terça-feira, 30 de novembro de 2021

O legado do Golpe midiático-jurídico-parlamentar-empresarial com apoio militar de 2016: a indecência da fome de volta ao Brasil, por Eliara Santana

 

A volta da fome ao Brasil é o legado mais abjeto, devastador e inaceitável do golpe jurídico-midiático-empresarial dado contra a democracia brasileira em 2016


O legado do Golpe: a indecência da fome de volta ao Brasil, por Eliara Santana

Em 16 de setembro de 2014, a FAO, o órgão das Nações Unidas para a Alimentação, declarou que o Brasil saía finalmente do Mapa da Fome da ONU. E  isso graças às políticas públicas adotadas desde 2003 pelos governos petistas, sobretudo o Bolsa Família e o Programa Fome Zero.  

Em 2021, sete anos depois, os números revelam que o Brasil está miseravelmente voltando para o Mapa da Fome. Uma pesquisa do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) do Ministério da Saúde, que foi obtida pela GloboNews por meio da Lei de Acesso à Informação, revelou que até outubro deste ano, apenas 26% das crianças brasileiras de 2 a 9 anos fazem três refeições por dia. Somente uma em cada quatro crianças brasileiras tem condições de fazer três refeições ao longo do dia – café da manhã, almoço e jantar. O SISVAN monitora a situação alimentar e nutricional das famílias atendidas pelo SUS. Pode-se tentar justificar esses números absurdos em função da pandemia. No entanto, o problema é mais grave e  vem se agravando desde o golpe de 2016, como informa a própria reportagem. Vejam o quadro abaixo:

Em 2015, começo do segundo mandato de Dilma Rousseff, 76% das crianças brasileiras faziam pelo menos três refeições por dia. Já em 2016, ano do golpe (Dilma foi afastada da presidência em maio), esse percentual despencou para 42%; volta a subir em 2018, ano eleitoral, e despenca de novo em 2020 e em 2021.

Nutrólogos e pediatras alertam que a falta de alimentação adequada afeta de modo marcante o desenvolvimento infantil, físico e cognitivo. As crianças desnutridas desenvolvem, por exemplo, anemia grave, o que contribui para lesar os neurônios, causando dificuldade no aprendizado. Segundo a nutróloga Virgínia Weffort, ouvida pela reportagem do G1, essa alteração nos neurônios das crianças desnutridas é irreversível, é uma alteração para sempre – o coeficiente intelectual da criança que passou fome e teve anemia nunca será recuperado. Ou seja, essa criança será um adulto, uma adulta, com limitações em sua potência intelectual. Podíamos até entabular, a partir desse dado, uma conversa com os hipócritas defensores da meritocracia. Mas nem cabe diante da gravidade absurda do problema. 

Numa conversa com o médico nutrólogo Enio Cardillo, da UFMG, ele me disse que o fato de o Brasil ter saído do Mapa da Fome da ONU o emocionava profundamente, porque significava a possibilidade de desenvolvimento pleno para as crianças. que teriam acesso a uma alimentação adequada.

Ou seja, hoje, em 2021, o que estamos vendo é a realidade de um país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo e onde crianças até os 5 anos não fazem três refeições por dia, e essas crianças que não têm acesso a uma alimentação adequada nunca serão recuperadas em seu potencial intelectual, cognitivo.

Nas décadas de 1980 e 1990 era comum ver crianças nas ruas, crianças pedindo, crianças muito magrinhas, desnutridas. Nos anos 2000, isso se altera drasticamente, e passamos a ver crianças gordinhas nas escolas e nas creches públicas. Não mais nas ruas, não mais desnutridas. Hoje, a realidade novamente é a daqueles piores momentos de convulsão social.

Em 29 de novembro deste ano, reportagem do Uol mostra que pessoas estão desmaiando nas filas dos postos de saúde da cidade mais rica do país, São Paulo. Desmaiando de fome. Adultos jovens, mulheres grávidas, idosos, adolescentes – a fome no Brasil não escolhe faixa etária. As pessoas estão indo às Unidades Básicas de Saúde pedindo comida pelo amor de deus. Uma médica relatou que atendeu uma jovem mulher, grávida, que tremia e tinha os olhos fundos e a pele seca. A médica perguntou se ela usava drogas, e a moça pediu comida e contou que estava sem comer há dois dias. Grávida, sem comer há dois dias.

É um retrato deprimente, arrasador, inaceitável do país que já foi a sexta economia do mundo. Do pais que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo. País que já teve programadas de referência no combate à fome e pela segurança alimentar como o Fome Zero, o Bolsa Família, o Restaurante Popular.

É revoltante que crianças não tenham condições de comer pelo menos três vezes ao dia. É aviltante que mulheres grávidas fiquem dois dias sem comer! É desumano que pessoas desmaiem de fome nas filas dos postos de saúde.

A volta da fome ao Brasil é o legado mais abjeto, devastador e inaceitável do golpe jurídico-midiático-empresarial dado contra a democracia brasileira em 2016, golpe que tirou Dilma Rousseff da presidência da República e que, posteriormente, levou Jair Bolsonaro ao poder. A destruição agora impetrada por Bolsonaro e seu governo demolidor é resultado da mobilização dos patos amarelos, do ódio à política disseminado pela mídia, do ódio a grupos políticos – e da soma de tudo isso surge Jair Bolsonaro, que leva o Brasil de volta ao Mapa da Fome e à fome efetiva de seus cidadãos. Os dados estão aí para mostrar toda a destruição que vem sendo feita desde 2016. Os números são irrefutáveis e escancaram um país adoecido, vilipendiado, um país que tem fome. E esse é o pior dos legados.

Eliara Santana é uma jornalista brasileira e Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), com especialização em Análise do Discurso. Ela atualmente desenvolve pesquisa sobre a desinfodemia no Brasil em interlocução com diferentes grupos de pesquisa.

Reinaldo Azevedo: O morismo é, em essência, um preconceito de classe

 

Da Rádio BandNews FM:



Você pode acompanhar as análises dos principais assuntos do dia feitas por Reinaldo Azevedo no programa “O É da Coisa”, com Alexandre Bentivoglio e Bob Furuya, de segunda a sexta-feira, das 18h às 19h20, na BandNews FM: https://youtu.be/IUOrd2E7FoQ

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O Tempero da Notícia, com Rodrigo Vianna: A barbárie tem chancela de um governo que aposta no caos

 

Da Rede TVT:


A TVT e o Brasil de Fato exibem o programa Tempero da Notícia com Rodrigo Vianna. O jornalista faz a análise dos principais fatos políticos e econômicos da semana.


Luis Nassif descreve e discute a repentina expansão dos negócios da família Dallagnol, o queria embolsar para a Lava Jato R$ 2,5 bilhões extraídos da Petrobrás com ajuda de americanos

 

No material divulgado pela Vaza Jato. Deltan antecipava seus planos de montar novos negócios em nome de terceiros, para não despertar críticas. Ele e o colega Roberto Pozzobon montaram um grupo de WhatsApp exclusivamente para discutir os novos negócios. Nas discussões planejam uma empresa de eventos, mas colocado em nome das esposas.


GGN. - No dia 7 de novembro passado, o procurador Deltan Dallagnol pediu demissão do Ministério Público Federal. Houve duas especulações sobre a saída repentina. A primeira – desmentida por ele – é que sairia candidato a algum cargo eletivo. A segunda – repetida à boca pequena por adversários – é que teria dificuldades em explicar o aumento patrimonial ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

De fato, em setembro de 2018 – em pleno apogeu da Lava Jato – Deltan comprou um apartamento em um prédio de luxo de Curitiba, um por andar, pelo valor de R $1,8 milhão, pago em duas parcelas. O apartamento tem 393 metros quadrados, mais 4 vagas na garagem, totalizando quase 600 metros quadrados.

Dois anos depois, segundo levantou Joaquim de Carvalho no Brasil 247, um imóvel no mesmo condomínio estava sendo vendido por R$ 3,1 milhões.

No dia 12 de julho passado, a esposa de Dallagnol arrematou um segundo apartamento no mesmo edifício Plymouth Hills. Pagou R $2,1 milhões em um leilão judicial.

Especulava-se como iria bancar suas despesas, já que apenas com condomínios dos dois apartamentos chega-se a um valor superior a R$ 10 mil mensais.

Boatos que correram em Curitiba davam conta que ele teria adquirido quatro franquias da Hering para sua esposa. Os boatos podem ter nascido das atividades de sua irmã, Édelis Martinazzo Dallagnol.

Em seu perfil no Linkedin, Édelis se apresenta como especialista “Gestão Comercial e de Marketing, Gestão Financeira; Contratos; Desenvolvimento de Negócios Internacionais; ESG; EHS; Desenvolvimento e Gerenciamento de Projetos (Sociais e de Meio Ambiente)”. No Escavador, é apresentada como formada em Direito e em Veterinária e Zootecnia, sua formação principal, de acordo com o currículo Lattes.

Mas a atividade principal, em período integral, é a de gestora do Hering Kids de Curitiba. Na página da empresa, fica-se sabendo que se trata de uma “extensão infantil da renomada Hering, voltada ao publico de 0 a 16 anos, a Hering Kids Curitiba apresenta uma rede independente de lojas. A marca é reconhecida pelas suas roupas de qualidade e extremo conforto, com produtos para que a criança viva na prática uma infância plena e saudável”. É uma rede com – coincidentemente – quatro lojas em shoppings da cidade.

Segundo o perfil de Élida, seu trabalho por lá começou em julho deste ano.

No mês anterior exatamente no dia 7 de junho de 2021, foram abertas várias empresas, todas em nome de Élida, do pai Agenor Dallagnol e a mãe Vilse Salete Martinazzo Dallagnol.

No mesmo dia foram abertas as seguintes empresas:

  • Breakout Comércio de Confecções Eireli, de propriedade de Edelis.
  • Chelsea Comércio de Confecções Ltda, com capital social de R $250.000,00 tendo Edelis e Sofia Ribeiro Dallagnol como sócias.
  • Sunray Comércio de Confecções Ltda, tendo como sócios Vilse e Agenor e capital social de R$ 350 mil.
  • Cherish Comércio de Confecções Eirelli, de Édelis e Vilse, com capital social de R $ 450 mil.
  • Sunray Comércio de Confecções Ltda, de Édelis e Vilse.

Alguns dias depois, em 29.06.2021 Fernanda Mourão Ribeiro Dallagnol – esposa, com quem Deltan é casado em regime de comunhão parcial de bens – abriu a empresa Delight Consultoria Gerencial e Empresarial Eirelli, com capital social de R$ 110.000,00. E poucos dias depois, adquiriu em leilão da Caixa Econômica Federal um imóvel de escritório, no Edifício Vega Business Center pelo valor de R$ 143 mil. Todos esses negócios realizados em um mesmo curto espaço de tempo.

Fernanda é sócia, desde 2010, da empresa Sanegraph Serviços de Informática, uma pequena empresa que desenvolve softwares na área de saneamento e tem como cliente preferencial prefeituras do Paraná e também a Fundação Nacional de Saúde.

Antes mesmo dessa maratona de novas empresas, em 13.12.2018 foi aberta a empresa Breakout Comércio, Importação e Exportação de Artigos Esportivos e de Saúde Ltda., de propriedade de Édelis e Vilse Dallagnol. Pouco antes, de acordo com mensagens captadas pela Vaza Jato, Deltan teria comentado com a colega Thamea Daleon as boas relações que tinha com a Unimed, que o contratou para várias palestras bem remuneradas.

Segundo reportagem da Folha,

“Em julho de 2016, Deltan trocou mensagens com a procuradora da República em São Paulo Thaméa Danelon sobre uma operação que ela estava coordenando contra o superfaturamento na aquisição de equipamentos para implante em doentes com mal de Parkinson.

Após comentar sobre a melhor forma de divulgar a operação, Deltan sugeriu que a procuradora aproveitasse o tema de fraude na área da saúde para montar uma palestra para a empresa de planos de saúde Unimed, uma das que mais contratou o procurador nos últimos anos”.

É possível que parte dos investimentos tenha sido bancado pelos pais de Deltan, que se envolveram em indenizações vultosas e polêmicas junto ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). É possível que não.

Segundo o portal “De olho nos ruralistas”, em 2016 foram efetuadas desapropriações de terras na Amazônia, já no governo Temer. Segundo o portal, o INCRA teria identificado irregularidades nas desapropriações e abriu processo para recuperar o dinheiro. Dos R $41 milhões liberados. pelo menos R $36,9 milhões foram para a família Dallagnol. em um total de 14 pessoas, incluindo eu pai Agenor

 O processo do INCRA contra Agenor começou em 5 de maio de 2020, no Tribunal Regional Federal da 1a Região e está pronto para decisão.

No material divulgado pela Vaza Jato. Deltan antecipava seus planos de montar novos negócios em nome de terceiros, para não despertar críticas. Ele e o colega Roberto Pozzobon montaram um grupo de WhatsApp exclusivamente para discutir os novos negócios. Nas discussões planejam uma empresa de eventos, mas colocado em nome das esposas.

Thiago dos Reis: 500 milhões da Lava Jato em guarda da PF de Curitiba somem enquanto, por mera coincidência, a família Dallagnol abre várias empresas

 

Do Canal Plantão Brasil:




sábado, 27 de novembro de 2021

José Simão, na BandNews FM: José Simão: Michelle, a Branca de Cheque e os sete talões em um conto de fardas

 

Do Canal BandNews FM:




Josias de Souza, no UOL, sobre o Bolsolão e os políticos do Congresso que receberma verbas do bolsolão que Pacheco e Lira não querem ver divulgados, afrontando a ordem do STF

 Arthur Lira e Rodrigo Pacheco descumprem ordem do STF para divulgar nomes de parlamentares que receberam secretamente verbas do bolsolão

'Orçamento secreto': Ordem do STF de transparência descumprida pelo Congresso causou espanto na corte, diz Josias de Souza

Do UOL News:


No UOL News, o colunista Josias de Souza repercutiu o descumprimento da ordem do STF por parte do Congresso a respeito do chamado orçamento secreto. A corte solicitou a divulgação dos nomes dos parlamentares que se beneficiaram das emendas de relator em 2020 e 2021



Kennedy Alencar, em vídeo do UOL: Moro é bolsonarismo sem Bolsonaro; falta preparo para ser candidato a presidente

 

Do Canal UOL:

No UOL News, o colunista de política Kennedy Alencar, do UOL, disse hoje que os ex-ministros Santos Cruz e Sergio Moro, recém-filiados ao Podemos, têm potencial para rachar as Forças Armadas, mas que Moro é o bolsonarismo sem Bolsonaro: "Não tem diferença entre Moro e Bolsonaro"



Reinaldo Azevedo: Ninguém chega perto do Bozo em aeroporto internacional.... Ninguém nem mesmo o compra em free shop....

 

Do Canal Band News FM:

Reinaldo Azevedo comenta as fotos tiradas do presidente Jair Bolsonaro no aeroporto de Lisboa, em Portugal. O jornalista também analisa a passagem do chefe do Palácio do Planalto durante a missão no Oriente Médio.



Candidatura de Sérgio Moro (e também a de Dallagnol) significará a ditadura das corporações que se julgam acima da Lei, por Luis Nassif

 

Com ou sem rumo, as eleições de 2022 serão decisivas para o futuro do país. Provavelmente, serão as eleições mais decisivas da história.



A perda de rumo do país fica evidente na tentativa de entronizar a candidatura dos ex-juiz Sérgio Moro na Terceira Via. Trata-se da maior ameaça atual à democracia. Bolsonaro representa o eleitorado lúmpen. Moro representa a pior forma de ditadura, a das corporações públicas e com vinculações estreitas com a pior banda do Supremo Tribunal Federal. Sua candidatura terá apoio do Partido Militar, do Partido do Ministério Público, do alto funcionalismo público.

Eleito, não terá planos de governo. Nas primeiras entrevistas, limitou-se a utilizar bordões liberais para cativar um empresariado carente de liderança e de projetos. Mas seu universo é o da militância do Judiciário. De certo modo, ele representa para o juizado de primeira instância o que Bolsonaro representa para a baixa oficialidade das Forças Armadas: o sujeito que, graças à política conseguiu se sobrepor a todos os sistemas de auto-controle baseados na hierarquia.

Assim como com Bolsonaro, empresários serão acessórios. E o mercado e Congresso serão comprados com grandes negócios públicos e verbas secretas do orçamento. Em um momento em que a explosão da fome desperta um sentimento nacional de solidariedade, Moro carrega o passivo de ter destruído uma cooperativa de pequenos agricultores paranaenses, mandado alguns deles para a prisão, baseado em mero preconceito social.

Mais do que Bolsonaro, Moro representa o pior da classe média brasileira, o preconceito social acendrado, a ambição de se beneficiar das prerrogativas de poder, o conhecimento superficial da economia, a total falta de dimensão pública e de visão nacional e uma ignorância sólida, ampla de qualquer tema contemporâneo.

Mas é o símbolo maior da mediocrização da disputa política nacional. Desde que o PT ocupou o centro-esquerda e o PSDB abandonou qualquer veleidade de formulação programática, o único discurso alternativos foi o do anti. Não se constrói um projeto de país, ou uma candidatura, manobrando apenas o anti.

Nesses anos todos, dispondo do megafone dos grandes grupos de comunicação, a oposição não avançou um centímetro na disseminação da conceitos de saúde, educacionais, na discussão de modelos de desenvolvimento e sequer dos dogmas econômicos – que estão sendo revisados internacionalmente. Como consequência, a disputa para a terceira via se resumiu ao anti: alguém que fosse anti-Bolsonaro e anti-Lula, mesmo sem ter uma ideia sequer na cabeça.

O único candidato com conteúdo – Ciro Gomes – é um desastre completo na estratégia política. Autodestruiu-se antes de começar o jogo, tentando ocupar o lugar do anti-lulismo, mas com ideias que conflitavam com os interesses do mainstream. Julgou que o anti-lulismo fosse uma peça solta, com vida própria. Jamais se deu conta de que se trata de uma estratégia de marketing do mercado, para garantir seus privilégios. O sistema valeu-se de Ciro para desgastar Lula, e já começou a descarta-lo, agora que o antilulismo encontrou sua melhor tradução, o próprio Moro.

Daqui até as eleições, muita água ira correr. Mais do que em qualquer outro período da história, mais do que no final do governo Sarney, no início da redemocratização, o jogo político está completamente embolado. Há Lula como galvanizador do chamado pensamento progressista, mas ainda vacilando no discurso. Até agora, por  exemplo, não explicitou ponto centrais do próximo governo, a política econômica, o temor reverencial pelo mercado, o “republicanismo” ingênuo. De um lado, mostra sabedoria, não antecipando conflitos. De outro, traz dúvidas: repetirá os mesmos erros dos primeiros governos, as mesmas concessões, ou já tem ideias mais claras sobre os obstáculos ao crescimento e à democratização?

E tudo isso em meio a uma completa subversão das instituições, com Arthur Lira sequestrando o orçamento,. Ricardo Barros comandando a distribuição do butim, a Polícia Federal boicotando ordens do Supremo, o Partido Militar se infiltrando em todos os poros da atividade civil.

Com ou sem rumo, as eleições de 2022 serão decisivas para o futuro do país. Provavelmente, serão as eleições mais decisivas da história.

Luis Nassif, no GGN

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Reinaldo Azevedo: Apoiadores de Moro, os moristas mostram-se tão autoritários quanto os bolsonaristas e pedem de novo Era do Terror

 

Da Rádio BandNews FM:




The Intercept - Exclusivo: ‘R$ 10 Milhões para todo parlamentar’. Deputado bolsonarista revela o preço pago por Bolsonaro para a eleição de Arthur Lira.

 


Delegado Waldir, deputado federal e ex-líder do PSL, escancara o funcionamento do orçamento secreto do Bolsolão na compra de votos pelo governo.

EM FEVEREIRO PASSADO, o alagoano Arthur Lira foi eleito presidente da Câmara dos Deputados numa vitória esmagadora. Recebeu 302 votos já no primeiro turno – a casa tem 513 deputados. A mudança no comando foi fundamental para o governo de Jair Bolsonaro. Sob a batuta autoritária de Lira, do Progressistas, o bloco governista atropelou ritos e a oposição para garantir a aprovação de projetos como a emenda constitucional dos precatórios, que viabiliza o Auxílio Brasil, a autonomia do Banco Central e projetos para viabilizar as privatizações de Eletrobras e Correios.

Lira foi eleito com a promessa de valorizar o plenário – um eufemismo para facilitar o acesso dos deputados do Centrão, o maior bloco da Câmara, a cargos e verbas do governo. Havia denúncias de que o apoio maciço à eleição de Lira envolveria a compra de votos através de emendas, mas nunca ninguém havia admitido isso. Tampouco se falava em valores ou nos detalhes de como Lira conseguiu destronar o grupo de Rodrigo Maia, opositor de Bolsonaro e também ligado ao Centrão.

Mas, em duas conversas comigo, o deputado federal Waldir Soares de Oliveira, do PSL, revelou o segredo: a promessa de R$ 10 milhões em emendas do orçamento secreto para cada deputado que votasse em Lira. É o Bolsolão, o esquema de compra de votos do governo Bolsonaro.

O delegado Waldir, como ele se apresenta, é um bolsonarista de primeira hora. Deputado federal mais votado em Goiás em 2018, ele expôs os detalhes de como funciona o “orçamento secreto” de Bolsonaro (revelados em uma série de reportagens do Estadão). Isto é, a troca de votos por emendas do relator, um novo tipo de rubrica de gastos que totaliza uma montanha de R$ 18,5 bilhões em 2021, propostos por deputados cujos nomes são mantidos em sigilo pela Câmara. Em decisão liminar, o Supremo Tribunal Federal mandou suspender o sistema por falta de transparência.

Waldir diz ter recebido a oferta de R$ 10 milhões em emendas em troca do voto em Lira. Pode ter sido até mais. Waldir, em dado momento da conversa, disse que outros R$ 10 milhões foram acordados no mesmo período, mas ele não soube precisar se também em troca do voto em Lira ou da aprovação de algum outro projeto à época.

Uma vez no comando da Câmara, Lira passou a usar as emendas de relator para se tornar uma espécie de primeiro-ministro informal – ou o chefe do governo semipresidencialista que ele defende. Sem a transparência devida, as emendas secretas se tornaram peças de barganha para que Lira aprove projetos de interesse do governo ou dele mesmo.

‘Quem manda no governo hoje é o Lira. Não é o Bolsonaro, é o Lira’.

Nas nossas duas conversas, a sinceridade de Waldir impressiona. Deputados costumam evitar o assunto, muito menos detalhar valores – ainda que a presidência do Senado tenha admitido o uso do orçamento secreto para comprar apoio político em ofício enviado ao STF. O goiano me disse que, com as emendas do relator, o controle dos investimentos do governo federal saiu dos ministérios e ficou concentrado nas mãos de Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do PSD de Minas Gerais. “Ele é quem carrega o governo. Quem manda no governo hoje é o Lira. Não é o Bolsonaro, é o Lira”, crava o deputado.

Waldir acusou um desafeto, Vitor Hugo, também do PSL de Goiás, de receber R$ 300 milhões em emendas secretas. Disse, ainda, que deputados da oposição também receberam verbas do orçamento secreto após negociarem com Lira.

Se o orçamento secreto é uma novidade, a troca de votos por emendas, não. Waldir me disse que, ao votar a favor da reforma da Previdência, em 2019, cada parlamentar teria direito a R$ 20 milhões em recursos do governo federal. O goiano, por ser líder do PSL, levou o dobro. Como na época ainda não existia a emenda de relator, o dinheiro seria liberado pelo governo federal a partir de verbas de uso discricionário – ou seja, em que o Executivo pode decidir a aplicação.

As duas conversas com Waldir ocorreram entre outubro e novembro. Nelas, o deputado me revelou que o sistema teve participação importante de um general de quatro estrelas da reserva, Luiz Eduardo Ramos, secretário-geral da Presidência da República. Ramos foi ministro-chefe da Casa Civil e da Secretaria de Governo e responsável pela articulação política com o Congresso.

Apesar das promessas, Waldir não recebeu os milhões negociados. Ele conta que a verba foi bloqueada depois de um racha no PSL, em 2019. Em outubro daquele ano, a bancada do partido vivia uma guerra interna. Waldir acusou Bolsonaro de tê-lo destituído da liderança para colocar ali o filho, Eduardo Bolsonaro. Em uma reunião interna, Waldir chamou Bolsonaro de “vagabundo” e disse que “implodiria” o presidente. A crise se agravou e culminou com a saída de Jair Bolsonaro da sigla, em novembro.

A primeira entrevista com Waldir foi realizada no gabinete dele em 26 de outubro. Os principais trechos vão a seguir.

BRASÍLIA, DF, 18.10.2019 ? PSL-PARTIDO-DF: Parlamentares do partido PSL falam com a imprensa após reunião da executiva da sigla, em Brasília, nesta sexta-feira (18). (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Intercept – Como funciona o orçamento secreto?

Delegado Waldir – Ele [o presidente da Câmara, Arthur Lira] tem uma verba nas votações. Hoje, os ministérios não têm mais recursos, quem tem são o Lira e o presidente do Senado [Rodrigo Pacheco, do PSD de Minas Gerais]. Eles são os concentradores da distribuição de emendas extraordinárias [do orçamento secreto], o que os torna superpoderosos.

Intercept – Como funciona na prática? O senhor não é líder partidário, mas eventualmente tem direito a uma cota de emendas por votação?

Waldir – Normalmente, o líder recebe duas vezes o que um parlamentar recebe.

Intercept – E isso é negociado de que maneira?

Waldir – Pelo líder partidário ou pelos parlamentares individualmente.

Intercept – E aí depois conversa com o Lira?

Waldir – Conversa com o Lira.

Intercept – O senhor conseguiu usar parte de suas emendas do relator, da rubrica RP9, na presidência de Arthur Lira?

Waldir – Não, desde que vazou aquele áudio [em uma reunião da bancada do PSL, em outubro de 2019, Waldir disse iria implodir o presidente e o chamou de vagabundo] pelo Daniel Silveira [deputado federal do PSL, preso no inquérito dos atos antidemocráticos], eu fui excluído.

Intercept – Não tem nenhuma votação na Câmara que se dê sem o pagamento de emendas de relator?

Waldir – [Não] Negociações importantes, reformas. Sempre tem um PLN [projeto de lei do Congresso Nacional, usado para mudar a lei orçamentária e remanejar recursos entre os ministérios] do Orçamento para ajudar. E, se não tem, se providencia para que se destine um recurso para os parlamentares.

Intercept – E como funciona? Por exemplo, vai haver uma votação sobre as reformas no imposto de renda.

Waldir – É tudo tratado pelos líderes partidários. Na de imposto de renda, não teve nenhum recurso. Na reforma da Previdência, superimportante para o governo, teve – não era emenda do relator, mas negociação de recursos. É uma ou outra superimportante para o governo que tem. Não é qualquer PEC [proposta de emenda constitucional, que exige os votos de três quintos do plenário para ser aprovada].

Intercept – Teve alguma votação recente [a entrevista ocorreu antes da PEC dos precatórios ser votada] com esse tipo de negociação?

Waldir – Não é algo que acontece todo dia. Aconteceu na reforma da Previdência, na eleição do Lira [para a presidência da Câmara] e em mais uma que não me lembro.

Intercept – Quanto foi negociado na eleição do Lira e na Previdência?

Waldir – R$ 10 milhões [em emendas do orçamento secreto por deputado]. E na [reforma da] Previdência, R$ 20 milhões por parlamentar.

Intercept  – R$ 10 milhões na eleição do Lira?

Waldir – Isso. E R$ 20 milhões na reforma da Previdência.

Intercept – Tinha distinção de valor entre líderes e deputados?

Waldir – Na reforma da Previdência tinha, na do Lira foi tratado pela cúpula [do partido]. Eu não estava na cúpula naquele momento.

Intercept – O senhor votou no Lira?

Waldir – Não lembro.

Intercept – Não tem como não lembrar.

Waldir – Eu segui a orientação partidária [o PSL orientou o voto em Lira].

Intercept – Independentemente disso, o senhor não recebeu nenhuma emenda dessa negociação?

Waldir – Não, o Vitor Hugo proibiu. Ele era líder do governo, depois se tornou líder do PSL e proibiu que eu recebesse.

Intercept – O senhor, na época da reforma da Previdência, era líder do PSL na Câmara. Teve liberação de emendas em troca de votos?

Waldir – Teve liberação. Eu não recebi, eu e um grupo de deputados que foram dissidentes e permaneceram com o presidente Luciano Bivar. Alguns receberam, não foram todos. O governo me deve, porque fez um compromisso. E eu quero [receber], porque é dinheiro para meu estado.

Intercept – O senhor pediu recursos para quê?

Waldir – São R$ 26 milhões para educação, nós temos 1.755 escolas municipais em Goiás, eu estava dando R$ 12 mil por escola. Foram pagos uns R$ 800 mil dos R$ 25 milhões. Os outros R$ 20 milhões são destinados a maquinário agrícola.

Intercept – E como se dava esse processo?

Waldir – Era direto com a Casa Civil. A Casa Civil fez o diálogo, antes o Onyx [Lorenzoni], depois o [general Luiz Eduardo] Ramos [que foi ministro da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política do Planalto].

Intercept – O senhor chegava com um projeto?

Waldir – Não, tinha um valor que eu distribuo como eu quiser.

Intercept – O senhor leva a área em que quer  aplicar o recurso e a Casa Civil faz a destinação?

Waldir – A Casa Civil faz a destinação. A gente não lida com dinheiro. Vai do cofre da União para os cofres dos municípios. O Estadão fez uma matéria esses dias, meu Deus do céu, absurda. Eu faço um ofício e indico. [Pede a um assessor um ofício para usar como exemplo].

Intercept – E onde entra o peso político?

Waldir – No momento de você buscar os recursos. Se eu sou líder, tenho o dobro de valor do que tem os demais. Você tem o controle de toda a bancada, tem parlamentar que não quer emenda e daí você pega [aquele valor] e coloca [junto] no seu. Tem muito líder que é malandro, que em vez de dividir com todos os parlamentares da bancada, pega tudo para ele. Ele já tem direito ao dobro, mas além de ter o dobro, ele tem 10 vezes mais, 20 vezes mais [que outros deputados].

Você pega as redes sociais do Vitor Hugo, tem R$ 300 milhões [em emendas divulgados]. Nós recebemos R$ 100 milhões de emendas oficiais, individuais e de bancada. Duzentos milhões, ele recebeu de extra. De extra não devo ter recebido R$ 20 milhões. E ele recebeu R$ 200 milhões. Isso cria animosidade, que vai desgastar o Lira quando ele for vir para a reeleição [da presidência da Câmara]. Porque a grande parte não recebe os R$ 200 milhões que o Vitor Hugo recebeu, que o Lira recebeu, que um grupo pequeno de parlamentares recebeu.

Intercept – A parte secreta é o fluxo, o encaminhamento dos pedidos. Dá para ver quem orientou?

Waldir – Não, essa é a parte política. Ninguém sabe. O Lira e o Pacheco têm o controle dos recursos. “Dei R$ 10 milhões para você, R$ 20 milhões para o Fernando, R$ 30 milhões para o Waldir”. Quem tem esse controle é o assessor de orçamento, o Lira e o Pacheco. Ninguém mais tem.

Depois a gente fica sabendo porque os parlamentares vão para as redes sociais divulgar. “Mandei R$ 50 milhões…” Aí, você derruba a casa por aí.

 

BRASÍLIA, DF, 18.10.2019 ? PSL-PARTIDO-DF: Parlamentares do partido PSL falam com a imprensa após reunião da executiva da sigla, em Brasília, nesta sexta-feira (18). (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

EU VOLTEI AO GABINETE do delegado Waldir em 17 de novembro. Queria que ele me confirmasse o que havia dito e desse mais detalhes sobre o pagamento das emendas de relator.

A seguir, os principais trechos.

Intercept – O que são as emendas do relator, da rubrica RP9?

Waldir – As emendas RP9 são do presidente da Câmara. Foram criadas pelo Maia e pelo Alcolumbre. Elas vieram lá de trás, então soou estranho o Maia entrar com uma medida contestando ela, porque ele tinha o [deputado] Domingos Neto [do PSD do Ceará] como relator. [Na realidade, Rodrigo Maia apoiou a decisão do Supremo que suspendeu a execução do orçamento secreto.]

Ano passado, a indicação do relator [do orçamento] foi do Senado. [Márcio Bittar, do PSL do Acre, relatou a lei orçamentária de 2020]. Agora [para 2022] é um indicado do Lira que não me recordo do nome [trata-se do deputado Hugo Leal, do PSD do Rio de Janeiro]. Isso foi votado pela Câmara. Não tem nada de ilegal. É uma ferramenta para premiar aqueles que votam com o governo e que entram em matérias polêmicas.

Muitos prefeitos vivem de emendas parlamentares, eles dependem delas. Se não tiver [emenda], não conseguem fazer qualquer investimento no município. E aí você é levado à razão, à necessidade de levar recursos aos municípios [da base eleitoral]. Então, a gente tem uma necessidade. Na reforma da Previdência não era RP9 ainda [a fonte das emendas]. Foi sugerido [o valor de] R$ 20 milhões [em emendas por deputado].

Intercept – Para todo mundo?

Waldir – Todo mundo que votasse favorável.

Intercept – Líder recebia mais?

Waldir – Líder tinha o dobro, R$ 40 milhões. Eu era líder, tinha o dobro. Só que não recebi nenhum centavo.

Intercept – O senhor me contou que isso foi travado. Queria que me explicasse melhor o que aconteceu.

Waldir – Na época, o Eduardo Bolsonaro [do PSL de São Paulo] e o Vitor Hugo, que era líder do governo, em razão daquele desentendimento meu com o presidente [ele se refere ao áudio em que chamou Bolsonaro de vagabundo], barraram [o pagamento]. Fui o único líder que não recebeu nenhum centavo. E aí todas as demais esferas do governo, a Casa Civil, não deixaram executar. Até hoje está travado.

Intercept – Quanto foi negociado?

Waldir – [Comigo foram] R$ 20 milhões, mais R$ 20 milhões [por ser líder de bancada partidária]. Os demais parlamentares receberam R$ 20 milhões. O líder tem a responsabilidade, então tem que receber mais. Absurdo é quando o líder recebe 10 vezes mais [que os demais deputados], como acontece em algumas situações. Isso vai ter consequências lá na frente, quando se tornarem públicos esses valores, com certeza vai criar uma grande guerra.

Intercept – Tem gente que me diz que os deputados que recebem mais emendas têm habilidade maior com os prefeitos e para entregar projetos viáveis a serem financiados pelas emendas.

Waldir – Não, não existe isso. Quem define o valor é o líder. Nessas circunstâncias não é projeto melhor [que decide quem leva recursos]. Não é quem tem o projeto melhor. Quem decide o valor para cada parlamentar é o presidente da Câmara, do Senado e o líder do partido.

Por exemplo, no PSL. Vamos pegar minha gestão. Reforma da Previdência, dessa posso falar. De lá para cá não posso falar, porque não participei [da negociação do valor das emendas a serem pagas]. Eram R$ 20 milhões [por deputado]. Se eu pego toda a bancada, na época eram 54 deputados, era R$ 1 bilhão só para a nossa bancada. Dentro da bancada tem parlamentares que são ideológicos.

Vamos supor que tenha 10 parlamentares mais ideológicos, ou que estão proibidos de receber emendas, que votam contra o governo dentro da bancada. Estou fazendo uma suposição. [Tirando esses 10 deputados da divisão], sobram R$ 200 milhões [em emendas]. Eu como líder poderia pegar os R$ 200 milhões e colocar no meu bolso. Isso não é justo, é antiético e imoral. O ideal é pegar e distribuir entre todos os 54 parlamentares [do partido]. E isso aconteceu em outras gestões [da bancada] do PSL.

Não vou falar qual, mas aconteceu do líder, além de pegar o dobro, pegar toda a sobra. Isso é antiético. Aí as pessoas falam: ‘ah, mas isso é ilegal’. O orçamento era do governo federal, dos ministérios, e passou para o parlamento [com a criação da emenda de relator]. Isso está aprovado em lei, não tem ilegalidade disso. O que tem [de ilegalidade] é o que o Estadão noticiou, se tiver superfaturamento ou algum dinheiro que retorne para o parlamentar. Qual o crime em eu receber R$ 40 milhões e destinar para 246 municípios de Goiás? [Dá] R$ 160 mil por município, anualmente. Qual o mal que tem nisso? Não tenho que brigar para que todos os municípios de Goiás tenham recurso?

Intercept – Nesse caso, a negociação se dava por um voto favorável a um projeto do governo.

Waldir – À reforma da Previdência.

Intercept – O senhor não vê que o governo usa isso como moeda de troca para aprovar um projeto de lei de seu interesse?

Waldir – Isso é da democracia.

Intercept – Não é uma maneira de comprar o voto dos deputados?

Waldir – Mas isso aconteceu em todo governo. Na Dilma acontecia. Veja se eu tinha [recursos] extras no governo da Dilma. Nunca tive. Agora, nesse momento, tem vários deputados da oposição que recebem extra.

Intercept – Sabe me dizer quem da oposição que recebe?

Waldir – Um monte, só pegar o povo ligado ao Lira. Se pegar a menina da mesa [diretora da Câmara] e eleita pelo PT [ele se refere à deputada federal Marília Arraes, do PT de Pernambuco, segunda secretária da Câmara], se você buscar, [vai ver que] ela vai receber. Tem muitos que recebem. Tem um senador [de oposição] que foi relator na CMO [comissão mista do orçamento] que também recebe [ele não citou o nome].

Intercept – Como acontecem hoje as negociações das emendas de relator?

Waldir – É definido por partido. É um valor por partido.

Intercept – Então não é um valor igual para cada líder?

Waldir – Não, é um valor por partido.

Intercept – Vai depender do tamanho da bancada e quantos votos pode entregar?

Waldir – É.

Intercept – E isso é algo que mudou?

Waldir – Não, sempre foi assim. O sistema do Maia e do Lira é semelhante, [pelo] tamanho da bancada, a quantidade de votos.

Intercept – O valor por voto é o mesmo?

Waldir – É o mesmo.

Intercept – Geralmente é entre R$ 15 milhões a R$ 20 milhões?

Waldir – Não, não. R$ 5 milhões… Depende. Esse daí [os R$ 20 milhões por voto] foi porque era a votação mais importante, a Previdência. O mais importante projeto do governo Bolsonaro, e fui um dos responsáveis por aprová-la, fico feliz por isso. Tem meu dedo, por mais que eles gritem e esperneiem.

Intercept – Para eu ter clareza: quando é um projeto importante, a definição das emendas vem do Lira?

Waldir – A demanda vem do governo. “Eu [governo] preciso aprovar esse projeto”.

Intercept – Aí, o líder do governo, Ricardo Barros, entra na negociação?

Waldir – O Barros é zero. É o Lira. O Barros é nada.

Intercept – Então, o Lira cumpre o papel de líder do governo?

Waldir – Ele é quem carrega o governo. Quem manda no governo hoje é o Lira. Não é o Bolsonaro, é o Lira.

Intercept – Quando chega o projeto do governo, Lira chama os líderes de bancadas?

Waldir – O governo federal traz demandas, não sei na pessoa de quem, da Casa Civil, sei lá eu. Chega no Lira, que é braço direito do governo hoje, que é quem manda no governo.

Intercept – E o Lira negocia abertamente valor de emenda?

Waldir – Não, não é abertamente. Ele vê a necessidade do governo e dialoga com os líderes, ok? E vai ver qual a disponibilidade de recursos.

Intercept – Por recursos a gente está se referindo às emendas RP9.

Waldir – RP9. [Vai ver] Qual a disponibilidade de recurso para essa finalidade.

Intercept – E ele vê isso junto ao governo?

Waldir – Ao governo e ao relator, tem que ver onde tem recurso. O governo, hoje, praticamente ficou com recurso só para [manter o funcionamento da] máquina [administrativa]. Nenhum ministério tem dinheiro para nada. Investimento, zero. Não tem como pedir recursos na Codevasf, MDR [Ministério do Desenvolvimento Regional], [Ministério da] Cidadania, [Ministério dos] Direitos Humanos. Não adianta chegar lá e pedir para o ministro tocar um projeto, não tem recurso. É zero. De quem é o recurso [hoje]? É do parlamento. Quem define é o parlamento.

Intercept – E o que vale para determinar quanto cada um vai ter?

Waldir – Aí tem deputados esparsos, a negociação é setorial. Por exemplo, tem deputado de esquerda que recebe também. É diálogo individual. Na esquerda, você acha que esse monte de parlamentar que votou na PEC [dos precatórios] votou porque é favorável? Claro que não…

A execução orçamentária vai depender de projetos, de ministérios? Ou é Lira que vai cobrar que os valores sejam pagos?

Waldir – Não, ele [Lira] manda para lá [Executivo] e os líderes têm que resolver, o próprio parlamentar tem que correr atrás [da liberação].

Intercept – Qual o papel do Lira?

Waldir – Entregar os votos. O papel do presidente é entregar os votos para aprovar determinada matéria, ok? Ele é o contador de votos. Se não, o governo não anda. O governo tem que ter base, sem base o governo não anda.

Intercept – E aí o que constrói essa base hoje é a emenda RP9?

Waldir – O que constrói é RP9, o controle do orçamento [por Arthur Lira].

 

A ENTREVISTA havia acabado aqui, e eu já havia desligado meu gravador. Mas seguimos conversando e, em determinado ponto da conversa, Waldir voltou a falar das emendas do relator e da eleição de Arthur Lira. Eu voltei a gravar, com autorização do deputado.

Waldir – Da [negociação para a] votação do presidente da Câmara eu tive R$ 450 mil pagos.

Intercept – De RP9?

Waldir – De R$ 20 milhões, tive R$ 450 mil.

Intercept – É um novo valor? Ou parte daquilo que tinha sido negociado na votação da reforma da Previdência? 

Waldir – Não, não. Esquece [a reforma da] Previdência. Da eleição da Câmara eu tive R$ 450 mil liberados. De R$ 20 milhões a que teria direito.

Intercept – O senhor teria R$ 20 milhões para o voto da presidência da Câmara, mas liberaram apenas R$ 450 mil. Por que?

Waldir – O governo me proibia de receber. Sou um dos lobos maus do governo. Eles acham que sou um lobo mau do governo.

Intercept – Então é retaliação? 

Waldir – É retaliação. Outros parlamentares indicaram R$ 10 milhões mais R$ 10 milhões.

Intercept – Por que R$ 10 milhões mais R$ 10 milhões?

Waldir – Não me aperta que é um trem que eu não sei. Sei que eram R$ 10 milhões da eleição do Lira e mais R$ 10 milhões de alguma coisa. Agora não lembro de quê.

Intercept – De algum outro voto?

Waldir – Isso. Peraí. [Neste momento o deputado chama um assessor para questionar se os R$ 20 milhões se referiam apenas à eleição de Lira ou se envolviam alguma outra votação. O assessor disse não se lembrar]. Eu não lembro também.

Intercept – Mas eram R$ 20 milhões de emenda de relator que foram negociados com o senhor no início da gestão Lira, de fato?

Waldir – Eram R$ 20 milhões, [para] todo parlamentar.

Intercept – E ali tinha ainda mais dinheiro para os líderes? 

Waldir – Não sei. Eu não era líder, não posso falar de uma coisa que não sei.

Intercept – O senhor votou na eleição da Câmara por orientação partidária, neste caso?

Waldir – Não, meu voto é secreto. Isso daí é orientação do partido, decisão do partido. O  partido fez [o acordo] com Lira, que proporcionou ao Bivar ser o secretário [da mesa diretora], ao Vitor Hugo ficar na liderança [do PSL]. É diálogo político. Não participei [da negociação]. Estava em campanha no estado.

Intercept – Mas por que, então, o senhor tinha direito aos R$ 20 milhões?

Waldir – Porque todo mundo tem, porque você está no partido.

Então era um acordo com o partido?

Waldir – É um diálogo para o partido, não para o parlamentar, entendeu?

Entenda o orçamento secreto
  • Dois líderes partidários da Câmara, um de oposição e um governista e próximo a Arthur Lira, além de um experiente servidor de carreira , deram detalhes sobre o funcionamento do orçamento secreto.
  • Sob a condição de não serem identificados por temerem represálias, eles disseram ao Intercept que o orçamento secreto é um aperfeiçoamento do modelo de negociação de votos adotado nas gestões de Lula,  Dilma Rousseff e Michel Temer.
  • Nos governos anteriores, as negociações por apoio aconteciam diretamente com o poder Executivo, responsável por mapear votos e liberar a execução de emendas. A lista de quem trocava votos por dinheiro para as bases eleitorais era secreta, como acontece hoje.
  • Sob Bolsonaro, a Câmara e o Senado criaram as chamadas emendas de relator, introduzidas na lei orçamentária de 2020. É essa lei que disciplina como o dinheiro arrecadado pelo governo federal será aplicado. A mudança ocorreu  nas presidências de Rodrigo Maia, na Câmara, deputado pelo Rio de Janeiro e atualmente sem partido, e Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá, no Senado.
  • O dinheiro que era discricionário, reservado para que o Executivo tivesse liberdade de decidir onde e como alocar, sob a rubrica RP2, passou para o controle da Câmara e do Senado, com as emendas agora autorizadas pelo parlamentar relator do orçamento na rubrica RP 9. Na prática, as emendas passaram a ser negociadas com os presidentes da Câmara e do Senado.
  • O relator do orçamento – ou seja, o poder Legislativo – determinou a destinação de R$ 20,1 bilhões em emendas, em 2020, e de R$ 18,5 bilhões, em 2021.
  • Como, no caso das emendas RP9, aparece apenas o nome do relator do orçamento, na prática a negociação fica escondida dos olhos do público. Não é possível saber quem recebeu as emendas – e por quê.
  • Os parlamentares ainda podem indicar as tradicionais emendas individuais, por bancadas estaduais de caráter impositivo (de execução obrigatória) e por comissões do parlamento. Nesses casos, o processo é mais transparente.

Outros lados

Enviei perguntas a todas as pessoas citadas diretamente por Waldir na entrevista.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse via assessores que “só vai se manifestar depois da matéria publicada”.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse não operar emendas secretas. “Não procede a informação. As emendas de relator são prerrogativas do Congresso, materializadas no trabalho do relator geral do orçamento”, disse, via assessoria de imprensa.

Rodrigo Maia também negou ter usado as emendas durante sua presidência. “Nunca passei perto de emendas RP 9. Na minha gestão à frente da Presidência da Câmara, sem críticas ao atual presidente, eu trabalhava o texto dos projetos, dialogando e trazendo a maioria pelo convencimento da importância das matérias, a exemplo do que fizemos na reforma da Previdência. Vale ressaltar que a execução do orçamento sempre foi feita pelo governo federal”, afirmou, em nota enviada por seus assessores.

O deputado Vitor Hugo disse que não iria comentar as afirmações de Waldir. A deputada Marília Arraes não respondeu aos meus contatos.

A secretaria de comunicação da Presidência da República e a assessoria do ministro Luiz Eduardo Ramos não responderam até a conclusão desta reportagem.