Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.
Inspirado pela civilidade de Eunice Paiva, filme humilha a extrema direita
Há pelo menos seis anos, o Brasil respira o ar carregado do enxofre que a extrema direita espalhou no país. O movimento que levou Jair Bolsonaro à Presidência jogou no lixo todos os vestígios de civilidade e ética que já eram escassos na política nacional.
Essa grosseria contaminou praticamente todos os setores da sociedade. Aquela lenda do “brasileiro cordial” foi para o espaço.
Tudo dessa gente é baseado em ódio. Seja ódio aos direitos humanos, às mulheres, aos negros, aos pobres, à ciência… Para eles, praticamente tudo é odiável se não seguir sua cartilha ideológica.
Nessa trip rancorosa, os neofascistas brasileiros dedicam repulsa especial a uma categoria: os artistas.
Como consequência, desde que Bolsonaro se tornou presidente, os recursos para a cultura encolheram drasticamente. Nos encontros presenciais de bolsonaristas e nas suas redes sociais, os artistas passaram a ser tratados como parasitas, vagabundos que se beneficiam do dinheiro público.
O Ministério da Cultura, que já foi chefiada por Gilberto Gil (!), foi rebaixado a Secretaria e os seres mais desprezíveis designados para comandá-la: um sujeito que mimetizava nazistas e um ator de terceira categoria do antigo elenco de “Malhação”.
Entende-se essa raiva.
A arte constrói um espaço que é oposto do que eles pretendem instaurar.
Por incrível que pareça, faz todo sentido que eles odeiem os artistas.
A cultura é capaz de nos tirar desta realidade pesada e transportar para um espaço abstrato, poético, sensível. No sentido oposto, também pode nos resgatar da alienação, do falso paraíso, e esfregar na nossa cara as mazelas do presente que não queremos enxergar, ou os traumas do passado que nos querem fazer esquecer.
É justamente essa a tarefa que cumpre o filme ‘Ainda estou aqui’.
Talvez porque a realidade atual esteja tão barra pesada, lembramos muito pouco dos opressores do passado recente, buscamos temas mais agradáveis, imaginando que a sociedade brasileira estava em consenso mínimo.
Foi assim que a brutalidade da ditadura militar deixou de ser citada com a frequência devida, a tal ponto que jovens se surpreenderam com a repressão retratada no filme, mesmo de forma tão sutil.
A maneira delicada com que aborda os anos de chumbo fez o público se colocar no lugar daquela família que repentinamente perde o pai, o homem que desaparece para nunca mais voltar.
Talvez essa abordagem, bem distante do banho de sangue que o cinema e os canais de filmes proporcionam diariamente, tenha sido decisiva para o envolver o público.
Conduzido pela interpretação magistral de Fernanda Torres, o espectador se emociona com a mulher que contém o desespero de ver Rubens Paiva sumir, sem saber se voltará a vê-lo e sem querer desesperar os filhos.
Foi assim que Fernanda ganhou o Globo de Ouro e conquistou a indicação para concorrer ao Oscar de melhor atriz. Da mesma forma, ela deu empurrão decisivo para as indicações da obra para disputar a estatueta de “melhor filme” e “melhor filme estrangeiro”.
O filme, como este colunista já assinalou, não precisa do aval gringo como atestado de qualidade. Mas é fenomenal a visibilidade planetária que o Oscar confere à película, ao diretor, aos atores, à ditadura militar, a Rubens Paiva e… a Eunice Paiva.
Em uma entrevista após a indicação ao Oscar, Fernanda Torres destacou a principal característica que ajudou Eunice a enfrentar a ditadura militar sem se contaminar pela brutalidade dos algozes de Rubens Paiva: a civilidade.
E foi assim, dessa forma toda própria, que ela protegeu os filhos, protegeu os amigos, protegeu os indígenas e vários outras pessoas.
A dignidade de Eunice, descrita de forma emocionada no livro do filho Marcelo, atravessou o tempo e, por causa do filme, atraiu a admiração do mundo.
Aos opressores de ontem e aos que têm saudades deles, resta recolherem-se à sua incivilidade e emitir rosnados escatológicos nas redes sociais, para dar vazão aos ressentimentos.
No topo do mundo, onde estão aqueles que resgataram a história de Eunice Paiva, não é possível ouví-los.
Depois do primeiro dia de governo, com Donald Trump batendo seus tambores, começam a aparecer rapidamente as contraindicações. Nas últimas eleições, Trump levou os 40 votos de delegados do Texas, ao conquistar 56,1% dos votos diretos.
Agora, há um temor generalizado no estado em relação a duas propostas de Trump: a guerra comercial com a China e o fim dos incentivos à energia verde. E, ainda, há o risco de retaliação comercial do México – alvo de uma tarifa de 25% nas suas exportações -, maior comprador da carne do Texas.
Os agricultores do Texas têm expressado preocupações em relação aos planos de Donald Trump sobre a China e a energia verde, principalmente devido ao impacto que essas políticas podem ter em suas operações e na economia agrícola como um todo. Aqui estão alguns pontos-chave de preocupação:
1. **Guerra Comercial com a China**: Durante sua presidência, Trump implementou tarifas sobre produtos chineses, o que levou a China a retaliar com tarifas sobre produtos agrícolas dos EUA, incluindo soja, milho e carne suína. Os agricultores do Texas, que dependem fortemente das exportações para a China, sofreram perdas significativas de mercado e redução nos preços das commodities. A preocupação é que uma nova escalada nas tensões comerciais possa repetir esse cenário, prejudicando ainda mais o setor.
2. **Acesso ao Mercado Chinês**: A China é um dos maiores importadores de produtos agrícolas dos EUA, e qualquer interrupção no acesso a esse mercado pode ser devastadora para os agricultores. Eles temem que políticas agressivas ou imprevisíveis em relação à China possam resultar em barreiras comerciais adicionais, afetando negócios de longo prazo.
3. **Energia Verde e Combustíveis Renováveis**: O Texas é um grande produtor de energia, incluindo petróleo, gás natural e, cada vez mais, energia eólica. Muitos agricultores também estão envolvidos na produção de biocombustíveis, como o etanol. Políticas que desfavoreçam a energia verde ou que não apoiem a transição para fontes renováveis podem afetar negativamente esses setores. Além disso, a incerteza em relação aos subsídios e incentivos para energias renováveis pode desencorajar investimentos em infraestrutura verde.
4. **Impacto no Custo de Produção**: Políticas energéticas que priorizam combustíveis fósseis em detrimento de energias renováveis podem levar a aumentos nos custos de energia para os agricultores, especialmente se houver volatilidade nos preços do petróleo e gás. Isso pode pressionar ainda mais as margens já estreitas dos agricultores.
5. **Sustentabilidade e Mudanças Climáticas**: Muitos agricultores estão cada vez mais conscientes dos impactos das mudanças climáticas em suas operações, como secas e tempestades mais intensas. Políticas que não priorizem a sustentabilidade e a redução das emissões de carbono podem ser vistas como um retrocesso, especialmente para aqueles que estão tentando adotar práticas mais sustentáveis.
Em resumo, os agricultores do Texas estão preocupados com a possibilidade de novas tensões comerciais com a China, que poderiam fechar mercados importantes, e com políticas energéticas que não apoiem a transição para fontes renováveis, o que poderia aumentar custos e desincentivar práticas sustentáveis. Essas incertezas podem ter um impacto significativo na viabilidade econômica de suas operações a longo prazo.
Ex-ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis se destacou por suas opiniões críticas em relação à austeridade fiscal imposta pela União Europeia e pelo FMI, que quase destruíram o país.
Em artigo ao “Project Syndicate”, ele minimiza as ameaças de Donald Trump de aumento tarifários. Diz ele que os líderes chineses interpretam como jogadas políticas simbólicas, e não armas econômicas – mesmo porque, empresas americanas estão entre as grandes beneficiárias da produção chinesa.
O grande dilema chinês é se deve ou não desvincular sua economia do sistema monetário dominado pelo dólar, montando um arranjo tipo Bretton-Woods com os BRICS.
A bola está com os falcões de Trump encarregados de pensar a China.
Tarifas de importação, mais cortes de impostos para grandes corporações e desregulamentação radical aumentarão os lucros e os preços das ações nos EUA. A consequência será aumentar o fluxo de capital estrangeiro para os EUA.
Haverá um aumento do déficit orçamentário e um fortalecimento inicial do dólar, mitigando o efeito negativo das tarifas sobre as exportações chinesas. Mas há um limite, diz Varoufakis, que é a crença dos investidores de que o aumento nos rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA não ofuscará os índices de ações dos EUA. Aumentará a lacuna entre poupança doméstica e investimento, a causa raiz do déficit comercial dos EUA em relação à China e à Europa.
Varoufakis descreve os problemas de Trump como um “trilema”: como combinar tarifas altas, um dólar mais fraco e manter a hegemonia global do dólar?
Os líderes chineses julgam que Trump tentará com eles o que Ronald Reagan fez com o Japão no Plaza Accord de 1985.
Nos anos 1980, o dólar americano estava extremamente valorizado devido a uma combinação de altas taxas de juros nos EUA e políticas fiscais expansionistas do governo Reagan. Essa valorização tornou as exportações americanas muito caras e pouco competitivas, ao mesmo tempo que incentivava a entrada de importações baratas, ampliando o déficit comercial dos EUA.
Foi fechado um acordo com o Japão e a Alemanha Ocidental. Ambos se comprometeram a valorizar suas moedas em relação ao dólar, barateando as exportações americanas e encarecendo as suas exportações.
Com o acordo, o dólar perdeu 50% de seu valor. A valorização do iene acabou provocando a formação de uma bolha de ativos que explodiu anos depois e a crise financeira continuou nos anos 90.
Obviamente, a China não é o Japão. Na época, havia 55 mil militares dos EUA estacionados no Japão, derrotado na Segunda Guerra Mundial. Além disso, a China já não é mais tão dependente do mercado norte-americano, diversificou, montou cadeias de suprimento próprias, indispensáveis em todo o mundo.
Não há chance, portanto, de um repeteco do Plaza Accord com a China. Mas é possível que aceite uma negociação simbólica com um acordo envolvendo tarifas ligeiramente mais baixas.
O maior impacto será sobre a União Europeia. A recalibração do comércio mundial se dará com os EUA comprando mais do Vietnã e da Índia e a China disparando suas exportações para a Europa e o resto do mundo. Além disso, a valorização do dólar provocará uma transferência de capitais europeus para os Estados Unidos.
O enorme salto tecnológico recente da China foi reação à nova Guerra Fria produzida por Trump em seu primeiro mandato e intensificada por Joe Biden.
O risco maior será se os falcões pressionaram o governo Trump a impor sanções financeiras à China, como foram impostas à Rússia. A defesa da China será acelerar a moeda única dos BRIC. tendo o superávit comercial chinês como seu suporte.
Para consolidar a moeda, a China teria que disponibilizar seus excedentes aos BRICS para permitir que as rúpias que a Rússia recebe por suas exportações de petróleo à Índia possam ser trocadas, a uma taxa quase fixa, por renminbi, para serem gastos em produtos chineses. Foi o que os EUA fizeram nas décadas de 1950 e 1960 para consolidar o sistema de Bretton Woods.
Mas tudo isso dependerá do jogo geopolítico, não da economia.
A imagem de Donald Trump – assim como a de Jair Bolsonaro no Brasil – foi modelada de acordo com o figurino do fascismo dos anos 20.
Tanto lá, como agora, o Ocidente foi submetido a uma ampla financeirização e as mudanças tecnológicas que esmagaram o emprego e deixaram as pessoas órfãs de Estado. Nos dois momentos, a ultrafinanceirização criou um enorme mal estar, resultando na reação dos movimentos sindicais.
O fascismo conquistou admiradores entre o empresariado por bater de frente com o movimento sindical e praticar um populismo enganador, contando com o uso intensivo das novas mídias – rádio, nos anos 20, redes sociais, agora.
Não fosse o papel de Franklin Delano Roosevelt, e a postura expansionista de Adolf Hitler, e provavelmente o grande empresariado norte-americano teria aderido ao fascismo.
Agora, sem o bode do expansionismo alemão, os oligarcas da tecnologia e do mercado se aliam ao novo Mussolini.
O uso da psicologia de massas do fascismo é nítido.
Uso de símbolos e gestos
A criação de “inimigos”.
Hitler apontou os judeus. Trump aponta os imigrantes e os árabes.
Depois do jogo de cena da interrupção provisória do genocídio de Gaza, Trump aprofundará as relações com Israel. No primeiro governo, liberou geral a ocupação de terras da Palestina por colonos judeus radicais.
Algumas lideranças judaicas progressistas manifestaram preocupação com sua eleição. Mas Trump tem recebido amplo apoio de sionistas conservadores.
A Liga Antidifamação – órgão de vigilância do antissemitismo nos EUA – defendeu Elon Musk depois da saudação nazista:
“Este é um momento delicado. É um novo dia e, ainda assim, muitos estão nervosos. Nossa política está inflamada, e as mídias sociais só aumentam a ansiedade.
Parece que @elonmusk fez um gesto estranho em um momento de entusiasmo, não uma saudação nazista, mas, novamente, reconhecemos que as pessoas estejam nervosas.
Neste momento, todos os lados devem dar um pouco de graça um ao outro, talvez até mesmo o benefício da dúvida, e respirar fundo. Este é um novo começo. Vamos esperar pela cura e trabalhar pela unidade nos meses e anos que virão”.
This is a delicate moment. It’s a new day and yet so many are on edge. Our politics are inflamed, and social media only adds to the anxiety.
It seems that @elonmusk made an awkward gesture in a moment of enthusiasm, not a Nazi salute, but again, we appreciate that people are on…
Mussolini desenvolveu uma política externa agressiva e expansionista, buscando restaurar o Império Romano e aumentar a prestígio da Itália no cenário mundial. Conseguiu expandir o Império Italiano na África e no Mediterrâneo, invadindo a Líbia, a Etiópia e outras regiões. Nas colônias, as populações locais foram submetidas a políticas racistas e opressivas.
A segregação racial foi imposta, com os colonos italianos recebendo privilégios, enquanto os nativos eram tratados como inferiores. Na Etiópia, o uso de armas químicas e a violência sistemática contra a população civil marcaram a brutalidade do regime.
Trump ameaça invadir o Panamá, mudar o nome do Golfo do México, invadir a Groenlândia.
Os grandes eventos e o culto à personalidade
As celebrações nazistas enfatizavam a unidade do “Volk” (povo) alemão. O regime usava esses eventos para reforçar a ideia de que todos faziam parte de uma grande máquina destinada a restaurar a glória. Nenhuma coincidência com o discurso de Trump.
Hitler era apresentado como o salvador da Alemanha, e seus discursos nos eventos públicos eram o ponto alto das celebrações. A massa era incentivada a demonstrar devoção incondicional
As batalhas pela produção
Trump anunciou a batalha pela produção interna de petróleo, como maneira de mobilizar o país. Mussolini montou campanhas como a “Batalha pelo Trigo” (para aumentar a autossuficiência agrícola) e a “Batalha pelos Nascimentos” (para incentivar o crescimento populacional).
Os elementos comuns
Há inúmeros elementos comuns no nazismo, no fascismo e no trumpismo:
Uso de Simbolismo: Ambos os regimes usavam bandeiras, uniformes e gestos (como a saudação romana) para fortalecer o pertencimento ao grupo.
Exaltação Militar: Desfiles militares eram comuns, simbolizando a força do regime e intimidando opositores.
Mídia de Massa: Fotografia, cinema e rádio amplificaram o impacto dos eventos, levando uma mensagem além dos locais onde ocorriam.
Emoção e Controle: Os eventos criavam uma atmosfera emocional intensa, eliminando o pensamento crítico e promovendo o conformismo.
Liderança Carismática: Ambos projetavam a imagem de líderes fortes, próximos do povo, mas infalíveis e visionários.
Propaganda Massiva: A propaganda era central para transmitir mensagens simples e emotivas que ressoavam com a população.
Culpa em “Inimigos Externos” e “Traidores Internos”: Minorias e opositores eram demonizados como responsáveis pelos problemas nacionais.
Criação de um Ideal de Comunidade: O povo era incentivado a se unir em torno de um ideal nacionalista e cultural comum.
Ataques aos críticos: Squadristi , conhecidos como “Camisas Negras”, eram milícias paramilitares que atacavam críticos do regime. Eles realizaram espancamentos, destruição de propriedades e, em casos extremos, assassinatos de opositores. Até agora, a ultradireita tem utilizado ataques em massa aos críticos, pelas redes sociais.
O renascimento de Mussolini, à frente da maior nação do planeta, será o desafio da próxima década.
Em discurso na posse de Donald Trump, Elon Musk faz gesto nazista
É o segundo apoiador importante de Trump que faz essa mesma saudação em 48 horas
Apoiador de primeira hora de Donald Trump, o dono do X e da Tesla, Elon Musk, discursou em um evento da posse de Donald Trump nesta segunda-feira (20), em Washington, no ginásio Capitol One Arena.
A grande repercussão ficou por conta do gesto feito por Musk com o braço estendido para a frente e a mão espalmada. A saudação é igual à que faziam os nazistas durante o Terceiro Reich.
O empresário foi escolhido por Trump para chefiar o novo Departamento de Eficiência Governamental. Ele exaltou “o sentimento da vitória”. “E não foi uma vitória qualquer. Foi um momento decisivo para a civilização humana.”
“Essa eleição realmente importava. E eu quero apenas agradecer a vocês por fazerem isso acontecer. Obrigado”, afirmou Musk, fazendo o gesto em seguida.
“Graças a vocês, o futuro da civilização está garantido. Teremos cidades seguras, finalmente, fronteiras seguras, gastos sensatos, coisas básicas”, completou.
Musk também falou que o país irá a Marte e disse que será “inspirador” o momento em que “astronautas norte-americanos colocarem a bandeira em outro planeta pela primeira vez”.
Steve Bannon faz gesto nazista
Outro apoiador de Trump fez gesto nazista
Em evento realizado no domingo (19), outro apoiador importante de Trump fez o gesto nazista: Steve Bannon.
Isso aconteceu em uma das atividades relacionadas à posse do novo presidente dos Estados Unidos, em que estavam presentes parlamentares brasileiros, inclusive Eduardo Bolsonaro.
No encontro, Bannon fez referência ao partido alemão de extrema direita AfD e comemorou o fato de a Alemanha ser o próximo país a eleger um governo de direita. A fala foi acompanhada do gesto nazista: braço direito com a palma da mão virada para baixo.
“Nós tivemos uma grande vitória aqui [nos EUA] e estamos ganhando no mundo todo, certo? A próxima parada é a Alemanha. Posso pedir que a Alternativa Para a Alemanha (AfD) se levante? Queremos saudá-los”, disse Bannon.
Sistema monetário comandado pelos EUA tornou-se obsoleto e disfuncional; além de injusto, é claro. Mas substituí-lo exige determinação e criatividade políticas. Quais os obstáculos. Como superá-los. Por que a transição é imprescindível
Publicado 18/10/2024 às 18:00 - Atualizado 23/12/2024 às 18:18
Os BRICS vêm discutindo há algum tempo a possibilidade de construir arranjos alternativos ao dólar norte-americano e ao sistema de pagamentos ocidentais. A atual ordem – mais correto seria dizer desordem – monetária e financeira internacional, dominada pelos Estados Unidos e seus aliados, se mostra crescentemente disfuncional e insegura. O sistema foi transformado em arma geopolítica para aplicação de sanções, punições e confiscos.
Nas últimas semanas, estive em Moscou e participei de três debates sobre essa temática, em eventos precursores da cúpula dos líderes dos BRICS, que ocorrerá em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro. Tento fazer aqui um resumo das conclusões a que cheguei.
O desafio para os BRICS é, antes de tudo, político. Os americanos sempre foram apegados ao que De Gaulle, nos anos 1960, chamava de “privilégio exorbitante” dos Estados Unidos – entendido, em resumo, como a capacidade de pagar suas contas e dívidas simplesmente emitindo moeda. Os EUA não hesitam em acionar os aliados e clientes que possuem em outros países para minar iniciativas desse tipo.
China, Rússia e Irã não são provavelmente muito vulneráveis a esse tipo de pressão. Mas o mesmo não pode ser dito de outros países dos BRICS. Até Beijing pode hesitar em comprar essa briga com Washington.
O desafio também é técnico. Construir um sistema monetário e financeiro alternativo requer trabalho árduo e especializado, bem como negociações prolongadas e difíceis. Somos capazes de realizar isso? Acredito que sim. Mas será que fizemos progresso desde que o assunto ganhou as manchetes? Algum progresso foi feito, mas menos do que se poderia esperar.
Sob a presidência russa dos BRICS, em 2024, houve tentativas parcialmente bem-sucedidas de avançar. Por exemplo, foi criado um grupo de especialistas independentes, do qual faço parte, que discutiu a reforma do sistema monetário internacional e a possibilidade de uma moeda dos BRICS. O conhecido economista americano Jeffrey Sachs é parte desse grupo. Mais importante do que isso: a Rússia preparou uma proposta detalhada para um sistema alternativo de pagamentos transfronteiriços baseado em moedas nacionais – um passo importante na direção de um novo arranjo monetário e financeiro internacional.
Até agora, no entanto, poucos avanços foram feitos no que diz respeito à questão mais fundamental, que seria criação de uma nova moeda como alternativa ao dólar. E mesmo a discussão da proposta russa de um novo sistema de pagamentos ainda é incipiente. O Brasil exercerá a próxima presidência dos BRICS em 2025 e terá a oportunidade de coordenar a discussão, aprofundar a proposta da Rússia e preparar novos passos.
Limites às transações em moedas nacionais e sistemas de pagamento alternativos
O sistema de pagamentos SWIFT, controlado pelos EUA e aliados, é usado sistematicamente como instrumento para punir e ameaçar países e entidades vistas como hostis ou pouco amigáveis. Bancos desses países são sumariamente excluídos do sistema, como aconteceu com a Rússia. Mesmo outros países podem sofrer sanções secundárias, quando procuram transacionar com países ou entidades sancionadas. Por isso, o progresso feito durante a presidência russa na elaboração de alternativas ao SWIFT é, sem dúvida, uma iniciativa muito bem-vinda, que avança na direção de nos livrar da dependência excessiva das moedas e dos sistemas de pagamento ocidentais. Também vêm avançando as transações bilaterais em moedas nacionais entre os BRICS e entre os BRICS e outros países. Crescem, além disso, os swaps bilaterais em moedas nacionais entre bancos centrais, primordialmente com o banco central da China.
Contudo, deve-se reconhecer que transações em moedas nacionais e as alternativas ao SWIFT têm suas limitações. A questão essencial, nem sempre bem compreendida, é que a existência de uma moeda de reserva alternativa constitui, em última análise, uma pré-condição para que a desdolarização funcione plenamente. A razão reside no fato de que apenas acidentalmente haverá um equilíbrio nas transações bilaterais em moedas nacionais. Uma moeda de reserva internacional alternativa é necessária para permitir que os países registrem superávits e déficits ao longo do tempo. Na ausência disso, os países têm que recorrer a esquemas custosos equivalentes a escambo – ou então voltar ao dólar americano e outras moedas tradicionais, o que derrotaria todo o propósito do exercício.
Um exemplo. A Rússia tem um superávit substancial com a Índia. O comércio e outras transações são realizados principalmente em moeda nacional. Portanto, a Rússia vem acumulando grandes estoques de rúpias. O banco central russo pode não querer manter essa moeda permanentemente em suas reservas, talvez porque a rúpia não seja totalmente conversível e haja dúvidas sobre sua estabilidade. Quais são as suas opções? A Rússia pode tentar dispor desses excedentes em rúpias buscando oportunidades de investimento na Índia ou fazendo um esforço adicional para comprar bens e serviços indianos. Mas isso pode ser difícil e demorado. Ela também pode usar essas rúpias em terceiros países que tenham interesse em obter moeda indiana devido a proximidade econômica com a Índia. Mas isso também pode ser difícil, levando a vendas de rúpias com desconto. Essas alternativas são claramente second-best ou third-best e remetem ao sistema antiquado de escambo, no qual os agentes econômicos trocavam bens e serviços bilateralmente e saíam à cata de terceiros para se desfazer de mercadorias indesejadas e obter em troca mercadorias desejadas. Foi precisamente para evitar esse sistema ineficiente que o dinheiro foi criado para servir como meio de pagamento, padrão comum de valor e instrumento para manutenção de reservas. Pelas mesmas razões, os BRICS precisam de uma nova moeda de reserva como alternativa ao dólar dos EUA e outras moedas tradicionais de reserva.
Vamos chamar essa nova moeda de NMR, sigla para “nova moeda de reserva”. Um nome anterior interessante era R5, proposto por economistas russos quando eram cinco os países membros dos BRICS e todas as suas moedas começavam com a letra R. No entanto, esse nome ficou prejudicado, pois alguns dos quatro novos membros possuem moedas cujos nomes não começam com a letra R. Não é algo tão importante, claro. Poderíamos chamá-la então de moeda BRICS ou BRICS+? Infelizmente, não. E esse ponto é importante: alguns dos países dos BRICS parecem se opor à ideia, sendo a Índia um exemplo notável. Isso representa uma grande barreira, mas pode ser contornada, como veremos mais adiante.
A NMR poderia ter as seguintes características. Não seria uma moeda única, que substituiria as moedas nacionais dos países participantes. Não seria, portanto, uma moeda semelhante ao euro, emitida por um banco central comum. Seria uma moeda paralela, projetada para transações internacionais. As moedas nacionais e os bancos centrais continuariam a existir em seus formatos atuais. Não haveria perda de soberania e nem mesmo necessidade de coordenar as políticas monetárias.
A NMR não teria existência física na forma de papel-moeda ou moeda metálica. Seria uma moeda digital, análoga às MDBCs (moedas digitais de bancos centrais – CDBCs em inglês) que estão sendo criadas em vários países.
Vale notar, de passagem, que o formato digital substitui em grande parte o papel tradicional dos bancos como intermediários e criadores de meios de pagamento. As MDBCs e a NMR reduziriam o papel dos bancos, desde que não se estabeleça que seu uso ficaria vinculado à posse de uma conta bancária.
Os países participantes poderiam constituir um banco emissor – vamos chamá-lo de NAMR, a Nova Autoridade Monetária de Reserva – que seria responsável por criar NMRs e também por emitir títulos – podemos chamá-los de NTRs, novos títulos de reserva – nos quais a nova moeda seria livremente conversível. Os NTRs seriam por sua vez integralmente garantidos pelos Tesouros nacionais dos participantes.
Um primeiro passo na direção da NMR poderia ser a criação de uma unidade de conta na forma de uma cesta de moedas em que o peso das moedas dos países participantes corresponderia à sua participação no PIB do grupo. O renminbi da China teria o maior peso na cesta, digamos 40%; Brasil, Rússia e Índia, 10% cada; e os 30% restantes poderiam ser divididos entre a África do Sul, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos – admitindo-se que todos os BRICS venham a participar. Essa nova unidade de conta seria uma ponte para a nova moeda.
Bem, esse passo relativamente simples, aventado há muitos anos por economistas russos, já poderia ter sido dado. A razão para o lento progresso parece ser a falta de consenso. Há relatos de que a Índia e a África do Sul, presumivelmente por razões políticas, são contra a ideia. A Índia – e isso é apenas uma conjectura – pode não querer desagradar aos EUA em uma questão tão crucial. Talvez porque sinta que pode precisar do apoio americano caso haja uma deterioração nas já tensas relações com a China. O Brasil, ressalto de passagem, também não é invulnerável a dificuldades análogas. Na sociedade brasileira, inclusive dentro do governo Lula, há muitos que se identificam com os EUA e têm laços com círculos empresariais e governamentais americanos.
Espero que essas vulnerabilidades e as tensões entre China e Índia sejam superadas. Enquanto isso, cabe perguntar se não poderíamos avançar com base em uma coalizão de países aptos e dispostos. A NMR poderia perfeitamente ser criada por um subconjunto dos BRICS. Os outros se juntariam mais tarde. Isso é recomendável, na minha opinião, mas esbarra na arraigada tradição de consenso dos BRICS, que marca a atuação do grupo desde o seu início em 2008. No entanto, se nos apegarmos a essa tradição, o meu receio é que não se chegue a lugar algum.
A alternativa a algo como a NMR seria a substituição gradual do dólar americano pelo renminbi chinês, a moeda da potência emergente. Isso já está acontecendo, em certa medida. Mas parece duvidoso que se possa avançar muito por essa via. Não se deve perder de vista que a potência emergente é um país de renda média. Tem vulnerabilidades e preocupações não necessariamente presentes nos EUA e em outras nações de alta renda.
O que quero dizer é que, no caso da China, o “privilégio exorbitante” poderia se tornar um “fardo exorbitante”. Em outras palavras, ela teria provavelmente dificuldade de atender certos pré-requisitos para que o renminbi possa se estabelecer como moeda internacional em grande escala. A China estaria disposta, por exemplo, a tornar o renminbi plenamente conversível? Consideraria abandonar as restrições à conta de capital e os controles cambiais que protegem a economia chinesa da instabilidade das finanças internacionais? Aceitaria a apreciação cambial decorrente do aumento da demanda por renminbi como ativo internacional? Essa apreciação não prejudicaria a competitividade internacional e o dinamismo da economia chinesa? É claro que a tendência à apreciação poderia ser contida pela venda de renminbi e acumulação de reservas internacionais adicionais. Mas onde a China aplicaria essas reservas adicionais? Em ativos denominados em dólar, euro ou iene? De volta à estaca zero.
Portanto, os BRICS. ou um subconjunto de países dos BRICS, devem se preparar para criar uma nova moeda de reserva, que poderia ser um divisor de águas nos assuntos monetários e financeiros globais. Paralelamente, deveriam continuar com a expansão das transações internacionais em moedas nacionais e iniciar a construção de um sistema de pagamento alternativo ao SWIFT.
Os BRICS causarão decepção em todo o Sul Global se permanecerem no reino dos discursos, comunicados e proclamações sem avançar em iniciativas práticas inovadoras.