Nos três grandes genocídios do século passado os assassinos eram pessoas de bem, pessoas normais, que apenas defendiam suas tradições
Fascistas
por Wilson Ramos Filho – Xixo, publicado no Jornal GGN
Há uma natural repulsa em admitir que o Brasil é o país com maior número de fascistas no mundo. Todavia, bem contadinho, provavelmente haja mais fascistas no Brasil atual do que havia na Alemanha no final da década de trinta do século passado.
Vocês viram o vídeo do fascista Paulo César Bezerra da Silva agredindo a músico negro? É de dar muita raiva (clique aqui para ver). O sujeito anda armado pela rua curitibana que leva o nome do socialista utópico Dr. Faivre enquanto o Neno convalesce e se recupera das covardes violências físicas e morais de que foi vítima. E a polícia civil, aparentemente, não tem pressa em investigar o caso. Marcaram a ouvida das partes apenas para março do próximo ano. Não, não é apenas mais uma evidência da vadiagem dos servidores públicos de que nos falam os neoliberais. Há uma vontade expressa de não punir o agressor fascista.
O primeiro genocídio do século passado não começou do nada, com centenas de pessoas saindo às ruas para promover a “solução final” para a “questão armênia” assassinando cristãos a marteladas e a machadadas. Primeiro houve uma morte e a Justiça turca foi leniente com o assassino. Depois vieram outros assassinatos de integrantes da minoria armênia e as autoridades turcas não puniram os agressores. A partir daí todos os que odiavam os cristãos armênios se sentiram autorizados a promover seu extermínio. A palavra genocídio foi utilizada pela primeira vez exatamente para descrever esses assassinatos em massa praticados por pessoas normais contra inimigos inventados.
O segundo genocídio, dos ciganos, dos homossexuais, dos comunistas e dos judeus, aconteceu à vista de todos, sob a égide da constituição de Weimar, com a leniência do judiciário alemão, porque as pessoas não se importaram com a escalada do ódio que compunha o ideário nazista da solução final e da supremacia da raça.
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O terceiro grande genocídio do século passado, em Ruanda, quando quase um milhão de Hutus foram assassinados a golpes de facão, pelos Tutsis, no prazo de 40 dias, só aconteceu porque os primeiros assassinatos não foram punidos. Como a polícia, o judiciário e até as forças de paz da ONU se omitiram, os assassinos, gente normal, temente a deus, se viram autorizados a promover a solução final para a questão Tutsi.
Os fanáticos patriotas que bloqueiam estradas fantasiados de véio-da-havan não são inofensivos. Aquelas velhas e aqueles velhos, hoje em surto, frequentaram o primário e o ginásio durante a ditadura militar e eram obrigados a marchar, a cantar o hino nacional, a adorar a bandeira positivista, a fazerem ordem unida nos colégios públicos e privados semanalmente. Aquelas práticas aparentemente inofensivas, fomentadoras do civismo e do patriotismo, deixaram sequelas nesta gente. É como se não tivessem amadurecido apesar da velhice, como se tivessem sido condenados a viver eternamente em um ambiente de quinta série, infantilizados, birrentos, mas são todos, em maior ou menor grau, potencialmente violentos.
Os sequelados mentais que tomam chuvas acampados em frente aos quartéis rezando para extraterrestres, ou para um deus visivelmente impotente, rogando aos céus e às galáxias onde orbita nosso plano planeta por um golpe militar que lhes restitua a ditadura de suas infâncias, não são menos violentos que os seus predecessores nas defesas de soluções finais contra seus inimigos inventados.
Nos três grandes genocídios do século passado os assassinos eram pessoas de bem, pessoas normais, que estavam apenas defendendo suas tradições ou uma determinada maneira de existir em sociedade. Eram pessoas ordinárias como estas que fazem bloqueios nas estradas, que cantam hino para pneus, que sinalizam com a lanterna do telefone celular para discos voadores, que oram aos berros para surdos deuses provavelmente inexistentes, que marcham soldado-cabeça-de-papel, que são motivos de escárnio internacional. Pessoas normais, mas em delírio coletivo, praticando conscientemente ilegalidades.
Os que assassinaram ou os que não se importaram muito com o extermínio de cristãos armênios, de judeus, de homossexuais, de ciganos, de comunistas ou de pessoas da etnia tutsi, não eram muito diferentes da Polícia Rodoviária Federal que decidiu prevaricar, do PM nazista ou do seu filho de 16 anos branquelo que assassinou 4 pessoas e feriu outras nove na escola com a arma do pai, ou dos jornalistas do Jornal Estado de São Paulo que intencionalmente alteram os fatos estampando a foto de uma mão negra empunhando um revólver para ilustrar assassinatos praticados pelo mencionado jovem branco. Não eram também muito diferentes do empresário sonegador de Volta Redonda que agrediu Gilberto Gil no Catar, do fascista curitibano que bateu com um cassetete no músico negro curitibano porque ele é negro, ou dos terroristas vagabundos do agronegócio que promovem bloqueios das estradas por não se conformarem com o resultado das eleições e que inventam inimigos imaginários para aglutinar outros fascistas para seus atos de vandalismo.
Caso os ministérios públicos estaduais e as magistraturas estaduais não estejam integralmente dominados pela Direita Concursada (uma gente ruim que usa seus cargos para preservar suas sinecuras e seus privilégios de classe), talvez alguns desses fascistas, inclusive seus financiadores, sejam exemplarmente punidos. Esperamos que sim. A democracia brasileira depende disto. Caso contrário, como na Turquia, na Alemanha e em Ruanda, os fascistas brasileiros se sentirão autorizados a avançar sobre os vencedores nas eleições deste ano, sobre seus inimigos imaginários e sobre o que ainda resta de institucionalidade em nosso país.
Xixo, 28 de novembro de 2022