quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Uma Revolução ainda por fazer





Leonardo Boff *

Fonte: Adital


Toda mudança de paradigma civilizatório é precedido por uma revolução na cosmologia (visão do universo e da vida). O mundo atual surgiu com a extraordinária revolução que Copérnico e Galileo Galilei introduziram ao comprovarem que a Terra não era um centro estável, mas que girava ao redor do sol. Isso gerou enorme crise nas mentes e na Igreja, pois parecia que tudo perdia centralidade e valor. Mas lentamente impôs-se a nova cosmologia que fundamentalmente perdura até hoje nas escolas, nos negócios e na leitura do curso geral das coisas. Manteve-se, porém, o antropocentrismo, a ideia de que o ser humano continua sendo o centro de tudo e as coisas são destinadas ao seu bel-prazer.
Se a Terra não é estável -pensava-se - o universo, pelo menos, é estável. Seria como uma incomensurável bolha dentro da qual se moveriam os astros celestes e todas as demais coisas.

Eis que esta cosmologia começou a ser superada quando em 1924 um astrônomo amador Edwin Hubble comprovou que o universo não é estável. Constatou que todas as galáxias bem como todos os corpos celestes estão se afastando uns dos outros. O universo, portanto, não é estacionário como ainda acreditava Einstein. Está se expandindo em todas as direções. Seu estado natural é a evolução e não a estabilidade.
Esta constatação sugere que tudo tenha começado a partir de um ponto extremamente denso de matéria e energia que, de repente, explodiu (big bang) dando origem ao atual universo em expansão. Isso foi proposto em 1927 pelo padre belga, o astrônomo George Lemaître o que foi considerado esclarecedor por Einstein e assumido como teoria comum. Em 1965 Arno Penzias e Robert Wilson demonstraram que, de todas as partes do universo, nos chega uma radiação mínima, três graus Kelvin, que seria o derradeiro eco da explosão inicial. Analisando o espectro da luz das estrelas mais distantes, a comunidade científica concluiu que esta explosão teria ocorrido há 13,7 bilhões de anos. Eis a idade do universo e a nossa própria, pois um dia estávamos, virtualmente, todos juntos lá naquele ínfimo ponto flamejante.

Ao expandir-se, o universo se autoorganiza, se autocria e gera complexidades cada vez maiores e ordens cada vez mais altas. É convicção de notáveis dos cientistas que, alcançado certo grau de complexidade, em qualquer parte, a vida emerge como imperativo cósmico. Assim também a consciência e a inteligência. Todos nós, nossa capacidade de amar e de inventar, não estamos fora da dinâmica geral do universo em cosmogênese. Somos partes deste imenso todo.

Uma energia de fundo insondável e sem margens - abismo alimentador de tudo - sustenta e perpassa todas as coisas ativando as energias fundamentais sem as quais nada existe do que existe.

A partir desta nova cosmologia, nossa vida, a Terra e todos os seres, nossas instituições, a ciência, a técnica, a educação, as artes, as filosofias e as religiões devem ser resignificadas. Tudo e tudo são emergências deste universo em evolução, dependem de suas condições iniciais e devem ser compreendidas no interior deste universo vivo, inteligente, auto-organizativo e ascendente rumo a ordens ainda mais altas.

Esta revolução não provocou ainda uma crise semelhante a do século XVI, pois não penetrou suficientemente nas mentes da maioria da humanidade, nem da inteligentzia, muito menos nos empresários e nos governantes. Mas ela está presente no pensamento ecológico, sistêmico, holístico e em muitos educadores, fundando o paradigma da nova era, o ecozóico.

Por que é urgente que se incorpore esta revolução paradigmática? Porque é ela que nos fornecerá a base teórica necessária para resolvemos os atuais problemas do sistema-Terra em processo acelerado de degradação. Ela nos permite ver nossa interdependência e mutualidade com todos os seres. Formamos junto com a Terra viva a grande comunidade cósmica e vital. Somos a expressão consciente do processo cósmico e responsáveis por esta porção dele, a Terra, sem a qual tudo o que estamos dizendo seria impossível. Porque não nos sentimos parte da Terra, a estamos destruindo. O futuro do século XXI e de todas as COPs dependerá da assunção ou não desta nova cosmologia. Na verdade só ela nos poderá salvar.

[Leonardo Boff com Mark Hathway escreveram The Tao of Liberation:exploring the ecology os transformation,N.Y.2010].


* Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A redução racionalista apenas.... reduz...




Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Temos muito orgulho de sermos uma civilização racional e científica. Pensamos dominar a natureza e a nós mesmos pelo poder da razão... Mas será mesmo?
Será que somos mais felizes que nossos antepassados de há até duzentos anos atrás? Ou será que estes antepassados com seu mundo repleto de "anjos e demônios" não eram um pouco menos infelizes, vivendo, no que fosse possível, mais humanamente que hoje?
Não sei... só sei que a humanidade conseguiu criar civilizações e catedrais, promover a eclosão de um Bach e de um Michelângelo e desevolver ténicas naturais durante milênios. Hoje, com o mundo de plástico e eletrônicos, o tempo parece cada vez mais rápido, por não ser nosso, mas sim de compromissos. E nada, nos milênios anteriores, chegou perto do processo de degradação social e ambiental de nossos dias centificistas.

"Sobre a miséria de nossa vida (...) esta ciência nada tem a nos dizer. Ela exclui, de princípio, os problemas mais candentes do homem, o qual, em nossos tempos atormentados, sente-se o poder do destino."

Edmund Husserl

sábado, 1 de janeiro de 2011

A vida não cabe em uma teoria




Miguel Torga

A vida... e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filósofos arquitetaram na severidade das bibliotecas; em quantos belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teólogos não entenderam na solidão das celas. Nisto, ou então na conta do sapateiro, na degradação moral do século, ou na triste pequenez de tudo, a começar por nós.

Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma moça — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.


Miguel Torga, in "Diário (1941)"

Só o fugaz presente é real.





A vida se faz e se dá em momentos. Tudo o que temos é o agora. E o agora, como tudo, se transforma. Vamos nos acomodar ao ontem ou esperar um futuro que nunca terá os traços que temíamos ou gostaríamos?

Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver.
Dalai Lama

Justiça Social / Justiça Ecológica



Leonardo Boff


Entre os muitos problemas que assolam a humanidade, dois são de especial gravidade: a injustiça social e a injustiça ecológica. Ambos devem ser enfrentados conjuntamente se quisermos pôr em rota segura a humanidade e o planeta Terra.

A injustiça social é coisa antiga, derivada do modelo econômico que, além de depredar a natureza, gera mais pobreza que pode gerenciar e superar. Ele implica grande acúmulo de bens e serviços de um lado à custa de clamorosa pobreza e miséria de outro. Os dados falam por si: há um bilhão de pessoas que vive no limite da sobrevivência com apenas um dólar ao dia. E há, 2,6 bilhões (40% da humanidade) que vive com menos de dois dólares diários. As consequências são perversas. Basta citar um fato: contam-se entre 350-500 milhões de casos de malária com um milhão de vítimas anuais, evitáveis.

Essa anti-realidade foi por muito tempo mantida invisível para ocultar o fracasso do modelo econômico capitalista feito para criar riqueza para poucos e não bem-estar para a humanidade.

A segunda injustiça, a ecológica está ligada à primeira. A devastação da natureza e o atual aquecimento global afetam todos os países, não respeitando os limites nacionais nem os níveis de riqueza ou de pobreza. Logicamente, os ricos têm mais condições de adaptar-se e mitigar os efeitos danosos das mudanças climáticas. Face aos eventos extremos, possuem refrigeradores ou aquecedores e podem criar defesas contra inundações que assolam regiões inteiras. Mas os pobres não têm como se defender. Sofrem os danos de um problema que não criaram. Fred Pierce, autor de "O terremoto populacional" escreveu no New Scientist de novembro de 2009: "os 500 milhões dos mais ricos (7% da população mundial) respondem por 50% das emissões de gases produtores de aquecimento, enquanto 50% dos pais mais pobres (3,4 bilhões da população) são responsáveis por apenas 7% das emissões".

Esta injustiça ecológica dificilmente pode ser tornada invisível como a outra, porque os sinais estão em todas as partes, nem pode ser resolvida só pelos ricos, pois ela é global e atinge também a eles. A solução deve nascer da colaboração de todos, de forma diferenciada: os ricos, por serem mais responsáveis no passado e no presente, devem contribuir muito mais com investimentos e com a transferência de tecnologias e os pobres têm o direito a um desenvolvimento ecologicamente sustentável, que os tire da miséria.

Seguramente, não podemos negligenciar soluções técnicas. Mas sozinhas são insuficientes, pois a solução global remete a uma questão prévia: ao paradigma de sociedade que se reflete na dificuldade de mudar estilos de vida e hábitos de consumo. Precisamos da solidariedade universal, da responsabilidade coletiva e do cuidado por tudo o que vive e existe (não somos os únicos a viver neste planeta nem a usar a biosfera). É fundamental a consciência da interdependência entre todos e da unidade Terra e humanidade. Pode-se pedir às gerações atuais que se rejam por tais valores se nunca antes foram vividos globalmente? Como operar essa mudança que deve ser urgente e rápida?

Talvez somente após uma grande catástrofe que afligiria milhões e milhões de pessoas poder-se-ia contar com esta radical mudança, até por instinto de sobrevivência. A metáfora que me ocorre é esta: nosso pais é invadido e ameaçado de destruição por alguma força externa. Diante desta iminência, todos se uniriam, para além das diferenças. Como numa economia de guerra, todos se mostrariam cooperativos e solidários, aceitariam renúncias e sacrifícios a fim de salvar a pátria e a vida. Hoje a pátria é a vida e a Terra ameaçadas. Temos que fazer tudo para salvá-las.

Leonardo Boff é autor de Opção-Terra: a solução para a Terra não cai do céu, Record (2008).

O chamado assim chamado Pensamento Holístico ou Sistêmico





Carlos Antonio Fragoso Guimarães


Ecologia: o nascimento de um novo Paradigma


O extremo sentimento de mal-estar que muitas pessoas sentem diante dos complexos e trágicos problemas da atualidade tem levado à uma busca de um diálogo entre os vários núcleos do saber e da atividade humana. Por exemplo, temos a ONU e a Unesco como grandes organizações internacionais que buscam uma maneira conjunta de solucionar muitos dos atuais problemas humanos, sem falar nos movimentos de encontro inter-disciplinares e a busca pela ação cooperativa em todos os âmbitos, a medicina psicossomática e homeopática e a abordagem holística em psicoterapia, etc. É a essa busca de uma visão de conjunto, uma visão do TODO - que possui características próprias independentes das características de suas partes constituintes, como o todo humano possui caractersíticas próprias da de seus órgãos e tecidos -, que se dá o nome de teoria sistêmica e, em certa medida, de holismo.

Desde que Descartes cristalizou de modo definitivo a idéia da divisão da ciência em humanas e exatas (ou melhor, em Res Cogitans e Res Extensa, o que viria a se refletir em nossa divisão em corpo e mente, etc.), temos visto toda uma vasta gama de atitudes e comportamentos compatíveis com a idéia dominante do universo como um sistema mecânico casualmente emergido de um caldo de matéria de modo fortuito. No século XIX, Wundt, seguindo a tradição empirista britânica calcada na Física de Newton, atomizou a mente, reduzindo-a, ou melhor, tentando encaixá-la dentro dos parâmetros mecanicistas da ciência de sua época, haja vista o sucesso da física clássica e o grande respeito que lhe era dada. Para Wundt, como para muitos outros, a mente não passava de um epifenômeno (efeito) bioquímico, como a urina é um epifenômeno dos rins. Mas tal modelo reducionista não agradou a todos, e desde então muitas escolas, como a da Gestalt, por exemplo, em psicologia e em outras áreas têm tentando - enfrentando o paradigma mecanicista olímpico vigente nos meio acadêmicos - construir uma visão mais integrativa do ser humano.

O desagrado ao modelo mecanicista - e da sua conseqüente visão de mundo - foi expresso de maneira clara por vários grandes cientistas em nosso século, como Albert Einstein, Werner Heisenberg, Niels Bohr e tantos outros. Vejamos esta passagem do físico Erwin Schrödinger, que de muitas maneiras lembra o humanismo existencialista de Soren Kierkegaard:

"O quadro científico do mundo real à minha volta é muito deficiente. Ele nos dá muitas informações factuais, coloca toda a nossa experiência numa ordem magnificamente consistente, mas mantém um silêncio horrível sobre tudo aquilo que está realmente próximo de nossas corações, de tudo aquilo que é realmente valioso e caro em nossas vidas, aquilo que realmente nos interessa. Este quadro não nos pode dizer nada sobre o valor do vermelho ou do azul, do amargo e do doce, dor física e prazer físico; nada sobre o belo e o feio, o bom e o mau. É incompetente para dizer qualquer coisa válida sobre Deus e a eternidade... Assim, em suma, não pertencemos realmente a este mundo descrito pelo quadro científico. Não estamos realmente nele. Estamos fora dele. Somos como espectadores de uma peça que insiste em demonstrar que o mundo é uma máquina cega, onde aparecemos fortuitamente para, logo, desaparecer. Apenas nossos corpos parecem se enquadrar no quadro, sujeitos às leis que regem o quadro, explicados linearmente pelo quadro... Eu não pareço ser necessário como ser humano, ou como autor... As grandes mudanças que ocorrem neste mundo material, das quais eu me sinto parcialmente responsável, cuidam de si mesmas, segundo o quadro - elas são amplamente explicadas pela interação mecânica direta (...) Isso torna o mundo operacional para o entendimento pragmático. Permite que você imagine a manifestação total do universo como a de um relógio mecânico que, pelo o que sabe e crê a ciência, poderia continuar a funcionar do mesmo jeito sem que nunca tivesse havido consciência, vontade, esforço, dor, prazer e responsabilidade (...)"

Este descontentamento e a intuição de que o "quadro científico" é como uma janela que deixa ver apenas uma parte ínfima da realidade tem estimulado uma notável tentativa de se construir uma visão mais holísitica, humana, orgânica e ecológica da realidade. Afinal, as conseqüências de uma visão de mundo mecanicista são extraordinariamente nocivas, principalmente dentro de uma certa ideologia fascista de grande parte dos poderes político-econômicos da elite do Terceiro Mundo, o que traz um alto e muitas vezes impagável preço em termos de vidas humanas e recursos naturais.

Estamos começando a antever e a construir um modelo científico que se baseia no conceito de relação, que é muito mais amplo que o de análise, como o usado pela ciência normal. Já não são somente as partes constituintes de um corpo ou de um objeto que são de fundamental importância para a compreensão da natureza desse objeto, mas o modo como se expressa todo esse objeto, e como ele se insere em seu meio. As partes que constituem um sistema têm um notável conjunto de características que se vêem no âmbito das partes, mas o sistema inteiro, o todo - o holos -, freqüentemente possui uma característica que vai bem além que a mera soma das características de suas partes. Por exemplo, sabemos que tanto o hidrogênio quanto o oxigênio são constituintes fundamentais no processo de combustão. Mas se juntamos esses elementos e formarmos a água, nós os usaremos para combater a combustão. O Todo não elimina as características das partes, mas estas, quando em relações íntimas, dão o substrato a uma nova forma, cujas características transcendem às das partes constituintes. A Ecologia é a ciências moderna que melhor pode demonstrar esta relação parte/todo em simbiose íntima.

Da mesma forma, podemos dizer que as peças de um quebra-cabeças, quando separadas, nos dizem muito pouco ou nada do que seja o quebra-cabeças. Somente quando vemos as peças em seu conjunto, e, de um certo modo, de um nível em que elas deixam de ser vistas como peças, é que podemos compreender a mensagem do quebra-cabeças. Assim também, pensamos que o mecanicismo reducionista e fragmentador do paradigma newtoniano-cartesiano já deu o que tinha de dar. Achamos que após três séculos de ênfase na análise, está na hora de começarmos a construir um modelo que também estimule a síntese. Enquanto o mecanicismo científico vê o universo como uma imensa máquina determinística, o holismo, sem negar as características "mecânicas" que se apresentam na natureza, percebe o universo mais como uma rede de inter-relações dinâmicas, orgânica.

As origens do pensamento holístico, enquanto pensamento filosófico, podem se situar ainda na Antigüidade, com os pré-socráticos, especialmente com Heráclito. Posteriormente, teremos um eco desse pensamento com os estóicos e com os néo-platônicos, especialmente com Plotino, e, modernamente, com os Românticos, especialmente com Schelling e os idealistas alemães. Com a publicação do livro Holism and Evolution, em 1921, Jan Smuts pode ser considerado o teórico fundador do movimento holístico no século XX. Mas foi com a revolução extraordinária da Física das Partículas e, principalmente com a Teoria da Relatividade de Einstein, que o termo passou a ser aplicado com uma conotação mais paradigmática dentro da transformação conceitual da ciência.

Paulatinamente, primeiramente a partir da Física, foi se construindo um arcabouço intelectual que permitiu uma expansão da percepção científica para além das peças de relógio do modelo analítico cartesiano-newtoniano. Este novo arcabouço estabelece que:

· A Ciência, antes estritamente objetiva, torna-se epistêmica (voltada para o próprio processo intelectual de conhecer), já que as teorias revelam mais sobre a mente que a concebe que propriamente da realidade. Toda teoria é um modelo de explicação aproximada da realidade. Além do mais, desde que Heisenberg postulou seu Princípio da Incerteza, na Física das Partículas, e de que o observador influi na experiência, a questão de uma objetividade cartesiana clássica se tornou mais uma fantasia que realidade;
· Parte-se das partes simples, consideradas independentes, para partes em interação, em processo ou em rede. Não é apenas o conjunto de elementos isolados que formam o universo de fenômenos estudado pela ciência. Mas a interação, a RELAÇÃO que existe entre esses elementos. Aliás, é mais provável que os elementos sejam frutos da própria relação tanto quanto esta é fruto destes. Desta forma, a realidade é um processo de troca de informações entre todos os entes físicos, biológicos, psicológicos e sociais.

O físico norte-americano Brian Swimme fez uma síntese de alguns princípios fundamentais do holismo, ou do Paradigma Holístico:
a) se a natureza do átomo (aqui o encadeamento lógico advém das características atômicas) não é dada ou é posta à compreensão exclusivamente por ele, de forma isolada, mas por sua interação e seu comportamento em relação a todo seu Universo envolvente, então a realidade física consiste principalmente de relações, como a música que se compõe de relações de sons e rítimos - e não de notas isoladas, o que implica em superposições de complexificação crescente ou na criação de sistemas dinâmicos sempre mais amplos. Ou seja, nada pode existir sem que imponha e receba características fora de seu ambiente total (Gestalt);
b) a nossa ciência e a nossa interpretação sobre o que seja o mundo são resultantes de nossa própria ação e relação com o mundo que nos cerca e com as crenças e idéias que adotamos. O ideal da neutralidade e da objetividade científica é mais ficção que realidade;
c) além da análise que separa, a síntese que une é de fundamental importância na compreensão do mundo: conhecer algo implica em saber sua origem e finalidade. O universo parece possuir um sentido evolutivo;
d) a matéria não é algo morto, passivo ou inerte, já que é dotada de energia e parece evoluir segundo um plano criativo global; os elementos inanimados parecem se organizar segundo complexos sistemas de interação. Assim, o Universo está mais para uma rede de relações, uma realidade auto-organizante: um organismo em homeorresis.
Em Psicologia, o pensamento holístico está fortemente presente nas abordagens humanistas, especialmente na Gestalt, e, muito mais, na Psicologia Transpessoal. Stanley Krippner, diretor do Centro de Estudos da Consciência, assim definiu os quatro princípios básicos do Paradigma Holístico:
1) a consciência humana ordinária (relativa à percepção corporal e do ego no estado de vigília) compreende apenas uma parte ínfima da atividade total do psiquismo humano;
2) a mente ou a consciência humana, ou o espírito humano, estende-se no tempo e no espaço, existindo em uma unidade dinâmica, ou melhor, em uma relação contínua com o mundo que ela observa;
3) o potencial de criatividade e intuição é mais global do que se imagina comumente, abrangendo todos os seres vivos;
4) o processo de evolução para níveis de maior complexificação e transcencdência é algo de muito valioso e importante - tendência à auto-atualização, segundo Maslow e Rogers.
O filósofo existencialista e psiquiatra alemão Karl Jaspers (1883-1969), discorrendo sobre a necessidade de se empreender reflexões sobre como se obter o melhor método em pesquisa científica, afirmava que na prática do conhecimento necessitamos de vários métodos simultaneamente, e enfatizava três grupos:
1. apreensão dos fatos particulares que implica na observação e descrição (análise) fenomenológica;
2. investigação das relações, onde explicar se refere ao conhecimento das conexões causais objetivas, vistas do exterior, enquanto compreender diz respeito à intuição interior:
3. percepção das totalidades, para não se cair no gravíssimo erro de se esquecer o Todo, no qual e pelo qual a parte subsiste.

Portanto, a abordagem holística não é nem analítica e nem é puramente sintética; ela se caracteriza pelo uso simultâneo desses dois métodos, que são complementares.
A explicação da natureza e de todo o universo não pode ser mais puramente mecânica, pois está cada vez mais patente que existe um processo de síntese e de complexificação evolutiva que leva a criação de sistemas altamente dinâmicos, como os sistemas biológicos - logo, muito longe de serem máquinas sujeitas à segunda lei da termodinâmica clássica. Segundo Jan Smuts, o criador da moderna concepção holística, e que exerceu profunda influência em Alfred Adler, o primeiro grande discípulo dissidente de Freud, "o conceito mecanicista da natureza tem o seu lugar e a sua justificação apenas na estrutura mais ampla do holismo". Icluamos, porém, que a complexidade humana vai muito além do mecanicismo de Descartes, possuindo instâncias de racionalidade bem acima da racionalidade linear, ou, como dizia Pascal, "possuindo razões que a própria razão desconhece".

A pesquisadora e escritora Rose Marie Muraro, em seu livro"Textos da Fogueira", Ed. Letra Viva, 2000, assim se expressa sobre a atual atitude de questionamento epistemológico da ciência moderna:

(...) O mais revolucionário achado metodológico nessa área é a inclusão da subjetividade e da concretude como categorias epistemológicas maiores, ao lado da objetividade e da racionalidade, feita por muitas filósofas em vários países, entre elas Susan Bordo, Allison Jaggar e outras. O mais interessante a se notar é que essa revolução epistemológica se faz na mesma época em que, nas ciências exatas, começa a abalar-se o domínio da razão. Nelas, o irracional irrompe como o paradigma que ajuda a chegar perto das realidades científicas extraordinariamente complexas de um mundo tecnologicamente avançado. Isto acontece nas Teorias do Caos, das Catástrofes e da Complexidade. Neste início de século e de milênio, desmorona o dualismo simplista mente/corpo, razão/emoção, que foi a base do pensamento ocidental nesses últimos três mil anos e que serviu apenas como racionalização do exercício de poder expresso nas relações senhor/escravo, homem/mulher, opressor/oprimido, etc. Esta nova maneira de elaborar abre uma nova forma de pensar pós-cartesiana e pós-patriarcal
Se levada às suas últimas conseqüências, essa nova elaboração científico-epistemológica da realidade pode modificar a própria natureza da ciência. Como ela é hoje, por ser abstrata e generalizante, reforça o poder, que na sua estrutura mesma é abstrato e esmagador do humano. Uma ciência em que a subjetividade e o irracional enriqueçam o conhecimento pode desencadear um processo de reversão desse poder destrutivo, tornado-se uma ciência libertadora, e não escravizadora
(Muraro, op. cit., p. 16).


Cabe aqui igualmente uma transcrição de parte de um artigo do nosso querido teólogo e filósofo Leonardo Boff (publicado na Folha de São Paulo em maio de 1996, cuja íntegra poderá ser encontrada na Home Page do autor) sobre a nova visão holística, sistêmica ou ecológica que agora surge:

Uma visão libertadora

"A ecologia integral procura acostumar o ser humano com esta visão global e holística. O holismo não significa a soma das partes, mas a captação da totalidade orgânica, una e diversa em suas partes, mas sempre articuladas entre si dentro da totalidade e constituindo esta totalidade. Esta cosmovisão desperta no ser humano a consciência de sua funcionalidade dentro desta imensa totalidade. Ele é um ser que pode captar todas estas dimensões, alegrar-se com elas, louvar e agradecer aquela Inteligência que tudo ordena e aquele Amor que tudo move, sentir-se um ser ético, responsável pela parte do universo que lhe cabe habitar, a Terra. Ela, a Terra, é, segundo notáveis cientistas, um superorganismo vivo, denominado Gaia, com calibragens refinadíssimas de elementos físico-químicos e auto-organizacionais que somente um ser vivo pode ter. Nós, seres humanos, podemos ser o satã da Terra, como podemos ser seu anjo da guarda bom. Esta visão exige uma nova civilização e um novo tipo de religião, capaz de re-ligar Deus e mundo, mundo e ser humano, ser humano e a espiritualidade do cosmos. O cristianismo é levado a aprofundar a dimensão cósmica da encarnação, da inabitação do espírito da natureza e do panenteísmo, segundo o qual Deus está em tudo e tudo está em Deus. Importa fazermos as pazes e não apenas uma trégua com a Terra. Cumpre refazermos uma aliança de fraternidade/sororidade e de respeito para com ela. E sentirmo-nos imbuídos do Espírito que tudo penetra e daquele Amor que, no dizer de Dante, move o céu, todas as estrelas e também nossos corações. Não cabe opormos as várias correntes da ecologia. Mas discernirmos como se complementam e em que medida nos ajudam a sermos um ser de relações, produtores de padrões de comportamentos que tenham como consequência a preservação e a potenciação do patrimônio formado ao longo de 15 bilhões de anos e que chegou até nós e que devemos passá-lo adiante dentro de um espírito sinergético e afinado com a grande sinfonia universal".

Um Feliz Ano Novo!!!




Mais uma vez, o calendário recomeça mudando apenas o nome do ano. Mais uma vez sonhamos com uma vida melhor, com um mundo melhor. Os mais egoístas pensaram em uma vitória individual melhor... Não importa... Sonhar é preciso. Toda a realização foi um dia sonho... Assim, então, a todos, um Ano Novo de muitas alegrias e belas conquistas!