segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Uma Nova Aliança entre Ciências e Religião?




Texto de

Leonardo Boff


Cada época cultural estabelece seu diálogo com a natureza. Ora enfatiza seu caráter imponderável e por isso mágico; ora capta sua profunda simetria  e daí a natureza como cosmos; e outras vezes ainda seu aspecto criativo, irredutível à lógica linear. Segundo Alexandre Koyré e Ilya Prigogine (dois teóricos da ciência) é o diálogo experimental que constitui a prática específica da ciência moderna. Hoje para além dela, parece ser a prática holística aquela que caracteriza a abordagem contemporânea da natureza. 
Todas as pronúncias do mundo são complementares e ajudam na decifração daquilo que é mais do que o enigma da natureza, vale dizer, o seu verdadeiro mistério.
Para a visão contemporânea, o universo constitui mais e mais uma realidade incognoscível. Ela é continuamente desafiada a conhecer num processo que não tem fim. Por esta razão é importante tomar a sério as várias janelas que os distintos saberes abrem para a compreensão da natureza. Daí surge seu caráter holístico (totalizante e sintético).

De todas as formas, a leitura do mundo pertence ao complexo cultural do tempo e se inscreve no concerto das demais  práticas. Da dialogação do ser humano com a natureza surgem as  várias cosmologias. Cada cosmologia se orienta por uma imagem do mundo resultante dos mais distintos saberes.

Curiosamente, cada comologia suscita a questão de Deus. E com razão, pois como dizia o grande físico David Bohm, (prêmio Nobel):”as pessoas intuem  uma forma de inteligência que organizou, no passado, o universo e a personalizaram chamando-a “Deus”.

A cosmologia antiga via o mundo na metáfora da pirâmide. Deus se encaixava aí perfeitamente, como  o cume de todos os seres. Na cosmologia moderna de A. Newton e de G. Galilei o mundo era visto como uma máquina que funciona com suas leis determinísticas. Deus entra como  o arqueteto do universo  que  no início colocou a máquina em funcionamento. E não precisa mais acompanhá-la. A cosmologia contemporânea considera o mundo como um jogo ou uma dança ou uma teia ou uma rede. Já há décadas, se reconhece que o universo constitui um imenso jogo de forças em interação, uma dança cósmica de partículas sempre interdependentes, formando campos de matéria e de energia cada vez mais ordenados, até que nos seres vivos ganha autoregulação que escapa à segunda lei da termodinâmica: a entropia. A seta do tempo, ao invés de nos conduzir para a desordem máxima e a morte térmica, nos introduz a patamares sempre mais altos de sentido e de criatividade. É a visão de Ilya Prigogine (prêmio Nobel) com suas estruturas dissipativas.

O que mais fascina os cientistas é a constatação da harmonia e da beleza do universo. Tudo parece ter sido montado para que, da profundidade abissal de um oceano de energia primodial (o vácuo quântico), devessem surgir o campo de Higgs, os bósons, as partículas elementares, depois a matéria ordenada, em seguida a matéria complexa que é a vida e por fim a matéria em sintonia completa de vibrações, formando uma suprema unidade  holística: a consciência (condensado Bose-Einstein de tipo Fröhlich/Prigogine).


Como dizem os formuladores do princípio andrópico (forte e fraco, Brandon Carter, Hubert Reeves e outros): se as coisas não tivessem ocorrido como ocorreram, não estaríamos aqui para falar delas. Quer dizer, para que  pudéssemos estar aqui, foi necessário que todos os fatores cósmicos, em todos os 13,7 bilhões de anos, tivessem se articulado e convergido de tal forma que fosse possível (mas não necessário) a complexidade, a vida e a consciência. Caso contrário nada exisitira daquilo que hoje existe.

Há uma minuciosa calibragem de medidas sem as quais as estrelas jamais teriam surgido ou  eclodido a vida no universo. Por exemplo, caso a interação nuclear forte (aquela que mantem a coesão dos núcleos atômicos) tivesse sido 1% mais forte, jamais se formaria o  hidrogêneo que combinado com o oxigênio nos daria a água, imprescindível aos seres vivos.

Em cada coisa encontramos o todo, o caos sendo criativo, as forças interagindo, as partículas se articulando, a estabilização da matéria acontecendo, a abertura  para novas relações se dando e a vida criando ordens cada vez mais sofisticadas e autoconsciente.

A verificação desta  ordem do universo faz surgir nos cientistas, como em Einstein, Heisenberg, Bohm, Prigogine, Swimme e outros  o sentimento de assombro e de veneração. Ela nos abre para os espaços infinitos da indagação humana: o que existia antes da existência temporal do universo? por que existe o ser e não o nada? que é Aquela realidade que se apresenta como o ordenador e o sustentador de todos os fenômenos?

Ela tem um nome, da nossa reverência e de nossa unção. Um filósofo como J.Guitton podia dizer:”não ouso nomeá-la, pois qualquer nome é imperfeito para designar o Ser sem semelhança”. Um teólgo ousa mais: chama-o de Deus: a Energia de todas as energias.

Leonardo Boff e Mark Hathaway escreveram de O Tao da Libertação (diálogo entre ciência moderna e teologia: Vozes 2012)


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O que se deve aprender do momento de crise atual?



Texto de Leonardo Boff sobre o que se pode aprender da atual crise mundial:


Das muitas reflexões acerca do colapso do sistema neoliberal, três despontam com claridade. 

A primeira é que para salvar o Titanic afundando não bastam correções e regulações no sistema em naufrágio. Precisa-se de uma outra rota que evite o choque com o iceberg: uma produção que não se reja só pela ganância nem por um consumo ilimitado e excludente.

 A segunda, não valem rupturas bruscas na ilusão de que já nos transportariam para um outro mundo possível, pois seguramente implicariam no colapso total do sistema de convivência, com vitimas sem conta, sem a certeza de que das ruínas nasceria uma nova ordem melhor. 

A terceira, a categoria sustentabilidade é axial em qualquer intento de solução. Isso significa: o desenvolvimento necessário para a manutenção da vida humana e para a preservação da vitalidade da Terra não pode seguir as pautas do crescimento até agora vigentes (olho no PAC de Dilma Rouseff). Ele é demasiado depredador do capital natural e parco em solidariedade generacional presente e futura. Importa encontrar um sutil equilíbrio entre a capacidade de suporte e regeneração da Terra com seus diferentes ecossistemas e o pretendido desenvolvimento necessário para assegurar o bem viver humano e a continuidade do projeto planetário em curso que representa a nova e irreversível fase da história.

Esta diligência precisa acolher a estratégia da transição do paradigma atual que não garante um futuro sustentável para um novo paradigma a ser construído pela cooperação intercultural que signifique um novo acerto entre economia e ecologia na perspectiva da manutenção da vida na Terra.

Onde vejo o grande gargalo? É na questão ecológica. Ela é citada apenas en passant nas agendas políticas visando a superação da crise. Na reunião dos G-20 no dia 2 de abril, em Londres, o tema não influiu na formulação dos instrumentos para ordenar o caos sistêmico. Não se trata apenas do mais grave de todos - o aquecimento global -, mas também do degelo, da acidez dos oceanos, da crescente desertificação, do desflorestamento de grandes zonas tropicais e do surgimento do planeta-favela em razão da urbanização selvagem e do desemprego estrutural. E mais ainda: a revelação dos dados que mostram a insustentabilidade geral da própria Terra, cujo consumo humano ultrapassou em 30% sua capacidade de reposição.

Uma natureza devastada e um tecido social mundial dilacerado pela fome e pela exclusão anulam as condições para a reprodução do projeto do capital dentro de um novo ciclo. Tudo indica que os limites da Terra são os limites terminais deste sistema que imperou por vários séculos.
O caminho mais curto para o fracasso de todas as iniciativas visando sair da crise sistêmica é esta desconsideração do fator ecológico. Ele não é uma "externalidade" que se pode tolerar por ser inevitável. Ou lhe conferimos centralidade em qualquer solução possível ou então teremos que aceitar o eventual colapso da espécie humana. A bomba ecológica é mais perigosa que todas as bombas letais já construídas e armazenadas.

Desta vez teremos que ser coletivamente humildes e escutar o que a própria natureza, aos gritos, nos está pedindo: renunciar à agressão que o modelo de produção e consumo implica. Não somos deuses nem donos da Terra mas suas criaturas e seus inquilinos. Belamente termina Rose Marie Muraro um livro a sair em breve pela Vozes "Querendo ser Deus, por quê?". Quando tivermos desistido de ser deuses, poderemos ser plenamente humanos o que ainda não sabemos o que é, mas que já intuíamos desde sempre.

Leonardo Boff