do mercado e da voracidade dos bancos. O mesmo poderá acontecer com Portugal, com a Espanha e com a Itália.

A crise econômico-financeira de 2008 instaurada no coração dos países centrais que inventaram esta perversidade social, foi consequência deste tipo de opção política. Foram os Estados que tanto combateram que os salvaram da completa falência, produzida por suas medidas montadas sobre a mentira e a ganância (greed is good), como não se cansa de acusar o prêmio Nobel de economia Paul Krugman. Para ele, estes corifeus das finanças especulativas deveriam estar todos na cadeia como criminosos. Mas continuam aí faceiros e rindo.

Então, se devemos criticar a nossa classe política por ser corrupta e o Estado por ser ainda, em grande parte, refém da macro-economia neoliberal, devemos fazê-lo com critério e senso de medida. Caso contrário, levamos água ao moinho da direita. Esta se aproveita desta crítica, não para melhorar a sociedade em benefício do povo que grita na rua, mas para resgatar seu antigo poder político especialmente, aquele ligado ao poder de Estado a partir do qual garantia seu enriquecimento fácil. Especialmente a mídia privada e familiar, cujos nomes não precisam ser citados, está empenhada fevorosamente neste empreitada de volta ao velho status quo.

Por isso, as demonstrações devem continuar na rua contra as tramóias da direita. Precisam estar atentas a esta infiltração que visa a mudar o rumo das manifestações. Elas invocam a segurança pública e a ordem a ser estabelecida. Quem sabe, até sonham com a volta do braço armado para limpar as ruas.
Dai, repetimos, cabe reforçar o governo de Dilma, cobrar-lhe, sim, reformas políticas profundas, evitar a histórica conciliação entre as forças em tensão e o oposição para juntas novamente esvaziar o clamor das ruas e manterem um status quo que prolonga benefíciois compartilhados.

Inteligentemente sugeriu o analista politico Jeferson Miolo em Carta Maior (07/7/2013):”Há uma grave urgência política no ar. A disputa real que se trava nesse momento é pelo destino da sétima economia mundial e pelo direcionamento de suas fantásticas riquezas para a orgia financeira neoliberal. Os atores da direita estão bem posicionados institucionalmente e politicamente…A possibilidade de reversão das tendências está nas ruas, se soubermos canalizar sua enorme energia mobilizadora. Por que não instalar em todas as cidades do país aulas públicas, espaços de deliberação pública e de participação direta para construir com o povo propostas sobre a realidade nacional, o plebiscito, o sistema político, a taxação das grandes fortunas e do capital, a progressividade tributária, a pluralidade dos meios de comunicação, aborto, união homoafetiva, sustentabilidade social, ambiental e cultural, reforma urbana, reforma republicana do Estado e tantas outras demandas históricas do povo brasileiro, para assim apoiar e influir nas políticas do governo Dilma”?

Desta forma se enfrentarão as articulações da direita e se poderá com mais força reclamar reformas políticas de base que vão na direção de atender a infra-estrutura reclamada pelo povo nas ruas: melhor educação, melhores hospitais públicos, melhor transporte coletivo e menos violência na cidade e no campo.

Leonardo Boff não é filiado ao PT, é teólogo e escritor, da Comissão da Carta da Terra.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Florestar Fernandes Jr. e o desabafo de um jornalista frente a uma mídia tendenciosa controlada por uma elite sórdida

 Extraído do blog Luis Nassif Online:

O desabafo de um jornalista de televisão, por Florestan Fernandes Jr

 

 

Apenas um desabafo de um jornalista de televisão

"Vai ser rápido, três takes", foi o que disse Santiago ao sair da redação. A expressão banal usada com frequência por repórteres e cinegrafistas quando têm a tarefa de gravar um assunto que não demanda muito tempo, agora merece uma longa e demorada reflexão.

Morreu um companheiro de trabalho, jornalista de frente, da cobertura pesada das ruas, vielas e palácios suntuosos do país. Morreu um repórter do cotidiano, que colocava sua vida em risco quase que diariamente na nobre tarefa de informar. Com suas imagens ajudou a aumentar a audiência de telejornais. Certamente nunca teve o reconhecimento financeiro de seu importante trabalho. Como todos os colegas de profissão, tinha um salário miserável pelo risco que corria.

Mas isso não é mais importante. Ele já está morto. Morreu registrando as cenas de barbárie de um país que, pela primeira vez, se olha no espelho e vê refletido um rosto marcado pelas cicatrizes de centenas de anos de abandono e descaso. De um país de poucos, de uma justiça para poucos, de terras nas mãos de poucos, da educação para poucos, de riqueza para poucos. Um país de uma elite arrogante, perversa e preconceituosa, que por séculos controla a política em todos os níveis; estadual, municipal e federal.

Nós jornalistas, sim, estamos de luto. A família de Santiago Andrade está de luto. A sociedade brasileira mais uma vez está de luto. Não nossos patrões que fazem do jornalismo um espetáculo dos horrores. Que colocam na frente das câmaras âncoras despreparados e irresponsáveis que vomitam seus preconceitos e ódios. Jornalismo de baixo nível que usa e abusa do sensacionalismo para garantir audiência. De "âncoras" desafiando o bom senso todos os dias com um pensamento esquizofrênico e preconceituoso. Um jornalismo travestido de notícia que manipula dados, denúncias e, em vez de levar conhecimento, cultura e educação, faz da noticia um controle de mentes.

São os Black bloc da comunicação. Ajudaram e continuam ajudando a destruir os valores mais importantes da cidadania e de justiça social. Tudo cinicamente justificado pela liberdade de expressão. Tudo para manter o status quo de uma elite atrasada e mesquinha que realmente não quer abrir mão de seus privilégios.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Motivos para a Globo apoiar o golpe contra o governo Venezuelano



Extraído do Diário do Centro do Mundo:

Noto, nas redes sociais, revolta contra a maneira como a Globo vem cobrindo a crise na Venezuela.
A Globo ataca, ataca e ainda ataca o governo eleito.
Não existe razão para surpresa. Inimaginável seria a Globo apoiar qualquer tipo de causa popular.
O problema começou com Chávez.
Chávez e Globo tinham um história de beligerância explícita. Ambos defendem interesses antagônicos.
Se estivéssemos na França de 1789, a Globo defenderia a Bastilha e Chávez seria um jacobino. Em vez de recitar Bolívar, ele repetiria Rousseau.
Chávez cometeu um crime mortal para a Globo: não renovou a concessão de uma emissora que tramara sua queda. Veja: um grupo empresarial usara algo que ganhara do Estado — a concessão para um canal de tevê — para tentar derrubar o presidente que o povo elegera. Chávez fez o que tinha que fazer. E o que ele fez é o maior pesadelo das Organizações Globo: a ruptura da concessão.
Há uma cena clássica que registra a hostilidade entre Chávez e a Globo. Foi, felizmente, registrada pelas câmaras. É um documento histórico. Você pode vê-la no pé deste artigo.
Chávez está dando uma coletiva, e um repórter ganha a palavra para uma pergunta. É um brasileiro, e trabalha na Globo. Fala num espanhol decente, e depois de se apresentar interroga Chávez sobre supostas agressões à liberdade de expressão.
Toca, especificamente, numa multa aplicada a um jornalista pela justiça venezuelana.
Chávez ouve pacientemente. No meio da longa questão, ele indaga se o jornalista já concluiu a pergunta. E depois diz: “Sei que você veio aqui com uma missão e, se não a cumprir, vai ser demitido. Não adianta eu sugerir a você que visite determinados lugares ou fale com certas pessoas, porque você vai ter que fazer o que esperam que você faça.”
Quem conhece os bastidores do jornalismo sabe que quando um repórter da Globo vai para a Venezuela a pauta já está pronta. É só preencher os brancos. Não existe uma genuína investigação. A condenação da reportagem já está estabelecida antes que a pauta seja passada ao repórter.
Lamento se isso desilude os ingênuos que acreditam em objetividade jornalística brasileira, mas a vida é o que é. Na BBC, o repórter poderia de fato narrar o que viu. Na Globo, vai confirmar o que o seu chefe lhe disse. É uma viagem, a rigor, inútil: serve apenas para chancelar, aspas, a paulada que será dada.
“Como cidadão latino-americano, você é bem-vindo”, diz Chávez ao repórter da Globo. “Como representante da Globo, não.”
Chávez lembrou coisas óbvias: o quanto a Globo esteve envolvida em coisas nocivas ao povo brasileiro, como a derrubada de João Goulart e a instalação de uma ditadura militar em 1964.
Essa ditadura, patrocinada pela Globo, tornou o Brasil um dos campeões mundiais em iniquidade social. Conquistas trabalhistas foram pilhadas, como a estabilidade no emprego, e os trabalhadores ficaram impedidos de reagir porque foi proibida pelos ditadores sua única arma – a greve.
Não vou falar na destruição do ensino público de qualidade pela ditadura, uma obra que ceifou uma das mais eficientes escadas de mobilidade social. Também não vou falar nas torturas e assassinatos dos que se insurgiram contra o golpe.
Chávez, na coletiva, acusou a Globo de servir aos interesses americanos.
Aí tenho para mim que ele errou parcialmente.
A Globo, ao longo de sua história, colocou sempre à frente não os interesses americanos – mas os seus próprios, confundidos, na retórica, com o interesse público, aspas.
Tem sido bem sucedida nisso.
O Brasil tem milhões de favelados, milhões de pessoas atiradas na pobreza porque lhes foi negado ensino digno, milhões de crianças nascidas e crescidas sem coisas como água encanada.
Mas a família Marinho, antes com Roberto Marinho e agora com seus três filhos, está no topo da lista de bilionários do Brasil.
Roberto Marinho se dizia “condenado ao sucesso”. O que ele não disse é que para que isso ocorresse uma quantidade vergonhosa de brasileiros seria condenada à miséria.





quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Jornal espanhol El Pais analisa as atitudes fascistas e racistas de justiceiros, apoiados por Sheherazade




   No dia 17 de fevereiro de 2014 o jornal espanhol El Pais publicou uma coluna, escrita por Eliane Brum, onde se analisa a ação e o posicionamento da população em relação aos "Justiceiros" na ação de espancar e humilhar "bandidos", ao estilo do que se fazia com escravos até o século XIX. Esta atitude foi entendida como "compreensível", entre outros termos positivos, pela polêmica âncora do SBT, Rachel Sheherazade e foi amplamente apoiada por pessoas de mente tacanha, com traços fascistóides e uma boa dose de preconceito racial.

  Segue, abaixo, extraído do El Pais, a versão em português da coluna intitulada "Nós, os humanos verdadeiros":


Nós, os humanos verdadeiros

Quem estava nu além do menino negro acorrentado a um poste por justiceiros?


Precisei escutar o discurso do bem. O que dizem aqueles que acorrentaram um menino negro a um poste com uma trava de bicicleta no Flamengo, no Rio, em 31 de janeiro. Aqueles que cortaram sua orelha, aqueles que arrancaram suas roupas. O que dizem aqueles que defendem os jovens brancos que torturaram o jovem negro. Eu sei que os homens e as mulheres que evocam o direito de acorrentar adolescentes negros em postes, cortar a sua orelha e arrancar suas roupas porque se anunciam como homens e mulheres de bem – e homens e mulheres de bem podem fazer tudo isso – estão ao meu redor. Eu os encontro na padaria, os cumprimento no elevador, agradeço a eles quando me permitem atravessar na faixa de segurança. Eles estão lá ao ligar a TV. Mas o que eles dizem que é preciso escutar?
O discurso do bem cabe em poucas frases. O Estado é omisso. A polícia é desmoralizada. A Justiça é falha. Diante desses fatos, e todos os fatos são sempre inquestionáveis no discurso do bem, acorrentar jovens negros em postes com trava de bicicleta, cortar a sua orelha e arrancar suas roupas é um direito de legítima defesa dos cidadãos de bem. Se quiserem torturar o menino negro, como fizeram, eles podem, assegura o bem. Se quiserem matá-lo, eles podem, também. E alguns o fazem. Meninos negros não são meninos. Não é preciso investigação, não é preciso julgamento, não é preciso lei. Os cidadãos de bem sabem, porque são a lei. Também são a justiça. O menino é um marginalzinho, é também um vagabundo, diz o bem. E bandido bom é bandido morto, garante o bem. Se você não pensa assim, o bem tem um pedido a lhe fazer: faça um favor ao Brasil, adote um bandido. Simples, direto, objetivo. O discurso do bem orgulha-se de ser simples, orgulha-se de só ter certezas. A dúvida atrapalha o bem. E o bem não deve ser perturbado. E como duvidar que acorrentar um menino negro a um poste pelo pescoço, cortar a sua orelha e arrancar suas roupas é o bem?
Encontro uma explicação definitiva no discurso dos justiceiros amplificado nas redes sociais. Quem acorrenta um jovem negro a um poste, corta um pedaço da sua orelha e arranca suas roupas – e quem defende o direito de fazer tudo isso – são os “verdadeiros humanos”. E também os “humanos verdadeiros”.


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Adolescente amarrado a um poste com uma trava de bicicleta. / Yvonne de Mello (Facebook)
É uma guerra, descubro, entre humanos verdadeiros e humanos falsos.
Neste ponto, tenho uma dúvida. Talvez eu não seja uma humana verdadeira – ou uma verdadeira humana –, porque além dessa dúvida sobre a veracidade de minha humanidade, eu ainda tenho outra. O que os humanos verdadeiros – ou verdadeiros humanos – viram ao arrancar a roupa do menino negro? O que eles enxergaram ao se deparar com sua nudez? Será que foi por isso que arrancaram suas roupas, para provar que ele não era humano? O que aconteceu quando descobriram que seu corpo era igual ao deles? Ou não era? Será que foi nesse momento que cortaram a sua orelha, para marcá-lo como um humano falso, já que Deus ou a evolução não haviam providenciado essa diferença no corpo? Ou basta a cor, como já disse um pastor evangélico dedicado aos direitos humanos? Que perturbadora pode ter sido a nudez do menino, ao se tornar espelho dos justiceiros e os deixar nus, enquanto batiam nele com seus capacetes.
Quem estava nu nessa cena?
As dúvidas não fazem bem ao bem. Por associação eu concluo que há também os jornalistas falsos e os verdadeiros. Os falsos tenderiam a acreditar que, no jornalismo, uma opinião só pode ser dada com informação, pesquisa e investigação da realidade – ou não é uma opinião para o jornalismo, só um vômito de palavras. Os falsos pensariam que, para falar das ruas, seria preciso ir às ruas. Os falsos mostrariam que, quem mais morre por violência, no Brasil, são os jovens negros e pobres como aquele que foi acorrentado a um poste pelo pescoço. Mostrariam também que as maiores vítimas de violência de todos os tipos estão nas periferias e nas favelas – e não no centro, muito menos nos condomínios fechados. Os falsos se preocupariam em esmiuçar o contexto em que o fato foi produzido, explicar as raízes históricas que fazem com que as maiores vítimas de violência sejam os negros e os pobres, a começar pela abolição da escravatura que não se completou. Os falsos se esforçariam para revelar a complexidade de uma cena que remete à escravidão se repetir mais de 125 anos depois da Lei Áurea. Os falsos buscariam analisar como a violência é uma marca de identidade nacional, presente ao longo da constituição da sociedade brasileira – e que aquele que diz punir, de fato se vinga. Os falsos saberiam que uma imagem não desvenda tudo nem é toda a verdade. Os falsos suspeitariam que defender o linchamento, ainda que de humanos falsos, e abrir espaço para o incitamento ao linchamento em veículos de massa e na grande mídia poderia ser considerado uma irresponsabilidade que desqualifica o jornalismo e reduz a imprensa.

O que os justiceiros viram ao se deparar com a nudez do menino?
Mas esse é o problema dos falsos. Eles acham que a realidade não cabe em meia dúzia de frases repetidas de forma diferente. São falsos e são fracos porque duvidam das verdades absolutas. Os jornalistas verdadeiros não têm dúvida nenhuma, nem mesmo uma bem pequena. O mundo acaba nos limites do seu próprio mundo, mesmo que este seja um condomínio fechado e que nas poucas vezes em que saiam de casa seja em carro blindado, de um lugar protegido por seguranças a outro lugar protegido por seguranças. Os jornalistas verdadeiros conquistaram, porque são verdadeiros, o direito de estabelecer os limites do mundo e de falar apenas a partir dele. A alteridade, assim como o movimento de escutar o outro e experimentar o seu argumento, faz mal ao bem e também ao jornalismo verdadeiro.
Divaguei. E divagações não fazem bem ao bem. A questão maior, a que abarca todas as outras, inclusive a dos jornalistas, é a dos verdadeiros humanos – ou dos humanos verdadeiros. Também conhecidos como cidadãos de bem.
Aqui, exatamente aqui, eu tenho outra dúvida. Essa me perturba mais. Percebo que, se estes são os humanos verdadeiros, os que acorrentam jovens negros a postes com travas de bicicleta, cortam a sua orelha e arrancam suas roupas – assim como os que defendem os cidadãos de bem que fazem tudo isso –, minha tendência é me alinhar aos humanos falsos.

O discurso do ódio serve para nos assegurarmos não só de nossa diferença, mas
principalmente de nossa inocência
A distinção, porém, permaneceria. Com o tempo, eu poderia sucumbir à tentação de considerar que os falsos são os melhores. E, em seguida, talvez ousasse dizer que os falsos, na verdade, são mais humanos do que os outros. E, logo, aqueles que não acorrentam jovens negros em postes, não cortam sua orelha, não arrancam suas roupas – e aqueles que não defendem os cidadãos de bem que fazem tudo isso – seriam os verdadeiros humanos – ou os humanos verdadeiros. E eu me colocaria ao lado deles, como uma apaziguada companheira de manada.
Mas seria fácil demais.
Difícil seria compreender não a diferença, mas a igualdade. Difícil não é me diferenciar, mas me igualar, perceber em que esquinas minha humanidade se encontra com a do menino negro preso ao poste e também com a humanidade dos jovens brancos que acorrentaram o jovem negro ao poste. Para isso, eu preciso perceber que aqueles que arrancaram as roupas do menino ficaram nus, sim, mas também me deixaram nua. Nos deixaram nus. Nós, que não compactuamos com quem acorrenta jovens negros em postes, somos aqueles que estavam na cena, mas não aparecem na imagem. E por isso podem se esconder melhor.
É para isso que também serve o discurso do bem. Ou o discurso do ódio, se preferirem. Para que possamos nos contrapor a ele e nos assegurarmos não só da nossa diferença, mas principalmente da nossa inocência. Para que possamos continuar vivendo na ilusão de que fazemos algo para que meninos negros não sejam acorrentados em postes pelo pescoço. Na ilusão de que fazemos algo para que meninos negros não se tornem, caso alcancem a vida adulta, homens e mulheres que ganham menos que os brancos, que têm menos educação que os brancos, que têm menos saúde que os brancos, que sejam a maioria nas casas sem saneamento. Na ilusão de que fazemos algo para que as mulheres negras não sejam as que mais morrem no parto nem seus filhos os que preenchem as estatísticas de mortalidade infantil. Na ilusão de que fazemos algo para que jovens negros não tenham a entrada banida em shoppings, exceto para trabalhar. O discurso do ódio também serve para que possamos nos contrapor a ele e manter intacta a ilusão de que fazemos algo para que jovens negros não sejam os que morrem mais e mais cedo.

Os justiceiros nos dão a chance de exaurirmos nossa omissão em ruidosa revolta e voltar
esgotados de imagem para o sono dos justos
É preciso encarar nossa nudez nesse espelho em que a imagem, sempre incompleta, mostra apenas o menino negro nu. E abrir mão de uma certa soberba que faz com que, no fundo, acreditemos que somos nós os cidadãos de bem – os civilizados contra os bárbaros. E que dizer isso basta para um sono sem sobressaltos.
A maioria (79%), pelo menos no Rio de Janeiro, segundo pesquisa do Datafolha, é contra acorrentar jovens negros a postes. (O maior índice de aprovação aos justiceiros é encontrado entre os brancos, os mais ricos e os mais escolarizados, e este é um dado importante.) Mas o poste/tronco é apenas a imagem extrema, hiper-real, do que a maioria convive, dia após dia, sem perceber que deveria ser impossível conviver com o fato de que uma parte da população brasileira tem menos tudo, inclusive vida. A abolição incompleta da escravatura está em todas as horas do Brasil. Se não fosse mais conveniente ser cego, enxergaríamos jovens negros presos a postes pelo pescoço o tempo todo. O que a quadrilha de jovens brancos, de classe média, fez ao acorrentar o jovem negro a um poste foi uma interpretação literal da realidade cotidiana. Porque seu pensamento é simplista, direto, objetivo, escancararam o que se expressa no dia a dia de formas menos explícitas. O que os brutos realizaram, porque esse também é o papel dos brutos, é a materialização de uma realidade simbólica com a qual convivemos sem pruridos. Ao fazê-lo, os justiceiros nos dão, de novo, a chance de exaurirmos nossa omissão em ruidosa revolta, e voltar esgotados de imagem para o sono dos justos.
Os brutos não são a maioria, pelo menos nesse caso, pelo menos no Rio. A maioria é contra acorrentar jovens negros a postes, cortar sua orelha e arrancar suas roupas. Então, por que a abolição da escravatura ainda não se completou no Brasil? Porque nossa cumplicidade encontra caminhos para se convencer inocente.
Somos os “sonsos essenciais”. O termo é de Clarice Lispector, no melhor texto que li sobre a cena do menino negro acorrentado a um poste pelo pescoço. Com o detalhe que foi escrito na década de 60 do século passado. “Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos. (...) E eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem”.
Para fazer a diferença é necessário se diferenciar. Mas só se diferencia aquele que antes se iguala. Levanta os olhos e encara, no espelho que é o outro, a enormidade de sua nudez.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficçãoA Vida Que Ninguém vêO Olho da Rua e A Menina Quebrada e do romance Uma Duas. Email: elianebrum@uol.com.br. Twitter: @brumelianebrum

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Leonardo Boff sobre a ternura como a seiva do amor


A ternura: a seiva da amor

Leonardo Boff

16/02/2014
Fonte:  http://leonardoboff.wordpress.com/2014/02/16/a-ternura-a-seiva-da-amor/
 Mesmo no coração da atual crise social não podemos esquecer da ternura que subjaz a todos os empreendimentos que envolvem valores e afetam o coração humano.     

         São misteriosos os caminhos que vão do coração de um homem na direção do coração da mulher  e do coração da mulher na direção do coração homem. Igualmente misteriosas são as travessias do coração de dois homens e respectivamente de duas mulheres que se encontram e declaram seus mútuos afetos.  Desse ir e vir nasce o enamoramento, o amor e por fim o casamento   ou a união estável. Como temos a ver com liberdades, os parceiros se encontram inevitavelmente expostos a eventos imponderáveis.
         A própria existência nunca é fixada uma vez por todas. Vive em permanente dialogação com o meio. Essa troca não deixa ninguém imune. Cada um vive exposto. Fidelidades mútuas são postas à prova. No matrimônio, passada a paixão, inicia a vida cotidiana com sua rotina cinzenta. Ocorrem desencontros na convivência a dois. irrompem paixões vulcânicas pelo fascínio de outra pessoa.  Não raro o êxtase é seguido de decepção. Há voltas, perdões, renovação de promessas e reconciliações. Sempre sobram, no entanto,  feridas que, mesmo cicatrizadas, lembram que um dia sangraram.
         O amor é uma chama viva que arde mas que pode bruxolear e lentamente se cobrir de cinzas e até se apagar. Não é que as pessoas se odeiam. Elas ficaram indiferentes umas às outras. É a morte do amor. O verso 11 do Cântico Espiritual do místico São João da Cruz, que são canções de amor entre a alma a Deus, diz com fina observação: “a doença de amor não se cura sem a presença e a figura”. Não basta o amor platônico, virtual ou à distância. O amor exige presença. Quer a figura concreta que é mais mais que o pele-a-pele mas o cara-a-cara e o coração sentindo o palpitar do coração do outro.
         Bem diz o místico poeta: o amor é uma doença que, nas minhas palavras,  só se cura com aqulo que eu chamaria de ternura essencial. A ternura é a seiva do amor. “Se quiseres guardar, fortalecer, dar sustentabilidade ao amor seja terno para com o teu companheiro oua tua companheira”. Sem o azeite da ternura não se alimenta a chama sagrada do amor. Ela se apaga.
         Que é a ternura? De saida, descartemos as concepções psicologizantes e superficiais que identificam a ternura como mera emoção e excitação do sentimento face ao outro. A concentração só no sentimento gera o sentimentalismo. O sentimentalismo é um produto da subjetividade mal integrada. É o sujeito que se dobra sobre si mesmo e celebra as suas sensações que o outro provocou nele. Não sái de si mesmo.
         Ao contrário, a ternura irrompe quando a pessoa se descentra de si mesma, sái  na direção do outro, sente o outro como outro, participa de sua existência, se deixa tocar pela sua história de vida. O outro marca o sujeito. Esse demora-se no outro não pelas sensações que lhe produz, mas por amor, pelo apreço de sua pessoa  e pela valorização de  sua vida e luta. “Eu te amo não porque és bela; és bela porque te amo”.
         A ternura é o afeto que devotamos às pessoas nelas mesmas. É o cuidado sem obsessão. Ternura não é efeminação e renúncia de rigor. É um afeto que, à sua maneira, nos abre ao conhecimento do outro. O Papa Francisco no Rio falando aos bispos latinoamericanos presentes cobrou-lhes “a revolução da ternura” como condição para um encontro pastoral verdadeiro.
          Na verdade só conhecemos bem quando nutrimos afeto e nos sentimos envolvidos com a pessoa com quem queremos estabelecer comunhão. A ternura pode e deve conviver com o extremo empenho por uma causa, como foi exemplarmente demonstrado pelo  revolucionário absoluto Che Guevara (1928-1968). Dele guardamos a sentença inspiradora: ”hay que endurecer pero sin perder la ternura jamás”. A ternura inclui a criatividade e a auto-realização da pessoa junto e através da pessoa amada.  
          A relação de ternura  não envolve angústia porque é livre de busca  de vantagens e de dominação. O enternecimento é a força própria do coração, é o desejo profundo de compartir caminhos.  A angústia do outro é  minha angústica, seu sucesso é  meu sucesso e sua salvação ou perdição  é  minha salvação  e minha perdição e, no fundo, não só minha mas de todos.
          Blaise Pascal(1623-1662), filósofo e matemático francês do século XVII, introduziu uma distinção importante que nos ajuda a entender  a ternura: o esprit de finesse e o esprit de géometrie.
         O esprit de finesse é o espírito de finura, de sensibilidade, de cuidado e de ternura. O espírito não só pensa e raciocina. Vai além porque acrescenta ao raciocínio sensibilidade, intuição e capacidade de sentir em profundidade. Do espírito de finura nasce o mundo das excelências, das grandes sonhos, dos valores e dos compromissos para os quais vale dispender energias e tempo.
         O esprit de géometrie é o espírito calculatório e obreirista, interessado na eficácia e no poder. Mas onde há concentração de poder aí não há ternura nem amor. Por isso pessoas autoritárias são duras e sem ternura e, às vezes,  sem piedade. Mas é o modo-de-ser que imperou na modernidade. Ela colocou num canto, sob muitas suspeitas, tudo o que tem a ver com o afeto e a ternura.
         Daí se deriva também o vazio aterrador de nossa cultura “geométrica” com sua pletora de sensações mas sem experiências profundas; com um acúmulo fantástico de saber mas com parca sabedoria, com demasiado vigor da musculação, do sexualismo, dos artefatos de destruição mostrados nos serial killer mas sem ternura e cuidado de uns para com os outros,  para com a Terra, para com seus filhos e filhas, para com o futuro comum de todos.
         O amor é a vida são frágeis. Sua força invencível vem da ternura com a qual os cercamos e sempre os alimentamos.
Leonardo Boff é autor de A força da ternura, Mar de Idéias, Rio 2012.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Fernando Britto fala sobre a Sininho, a fada madrinha da direita, e que agora providencialmente vai para o paredão da Veja



Extraído do Tijolaço:

Sininho, fada madrinha da direita e “sister” do BB da Globo, vai pro “paredão”

15 de fevereiro de 2014 | 10:45 Autor: Fernando Brito


Nunca se tergiversou aqui com a condenação dos black blocs, um aglomerado facinoroso de desmiolados e recalcados.
Enquanto a mídia “civilizada” – francamente, é duro vê-la se definir assim, quando os veículos mais importantes vão se coalhando de, e a expressão não é minha, pit-bulls direitistas – os aplaudia e compreendia, já eram chamados neste blog pelo que são, mesmo que achem ser o contrário: fascistóides, autoritários, incapazes para o convívio.
Por mais que se apresentassem como ultra-esquerdistas e anarquistas, sua ação beneficiava a direita, inequivocamente, e esta não escondia o seu esfregar de mãos diante das ruas conflagradas.
O conservadorismo brasileiro, desmoralizado, sem credibilidade e com um candidato fraquíssimo (Aécio) e outro inventado  (Eduardo Campos), apostava nos “meninos” para dar-lhe chances eleitorais.
Tragicamente, deu errado.
E arranjaram uma idiota para bode expiatório.
Sininho é apenas o que parece, uma mocinha com síndrome de Peter Pan, que não quer crescer e acha que pode viver para sempre o seu sonho juvenil.
Que está achando que a vida é um “happening”, a política uma alegoria de rua e o povo os “bons selvagens”, que tem de ser atraídos para a calçada.
O “financiamento” de R$ 1.600 é uma piada e não explica o suporte material que, de fato, esta sequência de manifestações sugere e, muito menos, a informação de que há sistemático aliciamento pecuniário de manifestantes.
Nada disso elide em um milímetro a culpa de nenhum deles. E de todos os outros que estão pregando, nas redes, a agressão ou a tolerância com  provocadores. Em graus diferentes, todos eles dispararam o rojão que matou Santiago Andrade, embora o crime de homicídio, até agora, só aos dois detidos possa ser imputado criminalmente.
(aliás, este advogado, hein…)
Mas há mais, muito mais, nesta história. Há dinheiro, há interesses eleitorais e, claro,  há também a doença infantil de quem a “ativista” é símbolo.
Sininho, a radicalzinha idiota, está sendo uma fada madrinha para a direita.
Ela é tão responsável por este processo quanto as meninas que se exibem no BBB (no caso, com um B a menos) para outros tirarem disso as vantagens imensas que desejam.
A capa da Veja não é um indício disto, é uma confissão.
Afinal, que saída melhor para se livrar das consequências trágicas de um processo que ela insuflou, difundiu, multiplicou e do qual se serviu despudoramente?
Que saída melhor, embora irracional, do que acusar o governo de responsável por manifestações anti-governo?
Os Capitães Gancho adoraram a Thinker Bell.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Alberto Dines alerta: "A Liberdade corre riscos quando não se sabe o que fazer com ela". A tendenciosidade da mídia no caso Santiago Andrade

PERIGO À VISTA

Liberdade corre riscos quando não se sabe o que fazer com ela

Por Alberto Dines em 14/02/2014 na edição 785



A história está mal contada. E mesmo assim a imprensa a entrega ao freguês como absolutamente verdadeira, verossímil. E inquestionável. 

Dois jornalistas do Rio, ambos da Folha de S.Paulo (Janio de Freitas e Paula Cesarino Costa), não engoliram a armação (quinta, 13/2, págs. A-7 e A-2). Mas não são todos os leitores que se dispõem a ler comentários dissidentes, céticos, em textos distantes do noticiário, das fotos e da badalação marqueteira (ver “Sem resposta” e “Quem são eles?”). 

Nas matérias factuais sobre a caça aos responsáveis pela morte de Santiago Andrade, transparece o desdém pela inteligência do leitor. Vale o que dizem as fontes e autoridades. Porém, tanto as fontes como as autoridades parecem empenhadas em encerrar o caso atribuindo a culpa pela violência nas manifestações a partidos e políticos de extrema esquerda. 

E por que não se investiga a hipótese de que o aliciamento dos baderneiros faz parte da estratégia das milícias para desacreditar o governo estadual e as autoridades policiais?

Foi impecável o trabalho de edição e análise do material televisivo apresentado pela TV Globo no sábado (8/2) com a ajuda do perito Nelson Massini. Graças a ele foi possível identificar com incrível rapidez e chegar ao Bandido nº1, Fabio Raposo, e dois dias depois ao nº 2, Caio de Souza, corresponsáveis pelo disparo do rojão que matou o cinegrafista da Band.

Esta “incrível rapidez” é que chama a atenção. No domingo (9), o Bandido nº 1, ainda na condição de suspeito, já havia contratado um advogado, se apresentara à polícia e era longamente entrevistado pelo Fantástico

Na quarta-feira (12), o Bandido nº 2 era localizado numa pousada em Feira de Santana (BA), já com um advogado a tiracolo – o mesmo do outro! – e dava entrevista à Globo antes de embarcar para o Rio sob escolta policial.

A informação de que os arruaceiros recebiam dinheiro de políticos para radicalizar os protestos foi dada por Caio de Souza e confirmada pelo advogado, Jonas Tadeu Nunes. Se ele conhecia esta conexão política, por que razão não a adiantou à polícia tão logo prenderam o Bandido nº 1? 

Contra a democracia

E quem é este super-causídico que se desloca com tanta rapidez e eficiência para atender clientes aparentemente sem conexão e, de repente, implicados no mesmo crime? Jonas Tadeu Nunes não parece o clássico rábula de porta do xadrez. Tem escritório num shopping fuleiro do Recreio dos Bandeirantes, tem amigos na polícia civil do Rio, já defendeu um ex-deputado estadual (Natalino Guimarães) acusado de fazer parte das milícias e tem entre os clientes um ex-coronel da PM fluminense, exonerado pelo secretário de Segurança do Estado do Rio. Alega que o Bandido nº 1 era conhecido do estagiário do seu escritório e que chegou ao nº 2 porque eram amigos.

A suspeita de que partidos de extrema-esquerda são aliciadores dos vândalos permeia insistentemente o noticiário desde segunda-feira (10/2) sem comprovações ou indícios concretos. A presença do advogado Jonas Tadeu Nunes não despertou desconfianças. 

Neste mix de tons de cinza, siglas, militâncias e agentes provocadores circula a figura sofisticada da “ativista” Elisa Sanzi, vulgo Sininho. E a partir da edição de quinta-feira do Globo, incorporou-se ao insólito grupo o ex-governador Anthony Garotinho (hoje no PR tentando chantagear o PT), desde o ano passado acusado de ser o instigador da cruzada contra o governador Sérgio Cabral Filho.

O ingrediente mais preocupante desta desconjuntada cobertura começou logo depois do anúncio da morte cerebral do cinegrafista da TV Bandeirantes, quando a mídia em peso lançou-se numa emocionada cruzada em defesa da liberdade de expressão. Na sua edição de quinta-feira (13/2), seis páginas do Globo levavam no cabeçalho o selo “Ataque à Liberdade de Expressão”, numa evidente exploração política da tragédia.
Tanto os vídeos como os depoimentos da dupla de bandidos coincidem em demonstrar que o rojão-assassino foi aceso e colocado no chão. Não foi apontado contra o cinegrafista, nem contra alguém em especial. O cadáver que se procurava era o da democracia.

A liberdade de expressão corre perigo sempre. Em qualquer momento e lugar. Mas, sobretudo, quando seus beneficiários e defensores se atrapalham e não sabem o que fazer com ela.

Leia também

Hora de fazer política – Mauro Malin
A linha que define o noticiário – Luciano Martins Costa
Duas faces da barbárie cotidiana – Sylvia Debossan Moretzsohn
Black tadinhos – Rogério Gentile

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Do obsevatório da Imprensa: A alteridade cínica da grande mídia - Copa , Violência Urbana insuflada e seu uso tendencioso, pela mídia, para fins políticos

Extraído do Observatório da Imprensa:


VIOLÊNCIA URBANA

A alteridade cínica da grande mídia

Por Venício A. de Lima em 11/02/2014 na edição 785


A Rede Globo de Televisão recomendou a seus jornalistas, inclusive os que trabalham em suas 122 (cento e vinte e duas) emissoras afiliadas, “que a Copa e a seleção brasileira são uma paixão nacional, mas que irregularidades deverão ser denunciadas e ‘pautas positivas’ deverão ser evitadas, a não ser que ‘surjam naturalmente’. Reportagens que mostram como a Copa está beneficiando grupos de pessoas, como os comerciantes vizinhos a estádios, já não estão sendo produzidas para o Jornal Nacional” (ver aqui, e aqui a resposta da Globo).

No telejornal SBT Brasil, a âncora fez aberta apologia de “justiceiros” vingadores que espancaram, despiram e acorrentaram pelo pescoço um suspeito adolescente, de 15 anos, a um poste no Flamengo, no Rio de Janeiro (ver aqui).

A recomendação da Globo e a posiçao defendida no SBT – concessionárias do serviço público de radiodifusão – teriam alguma relação com o aumento da violência urbana?

Mídia e violência

Em artigo recente, neste Observatório, comentei a “pauta negativa” do jornalismo regional em Brasília que chamei de “jornalimso do vale de lágrimas” (ver “O ‘vale de lágrimas’ é aqui“).

O que me traz de volta ao tema é, especificamente, a alteridade cínica do jornalismo do vale de lágrimas na cobertura da violência urbana. Esse tipo de jornalismo “faz de conta” de que a mídia não tem qualquer responsabilidade em relação ao que ocorre na sociedade brasileira. Ela seria apenas uma observadora privilegiada cumprindo o seu papel de tornar pública a violência e cobrar mais policiamento dos governos local e federal – como se a solução da violência fosse um problema apenas de mais ou menos policiamento.

Por várias vezes tratei dessa alteridade cínica neste Observatório, sobretudo em função das evidências acumuladas ao longo de anos de pesquisa em vários países que relacionam a violência ao conteúdo da programação da mídia, sobretudo da televisão (ver “A violência urbana e os donos da mídia“, “A responsabilidade dos donos da grande mídia“, “As lições do caso Santo André“, “A liberdade de comunicação não é absoluta“, “A mídia e a banalização da violência“ e “A lógica implacável da mercadoria“).

Ainda na década de 1990, em palestra que fez na Universidade de Brasília, Jo Groebel – professor da Universidade de Utrecht, na Holanda, e representante da Sociedade Internacional de Pesquisa sobre Agressão nas Nações Unidas – não deixou dúvidas sobre a existência de uma relação entre a predominância da violência na programação da televisão e a tendência para a agressividade de jovens e adultos. Baseado em mais de 20 anos de pesquisa ele afirmou que a televisão “faz com que as pessoas pensem que a violência é normal” e que “quanto mais desigual a estrutura da sociedade maior o impacto da violência mostrada na TV”.

Nos Estados Unidos, os “National Television Violence Studies”, financiados pela National Cable Television Association (NCTA), também realizados nos anos 1990 por um pool de grandes universidades – Califórnia, Carolina do Norte, Texas e Wisconsin –, confirmaram as conclusões de Groebel e geraram uma série de recomendações sobre o conteúdo da programação para a indústria de entretenimento.

Em 2008, foram divulgados os primeiros resultados de uma longa pesquisa realizada por professores da Rutgers University, nos EUA, que vincula violência na mídia e agressividade em jovens. No estudo, foram entrevistados 820 adolescentes do estado de Michigan. Destes, 430 eram alunos do ensino médio de comunidades rurais, suburbanas e urbanas. Outros 390 eram delinquentes juvenis detidos em instituições municipais e estaduais, distribuídos equilibradamente entre os sexos masculino e feminino. Pais ou guardiões de 720 deles também foram entrevistados, assim como os professores ou funcionários que lidavam com 717 dos jovens.

A pesquisa revelou que mesmo considerando outros fatores como talento acadêmico, exposição à violência na comunidade ou problemas emocionais, a “preferência por mídia violenta na infância e adolescência contribuiu significativamente para a previsão de violência e agressão em geral”. E conclui: “você é o que assiste”, quando se trata da população jovem (ver aqui).

Certamente outras pesquisas atualizam e confirmam esses resultados, além de incluir também o cinema e os videogames, estes últimos um fenômeno mais recente.

Será que a presença maciça da violência na programação de entretenimento da mídia eletrônica e da televisão brasileira (aberta e paga), em especial, não é um dos fatores que contribui para o aumento da violência urbana?

A mídia e a Constituição 

Um dos artigos não regulamentados da Constituição de 1988, o 221, reza:

A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Será que praticando o jornalismo do vale de lágrimas, excluindo a pauta positiva e defendendo os “justiceiros” vingadores, a grande mídia brasileira está cumprindo a Constituição de 1988?
A quem cabe a fiscalização dos contratos de concessão desse serviço público?
Com a palavra o Ministério Público e o Ministério das Comunicações.

***
Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor, com Juarez Guimarães, de Liberdade de Expressão: as várias faces de um desafio (Paulus, 2013), entre outros livros

Veja também: A confiança da grande mídia em questão