domingo, 20 de outubro de 2024

PF vai indiciar Bolsonaro, Heleno, Braga Netto e ex-chefe da Marinha no inquérito do golpe. Coluna de Guilherme Amado no Metrópoles

 

PF vai indiciar Bolsonaro, Heleno, Braga Netto e ex-chefe da Marinha no inquérito do golpe

Novembro vai ter um gosto amargo para Jair Bolsonaro e alguns de seus ex-ministros

 atualizado 



Novembro vai ter um gosto amargo para Jair Bolsonaro e alguns de seus ex-ministros: a Polícia Federal vai indiciar, em meados do mês, o ex-presidente; os ex-ministros e generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto; o ex-comandante da Marinha e almirante Almir Garnier Santos; o ex-ministro Anderson Torres; e o ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira, entre outros. Os seis serão indiciados no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado, após a derrota para Lula, em 2022.

A Polícia Federal tem elementos que mostram a participação dos cinco na trama golpista colocada em prática ao longo de 2022, e, em especial, após o resultado do segundo turno da eleição daquele ano.

Mensagens encontradas recentemente pela PF ligam Bolsonaro à minuta golpista que implementava instrumentos jurídicos que permitiram contestar o resultado das eleições, à margem da Constituição. No texto, encontrado posteriormente com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, constava o decreto de Estado de Sítio e de uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem.

6 imagens
O ex-presidente Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro acusa Janones de calúnia
Bolsonaro nomeou Wendel Benevides Matos na Corregedoria da PRF em 2021
O ex-presidente Jair Bolsonaro

A situação de Bolsonaro também foi agravada pela confirmação dos ex-comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Força Aérea Brasileira (FAB), tenente-brigadeiro do ar Carlos Baptista Júnior, de que Bolsonaro os pressionou a aderir a um golpe de Estado para se manter no poder.

O ex-comandante da Marinha Almir Garnier foi o único dos três chefes militares a, segundo a investigação da PF, colocar suas tropas à disposição para uma intentona golpista. O ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, é listado como pertencente ao núcleo de oficiais de alta patente que teriam se valido do cargo “para influenciar e incitar o apoio aos demais núcleos de atuação, por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas, para a consumação do golpe de Estado”.

Já Anderson Torres, fora a omissão no 8 de Janeiro — quando ele, mesmo sendo secretário de Segurança e sabendo do risco de invasão das sedes dos Três Poderes, decidiu tirar férias e deixar Brasília —, será indiciado por ter servido, nas palavras dos ex-comandantes militares, como “tradutor jurídico” da minuta golpista.

Augusto Heleno e Braga Netto

Contra o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, uma das principais provas encontradas pela Polícia Federal foram anotações de teor golpista em uma agenda apreendida em sua casa. O compilado reunia medidas que poderiam ser adotadas pelo governo Bolsonaro, por exemplo, para frear a Polícia Federal e o Supremo, prevendo até a prisão de delegados que se dispusessem a cumprir ordens judiciais consideradas ilegais pelo governo.

A PF também encontrou no celular de Braga Netto mensagens trocadas em dezembro de 2022 entre ele e Ailton Gonçalves Moraes Barros, amigo de Bolsonaro, com orientações para que o ex-comandante da Aeronáutica Baptista Júnior fosse atacado, pela mesma razão.

Diante da resistência de Baptista Júnior em aderir aos planos golpistas, Braga Netto o classificou como “traidor da pátria”, enquanto fazia elogios a Garnier, comandante da Marinha, em concordância com o golpismo bolsonarista.

Todos os seis negam que tenham participado de qualquer plano ilegal ou golpista.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Mídia Ninja: Marina encarao passador de "Boiada" Ricardo Salles de frente🔥Ex-Ministro da Boiada de Bolsonaro distorce dados e é desmascarado ao vivo na câmara

 

Da Mídia Ninja:




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Da Mídia Ninja:




Filme revela soldados israelenses criando conteúdo para TikTok a partir de crimes em Gaza

 

Em entrevista exclusiva à coluna de Andrea Dip (ICL Notícias), o diretor britânico Richard Sanders fala sobre seu novo filme para Al Jazeera


ICL.: Jovens israelenses cantam a plenos pulmões que vão queimar vilas até o chão. Soldados dançam e vestem lingerie de mulheres palestinas assassinadas ou despejadas. Explosões de prédios em Gaza são mostradas em vídeos com música techno e gritos de empolgação de soldados. Torturas, humilhações de reféns. Adolescentes “fantasiados” de palestinos ou bebendo água e acendendo luzes pela casa para zombar das pessoas que estão sem acesso a energia elétrica ou água na Faixa de Gaza.

Esses são alguns dos conteúdos que estão sendo diariamente produzidos por soldados e jovens israelenses e compartilhados nas redes sociais, principalmente o TikTok, mostrados pelo recém lançado “Gaza”, documentário dirigido pelo premiado e experiente produtor inglês Richard Sanders a partir de investigações do canal de jornalismo independente Al Jazeera.

O filme, lançado um ano após o ataque do Hamas a Israel e o início da invasão da Faixa de Gaza, explora uma coleção de mais de 2.500 contas de mídias sociais de soldados israelenses e também traz entrevistas com jornalistas locais, escritores e especialistas que seguem apontando cada um dos crimes de guerra que estão sendo cometidos ali. Também fala de como a Inteligência Artificial está sendo usada para definir alvos e mostra hospitais sendo derrubados arbitrariamente.

Em entrevista exclusiva à coluna, Sanders fala sobre essas descobertas e faz uma crítica à mídia ocidental que, segundo ele, cria uma falsa dualidade entre “uma potência ocupante todo-poderosa apoiada pela única superpotência do mundo e um povo prostrado, indefeso e com seu território ocupado ilegalmente”.

O filme “Investigating war crimes in Gaza” pode ser visto com legendas em português aqui.

Documentarista Richard Sanders

Primeiramente eu gostaria de saber mais sobre o processo de documentação: o que significou para você, como documentarista e produtor experiente, dirigir esse filme?

Acho que, antes de mais nada, me marcou a maneira como abordamos o assunto. De certa forma, ao trabalhar para a Al Jazeera somos liberados da abordagem da imprensa ocidental, que, claramente, comete violações grotescas e em larga escala dos direitos humanos e continua a relatar a história [em Gaza] como se ela fosse terrivelmente complicada.

Mesmo quando há provas contundentes, por exemplo, quando os israelenses bombardearam uma escola da ONU para crianças refugiadas, a BBC noticiou que os israelenses diziam que ali havia um centro de comando do Hamas. E sempre ignorando o fato de que os israelenses não apresentam nenhuma prova para sustentar isso, que não há nenhuma prova de que em algum momento o Hamas tenha usado um centro de comando da ONU.

Portanto, o público fica com essa percepção estranha de que a coisa tem nuances e é complicada e [no filme] a interpretação desses eventos é contestada. Há evidências esmagadoras e maciças de que crimes muito, muito, muito graves contra os direitos humanos estão sendo cometidos. É assim que relatamos o fato. Não noticiamos que palestinos morrem em uma explosão e depois damos igual destaque à negação israelense de que eles tenham algo a ver com isso. Esse é um tipo de enquadramento bastante diferente do nosso ocidental, o que é libertador porque facilita a narrativa adequada.

Quando se assiste a reportagens da mídia ocidental sobre Israel, é sempre muito estranho, as coisas não fazem muito sentido porque precisam ser enquadradas nesse falso dualismo. E, é claro, mais fundamentalmente por trás disso, não acreditamos que haja uma equivalência entre uma potência ocupante todo-poderosa apoiada pela única superpotência do mundo e um povo prostrado, indefeso e com seu território ocupado ilegalmente.

Não existe uma equivalência moral, política ou militar entre os dois. Então nesse filme nós estávamos muito conscientes desde o início da inadequação das reportagens ocidentais.

Também estávamos cientes desse fenômeno extraordinário de soldados israelenses publicando seus próprios vídeos, fotos, postagens e tudo o mais nas mídias sociais em massa. Um número enorme dessas publicações que mostravam os militares israelenses, na melhor das hipóteses como mesquinhos, indisciplinados, desdenhosos da população civil e, ao que parece, cometendo crimes contra os direitos humanos.

E percebemos que havia aqui um recurso absolutamente inestimável para contar a história da guerra, especialmente porque o Alto Comando e o governo israelense parecem não ter nenhuma preocupação em detê-los. Isso talvez tenha sido o mais notável. As pessoas me dizem que muitas vezes os soldados em campo se comportam mal, mas a diferença aqui é que eles estão capturando tudo em seus próprios telefones e são eles que estão colocando isso nas mídias sociais. Certamente esse é um elemento particular, o fato de eles estarem apresentando tudo isso para nós vermos.

Acho que o poder do filme é que esses vídeos e fotos dos soldados israelenses são justapostos à experiência palestina no local. Tivemos equipes locais, que eu gostaria de homenagear. Quando as contratamos, eu disse: “ Tragam o que vocês conseguirem, eu sei que isso é incrivelmente difícil”. E eu esperava que eles voltassem com algum material no telefone, mas eles trouxeram tudo lindamente filmado, entrevistas realizadas com muito profissionalismo, imagens de Gaza realmente extraordinárias. No momento, estamos preparando uma página totalmente separada em nosso site, chamada Testimonies (Testemunhos), para que possamos homenagear e realmente fazer justiça a essas entrevistas.

O que mais te chocou ou impressionou na realização desse filme?

Nada. É exatamente assim que eu esperava que os israelenses se comportassem após o dia 7 de outubro de 2023. Acho que este dia deu licença para todos os tipos de comportamento que eles poderiam ter se sentido, de certa forma, impedidos de adotar antes. O que me choca é a cumplicidade da mídia ocidental e a cumplicidade da classe política ocidental. E acho que não estou sozinho nisso.

Acho que muitas pessoas no Ocidente estão sentindo uma profunda desconexão com quem controla a mídia e seus líderes políticos que acham terrível que crianças palestinas estejam morrendo mas não fazem nada a respeito. Na verdade, eles continuam a armar os israelenses. Não é apenas o fato de estarmos sentados aqui permitindo que isso aconteça, no que diz respeito aos europeus, à nossa porta. Na verdade, estamos facilitando isso. Os americanos ainda os estão armando. Sei que os alemães reduziram o envio de armas, mas historicamente os alemães os armam. Nós britânicos estamos claramente fornecendo a base que temos em Chipre como um centro muito importante de suprimentos para Israel.

E acho que as pessoas no Ocidente assistem a essa matança em massa de criancinhas e ficam perplexas com o fato de que estamos participando disso. Temos simultaneamente a guerra em andamento na Ucrânia, e a duplicidade de padrões é tão grosseira e óbvia que é de tirar o fôlego.

Desnutrição é uma das principais causas de mortes de crianças em Gaza

Alguém diz no documentário que “Vivemos em uma era de tecnologia, e esse é descrito como o primeiro genocídio transmitido ao vivo da história”. E o filme mostra como, com base em imagens frequentemente produzidas pelos próprios soldados israelenses, há evidências de diferentes tipos de crimes de guerra. Por que Israel não está sendo responsabilizado? Que tipo de poder é esse?

Essa é uma pergunta profunda e complicada que não estou necessariamente preparado para responder. O poder extraordinário, o domínio extraordinário que esse pequeno etnoestado tem sobre o establishment político e midiático do Ocidente, acho que, de certa forma, essa é a grande pergunta que precisa ser feita agora. Você citou o início do filme em que Susan Abel-Hauer, a romancista palestina fala sobre isso e esse é realmente o ponto central do filme. Ninguém pode dizer que não sabia. Não se pode alegar ignorância.

Qual é o papel dos Estados Unidos e da União Europeia nesse conflito?

Bem, os Estados Unidos são o grande vilão. Quero dizer, eles conduzem as coisas. A situação é um pouco diferente na Europa continental. Na Grã-Bretanha, para ser franco, não temos uma política externa. Se analisarmos a questão em seus aspectos essenciais, basicamente esperamos que Washington nos diga o que fazer.

E digo isso depois de ter feito muitos filmes sobre a guerra do Afeganistão e a guerra do Iraque. Entrevistei Tony Blair, entrevistei George W. Bush e assim por diante. A relação britânica com os Estados Unidos é embaraçosamente imperial. Mas é claro que você sabe que na Alemanha há um nível totalmente diferente. Na Alemanha, é extraordinária a deferência do governo para com Israel. Bastante assustador. Mas sim, os Estados Unidos são o grande vilão da paz. E Biden tem sido terrível. Acho que, assim como na Grã-Bretanha, após a eleição, eles perceberam que precisavam mudar um pouco a retórica, precisavam aumentar um pouco o tom de voz. Mas eu diria que, para aqueles que acham que a situação não pode piorar, ela pode. Trump seria significativamente pior do que Biden.

Outra coisa impressionante é o uso da inteligência artificial para criar e perseguir alvos em Gaza. O documentário fala sobre um programa chamado “Where is Daddy?” (Onde está o papai)? Você pode explicar o que é isso?

É, o Lavender, que na verdade não mencionamos pelo nome, e depois o “Where ‘s Daddy”, sim. Esta é na verdade uma reportagem da revista 972 que mostramos no filme. A revista 972, uma revista israelense de esquerda, muito boa, e com fontes muito melhores dentro do exército israelense do que eu jamais poderia esperar ter, eles falaram com um grande número de pessoas. Basicamente, nos primeiros meses da guerra, os israelenses queriam matar pessoas mais rapidamente do que seus procedimentos de seleção de alvos permitiriam, por isso trouxeram a inteligência artificial.

Essa é a alegação da 972, com base em testemunhos anônimos de vários oficiais militares israelenses. Os israelenses negam isso, só para deixar claro. E, basicamente, eles extraíam tudo o que sabiam sobre você através das suas mídias sociais, de todas as fontes que podiam encontrar e, acima de tudo, do seu telefone. Onde está seu telefone? De onde seu telefone está próximo? Para quem você está fazendo ligações, com quem está falando e assim por diante. E com base nessa análise, eles lhe dariam uma pontuação até 100.

Se sua pontuação estiver acima de um determinado nível bastante arbitrário, eles podem matá-lo. Agora você tem esse software secundário absolutamente arrepiante chamado “Where’s Daddy?” Porque eles precisam descobrir onde matar você. E, aparentemente, é muito mais fácil matar pessoas em casa do que na rua. Não sei quem inventou o nome é muito revelador. Significa que as pessoas são frequentemente mortas com toda a sua família. É horrível.

E ainda sobre o assunto do uso de IA na guerra ou mesmo de pagers explosivos, parece haver um aumento nessa despersonalização, no sentido de que se antes em uma guerra era uma pessoa que matava com uma espada, depois puxava o gatilho de uma arma ou o pino de uma granada, ela poderia ser responsabilizada pela morte que causou. No caso da IA, como isso funciona? Quem é implicado? E também pensando na maneira como Israel sempre tratou os palestinos não como pessoas, mas como uma massa ou até mesmo como animais, como alguns israelenses dizem em pronunciamentos oficiais, você acha que isso se tornou ainda mais conveniente, sem nem mesmo precisar olhar o inimigo nos olhos?

Claro, desde o desenvolvimento da artilharia, temos tido uma matança despersonalizada, não é mesmo? Isso tudo leva a outro nível. Mas a desumanização dos palestinos é absolutamente fundamental. No final do século 20, no Ocidente, reconhecemos que o colonialismo não era aceitável. Não temos o direito dado por Deus de sair pelo mundo dominando povos de pele mais escura que a nossa, com uma enorme exceção: Israel. Suas origens são bastante complicadas e diferem bastante de outras sociedades colonizadoras. Agora, como eles podem se safar dessa situação? De certa forma, isso remete à sua pergunta anterior. Por que isso é tolerado, enquanto não foi tolerado na África do Sul, na Rodésia, na Argélia, no Vietnã e assim por diante?

E a acusação de antissemitismo carrega uma ressonância tão terrível e terrível na história europeia que, no momento em que é invocada, as pessoas tendem a se desligar. E isso facilita a desumanização dos palestinos. No momento em que você os mancha com esse terrível pecado histórico, é muito mais fácil desumanizá-los. Mas sim, essa desumanização é absolutamente fundamental. Porque, para brutalizar as pessoas, o pré-requisito psicológico é a desumanização. E é muito importante entender por que e como a desumanização do povo palestino progrediu e foi permitida. E esta manhã, de fato, aconteceu algo extraordinário.

O jornal The Guardian publicou uma resenha de um filme que tinha acabado de ser lançado sobre o dia 7 de outubro. Dizia que era muito poderoso, comovente e assim por diante. E apontava que o filme desumanizava bastante os palestinos, porque eles apareciam apenas como homens barbudos com armas. Não havia contexto nem nada. E o The Guardian, que supostamente é um jornal liberal, diante das críticas, na verdade retirou o artigo esta manhã, o que é absolutamente surpreendente. Ele o retirou de seu site porque havia cometido o pecado de apontar a desumanização dos palestinos.

Há também um novo componente nessa guerra, que não é apenas a transmissão ao vivo da tortura e do assassinato de civis, mas também, como você mencionou antes, a criação de conteúdo para a mídia social, como vídeos de soldados israelenses dançando entre as ruínas, destruindo casas, vestindo as roupas de pessoas que eles assassinaram ou deslocaram, jovens israelenses em festas cantando que vão incendiar as aldeias. Como você acha que isso influencia a visão do mundo sobre o que acontece lá?

O mundo ocidental ficou um pouco protegido dessas imagens. Mas se você acompanha as mídias sociais destes soldados, vê tudo. E é impressionante como houve um certo pânico em relação ao TikTok porque os líderes políticos estão cientes de que os jovens estão vendo todas essas imagens, que não chegam à grande mídia. Mas isso realmente foi parte do objetivo de fazer o filme. Quero dizer, existe aquele velho ditado: quando as pessoas mostram quem são, acredite nelas.

No Ocidente, mesmo quando não estamos apoiando Israel diretamente, tendemos a dizer que é complicado, que tem nuances. E o que estamos dizendo no filme é para ouvir os próprios israelenses, principalmente os soldados, mas também os políticos, outros meios de comunicação israelenses, as mídias sociais israelenses, principalmente quando as pessoas estão falando em hebraico. E eles claramente não acham que haja qualquer nuance ou complexidade. A linguagem é genocida. Frequentemente se trata de limpeza étnica. E está lá para o mundo ver, se ele quiser ver. Sabe, como sempre dizemos no filme, ninguém pode dizer que não sabia: os israelenses estão nos contando o que estão fazendo e porque estavam fazendo, estão postando isso no TikTok.

Uma investigação recente da ONU mostra que Israel tem bombardeado intencionalmente hospitais e equipamentos de saúde em Gaza, algo que vocês também mostram no documentário. Você pode falar um pouco sobre o que viu nesse sentido?

A Faixa de Gaza tem 36 hospitais. E todos eles foram atacados. Cada um deles foi atacado. E metade deles foi totalmente desativada. E os israelenses não apresentaram uma única prova de que eles estão sendo usados como bases militares. Portanto, o relatório da ONU de alguns dias atrás está simplesmente apontando o óbvio – que os israelenses estão tentando destruir o sistema de saúde em Gaza, como parte de sua campanha para tornar Gaza inabitável.

Filme acompanha invasão e destruição de um hospital em Gaza

Você vê um fim para esse conflito? E se sim, como ele se parece?

Essa é uma pergunta muito sombria e deprimente. Como eu disse, Israel compartilha as características de muitas sociedades colonizadoras ao longo da história. Você sabe, sou britânico, criamos a maioria delas, sabemos como essas coisas funcionam. E o problema com as sociedades coloniais é que elas tendem a ser marcadas pelo desprezo racista pela história, pela cultura e, muitas vezes, pela religião do povo indígena, para que os Estados sejam estruturados de modo a garantir a dominação do grupo que chega. E Israel se encaixa perfeitamente nesse tipo de categorização.

Mas se há uma constante na história, é que nenhum povo jamais se resignou a ser cidadão de segunda classe permanentemente em sua própria terra. Isso é simplesmente insustentável. Psicologicamente, emocionalmente, você simplesmente não consegue fazer isso. É inconcebível que os palestinos se resignem por toda a eternidade a viver assim. Agora, o que acontece com a sociedade colonial é que ou ela se torna um país totalmente diferente – Austrália, América do Norte – ou, por fim, o colonizador tem de ir embora ou viver em uma sociedade multiétnica e genuinamente democrática. Portanto, é preciso se perguntar: Israel no final das contas será a Argélia, a África do Sul, ou será a América do Norte, a Austrália?

E você deve se perguntar: daqui a 100 anos, um regime de supremacia racial ainda existirá naquele lugar? E acho que a resposta é não, claramente não existirá. Como isso vai acabar? Acho que o dia chegará,  logicamente é muito do interesse dos israelenses negociar o caminho para esse acordo a partir de uma posição de força, que é onde eles estão agora. Porque provavelmente chegará um dia, talvez muitas décadas depois, em que a solução será imposta a eles, e acho que, quando esse dia chegar, o Ocidente será visto como um amigo muito ruim para os israelenses, porque fomos indulgentes demais.

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Do ICL Notícias:

Militarização das escolas estaduais em Santa Catarina promoveu uma piora de 8% no resultado do Ideb para o nível de ensino médio


Por Amanda Miranda – Newsletter Passando a Limpo

As escolas cívico-militares de Santa Catarina, mantidas pelo governo bolsonarista estadual mesmo após decretado o fim do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), consomem mais recursos que as convencionais e apresentam queda no indicador de avaliação de ensino, o Ideb. Os dados foram divulgados em um estudo do Sindicato dos Trabalhadores em Educação, o Sinte, e demonstram que faltam justificativas para a manutenção do projeto.

Segundo o estudo, a militarização das escolas estaduais em Santa Catarina promoveu uma piora de 8% no resultado do Ideb para o nível de ensino médio em comparação com escolas de características semelhantes, mas que não foram militarizadas. O economista Mauricio Mulinari, um dos autores da pesquisa, explica que a comparação foi feita tendo como base o tamanho das escolas e também as características das regiões, para evitar distorções.

“O impacto estimado, ao contrário da propaganda do governo, foi negativo, de -7,6%. Isso significa que uma escola que tinha Ideb de, por exemplo, 5 pontos no ensino médio antes da militarização, teve sua nota reduzida para 4,62 pontos em 2023”, sintetiza a pesquisa.

O sindicato alerta para a falta de eficácia no modelo. “Estamos falando há muitos anos sobre a ineficiência do modelo. A educação deve receber investimentos em áreas fundamentais, nos profissionais de educação, na valorização, no quadro completo de profissionais, que sejam concursados, que tenham um vínculo com a escola, que tenham compromisso com a unidade escolar e também que sejam preparados”, pontua o coordenador do Sinte, Evandro Accadrolli.

A presidente da Comissão de Cultura e Educação da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Luciane Carminatti (PT), também questiona a validade do programa. Para ela, não há garantia que essas escolas tenham melhor qualidade de ensino. “O que temos é mais investimentos que as demais escolas públicas”, explica a parlamentar.

A diferença nos investimentos foi confirmada na análise do Sinte, que expôs o contraste entre as dez escolas cívico-militares tratadas como vitrine pelo governo e as outras unidades da rede. As escolas cívico-militares tiveram quase o dobro de investimento em infraestrutura por estudante do que as demais, acumulando R$ 11,7 milhões em obras desde 2021.

Segundo o decreto estadual que instituiu o Programa Estadual das Escolas Cívico-Militares, um dos objetivos do projeto é justamente “contribuir para a elevação dos índices de desenvolvimento da educação básica”. O texto também revela que as escolas civis-militares devem ser vitrines para as demais, já que um dos seus princípios seria induzir “boas práticas como meio para a melhoria do ensino público”.

Deputada Luciane Carminatti (PT)

Disparidades entre escolas

As escolas cívico-militares recebem melhorias na estrutura, contam com laboratórios e espaços de atividades físicas, além de maior equipe de apoio pedagógico fora da sala de aula com ao menos nove profissionais. Somente uma das escolas, a Ildefonso Linhares, em Florianópolis, recebeu R$ 6.743.990,10 desde que foi militarizada, em 2022, quando o Pecim ainda estava em vigor.

Para a deputada Carminatti, o governo escolhe, no modelo cívico-militare, investir muito em poucas escolas enquanto há centenas de outras precisando de estrutura física e de recursos humanos, como psicólogos, assistentes sociais, projetos de arte, cultura e esportes.

“Enquanto isso, temos escolas que aguardam há anos por reformas e estudantes tendo aulas em salas lotadas e em espaços improvisados como salões de igrejas e galpões. Não seria melhor equilibrar esse investimento? No lugar de concentrar muito para poucos alunos, garantir que todos tenham uma condição mínima de estudo?”, questiona a deputada.

Ela chegou a fazer um pedido de informação à Secretaria de Estado da Educação no início de 2024 para saber o total de escolas que precisam de reformas, quantas têm projetos concluídos e os prazos para as obras. Até este mês de outubro, não foi respondido.

Folha de pagamento também cresceu

O investimento com profissionais da educação em relação ao número de matrículas, também aumentou mais nos colégios militarizados. No projeto herdado de Bolsonaro e encerrado pelo governo Lula justamente pela falta de indicadores e dados específicos sobre a eficácia do modelo, profissionais militares atuam dentro das escolas, na gestão de processos educacionais, pedagógicos e administrativos. “Acreditamos que essa educação deve ser feita pelos trabalhadores formados para essa função de educar”, salienta Accadrolli.

Entre os custos assumidos pelo governo Jorginho Mello após o fim do projeto de Bolsonaro, estão R$ 9 milhões ao ano para pagar militares da reserva que atuam no projeto. Estes recursos, segundo o Sinte, deveriam ser investidos em equipe técnica de educação.

“Todas as intervenções de militares no fazer da sociedade civil são autoritárias. Muitas vezes atentam contra a liberdade de cátedra e impedem assuntos críticos, tirando a diversidade da ciência e do conhecimento. É uma postura conservadora, que conserva uma sociedade desigual”, pontua o coordenador.

O volume de servidores da Secretaria da Educação à disposição das unidades também beneficia as escolas cívico-militares. O grupo de 10 escolas que foram militarizadas teve um crescimento nominal de 119% na sua folha de pagamentos nos últimos quatro anos, enquanto nas outras o índice foi de 86%, concentrado em contratos de profissionais temporários, os chamados ACTs.

Militares em todas as escolas

Outro ponto trazido à tona pelo estudo divulgado pelo Sinte foi o custo do  programa Rede de Segurança Escolar, que levou militares aposentados para cerca de duas mil escolas da rede com a justificativa de aumentarem o policiamento. Isso fez com que o orçamento da Secretaria da Educação comprometido com o pagamento de pessoal militar em 2024 tenha chegado a R$ 20,6 milhões. Em 2023, essa despesa era de R$ 8,5 milhões.

O Sinte vê o programa com preocupação, pois seria “um passo decisivo em direção ao modelo de militarização das escolas, em detrimento de soluções alternativas alicerçadas na conscientização, no acompanhamento psicológico e na integração humanizada da comunidade ao ambiente escolar”.

Expansão do projeto

Com dez escolas operando conforme esse modelo, o governo de Santa Catarina ampliou o projeto em 2024, na Escola Estadual de São José, em Herval d’Oeste. A unidade tem 480 alunos, das turmas do 6º ano do Ensino Fundamental até à 3ª série do Ensino Médio. Sua estrutura é composta por 22 salas de aula, quatro laboratórios, auditório e ginásio de esportes.

O governo estadual se recusou a responder se há projeto para novas unidades em curso, assim como também não comentou a diferença nos indicadores das escolas civil-militares em comparação com as demais da rede. Apesar de já ter enviado o orçamento de 2025 à Assembleia, o governo também não informou qual o volume previsto para o investimento nesse tipo de escola no próximo ano.

 

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Lava Jato e Estados Unidos: Um capítulo (golpista) que ainda não terminou

 

Com apoio da República de Curitiba, os estadunidenses fizeram Odebrecht e Petrobras pagar as maiores multas da história da FCPA


GGN:

O jornalista Luis Nassif entrevista o doutor em Relações Internacionais Arthur Banzatto, autor da tese “Hegemonia Estadunidense e o Combate à Corrupção no Brasil: O caso da Operação Lava Jato”, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina, em 2023. No trabalho, Banzatto analisou como os EUA usam a FCPA (lei contra corrupção no exterior) para aplicar sanções financeiras exorbitantes a empresas de vários países, protegendo a indústria americana enquanto desestabiliza outros mercados. No Brasil, isso ganhou outra escala com ajuda da Operação Lava Jato. Com apoio da República de Curitiba, os estadunidenses fizeram Odebrecht e Petrobras pagar as maiores multas da história da FCPA. Até hoje, nenhum agente da Lava Jato foi punido por trair valores como a soberania nacional e cooperar irregularmente com os americanos. Graças ao trabalho da Corregedoria Nacional de Justiça, sabe-se que figuras como Sergio Moro e Deltan Dallagnol atuaram para reaver parte da multa aplicada à Petrobras, no intuito de injetar a verba bilionária na fracassada Fundação Lava Jato.

Juliana Dal Piva explica como a PGR está vinculando Bolsonaro aos atos fascistas e golpistas de 8 de janeiro

 

Do canal ICL:

Juliana Dal Piva explica como a PGR está vinculando Bolsonaro aos atos de 8 de janeiro



UOL: PGR aponta vínculo entre plano de golpe de Bolsonaro e 8 de Janeiro

 

"Os elementos de convicção até então colhidos indicam que a atuação da organização criminosa investigada foi essencial para a eclosão dos atos depredatórios ocorridos em 8.1.2023", escreveu Gonet, em documento sigiloso enviado ao STF no mês de junho. O UOL teve acesso à manifestação da PGR

Do UOL:

PGR aponta vínculo entre plano de golpe de Bolsonaro e 8 de Janeiro

Aguirre Talento Colunista do UOL

17/10/2024 12h01


Em uma manifestação apresentada no inquérito da Polícia Federal que apura a discussão de um plano de golpe por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apontou, pela primeira vez, um vínculo entre essas articulações golpistas e os atos violentos do 8 de Janeiro, que resultaram em invasão e depredação das sedes dos três Poderes.

Até agora, as defesas dos investigados têm afirmado que a discussão de um documento prevendo a convocação de novas eleições não configura crime por não ter sido colocado em prática e que não haveria nenhuma relação dessas tratativas com o 8 de Janeiro.

Gonet também indicou ao STF que os acusados pelo plano de golpe poderão ser cobrados para ressarcir os cofres públicos por prejuízos da ordem de R$ 26 milhões, provocados pela destruição do patrimônio público.

A Polícia Federal deve concluir o inquérito até o final do ano. Depois disso, Gonet será o responsável por decidir sobre a apresentação de uma denúncia ao STF sobre os fatos investigados.

A PF já obteve indícios de que o então presidente Jair Bolsonaro discutiu uma minuta golpista com os comandantes das Forças Armadas após sua derrota nas eleições, para tentar continuar no poder. O caso foi revelado pelo UOL, em setembro de 2023. Outros auxiliares, civis e militares, também participaram das articulações. O relatório final da PF deve destrinchar o papel de cada um nessas tratativas.

A manifestação apresentada pelo procurador-geral ao STF já aponta uma correlação entre os assuntos. Isso poderia agravar os crimes atribuídos aos acusados.

O posicionamento do procurador-geral foi apresentado em resposta a um pedido da defesa de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, para revogação de medidas cautelares - como a proibição do contato do dirigente partidário com outros investigados, como o ex-presidente Bolsonaro.

A defesa de Valdemar também pediu a restituição do dinheiro apreendido em sua residência, R$ 53 mil, e três relógios de luxo.

Para Gonet, os valores não devem ser devolvidos porque os investigados pelo plano de golpe poderão ter que ressarcir os cofres públicos pelo prejuízo da destruição do 8 de Janeiro.

"Não parece recomendável, também, a restituição dos bens apreendidos. O requerente é investigado por crimes que resultaram em expressivos prejuízos à Fazenda Pública", escreveu o PGR.

Em seguida, ele acrescentou que os danos foram calculados em R$ 3,5 milhões ao Senado, R$ 2,7 milhões à Câmara dos Deputados, mais de R$ 9 milhões ao Palácio do Planalto e R$ 11,4 milhões ao STF… - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/aguirre-talento/2024/10/17/pgr-aponta-vinculo-entre-plano-de-golpe-de-bolsonaro-e-8-de-janeiro.htm?cmpid=copiaecola

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Mapa para livrar o Brasil do Agronegócio

 

Em contraponto ao modelo agrícola hegemônico, Agroecologia ganha corpo e repercussão. Um primeiro esforço de mapeá-la mostra: há imenso potencial, e interesse do governo. Mas faltam políticas públicas capazes de puxar uma virada

Foto: Agroviver/Reprodução

O Brasil enfrenta uma das mais severas secas de sua história. No final de setembro de 2024, 58% do território nacional estava em situação de seca, e dentro dessa área, uma parcela significativa sofre com uma escassez hídrica severa. Esta é considerada a maior seca em 73 anos no Pantanal, e a mais grave em 40 anos na Amazônia. Além de prejudicar a biodiversidade, a crise hídrica afeta drasticamente o equilíbrio dos ecossistemas e amplia o risco de incêndios florestais, agravando ainda mais a vulnerabilidade ambiental do país.

Os impactos cada vez mais intensos e devastadores de eventos climáticos extremos, têm evidenciado a urgência de práticas que não só aumentem a resiliência dos ecossistemas, mas que também promovam uma adaptação a longo prazo, tanto ambiental quanto social, nas regiões afetadas. Nesse cenário, fica cada vez mais evidente a conexão entre as práticas do agronegócio e a intensificação dos eventos climáticos extremos, especialmente considerando os impactos deste setor sobre o desmatamento, as alterações no uso do solo para a expansão da fronteira agrícola, o emprego de hidrocarbonetos na síntese de fertilizantes, e a contaminação ambiental gerada pela aplicação indiscriminada de agrotóxicos e pelo acúmulo de resíduos derivados desses processos.

A expansão agrícola intensiva, especialmente nas áreas de monocultura de soja e milho, está ligada ao desmatamento, à degradação dos solos e à redução da vegetação nativa, que são barreiras naturais contra enchentes, intensificando a vulnerabilidade do território a chuvas intensas, levando ao escoamento excessivo de água e ao aumento das inundações.

As queimadas de florestas e áreas de pastagem, além de serem crimes ambientais, são alimentadas por longas estiagens. Em setembro de 2024, o Brasil registrou 7.322 focos de incêndio, representando 71,9% das queimadas na América do Sul. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelou que, ao longo do ano, o país contabilizou mais de 80 mil focos de queimadas, um aumento de 30% em relação à média histórica.

A expansão das fronteiras agrícolas, que destrói biomas como a Amazônia, Cerrado e Pantanal, é um dos principais fatores que agravam a crise. A falta de controle ambiental e práticas criminosas de alguns setores do agronegócio intensificam a devastação, e se beneficiam da devastação de terras para a criação de pastagens e cultivo de monoculturas. As queimadas, agora mais frequentes e intensas, têm provocado crises ambientais e de saúde pública, com impactos diretos no regime de chuvas.

O governo federal reconhece a necessidade de recursos não apenas para mitigar desastres já em curso, mas também para prevenir eventos futuros. Há um apelo por uma gestão de risco mais eficaz, que inclua a preparação para desastres relacionados às mudanças climáticas.

A ministra Marina da Silva destacou que, atualmente, existem 1.942 municípios vulneráveis a essas mudanças, de acordo com dados históricos. Portanto, além de lidar com as emergências em curso, é essencial investir em políticas públicas de prevenção e adaptação de médio e longo prazo como parte de um esforço contínuo para mitigar os impactos futuros das crises ambientais.

Entre os grupos mais vulneráveis às mudanças climáticas estão as (os) agricultoras(es) familiares, povos e comunidades tradicionais. Ao mesmo tempo, são esses mesmos grupos que têm demonstrado maior capacidade de adaptação, implementando práticas herdadas de seus antepassados e desenvolvidas em diálogo com outras famílias, técnicos e pesquisadores a partir de uma abordagem agroecológica. Neste contexto, a agroecologia se destaca como uma abordagem transformadora, capaz de enfrentar a insegurança alimentar e as mudanças climáticas.

Em resposta a esses desafios, redes de base e instituições de desenvolvimento têm promovido e sustentado a agroecologia como um modelo viável para enfrentar a crise gerada pelo modelo agrícola industrializado, ao mesmo tempo em que respeitam a heterogeneidade socioecológica das regiões. Em busca de inspiração nessas experiências, e buscando traçar um panorama da agroecologia no estado do Rio de Janeiro, a Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ) realizou, entre julho e outubro de 2023, um mapeamento de experiências por meio da plataforma Agroecologia em Rede. O objetivo foi identificar e qualificar as estratégias adotadas por agricultoras(es), movimentos sociais, pesquisadoras(es) e redes em todas as regiões do estado do Rio de Janeiro. Foram mapeadas 260 experiências, agrupadas em algumas categorias: “produção de alimentos” (180 experiências), Em seguida, a categoria “comércio, feiras e outras formas de venda de produtos”, (124 experiências). Destacam-se também o “beneficiamento” (81 experiências) e as iniciativas relacionadas à “construção do conhecimento” (77 experiências).

O mapeamento revelou estratégias inovadoras desenvolvidas em um período marcado pela crise de insegurança alimentar, agravada pela pandemia e pelo desmonte de políticas públicas federais voltadas à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Dentre as iniciativas, 42 foram dedicadas ao acesso a alimentos, como a distribuição de marmitas e cestas, cozinhas comunitárias, merenda escolar e produção em hortas para autoconsumo. As experiências evidenciaram a adaptação de algumas experiências ao contexto sanitário, com o uso de novas tecnologias de vendas digitais para comercializar cestas de alimentos agroecológicos.

É importante destacar a retomada das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional no governo Lula desde 2023. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Fome Zero revelou que 13 milhões de pessoas deixaram de passar fome entre 2022 e 2023. O governo lançou iniciativas como a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que tem como objetivo mobilizar recursos globais para combater a fome, e o Programa de Cozinhas Solidárias, que busca apoiar a oferta de refeições em comunidades vulneráveis, promovendo cursos de capacitação e abastecendo essas cozinhas com alimentos adquiridos por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Além disso, o Programa Cesta Básica Saudável visa incentivar o consumo de alimentos in natura e saudáveis. No entanto, essas iniciativas não abordam adequadamente a necessidade de enfrentar as mudanças climáticas, que representam um dos principais desafios enfrentados pelos agricultores, e não reconhecem o valor da agroecologia na abordagem conjunta do combate à fome e às mudanças climáticas.

As experiências mapeadas pela AARJ destacam as mudanças climáticas como um dos principais desafios enfrentados pelas comunidades, evidenciando o desenvolvimento de práticas locais para mitigar seus impactos. Entre essas práticas, a implementação de Sistemas Agroflorestais (SAFs) se destaca como uma estratégia eficaz. A diversificação de culturas e a promoção da biodiversidade nos sistemas agroecológicos aumentam a resiliência dos agroecossistemas a eventos climáticos adversos, como secas, inundações e variações extremas de temperatura. Uma maior biodiversidade contribui para a criação de ecossistemas mais equilibrados, que são menos vulneráveis a pragas e doenças, além de facilitar a adaptação a condições climáticas variáveis.

Além disso, diversas tecnologias sociais, como sistemas de captação de água e métodos de redução de resíduos, foram mencionadas como ferramentas cruciais para enfrentar esses desafios. A agroecologia também valoriza o conhecimento tradicional e as práticas locais, oferecendo soluções adaptadas ao contexto específico de cada comunidade. Essa abordagem fortalece a autonomia dos pequenos agricultores e promove justiça social ao fornecer alternativas sustentáveis e economicamente viáveis, especialmente em regiões onde o agronegócio tem contribuído para a degradação ambiental e o deslocamento de comunidades rurais.

É fundamental evidenciar essas estratégias como parte do combate à fome e às mudanças climáticas. Essas experiências demonstram que a agroecologia é um caminho promissor para incentivar a valorização de sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis.

As principais escalas de abrangência das experiências mapeadas são de âmbito municipal e intermunicipal, evidenciando a predominância de uma diversidade de iniciativas “locais” que se conectam com o território. Essa diversidade ressalta a riqueza das práticas agroecológicas, que podem estabelecer vínculos para além de seus municípios, através da participação em redes e articulações regionais. No entanto, as dificuldades e demandas identificadas nesse mapeamento ressaltam a urgência de projetos e políticas públicas que integrem a construção de conhecimento—como assessoria técnica, capacitação e suporte à gestão—com o atendimento às necessidades materiais dessas iniciativas. Também indicam que é fundamental garantir o acesso a insumos essenciais, equipamentos e tecnologias sociais, além de oferecer suporte logístico para a comercialização dos produtos agrícolas. Um exemplo concreto dessa dinâmica é a agricultura urbana, que enfrenta desafios específicos, como a dificuldade de acesso a insumos básicos, como sementes, e os entraves para obter financiamento público e acesso à terra em áreas urbanas. Embora a promulgação da Lei Nº 14.935, que institui a Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, tenha sido um passo positivo em julho deste ano, sua implementação ainda enfrenta desafios significativos. A integração da agricultura urbana ao planejamento urbano tem sido insuficiente, resultando em conflitos com o uso do solo e na falta de espaço adequado para o cultivo.

O mapeamento tem promovido um processo de reflexão e articulação, contribuindo para a construção da carta política elaborada pela AARJ, que foi apresentada às candidatas e candidatos nas eleições municipais. Como resultado dos diálogos com candidaturas, movimentos sociais e a sociedade civil, foi firmado um compromisso com o fortalecimento dos sujeitos e práticas agroecológicas no Estado do Rio de Janeiro, coletando 72 assinaturas de candidatos em 26 municípios, sendo 13 para a prefeitura e 59 para a vereança.

No contexto federal, em 13 de setembro, organizações e movimentos sociais ligados à agroecologia enviaram uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, repudiando o veto do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) ao Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Essa decisão inviabilizou o avanço do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), cujo lançamento já foi adiado quatro vezes. O documento foi divulgado por integrantes da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), que demandam uma posição clara do Governo Federal sobre a redução de agrotóxicos e a implementação do plano.

Na carta, os movimentos ressaltam a urgência de fortalecer políticas públicas voltadas à agroecologia, visando à proteção da saúde das famílias brasileiras e da biodiversidade. A reunião ocorrida no dia 17 de setembro entre Lula, ministros e representantes dos outros Poderes discutiu a temática, evidenciando a crescente pressão social em torno do assunto. Em um vídeo divulgado, o presidente expressou abertura ao diálogo para encontrar soluções que possam alterar o atual cenário, embora tenha destacado a forte pressão exercida por empresários do setor de agrotóxicos no Congresso. A mobilização continua a ganhar força, com o movimento agroecológico buscando ampliar a conscientização da sociedade sobre a importância do Pronara.

A agroecologia deve ser reconhecida como uma estratégia fundamental no combate às mudanças climáticas, ressaltando os esforços das redes e movimentos para mapear e compreender experiências de inovação social que representam tanto estratégias de resiliência quanto de combate à fome. Esse enfoque é particularmente relevante no contexto da COP 30, onde serão debatidos as falhas que contribuíram para a crise atual e o papel do Brasil na diplomacia ambiental, incluindo a promessa do governo de criar uma autoridade climática.

É politicamente crucial reunir e analisar as contribuições da agroecologia para que ela seja reconhecida como parte essencial de um plano de adaptação e mitigação das mudanças climáticas. Essa análise pode orientar os tomadores de decisão a adotarem políticas mais eficazes, enfrentando os desafios climáticos e garantindo a sustentabilidade dos sistemas alimentares no país.

Acesse o relatório do mapeamento.


Mutirão Solidário CEDAC (Centro de Ação Comunitária) é uma experiência de garantia de acesso a alimentos e enfrentamento à fome, por meio da distribuição de marmitas e cestas. Iniciado em 2020, é conduzido por uma organização dedicada à Educação Popular. A gestão dessa iniciativa é coletiva e comunitária, liderada principalmente por mulheres. Uma ampla gama de atores está envolvida, desde agricultores familiares e camponeses até agricultores urbanos, assentados de reforma agrária, educadores, estudantes, profissionais de saúde e membros de povos e comunidades tradicionais.

A Experiência Ile Axé Oba Labi, um ponto de cultura, e também uma experiência de saúde, começou em 2023, na cidade do Rio de Janeiro (região Metropolitana). O Quintal das Pedrinhas Miudinhas representa um resgate das práticas ancestrais de conexão com a natureza, dedicado à preservação e proteção das plantas tradicionais de matriz africana. A produção para o consumo livre de agrotóxicos é também uma prática essencial. Além de ser um espaço de cultivo e preservação, o local é um centro de atividades socioeducativas e culturais, no qual são promovidos eventos e encontros. Faz parte do Arranjo Local de Guaratiba, do GT de Combate do Racismo Ambiental da Frente Parlamentar Ambientalista do Rio de Janeiro e tem parceria com o Projeto Ará (Fiocruz Mata Atlântica).

A jornada do Sítio Vinhático, localizado em Bananeiras, município de Silva Jardim (regional Serramar), teve início em 2020, com a aquisição de uma propriedade por três mulheres. Atualmente são quatro mulheres, e juntas elas formam um coletivo que promove a agroecologia na região, revitalizando áreas anteriormente desmatadas com sistemas agroflorestais (SAFs) e pequenas plantações. Essa experiência coletiva e comunitária é conduzida principalmente por mulheres brancas, no meio rural, com alcance municipal. Integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Sítio Vinhático tem como espaço de beneficiamento uma cozinha caseira, onde os produtos são preparados e embalados com rótulos e marca específica.