Pobres coitados, ricos de ódio
Será que alguma hora, certas pessoas vão se dar conta ao papel ridículo a que estão sendo levadas?
Será que é possível que uma pessoa que vive numa das mais belas paisagens do mundo, num bairro onde não falta nada – nem mesmo segurança, porque dentro das precariedades do Brasil e do Rio de Janeiro, ela ali é das melhores – que tem escolas, empregadas, babás para seus filhos, que vive num padrão semelhante aos das melhores cidades dos EUA ou a Europa, se digam oprimidas, reprimidas, perseguidas?
Sinceramente, não lhes tenho ódio, nem quero que se vão embora daqui.
Tenho amigos queridos que votaram no Aécio e não deixam de ser queridos e amigos por isso, até porque aceitam os resultados e a vontade da maioria, que não os oprime.
Em plena ditadura, éramos muito mais fraternos… O colega mais “bem-de-vida” dos tempos de faculdade, o saudoso Robertão, tinha um sobrenome aristocrático, um Puma e um barraco no Morro do Salgueiro, devidamente decorado com um escudo do Botafogo, sua paixão…
Vivemos tempos de intolerância, agora e é direito do povo brasileiro saber que sentimentos se está provocando em alguns grupos que perderam completamente a capacidade de olharem para si mesmos e se considerarem seres humanos especiais, enquanto o resto do país é desprezível.
Nem eles sabem, mas é um transtorno mental assim que serve de incubadora do ovo da serpente do totalitarismo, de um novo Golpe para benefício das elites de sempre em detrimento do Brasil.
Infelizmente, a direita brasileira deu ao nosso país milhares e milhares de pessoas assim, incapazes de ver nos pobres não as vítimas de um modelo econômico, mas os culpados por se pretenderem tão seres humanos e tão cidadãos quanto eles.
Imaginem se os mais pobres os odiassem assim como eles odeiam?
É verdade que estes núcleos sempre existiram, mas se multiplicaram e desde junho passado, foram legitimados para xingar, agredir e serem intolerantes.
Isso faz mal ao convívio humano e a única forma de reduzi-los aos grupinhos que sempre foram é não lhes responder com mais ódio.
O ódio é tratar o diferente como inimigo e acabar com a capacidade de convívio.
Peço, portanto, que leiam sem ódio a reportagem de Lucas Vetorazzo, na Folha.
Sem ódio e com a piedade que merecem seres humanos transtornados.
É isso o que precisamos desafazer, embora não reste muita esperança de que gente que chegou a este ponto venha a retomar a razão com rapidez.
As calçadas e os bares do Leblon já foram frequentados por gente, como o Tom Jobim, que amava a paz, o mundo, as pessoas.
Terão virado terra de selvagens?
No Leblon, eleitores de Aécio falam em deixar o país
Lucas Vetorazzo, da Folha
Faltavam oito minutos para as 20h, hora em que se acreditava que o nome do novo presidente da República seria conhecido, e uma chuva fina caía no Leblon, o bairro com o metro quadrado mais caro do Rio.
Nada que esmorecesse o ânimo dos eleitores de Aécio Neves (PSDB) que assistiam à apuração no Botequim Informal, na rua Conde de Bernadote, tradicional ponto de encontro da classe média alta carioca.
“P… que pariu, o Aécio é presidente do Brasil”, passou cantando um eleitor, causando frisson no bar. As pessoas se abraçavam e comemoravam meio incrédulas. Rapidamente se soube que não passava de farra, pois o resultado ainda tardaria para ser divulgado.
O artista plástico Zeca Albuquerque, 48, morador do bairro nobre da zona sul do Rio, disparou que “se a Dilma ganhar, eu vou deixar o país. Vou morar em Miami”, enquanto comia um pastel de carne e bebia um chope tirado na hora.
O motivo se sua possível mudança para os EUA seria para fugir “dos vinte anos de ditadura do PT”, colocando na conta mais quatro anos, além dos 16 que o partido completará ao final do mandato de Dilma Rousseff, que mais tarde seria confirmada para o comando do Planalto pela segunda vez.
Questionado se mesmo com eleições regulares ele mantinha a crença de que viva em uma ditadura, ele afirmou que o aparelhamento da máquina pública perpetuava uma lógica ditatorial no país.
“É o aparelhamento do estado. Sai um, entra outro. Não há liberdade de expressão nesse país”, respondeu. O fato de criticar a presidente em público não é prova da liberdade de expressão?
“Eu só estou falando isso porque ela não está aqui atrás de mim, senão ela me dava um tapa, essa horrorosa. Minha vontade é raspar o cabelo dela”, disse.
A TV sintonizada na Globonews estava no mudo. Àquela altura, as 20h já tinham chegado e o resultado ainda não estava fechado. Dilma vencia por pouco. Os ânimos se acirravam no bar majoritariamente aecista.
A notícia da derrota do candidato tucano deixou Albuquerque inconsolável. Entre uma mordida e outra, batia com o copo de chope na mesa e xingava a presidente com palavrões impublicáveis. “Eu não vou dormir essa noite”. Mas antes ainda teve tempo de vaiar três eleitores de Dilma que passaram comemorando. O bar inteiro os vaiou.
Tão exaltada quanto estava Ana Silvia Castignani Alves da Silva, 37. Ela era uma das que dizia em voz alta que deixaria o país para morar na Itália, já que ela e seu filho pequeno têm dupla cidadania. Moradora do Leblon e formada em turismo, a gerente de vendas disse que o principal motivo para deixar o país é o alto custo de vida da classe média alta brasileira. Ela se disse uma “sobrevivente” desse cenário, que seria, em sua opinião, culpa do PT.
“Eu tenho a graça de ter dupla cidadania. Porque lá na Europa o meu filho tem educação e saúde grátis e de qualidade. Para que eu pago R$ 2 mil de colégio? Para essa mulher ganhar?”, disse ela, que continuou elencando suas “dificuldades”, pedindo desculpa de quando em quando pelos palavrões e pela “sinceridade”.
Entre as dificuldades, destacou a necessidade de morar de aluguel no Leblon “porque trabalha em um hotel no bairro e o custo de transporte ficaria muito alto se morasse em outro lugar” e porque tem a necessidade de pagar uma empregada para cuidar do seu filho enquanto ela trabalha doze horas por dia– “no Brasil a gente é obrigado e ter empregada doméstica para criar os nossos filhos enquanto a gente trabalha”.
“Na época dos meus pais, a classe média tinha o melhor apartamento, o melhor carro. Hoje eu sobrevivo. Eu vou sair do país por isso. A minha vida é essa, eu não vivo”, lamentava com um copo de chope pela metade.
Assim como ela, Alexandre Pereira Lukine, 40, gerente de tecnologia da informação da Tata Consultance Service, multinacional indiana instalada no Brasil, dizia que acreditava que a saída para classe média alta à eleição de Dilma seria o Galeão, o aeroporto internacional do Rio. Ele, que afirmou ser formado na Seattle Pacific University, nos EUA, disse que já nesta segunda começará a mandar currículo para fora do país.
Para ele, o governo do PT estimula que as pessoas tenham baixa formação, e os mais escolarizados pagam impostos para sustentar “os vagabundos em idade laboral que recebem bolsa isso e bolsa aquilo”, o que ele classificou não como um programa social, mas como “propina eleitoral”.
“As cabeças pensantes estão indo embora. Se eu ficar aqui eu vou virar o que? Vou ser guardador de carro? Quanto mais eu estudo, menos eu ganho. Pode escrever isso aí”, bradou.
A socióloga e historiadora Silvia Pantoja, 65, assistia à apuração com um grupo de amigos e dizia estar revoltada. Disse que deixaria o país, sem saber ainda pra onde iria. Ela, que disse ter militado no movimento estudantil durante o governo militar, comparou os 16 anos do PT com os 21 anos de ditadura militar.
Ela criticou a luta armada que Dilma empreendeu junto com outros militantes durante a ditadura, mas deixou escapar uma fantasia oculta de, por suas próprias mãos, mudar a situação atual do país.
“Se não fosse pela minha filha, eu dava uma de kamikaze e metralhava ela [Dilma]. Isso aqui é uma ditadura, eu não tenho mais o menor respeito por ela, que matou várias pessoas na luta armada fazendo terrorismo. Tinha que acabar a reeleição no Brasil”, disse.
A empresária Antonia la Porta, 32, estava “indignada”. Queria beber “muita cerveja” para afogar as mágoas. Ela estava na Europa e adiantou a passagem de avião só para votar em Aécio Neves. Agora, é “impeachment na certa”.
Sua amiga, a advogada Roberta Passomides, 32, acha que Dilma Rousseff ilude “os mais ignorantes” com o tanto de “bolsa” que anda distribuindo por aí. Se conhece alguém que votou na petista, “é porteiro, é garçom”. “Eles não sabem o que é Pasadena. O que interesse é ganhar o Bolsa Família”, diz, em referência a um dos escândalos na Petrobras.
Com a vitória de Dilma, o dólar vai subir 20%, lamenta Antonia, que diz ter conversado com economistas.
No mesmo bar do Leblon, o também empresário Alexandre Medrado, 26, acha que “não existem cervejas suficientes no mundo” para curar sua fossa eleitoral. Filiado ao PSDB, ele diz que o PT fez “terrorismo eleitoral” e criou “uma luta de classes desnecessária”.
Com uma longneck na mão, Alexandre também rejeita a “diplomacia esquerdista” do governo Dilma.
A gestora de RH Fernanda Fernandes, 31, é “totalmente contra o PT”, partido impregnado de “espírito de pobre”.
Com um adesivo de Aécio no peito, ela opinou: o PT ” pensa pequeno” e está “se ferrando para a classe média”. Em vez de valoriza-la, diz, prefere “dar condição para uma classe” que não alcançará o mesmo patamar.