terça-feira, 31 de janeiro de 2023

O futuro chegou depressa ao Brasil... Texto de Boaventura de Sousa Santos

     A democracia esteve por um fio e foi salva (por agora) devido a uma combinação contingente de fatores excepcionais: o talento de estadista do presidente, a atuação certa no momento certo de um ministro no lugar certo, Flávio Dino, logo secundado pelo apoio ativo do STF. As instituições especificamente encarregadas de defender a paz e a ordem pública estiveram ausentes, e algumas delas foram mesmo coniventes com a arruaça depredadora de bens públicos.

www.brasil247.com - O presidente Lula
O presidente Lula (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O Futuro chegou depressa ao Brasil

Boaventura de Sousa Santos

(Publicado no site A Terra é Redonda)

    Dificilmente se encontrará na política internacional um começo tão turbulento de um mandato democrático como o que caracterizou o do presidente Lula. A democracia esteve por um fio e foi salva (por agora) devido a uma combinação contingente de fatores excepcionais: o talento de estadista do presidente, a atuação certa no momento certo de um ministro no lugar certo, Flávio Dino, logo secundado pelo apoio ativo do STF. As instituições especificamente encarregadas de defender a paz e a ordem pública estiveram ausentes, e algumas delas foram mesmo coniventes com a arruaça depredadora de bens públicos.

    Quando uma democracia prevalece nestas condições dá simultaneamente uma afirmação de força e de fraqueza. Mostra que tem mais ânimo para sobreviver do que para florescer. A verdade é que, a prazo, só sobreviverá se florescer e para isso são necessárias políticas com lógicas diferentes, suscetíveis de criarem conflitos entre si. E tudo tem de ser feito sob pressão. Ou seja, o futuro chegou depressa e com pressa.

    O Brasil não volta a ser o que era antes de Jair Bolsonaro, pelo menos durante alguns anos. O Brasil tinha duas feridas históricas mal curadas: o colonialismo português e a ditadura. A ferida do colonialismo estava mal curada porque nem a questão da terra nem a do racismo antinegro, anti-indígena e anticigano (as duas heranças malditas) foram solucionadas. A última só com o primeiro governo de Lula começou a ser enfrentada (ações afirmativas, etc.).

    A ferida da ditadura estava mal curada devido ao pacto com os militares antidemocráticos na transição democrática de que resultou a não punição dos crimes cometidos pelos militares. Estas duas feridas explodiram com toda a purulência na figura de Jair Bolsonaro. O pus misturou-se no sangue das relações sociais por via das redes sociais e aí vai ficar por muito tempo por ação de um lúmpen-capitalismo legal e ilegal, racial e sexista, que persiste na base da economia, uma base ressentida em relação ao topo da pirâmide, o capital financeiro, devido à usura deste.

    Esta ferida mal curada e agora mais exposta vai envenenar toda política democrática nos próximos anos. A convivência democrática vai ter de viver em paralelo com uma pulsão antidemocrática sob a forma de um golpe de Estado continuado, ora dormente ora ativo. Assim será até 2024, data das eleições norte-americanas, devido ao pacto de sangue entre a extrema direita brasileira e a norte-americana.

    A tentativa de golpe de 8 de janeiro alterou profundamente as prioridades do presidente Lula. Dado o agravamento da crise social, a agenda de Lula estava destinada a privilegiar a área social. De repente, a política de segurança impôs-se com total urgência. Prevejo que ela vá continuar a ocupar a atenção do Presidente durante todo o tempo em que o subterrâneo golpista mostrar ter aliados nas Forças Armadas, nas forças de segurança e no capital antiamazônico.

    Este capital está apostado na destruição da amazônia e na solução final dos povos indígenas. A fotos dos Yanomanis que circularam no mundo só têm paralelo com as fotos das vítimas do holocausto nazista dos anos de 1940. Como poderia eu imaginar que, oito anos depois de dar as boas-vindas na Universidade de Coimbra aos líderes indígenas de Roraima (comitiva em que se integrava a agora Ministra Sônia Guajajara) e de receber deles o cocar e o bastão da chuva – uma grande honra para mim – assistiria à conversão do seu território, por cuja demarcação lutamos, num campo de concentração, um Auschwitz tropical? O Brasil precisa da cooperação internacional para obter a condenação internacional por genocídio do ex-presidente e alguns dos seus ministros, nomeadamente Sérgio Moro e Damares Alves.

    Quando o futuro chega depressa faz exigências que frequentemente se atropelam. O drama midiático causado pela tentativa de golpe exige muita atenção e vigilância por parte dos dirigentes. Contudo, visto das populações marginalizadas a viver nas imensas periferias, o drama golpista é muito menor do que o de não poder dar comida aos filhos, ser assassinado pela polícia ou pelas milícias, ser estuprada pelo patrão ou assassinada pelo companheiro, ver a casa ser levada pela próxima enxurrada, sentir os tumores a crescer no corpo por excessiva exposição a inseticidas e pesticidas, mundialmente proibidos mas usados livremente no Brasil, ver a água do rio onde sempre se buscou o alimento contaminada ao ponto de os peixes serem veneno vivo, saber que o seu jovem filho negro ficará preso por tempo indefinido apesar de nunca ter sido condenado, temer que que o seu assentamento seja amanhã vandalizado por criminosos escoltados pela polícia.

    Estes são alguns dos dramas das populações que no futuro próximo, responderão às sondagens sobre a taxa de aprovação do Presidente Lula e seu governo. Quanto mais baixa for essa taxa mais champanhe será consumida pelos golpistas e pelas lideranças fascistas nacionais e estrangeiras. Confiemos no gênio político do presidente Lula, que sempre viveu intensamente estes dramas da população vulnerabilizada, para governar com uma mão pesada para conter e punir os golpistas presentes e futuros e para com uma mão solidária, amparar e devolver a esperança ao seu povo de sempre.

    *Boaventura de Sousa Santos é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Autor, entre outros livros, de O fim do império cognitivo (Autêntica).

Publicado originalmente no blog da Boitempo

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

O professor e escritor Fernando Castilho escreve sobre a banalidade do mal na fundamentalista Damares e nos terroristas bolsonaristas

 "Gostaria, a partir daqui, de tentar traçar um paralelo, que pode parecer a alguns um tanto  forçado entre Eichmann e Damares Alves, já que a comparação entre Adolph Hitler e Jair Bolsonaro parece, nestes últimos tempos em que foi revelado um verdadeiro plano de  extermínio da etnia yanomami, parece por demais, óbvia."



Segue o texto de Fernando Castilho, na íntega:


Quando Adolf Eichmann, oficial nazista responsável pelo envio de cerca de 6 milhões de judeus  para o extermínio em campos de concentração no que se chamou de “solução final”, foi  julgado em Jerusalém em 1961, o mundo se surpreendeu com sua frieza ao afirmar que não sentia que tivesse feito algo errado porque era apenas um soldado burocrata encarregado de cumprir ordens.

 A filósofa alemã e judia, Hanna Arendt, chegou a entrevistar Eichmann na prisão e dessa entrevista extraiu elementos para seu livro, Eichmann em Jerusalém – Um Relato sobre a Banalidade do Mal.

 Na obra, Arendt defende que Eichmann se tornara um homem desprovido da moral, da ética e do senso crítico, cuja objetivo de vida era tão somente executar as ordens de Hitler sem refletir sobre elas ou fazer qualquer julgamento.

 Gostaria, a partir daqui, de tentar traçar um paralelo, que pode parecer a alguns um tanto  forçado entre Eichmann e Damares Alves, já que a comparação entre Adolph Hitler e Jair Bolsonaro parece, nestes últimos tempos em que foi revelado um verdadeiro plano de extermínio da etnia yanomami, parece por demais, óbvia.

 Assim como Hitler, como já escrevi anteriormente em

 https://bloganaliseeopiniao.blogspot.com/2023/01/hitler-o-fuhrer-e-bolsonaro-o-mito.html,

 Bolsonaro defendia, desde os tempos de deputado, que o Brasil deveria fazer com nossos indígenas aquilo que a cavalaria norte-americana fez com sucesso, ou seja, exterminá-los.

 Portanto, o plano não se restringia somente aos yanomamis, mas a todas as outras etnias e só não obteve sucesso pleno porque ele não se reelegeu e porque Lula chegou a tempo a Roraima para impedir a continuidade do genocídio.

 Mas se Eichmann não sentia o mínimo remorso por seus atos, o que dizer da ex-ministra incumbida de preservar as terras Yanomamis, Damares Alves?

 Damares é o que se pode chamar de evangélica fundamentalista. Acredita piamente que os indígenas vivem em pecado por não reconhecerem Cristo e por viverem nus, o que é, na sua

 visão, uma agressão à moral e aos bons costumes. É preciso lembrar que essa visão da ex-ministra, constantemente exposta à opinião pública, tem revelado uma obsessão com relação ao sexo, frequentemente encarado como algo extremo, por exemplo, quando afirmou que

 crianças teriam seus dentes arrancados para facilitar o sexo oral na Ilha de Marajó, algo jamais confirmado.

 Além disso, acredita que as crianças indígenas, por viverem na floresta, isolados, dormindo em redes, caçando e pescando e expostos a doenças e perigos, deveriam ser transferidas para as cidades e adotadas preferencialmente por casais evangélicos que as salvariam. Ela própria,  segundo noticiários, sequestrou no passado uma criança indígena e a levou para viver com ela na paz de Cristo. A menina, hoje uma moça, foi doutrinada e nega qualquer maldade cometida com ela.

 Damares Alves se empenhou, durante sua estada no governo, em facilitar a entrada de pastores evangélicos nas aldeias indígenas para catequização. A ONG Missão Caiuá, entidade missionária evangelizadora pertencente à Igreja Presbiteriana, que recebeu pelo menos R$ 2,98 bilhões em pagamentos e R$ 3,05 bilhões em contratos celebrados com o poder público desde o ano de 2014, é uma dessas entidades que utilizava até aviões do garimpo para se deslocar às aldeias. O que esperar de uma entidade como essa?

 Quando era ministra dos Direitos Humanos, para tornar a permanência das crianças indígenas cada vez mais insuportável, forçando-as a deixar suas terras em direção à civilização, a atual senadora pediu a Jair Bolsonaro que vetasse a entrega de leitos de UTI e de água potável a

 indígenas em plena pandemia. Era aceitar Jesus ou morrer. Em ambas a opções, sem crianças, os Yanomamis teriam sua sentença de morte assinada por não mais ser possível a continuidade da etnia.

 Nesse sentido, é possível um paralelo entre Damares e Eichmann?

 Enquanto Eichmann parecia um robô nas mãos de Hitler, Damares agia movida por seu fundamentalismo religioso, acreditando insanamente que estaria fazendo o bem.

 Indiretamente cumpria os planos de Bolsonaro que queria, sem meias palavras, pura e simplesmente a extinção do povo Yanomami e de todos os demais indígenas, facilitando a ocupação de suas terras pelas empresas mineradoras.

 A banalidade do mal está presente em ambos os casos e isso não significa que a punição deva ser branda. No caso de Eichmann, seus crimes foram punidos com a forca. No caso de Damares, esperamos investigação, julgamento e condenação à altura, de acordo com o Estado  de Direito, embora talvez nunca vejamos, como em Eichmann, a admissibilidade dos males que cometeu.

 Ainda há que se considerar o que Hanna Arendt escreveu em sua obra:

 “a execução de ordens é a mera obediência cega, independentemente se o partido pede para organizar distribuição de alimentos ou o extermínio de um grupo étnico”.

 Fica claro, por essas palavras, que muitos dos que contribuíram para a tragédia dos Yanomami

 tornaram o mal apenas uma banalidade. E vejam que bolsonaristas se manifestaram nas redes

 sociais ridicularizando a FAB por ter enviado alimentos para os indígenas ou afirmando que são

 venezuelanos fugindo da ditadura de maduro.

 “o cidadão massificado executa as ordens, não por ódio, por haver um mal em seu coração ou

 por premeditar atrocidades, mas o mal que faz é fruto da não consciência de seus atos”.

 Essa frase remete imediatamente aos atentados terroristas de 8 de janeiro. Observem que logo após serem presos, os terroristas reclamaram da falta de wi-fi, ar-condicionado e comida de qualidade, como que alheios à sua nova condição de criminosos detidos. Executaram ordens subliminares de seu capitão sem a correspondente noção do crime que cometeram. É  por isso que muitos não esconderam o rosto e ainda gravaram selfies, como se não esperassem responsabilização.

 Para esses indivíduos, o mal foi banalizado a ponto de se confundir com o bem. Eles acreditavam realmente que estavam libertando o Brasil de uma ameaça comunista que não existe.

 Será preciso um esforço dos ministérios da comunicação e da educação rumo a uma desbolsonarização do país para que a noção de bem ou mal seja novamente aferida com precisão na balança de nossos atos éticos e morais.

 Enquanto isso não acontece, Lula segue apagando os focos de incêndio que Bolsonaro deixou, este sim, o mal sem nenhuma banalidade.

Historiadora e antropóloga, Lilia Schwarcz afirma: militares NÃO são defensores da Democracia

 

Do UOL:

O UOL Entrevista da terça, 17 de janeiro, recebeu a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz. A entrevista é conduzida por Fabíola Cidral e os colunistas do UOL Josias de Souza e Carla Araújo.



Luis Nassif: General Heleno deu autorização para garimpo ilegal em terras Yanomamis e Mourão fez jogo de cena sobre Amazônia ajudando a destruí-la

 

Da TV GGN:

O jornalista Luis Nassif comenta a frente ampla bolsonarista que incluem núcleos das forças armadas.



Exército impediu ações contra bolsonaristas golpistas, diz relatório

 


Militares barraram ações que buscaram desmontar acampamento localizado no Quartel General do Exército, no Setor Militar Urbano


Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Jornal GGN:

A invasão de bolsonaristas a Brasília em 08 de janeiro contou com uma participação importante do próprio Exército, que evitou a realização de operações de segurança para desmobilizar os acampamentos que reuniam militantes pró-Bolsonaro.

Tal informação fica clara na leitura do relatório elaborado por Ricardo Cappelli, interventor federal responsável pela segurança pública do Distrito Federal após a invasão.

Segundo o interventor, ocorreram ações para desmobilizar o acampamento existente na frente do QG do Exército em Brasília desde o final de 2022, mas que foram canceladas “por fatores alheios às forças de segurança do Distrito Federal”.

De acordo com Cappelli, algumas operações foram interrompidas em pleno andamento e com tropas de segurança pública no terreno “por orientação do Exército Brasileiro”.

Exército barrou ações contra acampamentos

O interventor inclusive listou uma série de iniciativas que foram tomadas pelo poder público contra o acampamento bolsonarista mantido à frente do Quartel General do Exército, mas que foram barradas pelos próprios militares:

 – Foi aberto um processo com ações integradas para coibir o comércio irregular no acampamento, mas a ação foi interrompida durante à tarde “devido às hostilidades de algumas representações do acampamento contra os fiscais”.

 – Uma reunião foi agendada para ocorrer no Comando Militar do Planalto em 07 de dezembro de 2022, para discutir como barrar o comércio irregular no local, e retirar as barracas que estivem desocupadas ou com materiais, para posteriormente retirar toda a infraestrutura.

“No dia 06/12/2022, no período da noite, o Comando Militar do Planalto informou à SSP que a operação estava cancelada. Nesse evento não foi produzido protocolo”, diz o documento.

 – Novamente, foi elaborado um protocolo de ações integradas para a realização de uma operação para inibir o comércio irregular no acampamento. A operação foi cancelada pelo Exército Brasileiro, alegando falta de segurança.

 – Em 08 de janeiro de 2023, por conta dos atos de vandalismo, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) tentou desmontar o acampamento no Setor Militar Urbano, mas a ação foi realizada no dia seguinte “a partir de uma ponderação do Exército Brasileiro”.

 A retirada compulsória do acampamento bolsonarista só ocorreu em 09 de janeiro de 2023, devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). “Os manifestantes que estavam no local foram presos e conduzidos à Polícia Federal para os procedimentos formais”, lembra o documento.

Setor Militar como abrigo bolsonarista

O interventor lembra que o acampamento mantido pelos bolsonaristas no Setor Militar Urbano “permitiu apoio logístico e local de concentração” aos golpistas vindos de outras partes do país.

O relatório final destaca que a estrutura montada no acampamento golpista – que incluía carro de som e refeições – desde o começo “foi elemento crucial para o desenvolvimento das ações de perturbação da ordem pública que culminaram nos atos do dia 08 de janeiro de 2023”.

Mesmo com todas as informações existentes em torno da movimentação bolsonarista, “o quantitativo de militares dispostos no terreno foi insuficiente para conter o acesso dos manifestantes”,

Sobre a ação para desocupar a Esplanada dos Ministérios, Cappelli ressalta a dificuldade para que a ordem fosse cumprida, “dando tempo necessário para que parte dos vândalos deixasse o ambiente e outros voltassem para o acampamento dentro do Setor Militar Urbano”.

“A linha seguiu avançando até chegar na entrada do Setor Militar Urbano, onde o Interventor Federal determinou que o comandante-geral da PMDF mobilizasse a tropa para efetuar as prisões no acampamento em frente ao QG do Exército, movimento que foi abortado pela intervenção do General Dutra, comandante militar do Planalto, que ponderou para que a ação acontecesse somente no dia seguinte pela manhã”, finaliza Cappelli.

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Do Meteoro Brasil: Livro do exército, publicado em 1995, diz que os Yanomamis não existem.

 

Do Canal Meteoro Brasil:

A tragédia humanitária que assola os yanomami carrega as digitais dos militares, seja do governo militar do Bolsonaro, seja dos militares subornados com ouro pelos garimpeiros. Isso não deveria ser surpresa, considerando que há décadas, os militares nutrem teorias da conspiração sobre os yanomami.



Denunciar e punir os crimes militares são questões estratégicas para o fortalecimento do país, por Roberto Bitencourt da Silva

 

O presidente da República deve esclarecer a população sobre os graves crimes perpetrados por inúmeros agentes das Forças Armadas

Fernando Frazão – Agência Brasil

Denunciar e punir os crimes militares são questões estratégicas para o país

por Roberto Bitencourt da Silva

É imprescindível para a sociedade brasileira a severa punição dos militares envolvidos em diversas práticas abomináveis e criminosas, que ganharam os holofotes desde o governo Bolsonaro. Um governo de feições verde oliva e defensor de projetos propriamente ultraliberais, neocoloniais, burgueses e antinacionais.

Com milhares de oficiais da ativa e reserva espalhados em diferentes ministérios e agências do governo federal – tais como a Saúde, a Funai etc. –, via de regra dotados de formação incompatível com as atribuições dos cargos que exerceram, tais servidores públicos deixaram um devastador legado para a nação. Esse legado não foi obra do acaso. Tratou-se de uma escolha deliberada do então chefe de Estado e do seu padrinho mais próximo, a saber, a alta hierarquia militar.

O aludido legado veio à luz durante a pandemia do coronavírus, com o atraso nas aquisições de vacinas e com a prescrição de soluções medicamentosas pretensamente mágicas e sem respaldo científico. Almejava-se desmerecer as preocupações dos profissionais da área médica com o contágio e forjar um ambiente de suposta normalidade, que empurrasse o conjunto dos trabalhadores o mais rápido possível ao retorno das atividades (“lucros empresariais acima de tudo!”). Mais recentemente, a opinião pública deparou-se com a estarrecedora desproteção dos grupos indígenas ianomâmis, submetidos à violência de garimpeiros em suas próprias terras e à subnutrição decorrente da contaminação dos seus rios.

Os terríveis resultados de ambas as situações atrozes podem ser tipificados como fatos decorrentes de um verdadeiro genocídio, na medida em que, por ação ou omissão das autoridades, diferentes segmentos da sociedade brasileira (distribuídos por etnia, idade ou condição socioeconômica) foram levados à vulnerabilidade maior a doenças, ao desamparo e a ameaças à integridade física dos seus integrantes. Metodicamente abandonados ao definhamento e à morte. O Estatuto de Roma, que normatiza penalidades em torno de diversas violações dos direitos humanos, é claro a esse respeito.

Há poucas semanas, a depredação das sedes dos três poderes da República, em Brasília, foi fomentada, acolhida e endossada pela cúpula militar. Esta abrigou em seus quintais, por dois meses ou mais, uma horda de civis e militares, vagabundos e empresários, fanáticos, pseudorreligiosos e policiais, reacionários e entreguistas, toda espécie de gente disposta a desrespeitar a soberania do voto e a cumprir com os reais desígnios dos seus patrocinadores, especialmente verdes-olivas: ajustar os “termos da rendição” (da saída do governo), de sorte a demonstrar força para o mundo civil e, sobretudo, para o governo Lula, exibir capacidade de pressão e intimidação contra qualquer ato que fira as aspirações da caserna.

Nesse sentido, é estratégico que o governo do presidente Lula se proponha a denunciar a série de crimes e abusos cometidos pelos militares, especialmente pela cadeia de comando. Lula já manifestou aqui e acolá reticências sobre as Forças Armadas. Como chefe do Poder Executivo não é investido de maiores poderes de punição sobre os militares, cabendo ao Judiciário e à esfera corporativa judicial dos militares adoção de investigações e sanções.

Mas, o presidente da República deve esclarecer a população sobre os graves crimes perpetrados por inúmeros agentes das Forças Armadas. Usar o sistema de rádio e televisão a que tem a prerrogativa de acesso. Expor a perversidade e o caráter lesa pátria e antidemocrático das ações da cúpula militar.

Lula precisa contribuir para que a questão militar seja enquadrada na agenda pública sob ângulos radicalmente distintos da panaceia “pacificadora”, preconizada pelos reacionários conglomerados de mídia. Isto é, a velha e requentada fórmula da transação por cima, anistiando barbaridades criminosas. A única alternativa a isso é a politização e a convocação do povo, especialmente dos trabalhadores, estudantes e estratos das classes médias.

O governo precisa politizar, esclarecer e se apoiar na maioria do povo brasileiro a respeito do assunto, tendo em vista a implementação de necessárias reformas nas instituições militares, tais como: gestar um novo perfil de formação de oficiais, que sejam comprometidos com os postulados democráticos e dos direitos humanos, com uma doutrina estratégica anti-imperialista etc.

Trata-se de um imperativo da época, de modo a fazer com que o país abandone a tutela de uma alta hierarquia militar que detesta o povo e a nossa cultura, que denota uma visão elitista da sociedade e é francamente submissa aos interesses espoliativos do grande capital e do imperialismo ianque. Igualmente visando a reconfiguração das Forças Armadas, de maneira que elas deixem de ser exclusivos instrumentos das burguesias internas e gringas e sirvam, isto sim, aos interesses maiores do país. Esse debate precisa ser enfrentado e incentivado.

Os militares têm convivido com um considerável desgaste público da imagem. Fenômeno que se intensificou, em particular, nas últimas semanas. Importa ponderar que a credibilidade é um artigo muito importante nas relações de força e poder. Ela projeta respeito e reconhecimento, neutralizando a voz das críticas e dos críticos circunstanciais.

Quando a credibilidade se encontra em erosão, os sujeitos políticos coletivos e individuais que pretendam imprimir mudanças institucionais, sociais e econômicas significativas, não podem abdicar da iniciativa de colocar em evidência a ilegitimidade de atos, ações e comportamentos daqueles que são considerados sujeitos antagônicos ao seu projeto de mudança. Portanto, em muitas décadas, esse é o momento mais favorável para que a sociedade brasileira (notadamente os de baixo) discuta o papel das instituições militares e as coloque sob o rígido império da lei e do atendimento da soberania nacional.

A questão militar é estratégica a longo prazo, para que a sociedade brasileira tenha a possibilidade de definir os seus projetos e caminhos, sem a constante sombra ameaçadora de Forças Armadas encapsuladas em interesses corporativos e antinacionais. Porém, o tema é estratégico também no curto prazo e para o atual governo. Não custa lembrar que Lula foi eleito sob o signo da expectativa de um Brasil menos desumano e desigual, dotado de menor subserviência na arena das relações internacionais, especialmente aos ditames do Tio Sam. Objetivos modestos, mas que deram contornos à campanha do atual presidente.

Sem atacar de frente o problema militar, desconsiderando o apoio da mobilização popular, restará ao governo Lula a dependência do amparo das organizações Globo, dos governos de países imperialistas (França, EUA etc.), dos bancos, dos fundos de investimentos, das oligarquias políticas tradicionais etc. No momento, não sem ruídos e pequenas tensões, são esses os aliados táticos de ocasião. Aliados que repudiaram ou não apoiaram, ao menos ostensivamente, o vandalismo golpista instigado pela cúpula militar.

Contudo, questões como a geração de emprego, a reforma tributária progressiva, os aumentos do salário mínimo e dos investimentos públicos para aquecimento do consumo, assim como a temática da recuperação estatizante e nacionalizante da Petrobras, tenderão a ser deixadas de lado. Outros temas, como a contribuição brasileira para a moldagem de um mundo multipolar (menos sujeito ao império do dólar), não terão fôlego para seguir adiante. Isso porque todos esses alvos afetam frontalmente os interesses de poder e lucratividade dos atores em que Lula ora está a escorar o seu governo. 

O problema militar é estratégico, requer respostas contundentes e inadiáveis, também para abrir a senda do equacionamento de outros grandes desafios nacionais. Para isso forçoso é que o governo aja em prol da mudança na correlação de forças sociais e no desenho do debate público, como também na ressignificação das perspectivas que prevalecem no país sobre economia, direitos coletivos e cenário global. Interferir na (re)construção do ambiente político e não apenas a ele se adaptar.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Bozo nazifascista. Para o fanático de direita, o nosso crime é não sermos como eles, por Armando Coelho Neto, delegado aposentado da Polícia Federal

 

Fato: os grupos neonazistas proclamaram incondicional apoio ao ex-presidente, cujo estafe reafirmou o tempo todo a recíproca



Bozo nazifascista. Nosso crime é não sermos como eles

por Armando Coelho Neto

O genocídio dos Yanomamis é um dos capítulos não apenas da tentativa de golpe, frustrada no dia 8 de janeiro último, mas também tentativa de implantação do nazifascismo no Brasil, com os já conhecidos patrocinadores e incentivadores, inclusive dentro de instituições como membros das Forças Armadas. Nazifascismo, note-se, é símbolo de discriminação, supressão de direitos, extermínio de diferentes.

O trato desse tema sob essa perspectiva nesse GGN é fruto da perda da antropóloga Adriana Dias, pesquisadora que encontrou uma carta do ex-presidente foragido, dirigida a neonazistas. O Brasil perdeu ontem uma das maiores autoridades do Brasil sobre neonazismo, a qual não perdia oportunidade de não só denunciar páginas do gênero, mas também “printar” para instruir seu trabalho de alta relevância.

Nesse espaço, um esforço para resumir entrevista concedida ao jornalista Vinicius Souza (MediaQuatro), antes das eleições, onde afirma ter iniciado suas pesquisas há 20 anos, tendo como pressuposto honrar vítimas do nazifascismo. Um trabalho inicialmente voltado para a comunidade judaica, LGTBQI+, e logo constatou que atos, fatos e símbolos de anos atrás estavam se repetindo.

Adriana começou entrevistando vítimas do holocausto numa comunidade judaica a qual integrava, no bairro do Bom Retiro (São Paulo). Ao fazê-lo, um universo de horror se abriu. “O nazifascismo suspende a noção de racionalidade”, diz, ressaltando ser esse o erro da esquerda, que busca racionalidade onde simplesmente não há. Vige a supressão do sentido e a intolerância à diversidade.

A visão nazista, afirma, é a de que o progresso (em sentido amplo) vem por meio do homem branco. Sobretudo o homem, macho, branco, sem deficiência, de origem europeia. Mas, “é a diversidade que constrói a civilização humana”. Já o nazismo quer o uno – excluindo negros, judeus, homossexuais, migrantes e uniões inter-raciais. Eis o paradoxo: o ser humano é plural por excelência, destaca.

Culto ao machismo, estupro e pedofilia são ingredientes do que a antropóloga chama de cultura do ressentimento. Uma cultura onde se professa meritocracia, desprezando qualquer ideia de que as pessoas se originam de experiências diferentes. Uma criança que nasce no Nordeste é diferente das que nascem no Sudeste, as de bairros ricos diferem das que nascem nas periferias. Elementar, não?

Na entrevista, as comparações entre o ex-presidente e Hitler são inevitáveis. Ambos trabalhavam com ressentimentos, ódio, discurso contra a corrupção, além da eleição de culpados “por tudo isso que está ai”. Entre os culpados, surgem o comunismo, a comunidade LGBTQI+, uma combinação estranha no processo de destruição da destruição da democracia (que é plural), rumo ao discurso do estado totalitário.

Trata-se de processo no qual igreja, empresas e poder sanitário se fazem presentes. Empresas para dar sustentação financeira, igrejas pelo simbólico papel na difusão do medo, enquanto os médicos para ter o controle dos corpos das pessoas. Nesse ponto, ela lembra de Hitler, que selecionou empresas que interessavam ao regime e os empregados obrigados a votar no partido. Havan?

As igrejas se encarregam da pauta moral, com certa reminiscência a um passado supostamente bom (que nunca existiu) ao qual é preciso voltar. Eis um elemento fundamental tentar dar atestado de idoneidade aos propósitos nazistas. Se no Brasil usaram os evangélicos, Hitler usou luteranos e católicos, sob o slogan Pátria, Família, Nação. Viram de onde vem o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos?

Outro elemento importante são os médicos, os quais, por meio da Ciência, útil na eugenia – espécie de racismo disfarçado de Ciência. O que dizer do genocídio de Yanomamis? O que dizer das quase 700 mil vítimas da pandemia da Covid 19, na qual, os órgãos de classe da medicina nada fizeram, fato que estabelece estreita relação entre médicos e o projeto fascista nacional, destaca a pesquisadora.

Consolidado no poder, o passo seguinte seria o controle de leis e de vidas, e a consequente perda de cidadania. O site Apocalipse Suásticas sugere que um dos primeiros a perder cidadania seria a comunidade LGBTQIA+. Para tanto, eliminar o Poder Judiciário seria dado fundamental. Aqui, urge lembrar o cabo e o soldado citado pelo filho do ex-presidente, e os sucessivos ataques à Supremo Corte.

Controle de consciências por meio do terror, representado por um conjunto de medos, que pode ir do simples assalto na rua ao medo de perder o emprego. Sem contar os monstros representados pelos pedófilos, comunistas. Nesse conjunto de medos, por que não lembrar as imagens aterrorizantes criadas pela ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do desgoverno findo?

A mestra dá conta do inequívoco renascimento do antissemitismo, posto que, inclusive, já se cogita de formas para se alcançar novamente os judeus. No submundo da net, diz ela, consta até que a culpa do crescimento da comunidade LGBTQIA+ é responsabilidade dos judeus. Irônica, diz, se antes, na Alemanha de Hitler os judeus haviam criado o comunismo, agora a desculpa é outra.

Fato: os grupos neonazistas proclamaram incondicional apoio ao ex-presidente, cujo estafe reafirmou o tempo todo a recíproca – seja por meio de símbolos, gestos, ingestão de leite em público, recriação de cenários Joseph Goebbels, motociatas, cortes de cabelo, palavras de ordem, intolerância, apitos para cachorro. Como disse a antropóloga Adriana Dias, o nosso crime é não sermos como eles…

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

Em 8 de janeiro, o pivô do boicote da PMDF que permitiu a tentativa violenta de golpe foi o Departamento de Operações controlado por militares. Reportagem de Gabriela Sales

 

Relatório aponta participação direta de militares nos atos golpistas, como já alertado pelo jornalista Luis Nassif

Reprodução vídeo

Do Jornal GGN:

relatório final sobre os atos terrorista de invasão as sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro, aponta à inexistência de um plano operacional de segurança por parte da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) para evitar o atentado premeditado. O documento foi elaborado pelo interventor na segurança pública do DF, Ricardo Cappelli, e remonta os fatos entre os dias 6 e 9 de janeiro que teriam facilitado a invasão dos golpistas.

Conforme o jornalista Luis Nassif alertou no “Xadrez da tentativa de conter a intentona militar”, a invasão bolsonarista teve participação direta dos agentes de segurança, seja por omissão ou influência, especialmente a do ex-chefe do Departamento de Operação (DOP) da Polícia Federal do Distrito Federal, coronel Jorge Eduardo Naime Barreto.

Na ocasião, segundo o relatório, o responsável por fazer o planejamento operacional de segurança era justamente o coronel Naime, que estava de “dispensa recompensa entre os dias 03/01/2023 e 08/01/2023”, junto com outros seis subordinados, como comandantes de batalhões e dois chefes de áreas da PMDF. 

Com isso, “não houve a elaboração prévia de Planejamento Operacional nem Ordem de Serviço emitido pelo Departamento Operacional da PMDF em relação aos fatos do dia 08/01/2023”, diz o documento. 

O relatório mostra que havia apenas um Plano de Ações Integradas, da Secretaria de Segurança Pública, mas que não destaca as ações para batalhões de choque da polícia, “o que foge ao padrão operacional de manifestações anteriores”.

Neste cenário, não é possível saber qual o efetivo da PMDF estava na Esplanada dos Ministérios no início dos atos golpistas. Documentos internos, no entanto, apontam que haveria 555 policiais militares na área fato que “parece não estar em sintonia com as imagens captadas pelas câmeras de videomonitoramento da SSPDF”, diz outro trecho do relatório. 

“A despeito das informações existentes, o quantitativo de militares dispostos no terreno foi insuficiente para conter o acesso dos manifestantes, principalmente no que tange a linha de revista localizada na via N1 na altura do Buraco do Tatuí, permitindo que manifestantes rompessem o dispositivo e entrassem com materiais proibidos na Esplanada e na linha de contenção na Avenida das Bandeiras, o que resultou na invasão do Congresso Nacional”, continua o texto. 

O relatório também aponta que somente às 15h, do dia 8 de janeiro, o efetivo de prontidão do Complexo Administrativo da PMDF, que estava de sobreaviso desde o dia anterior, foi acionado para conter a invasão. “Houve, portanto, um intervalo de aproximadamente duas horas entre o início da manifestação e a tomada de providências operacionais de reforço para reprimir as ações em andamento”, afirma o documento.

Já imagens do circuito interno Supremo Tribunal Federal (STF), divulgadas na última quarta-feira (25), ainda demonstraram que a “atitude passiva e ausência de qualquer planejamento pelo DOP —Departamento de Operações da PM— expuseram o STF de maneira inaceitável”, diz o material.

Com isso, o relatório destaca que a “intervenção federal foi necessária para retomar o controle da Segurança Pública no Distrito Federal e, assim, garantir a segurança dos prédios que representam as instituições democráticas”.

Como uma das primeiras medidas anunciadas “resultaram na exoneração do comandante da Polícia Militar do Distrito Federal, coronel Fábio Augusto Vieira; do comandante do Choque, major Gustavo Cunha; do chefe de Departamento de Operações, coronel Jorge Eduardo Naime Barreto; dos subchefes do Departamento de Operações, Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra e Clovis Eduardo Condi; do comandante do 1º Comando de Policiamento Regional, Marcelo Casimiro Rodrigues. Todos diretamente ligados à operação desencadeada no dia 08 de janeiro”.

Falta de liderança

O ex-comandante da PMDF, Fábio Augusto Vieira, preso por determinação do STF, também tem destaque entre as 62 páginas do relatório de Cappelli.

Segundo o interventor, Vieira atuou durante os atos de 8 de janeiro, fazendo ligações e solicitando reforço no policiamento, mas sem sucesso, uma vez envolvido pelo Departamento de Operações.

“Embora estivesse operando pessoalmente no campo, as evidências indicam que o coronel perdeu a capacidade de liderar seus comandados diretos, uma vez que suas solicitações por reforço não foram consideradas nem atendidas prontamente”, diz o relatório.

O papel de Torres

O documento ainda mostra que, no dia 6 de janeiro, a inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF entregou um relatório sobre os riscos da manifestação para o então chefe da pasta, Anderson Torres. 

“Pode-se concluir que não houve falta de informações e alertas sobre os riscos da manifestação”, diz o relatório.

Sendo assim, a junção dos fatos apresentados no novo material sustenta a versão do ex-secretário-executivo da Segurança Pública do DF, Fernando de Sousa Oliveira, apresentada à Polícia Federal, que o então chefe e bolsonarista deixou o Brasil sem lhe repassar “diretriz” de segurança.

O caso das empreiteiras brasileiras destruídas pelos oportunistas golpistas da Lava Jato, por Luis Nassif

 

Talvez o país consiga remendar o maior dos erros da Lava Jato: a vontade de destruir empresas, mas permitindo aos controladores preservar sua riqueza, exatamente o contrário do que fazem os outros países.

Jornal GGN:

Há uma confusão enorme a respeito das propostas que circulam por aí, das empreiteiras da Lava Jato pagarem suas multas com obras para o governo. Trata-se de uma operação conceitualmente simples, mas que está provocando uma maré de interpretações tortas.

O conceito correto da proposta é simples. 

As empreiteiras devem valores monumentais de multa, e estão proibidas de fazer contratos com o setor público – o único que banca as grandes obras. Por outro lado, a intenção do governo, de buscar a recuperação da economia retomando obras paralisadas, esbarra na escassez de empreiteiras brasileiras capazes de dar conta de tudo.

A saída seria, então, permitir que as empreiteiras da Lava Jato voltem a contratar com o setor público. Em tese, não significaria entregar obras para ela, dar preferência ou coisas do gênero. Significaria apenas que poderão participar das licitações em igualdade de condições com as demais, e com o país de olhos em eventuais tentativas de cartelização.

A proposta permitiria a sobrevivência de empresas com know how internacional de grandes obras, aumentaria a competição e seria uma garantia adicional de recebimento das multas aplicadas.

É curiosa a maneira como a mídia está analisando a operação. Um dos entrevistados foi Valdir Simão, ex-Ministro do Planejamento, ex-Ministro da CGU (Controladoria Geral da União) e, na época da Lava Jato, uma das poucas autoridades preocupadas com a sobrevivência das empresas.

Em entrevista à Folha, Simão limita-se a analisar a maneira como deveria ser implementada a autorização. O jornal apresenta os princípios como se fossem restrições à proposta. Diz ele:

  • É preciso revisitar os acordos e fazer uma análise mais profunda. Provavelmente para evitar sobrepreços.
  • Um dos problemas que Simão aponta é o fato de nem todas as empresas que firmaram acordos serem empreiteiras, ou seja, nem todas executarem obras, o que geraria um desequilíbrio já na largada.
  • Tomar cuidado com a Lei de Licitações, para não dar preferência às empreiteiras condenadas sobre as novas obras.
  • Há necessidade de rever valores das multas, já que muitos débitos foram incluídos indevidamente.

Houve alguma confusão inicial nas notícias, com a informação de que as empreiteiras construiriam hospitais, creches etc. no valor das multas aplicadas. A simples autorização para que disputem as licitações resolveria todos esses problemas.

O grande nó reside na quantidade de poderes disputando as multas. O Ministério Público Federal aplicou as multas. A CGU tem poder de autorizar as empreiteiras a contratar com o setor público. Mas elas não fecham acordos com a CGU porque não haveria garantia de que o MPF retiraria as ações.

Agora, tenta-se unificar as ações da PGR (Procuradoria Geral da República), CGU, TCU (Tribunal de Contas da União) e STF (Supremo Tribunal Federal). Talvez o país consiga remendar o maior dos erros da Lava Jato: a vontade de destruir empresas, mas permitindo aos controladores preservar sua riqueza.

domingo, 29 de janeiro de 2023

Ruy Castro, na Folha: Cuidado com os "homens de Bem" bolsonaristas...

 

Para o escritor Ruy Castro, em sua coluna na Folha, é incrível como tantos 'patriotas' se envolvem com crimes de toda espécie...

      Foto: Reprodução/Internet/ TV Globo


Cuidado com os 'homens de bem'

Por Ruy Castro

O patriota com camiseta de Bolsonaro que vandalizou o relógio no Palácio do Planalto tem três passagens pela polícia em Goiás, por ameaça física, tráfico de drogas e receptação de carros roubados. A patriota que, enrolada na bandeira do Brasil na invasão do STF, gabou-se de ter emporcalhado o banheiro dos ministros, também tem uma condenação por tráfico, em Santa Catarina. E outro patriota capturado nos distúrbios, munido de bombas, estilingues e material para coquetel molotov, era foragido por ter matado um homem a facadas no Pará em 2018.

Um patriota do Paraná, suspeito de ter fretado quatro ônibus que levaram golpistas de Londrina a Brasília, já cumpriu dois anos por sonegação de R$ 1,2 milhão em impostos. Outro patriota, este de Mato Grosso, foi acusado em 2021 de ameaçar a ex-mulher com uma barra de ferro e, ao ser preso, jurou matá-la "assim que saísse da cadeia". A quantidade de infratores da Lei Maria da Penha entre os capturados na praça dos Três Poderes é grande, com destaque para um patriota de Minas Gerais, que tentou esfaquear a mãe.

Todos os patriotas de Bolsonaro se dizem "homens de bem". Mas desde quando "homens de bem" estão associados a tantos problemas com a lei?

O cardápio de crimes em que se envolvem é infinito: genocídio dos yanomamis, contrabando de madeira, garimpo ilegal, assassinato de sertanistas, intimidade com milicianos, arsenais domésticos clandestinos, cocaína no avião presidencial, Viagra e próteses penianas para generais, venda de cloroquina, comissão na aquisição de vacinas, Bíblias a peso de ouro, rachadinhas, compra de mansões com dinheiro vivo, cheques para a primeira-dama, militares com salários de seis dígitos, mamatas com o cartão corporativo, empresários financiadores de terrorismo etc. etc.

Desconfie de gente de camisa amarela e ficha na polícia. Pode ser um "homem de bem".