terça-feira, 31 de dezembro de 2024

E os ricos rentistas improdutivos (como os da Faria Lima e seus banqueiros) peferem o fim do planeta do que o questionamento e/ou mínima perda de seus privilégios...

 

Para escapar da prisão invisível

Em todo o mundo eurocêntrico, a política permanece impotente — porque os muito ricos preferem o fim do planeta ao fim de seus privilégios. O que é preciso para vencê-los? Qual o papel, neste cenário, de um jornalismo de profundidade?


Eleito em meio a esperanças, o governo acabou por ceder aos que capturam, sem nada produzir, a riqueza de um país regredido e extenuado. Por isso, o Parlamento apressou-se a aprovar as novas leis, que reduzem direitos sociais e ampliam a desigualdade. Tramitaram a jato, em violação mal disfarçada à Constituição. Em debate público, houve chantagem explícita dos “mercados”, que investiram contra a moeda nacional. A mídia participou, ao difundir as ideias – evidentemente falsas – de que “as contas públicas não fecham” e “é necessário um ajuste fiscal”.

Os parlamentares da oposição que resistiam foram demovidos pela liberação de bilhões de reais em emendas. Mas ao recompensá-los, o Executivo não ganhou mais liberdade. Ao contrário: pagou para que lhe vestissem uma camisa-de-força. Agora, será ainda mais difícil ampliar os investimentos públicos. Num contexto adverso, enquanto não há força para reformas estruturais, seriam o principal caminho para reduzir a injustiça social. Mas escandalizam o 0,1% que quer o dinheiro do Estado apenas para si.


Ao vencer, este grupo se prepara (e se fortalece) para novas pressões. Não haverá trégua. Foi pouco, dizem os porta-vozes dos rentistas, mal terminadas as votações. O ministro da Fazenda e o novo (?) presidente do Banco Central lhes dão razão: “não existe bala de prata”, disseram há poucos dias, para sugerir que novas maldades virão. Como no filme O Feitiço do Tempo, o “ajuste fiscal” é um pesadelo que nunca termina.

* * *

São bastante conhecidos – e viáveis – os meios para evitar um colapso climático. O uso de combustíveis fósseis precisa ser reduzido, por meio de amplos investimentos em fontes energéticas limpas. Redes de transporte coletivo devem substituir, em larga medida, o automóvel. A construção das infraestruturas necessárias tem um efeito colateral positivo, pois pode gerar milhões de ocupações dignas, num mundo carente de direitos para as maiorias. Reduzir o abismo social importa – pois o 1% mais rico (77 milhões de pessoas) emite, por seu padrão de consumo, tanto CO² quanto os 66% mais pobres (5 bilhões de humanos)… O combate ao consumismo pode ser complementado com medidas específicas, como a restrição à pecuária industrial. Não podem ser mais tolerados processos hoje muito difundidos – como a obsolescência programada e a produção incessante de embalagens descartáveis (especialmente plásticos).

E apesar de estarmos todos cientes dos caminhos, fracassam, uma após a outra, as conferências da ONU convocadas para encarar o problema. Nada indica, por enquanto, que será diferente na COP30, em Belém. Os dois principais motivos são normalmente ocultados, pois apontam para o parasitismo do capital financeirizado. No Ocidente, as corporações agigantaram-se e já não aceitam ser limitadas nem pelas sociedades, nem pelos Estados. Um pequeno tributo internacional sobre as transações financeiras (como a Taxa Tobin), ou sobre a exportação de petróleo e minérios, permitiria financiar a transição energética nos países pobres, hoje sem forças para realizá-la. A construção de grandes redes de ferrovias e metrôs (como se faz na China) faria despencar as viagens unipessoais e a venda de carros. O que impede a adoção de medidas como estas não é sua suposta inviabilidade mas… sua eficácia.

O segundo motivo talvez seja de ordem político-psicanalítica. Como não se cansa de lembrar o economista Ladislau Dowbor, os avanços técnicos das últimas décadas permitiriam assegurar vida digna a todos os seres humanos. A riqueza produzida coletivamente equivale a 3,3 mil dólares por mês (R$ 20 mil) por família de quatro pessoas.

Mas onde há abundância, não há privilégio. É óbvio que o Brasil será um país mais justo e feliz, se o Estado destinar ao SUS, à escola pública de excelência e à despoluição dos rios urbanos os R$ 800 bi que transfere todos os anos aos rentistas. Mas talvez a frase célebre de Mark Fisher (“parece mais fácil acreditar no fim do mundo que no fim do capitalismo”) precise de um complemento. Isso se dá também porque, para o 0,1% que controla o poder, é mais fácil aceitar a extinção do planeta do que o fim de suas regalias…

* * *

Como escapar de uma prisão invisível – ou seja, daquela que, estando inscrita na subjetividade social, é mais eficaz do que qualquer outra? Os privilegiados desejam o fim da Política como potência coletiva (daí seu permanente flerte com o fascismo). Mas por que – sendo tão minoritários – sua ideia de que as mudanças sistêmicas são inviáveis ainda prevalece?

Passadas quatro décadas da queda do “socialismo real”, perdura a ausência de um novo horizonte emancipatório. Por não se sentirem ameaçados, os rentistas responderam à crise iniciada em 2008 radicalizando seu projeto e sua cobiça. Os governos ocidentais nunca emitiram tanto dinheiro em favor dos mais ricos, nem atacaram tão ferozmente o Estado de bem-estar social. As megacorporações e fundos serviram-se da tecnologia não para reduzir o tempo de trabalho – mas para torná-lo mas intenso e desprotegido. A periferia foi submersa novamente na condição de semicolônia.

O déficit de projetos e consciência não está apenas no plano teórico. Espraia-se também no terreno da informação. Ao estabelecer uma aliança de facto com o capital financeiro, o governo brasileiro provavelmente ignora as consequências devastadoras deste movimento – e desconhece, em especial, as novas teorias que mostram como seria possível evitá-lo. Quando transferem seus bancos de dados para o Google ou a Meta, as universidades e o Judiciário do país parecem desconhecer que estão oferecendo seu bem mais precioso (conhecimento estratégico) em troca de espelhinhos.

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Outras Palavras empenha-se em nadar contra esta maré – embora com menos recursos do que seria necessário. Nossa seleção de melhores textos de 2024 é um testemunho. Nela estão presentes textos sobre a conjuntura brasileira. Orgulhamo-nos de ter advertido, já em abril de 2023, que o “arcabouço fiscal” e o teto de gastos implícito “apequenarão(iam) o governo Lula”. Mas procuramos ir muito além.

Convidamos nosso público a inteirar-se das reflexões mais atuais sobre a Crise Civilizatória e seu desdobramento – o Colapso Climático. Apresentamos o intenso debate — inclusive teórico — acerca da emergência do rentismo, seus desdobramentos devastadores e as formas de enfrentá-lo. Chamamos atenção para as consequências, num país periférico: o inchaço de setores destrutivos, social e ambientalmente, como o Agronegócio. Suscitamos esperanças – ao evidenciar, por exemplo, a emergência do Sul Global, ou a crise do eurocentrismo.

Abordamos – dos pontos de vista político e científico – o avanço da Inteligência Artificial, suas imensas potencialidades e, em contrapartida, as ameaças que ela representará enquanto permanecer sob controle de megacorporações privadas. Destacamos o SUS e o Comum da Saúde, em contrapartida à medicina de negócios. Investigamos os feminismos, as novas relações afetivas e as identidades antissistêmicas. Seguimos acompanhando e difundindo as reflexões sobre o pós-capitalismo. Há mais. A seleção desdobra-se em 14 temas que julgamos de enorme relevância para compreender o mundo contemporâneo e (em especial) para transformá-lo.

Anos difíceis virão. O avanço da ultradireita continuará presente, enquanto as forças populares não puderem recompor um projeto capaz de empolgar as maiorias e de se reapresentar como o autêntico “antissistema”. Em resposta à sua crise, o Ocidente pode empreender guerras brutais, como o genocídio praticado por Israel em Gaza. Não nos enganemos: tudo isso são sintomas de um declínio. A força do sistema estava em sua capacidade de incorporar as demandas populares e construir hegemonias, nos anos 1940-70. Agora, é época de trevas.

A grande pergunta é: seremos capazes de salvar a humanidade e o planeta, antes que a fúria destrutiva do capital-rentismo os destrua? Ainda é impossível saber. Lutaremos muito – esperamos que com sabedoria – nos próximos anos. Temos o impulso de novos estímulos. O VAT e as ações pela redução da jornada de trabalho demonstram como há espaço para mobilizar as maiorias, quando se está disposto a ouvir e sentir seus dramas. Há alguns meses, a campanha contra o PL dos Estupradores relembrou que é possível e necessário pressionar a institucionalidade – e alcançar vitórias.

Estamos nos despedindo de 2024. Outras Palavras Outra Saúde entrarão em recesso a partir de 22/12. Desejamos festas criativas, descanso regenerador, chances de refletir. Nos reencontraremos em 2025.

Abraço forte da
Redação de Outras Palavras

domingo, 29 de dezembro de 2024

Portal do José: 2025! EMOÇÕES À VISTA! REALIDADE , ECONOMIA, CIVILIZAÇÃO X MUNDO CÃO! O COMBATE A BRUTALIZAÇÃO!

 

Do Portal do José:

29/12/24 - O PROGRAMA HOJE TEM CONTEÚDOS FILOSÓFICOS QUE NOS AJUDAM A ENTENDER MELHOR O QUE VIVEMOS NO BRASIL. O ANO ESTÁ QUASE SE FINDANDO. MAS O QUE DEVEMOS ESPERAR PARA 2025? Para além do cenário de nossas vidas reais, há um pano de fundo que não podemos desprezar: a intoxicação que se abateu sobre uma parcela de nossa sociedade. Essa chaga ofusca a análise da realidade para uma parcela considerável do Brasil. Nosso espaço se propõe a ajudar a esclarecer o ambiente em meio às névoas da brutalização. Sigamos.





Entrevista: Banco Central é autônomo do Executivo, não da Constituição econômica, diz representante da banca que acionou o STF contra golpistas do BC atrelados aos bancos privados e à Faria Lima

 

Do Jornal GGN:


Ao GGN, advogada explica ação no STF para fazer Copom considerar interesses econômicos da sociedade na definição da Selic; assista



Entrevista: Banco Central é autônomo do Executivo, não da Constituição econômica, diz representante da banca que acionou o STF

O Banco Central é uma instituição autônoma dos interesses políticos do Poder Executivo, mas não é autônomo em relação à Constituição econômica, porque é um órgão de Estado e, como tal, deve obediência aos parâmetros constitucionais. Nesse sentido é que deve observar também os objetivos fundamentais da República brasileira, inclusive, o da redução da desigualdade e da erradicação da pobreza. Esses valores devem ser considerados na definição da taxa básica de juros (Selic) pelo Copom (Comitê de Política Monetária).

O entendimento acima é o ponto central da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais) apresentada pelo partido PDT ao Supremo Tribunal Federal. Representante da banca que assina a ação – Walber Agra -, a advogado Nara Cysneiro falou com exclusividade ao GGN sobre a iniciativa que visa promover um debate institucional que reconheça a omissão do Banco Central em definir parâmetros transparentes e mais plurais do que apenas observar as expectativas do mercado financeiro na definição da Selic pelo Copom.

“Nosso propósito não é que o Judiciário se substitua à autoridade monetária. Nosso propósito é que o Judiciário promova o estabelecimento de critérios objetivos para que as decisões do Copom atendem à Constituição econômica. Não queremos que o STF passe a fixar a Selic. O que queremos é que o STF determine ao Banco Central que considere valores como, por exemplo, a manutenção de postos de trabalho como [valores] relevantes para a tomada de decisão”, disse Nara Cysneiro em entrevista ao jornalista Luis Nassif, na noite de quinta (26).

Não tiramos nada disso da cartola, isso é parâmetro constitucional para qualquer órgão público. O Banco Central é autônomo do Poder Executivo, mas não é autônomo em relação à sociedade brasileira e à Constituição Federal. Ele ainda é órgão de Estado e, portanto, deve obediência às regras constitucionais“, acrescentou.

GGN teve acesso à ação de 60 páginas, que foi apresentada ao STF no dia 23 de dezembro. A peça questiona não a taxa Selic em si, fixada em 12,5%. O que está em jogo são os parâmetros utilizados atualmente para a tomada de decisão, que tem como principal baliza o boletim Focus.

“O Boletim Focus reflete a expectativa de um mercado específico: ele representa a expectativa do mercado financeirizado, especulativo. Mas no plano mercadológico há ainda o mercado produtivo – indústria, comércio e setores produtivos – que sofrem com o aumento da taxa Selic. Quando falamos em parametrização dessa decisão, é claro que admitimos que tem de se levar em conta o mercado financeiro, que financia muitas atividades. Mas também é preciso levar em conta a expectativa de outros mercados econômicos brasileiros. Estamos falando de ‘retirar a exclusividade de expectativa’ e ampliar a margem de discussão sobre o quanto essa taxa deveria favorecer os objetivos que a Constituição”, defendeu Nara Cysneiro.

Na visão da representante da banca Walber Agra, “no processo de fixação da taxa básica de juros, é preciso que se considere – para além das expectativas do mercado financeiro – outras expectativas que estão no parâmetro constitucional. Estamos falando de estabilidade de postos de trabalho, de desenvolvimento industrial nacional; dos impactos que essa taxa impõem ao orçamento fiscal, portanto, à capacidade de pagamento da dívida pública e sua trajetória sustentável. Estamos falando sobre crescimento econômico, erradicação da pobreza, desigualdade social”, apontou Cysneiro.

Assista a entrevista completa abaixo:

Leia também:

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Bolsonarista pensionista filha de militar presa por racismo na porta de Lula vira mártir da extrema direita fascista

 

Do UOL:


Bolsonarista presa por racismo na porta de Lula vira mártir da extrema direita | Sakamoto

O colunista do UOL Leonardo Sakamoto fala sobre a prisão de uma bolsonarista que levou uma coroa de flores para a frente da casa do presidente Lula, em São Paulo.




Aposentadoria dos militares escancara privilégios, avalia Leandro Demori

 

Do Instituto Conhecimento Liberta - ICL:

Aposentadoria dos militares escancara privilégios e mostra como vídeo de propaganda da Marinha envelheceu mal, avalia Leandro Demori



Mesmo sob acusação de golpismo explícito, Exército cria mais 2 cursos de Kids Pretos

 Do site ICL Notícias:

Por envolvimento na tentativa de golpe, PSOL pediu ao Ministério da Defesa extinção desse batalhão



O Estado Maior do Exército, comandado pelo general Richard Fernandez Nunes, criou mais dois cursos destinados à formação de militares: o curso de Forças Especiais (Kids Pretos) para oficiais e o curso de Forças Especiais para sargentos. A decisão foi tomada em meio à investigação da participação de militares formados nesses cursos no planejamento e execução da tentativa de golpe de Estado no país.

Segundo a Polícia Federal, o general da reserva Mário Fernandes, que é um Kid Preto, seria um dos principais articuladores da trama golpista. Ele está preso.

Pelo envolvimento das Forças Especiais no plano de ataque à democracia brasileira, o PSOL pediu ao Ministério da defesa a extinção desse batalhão.

Os dois novos cursos têm como objetivo treinar os militares para ocupar cargos e desempenhar funções nas organizações que compõem o Comando de Operações Especiais e na 3ª Companhia de Forças Especiais.

As informações foram publicadas em uma portaria do dia 10 de dezembro deste ano e divulgadas por Robson Augusto no site Revista Sociedade Militar.

O processo seletivo para as Forças de Operações Especiais é realizado entre militares voluntários que realizam curso de Ações de Comandos e de Forças Especiais, segundo o Exército.

Os Kids Pretos passam por formação no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Niterói (RJ), no Comando de Operações Especiais em Goiânia (GO), ou na 3ª Companhia de Forças Especiais, em Manaus (AM).

Como parte do treinamento, os militares aprendem a atuar em missões com alto grau de risco e sigilo, como em operações de guerra irregular — terrorismo, guerrilha, insurreição, movimentos de resistência.

“Kid Preto” é um apelido informal atribuído aos militares de Operações Especiais do Exército Brasileiro, pelo fato de usarem um gorro preto.

De acordo com o Exército, os Kids Pretos podem atuar em todo o território nacional. No entanto, a corporação afirma que as tropas especiais só são empregadas por ordem do Comando do Exército, sob coordenação do Comando de Operações Especiais.

Kid preto é um apelido informal dos militares de Operações Especiais do Exército Brasileiro, pelo fato de usarem um gorro preto. — Foto: Divulgação/Exército

‘Kid Preto’ é apelido informal dos militares de Operações Especiais do Exército Brasileiro, pelo fato de usarem um gorro preto. (Foto: Divulgação/Exército)

Kids Pretos foram presos suspeitos de planejar matar Lula, Alckmin e Moraes

Os Kids Pretos — também chamados de “Forças Especiais” (FE) — são militares da ativa ou da reserva do Exército, especialistas em operações especiais. Segundo o Exército, até o ano passado, os Kids Pretos tinham um efetivo aproximado em torno de 2,5 mil militares.

Em novembro deste ano, a Polícia Federal prendeu quatro militares do Exército ligados às forças especiais suspeitos de um golpe de Estado após as eleições de 2022 para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e restringir a atuação do Poder Judiciário.

São eles: general de brigada Mario Fernandes (na reserva); tenente-coronel Helio Ferreira Lima; major Rodrigo Bezerra Azevedo e major Rafael Martins de Oliveira.

Segundo a Polícia Federal, entre as ações elaboradas pelo grupo havia um “detalhado planejamento operacional, denominado ‘Punhal Verde e Amarelo’, que seria executado no dia 15 de dezembro de 2022” para matar os já eleitos presidente Lula e vice-presidente Geraldo Alckmin.

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Em decisão histórica, Dino manda PF investigar orçamento secreto dos ladrões do centrão de Lira e da direita e critica insistência do Congresso em burlar regras de transparência

 

Do Jornal GGN:


O ministro decidiu nesta segunda (23) suspender a liberação de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão

   Foto: SCO/STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, afirmou em decisão inédita, emitida nesta segunda (23), que é “paradoxal” que o Congresso insista em desobedecer os “deveres constitucionais”, aprovados pelo próprio Legislativo, quanto à “transparência, rastreabilidade e eficiência na aplicação de bilhões de reais” em emendas parlamentares.

O ministro decidiu nesta segunda (23) suspender a liberação de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão após o PSOL, Partido Novo e outras instituições denunciarem que as chamadas emendas de liderança que seriam liberadas sem dados completos sobre a autoria e destinação dos recursos.

Dino deu prazo de 5 dias para que o Congresso envie a ata com essas informações ao Poder Executivo, para que as emendas possam ser executadas. O ministro também decidiu requisitar a instauração de Inquérito Policial na Polícia Federal, “a fim de que os fatos sejam adequadamente esclarecidos, inclusive com a oitiva dos citados parlamentares” em escândalos sobre emendas revelados na imprensa.

“O estopim para a investigação foi a revelação das “emendas de liderança”, em reportagem da piauí da segunda-feira, 16 de dezembro. Trata-se de uma manobra pela qual Arthur Lira e dezessete líderes partidários tomaram para si a decisão sobre a destinação de verbas, fazendo parecer que estava tudo sendo feito com a anuência da comissões que devem propor a destinação das verbas. Após a reportagem, o STF foi acionado pelos partidos Psol, Novo e as entidades Transparência Brasil, Transparência Internacional Brasil e Instituto Não Aceito Corrupção”, descreveu a revista.

Na decisão desta segunda (23), Dino afirmou que “Não é compatível com a ordem constitucional, notadamente com os princípios da Administração Pública e das Finanças Públicas, a continuidade desse ciclo de (i) denúncias, nas tribunas das Casas do Congresso Nacional e nos meios de comunicação, acerca de obras malfeitas; (ii) desvios de verbas identificados em auditorias dos Tribunais de Contas e das Controladorias; (iii) malas de dinheiro sendo apreendidas em aviões, cofres, armários ou jogadas por janelas, em face de seguidas operações policiais e do Ministério Público. Tamanha degradação institucional constitui um inaceitável quadro de inconstitucionalidades em série, demandando a perseverante atuação do Supremo Tribunal Federal.”

Quando à execução das emendas, Dino determinou que “o Poder Executivo só poderá executar as emendas parlamentares relativas ao ano de 2025 com a conclusão de todas as medidas corretivas já ordenadas, notadamente as adequações no Portal da Transparência e na plataforma Transferegov.br, com o registro de todas as informações a serem fornecidas pelo Poder Legislativo e pelos órgãos do Poder Executivo, nos EXATOS TERMOS DAS DECISÕES DO PLENÁRIO DO STF.”

Leia a decisão completa do ministro Flávio Dino abaixo:

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

A tradicional Família Militar e a sua Marcha de uma nota só: o autogolpe é coisa nossa – II, por João Cezar de Castro Rocha, Professor Titular de Literatura Comparada (UERJ) e Cientista do Nosso Estado (FAPERJ)

 

Do iclnotícias:


Marcha de uma nota só: o autogolpe é coisa nossa – II

Comecemos pela chantagem imposta pelos militares para que se pudesse sonhar com a redemocratização



Uma prisão é uma prisão é uma prisão

No último sábado, 14 de dezembro de 2024, o general 4 estrelas Walter Souza Braga Netto foi preso pela Polícia Federal por obstrução de justiça no âmbito das investigações relativas à tentativa de golpe de estado para manter Jair Messias Bolsonaro no poder, apesar da derrota nas eleições. O ineditismo da situação precisa ser mais bem qualificado e ninguém o fez melhor do que o historiador Carlos Fico.

A observação é aguda e merece ser desenvolvida, pois o traço dominante do exercício político por parte dos militares, além do óbvio traço autoritário, foi precisamente o cuidado em forjar uma ordem jurídica que garantisse impunidade a seus eventuais crimes. Na marcha de uma nota só que esboço nesta série de artigos, a prisão de Braga Netto exige que se faça um desvio para que, antes de esmiuçar a sucessão de autogolpes que moldaram os 21 trágicos anos da ditadura militar iniciada em 1 de abril de 1964, examinemos o ordenamento jurídico minucioso com a qual os militares acreditaram colocar-se acima de qualquer responsabilidade por seus atos na esfera da política.

A Lei da Anistia

Comecemos pela chantagem imposta pelos militares para que se pudesse sonhar com a redemocratização. Cientes de que haviam cometido sistematicamente o crime imprescritível de tortura, as Forças Armadas viram na Lei da Anistia um pretexto para blindar os militares comprometidos tanto com a conspiração iniciada logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros em 24 de agosto de 1961, quanto envolvidos na tomada violenta do poder em 1964.

Não exagero! Preste atenção nas últimas palavras do general-presidente João Baptista Figueiredo ao assinar o projeto da Lei da Anistia.

Transcrevo o fecho do discurso a partir da minutagem 2:38. Palavras proféticas, pelo menos na visão do mundo teimosamente positivista do militarismo brasileiro:

“Contudo, é preciso reafirmar, o ideário da revolução de 1964, que nos inspirou durante os últimos 15 anos, continuará vivo através das gerações. É dentro dessa premissa que receberemos os anistiados. A anistia tem justamente esse sentido de conciliação para a renovação dentro da continuidade dos ideais democratizantes de 1964, que hoje reencontram sua melhor e mais grandiosa expressão. Muito obrigado.”

Pois é — instante involuntariamente cômico, o general-presidente com uma mão assinava o projeto e com a outra ameaçava o futuro com a “continuidade dos ideais democratizantes de 1964”.

(E se alguém discordar, que se prenda e arrebente o esquerdopata paulofreirano.)

Coação ainda mais explícita pode ser identificada na frase anterior, exemplo expressivo da dissonância cognitiva do ex-chefe do temido Serviço Nacional de Informações (SNI). Segundo o general, “o ideário da revolução de 1964 (…) continuará vivo através das gerações”. Como operar a improvável alquimia de uma sangrenta ditadura militar numa defensora da democracia? Elementar, caro general! Basta ocultar os crimes cometidos durante 21 anos.

Vamos ler o princípio da Lei da Anistia?

1, 2 e 3

Três pontos esclarecem o ardil dos militares.

Em primeiro lugar, destaque-se uma surpresa, qual seja, o arco temporal dos “crimes políticos” perdoados pela lei de 28 de agosto de 1979. Ora, mas o golpe não é posterior? Por que não limitar os efeitos da Lei da Anistia à data de 1 de abril de 1964? Não seria suficiente?

Justamente! A resposta é reveladora: Não! Um não rotundo, aliás. Os militares tentaram evitar o retorno de João Goulart ao Brasil, ainda que por meios traumáticos. Passaram a trabalhar para que o vice-presidente não assumisse a presidência, mas não contavam com a coragem cívica do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, que, por meio de um dos mais heroicos movimentos da história republicana, a Campanha da Legalidade, enfrentou o golpismo militar. Iniciada em 25 de agosto, a Campanha da Legalidade prolongou-se até o 7 de setembro de 1961, assegurando a posse de João Goulart nesse mesmo dia. A partir dessa data, os militares que chegaram ao poder em 1964 não perderam tempo no esforço de desestabilização do governo de João Goulart.

Em alguma medida, as Forças Armadas aprenderam a lição das coisas de um dos maiores golpistas da República: Carlos Lacerda. Em texto vituperino, publicado em 1 de junho de 1950, em seu jornal, Tribuna da Imprensa, ele lançou uma sombra sobre o futuro governo Vargas:

“O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato á presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”[1]

Golpista contumaz, um dos políticos que mais causaram danos ao Brasil, mas um homem de inteligência superior e um orador brilhante.

(Aqui, estou convencido, Lacerda atualizou a célebre refutação que o sofista Górgias propôs à lógica inventada por Parmênides.)

De fato, a oposição sem tréguas que a União Democrática Nacional (UDN) principiou antes mesmo da posse de Getúlio Vargas tinha um objetivo obsessivo: inviabilizar o governo, enfraquecê-lo ao máximo, a fim de impor uma humilhação definitiva a Vargas. Contudo, seu suicídio, no dia 24 de agosto de 1954, produziu uma reviravolta política poucas vezes vista na história brasileira. Se Lacerda imaginou estar muito próximo a finalmente chegar ao poder, por pouco não foi linchado pela população, agora revoltada com os inimigos de Getúlio.

(Experiência traumática elaborada pelo golpista-mor na tarefa, bem-sucedida, do tradutor de uma peça de William Shakespeare, Julius Caesar.)

A Lei da Anistia malandramente retornu ao 2 de setembro de 1961, de modo a não deixar sem proteção os inúmeros artífices do golpe de 1 de abril de 1964.

Não é tudo.

Releia o primeiro artigo. Anistiados serão “crimes políticos ou conexos com estes”. Uma pergunta se impõe: nesse contexto, o que são crimes conexos? Eis a chave do texto, que, malgrado o propósito de ocultamento dos militares, revela-se no primeiro parágrafo do artigo:

“(…) crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.

Deixando a diplomacia de lado, eu quero é ficar colado à pele da verdade todo o dia: “crimes de qualquer natureza” quer dizer: tortura, execução de adversários e ocultação de seus cadáveres. Vale dizer, o modus operandi da repressão política da ditadura militar.

No fundo, a Lei da Anistia pretendia nem tanto contemplar os que haviam sido condenados, presos ou exilados, quanto promover uma aberração jurídica, isto é, “anistiar” militares que nunca foram sequer investigados! Anistia às avessas, o que se promulgou em 28 de agosto de 1979 foi um dispositivo legal que assegurou impunidade aos crimes da ditadura militar. Por isso, a redação da lei de criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 18 de novembro de 2011, teve a cautela de tranquilizar os militares, ao esclarecer no artigo 4:

“As atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório.”

Em palavras diretas, ainda que se encontrassem provas irrefutáveis do cometimento de crimes políticos – ou conexos, não se esqueça –, nada poderia ser uado para efeito de processos contra os militares, que, assim, seguiram impunes.

(Diário de um torturador que nunca virou detento: Brilhante Ustra sorri no inferno.)

Pouco adiantou que o primeiro parágrafo da Lei de 2011 concluísse com a exortação:

“(…) a fim de efetuar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.

No vídeo da assinatura da Lei da Anistia, com sua retórica particular, o general-presidente prometia: “podem os brasileiros ver que a minha mão, sempre estendida em conciliação, não está vazia, nunca esteve”. A similaridade de vocabulário – “conciliação”, em 1979, “reconciliação”, em 2011 – não ajudou a apaziguar o meio militar. Em reação à CNV, a cúpula das Forças Armadas voltou-se contra o governo da presidente Dilma Rousseff e começou a acalentar um projeto abismo: apoiar, na avaliação do general Ernesto Geisel, o “mau militar” Jair Messias Bolsonaro.

Para concluir, voltemos ao texto da Lei da Anistia. Reveja o segundo parágrafo do primeiro artigo. Logo após a cuidadosa definição de “crimes conexos”, surge uma ressalva que tudo ilumina:

“§ 2° Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados (…)”.

O que segue importa menos do que a constatação – “os que foram condenados”. Os militares que torturaram, assassinaram e ocultaram cadáveres, esses poderiam ser beneficiados, sem ressalva alguma, pela inclusão maliciosa dos crimes conexos no âmbito da anistia, pois, assim, jamais seriam condenáveis…

E fica pior…

E se eu lhe disser que ideia correlata já se encontrava no nefando Ato Institucional 5?

(Na próxima coluna – você sabe.)

[1] Epitácio Caó. Carlos Lacerda. Carreirista de traição. Rio de Janeiro: s/e, s/d, p. 98.

A tradicional Família Militar e sua Marcha de uma nota só: o autogolpe é coisa nossa – I. Artigo de João Cezar de Castro Rocha, Professor Titular de Literatura Comparada (UERJ) e Cientista do Nosso Estado (FAPERJ).

 

Do site iclnotícias:


Marcha de uma nota só: o autogolpe é coisa nossa – I

“O golpe dentro do golpe”, longe de ser uma “tese fantasiosa e absurda”, constituiu tradição do militarismo


Máxima filosófica perfeitamente adaptável ao caos nosso de cada dia; afinal de contas:

“O que vai, vai

mas o que vai, vem”.

Lição tautológica das coisas negada por militares golpistas e por seu líder de delírios autoritários, Jair Messias Bolsonaro. Walter Braga Netto, endossando a pilantragem da letra da canção — “A cafonice / é coisa nossa” –, lançou uma nota sonsa.

(Você reparou que escrevi assim, Walter, sem o título militar? Sigo o modelo da senadora Eliziane Gama, que, em seu corajoso relatório da CPMI do 8 de janeiro, despiu a farda do general com a supressão da palavra. General golpista perde a honra da distinção; torna-se somente golpista. Criminoso — portanto.)

Na verdade, “o golpe dentro do golpe”, longe de ser uma “tese fantasiosa e absurda”, constituiu a tradição propriamente brasileira do militarismo nos tristes trópicos. E Braga Netto tem até razão: deixando a criatividade de lado, basta recuperar a linha cronológica do poder militar na República.

Golpes e autogolpes à mancheia

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, foi uma quartelada e não são poucos os que não hesitam em considerá-la um golpe de Estado — o pecado original do novo regime. Relevemos a questão, por um minuto que seja, pois agora trato de caracterizar o autogolpe como a essência mesma do exercício político por parte dos militares.

E isso desde os primórdios da República, ou seja, a tomada do poder e a constituição do autogolpe são praticamente simultâneas.

Vejamos.

Em novembro de 1891 o marechal Deodoro da Fonseca enfrentava impasses de difícil resolução: crise institucional associada a uma séria crise econômica; óbices agravados pela virtual ausência de diálogo com a oposição.

(Eis o X da questão: militares são treinados para “neutralizar” adversários, sempre reduzidos ao papel monocromático de inimigos. Diálogo, acordos e concessões não fazem parte de seu repertório existencial.)

Emparedado pelas circunstâncias, Deodoro da Fonseca inaugurou o atalho trilhado com regozijo pelos seus sucessores: fechou o Congresso e decretou Estado de Sítio.

(Mas, claro, o recurso constava na primeira Constituição republicana de 1891 — dentro das 4 linhas. Jogo que segue. O cachimbo deixou torta a boca gulosa de Bolsonaro.)

O marechal, contudo, não antecipou a reação da Marinha. No cabo de guerra entre as duas forças, havia uma clara percepção do autoritarismo crescente do Exército, que já ocupava o centro do poder. Em resposta, unidades da Armada, comandadas pelo almirante Custódio de Melo, ameaçaram bombardear a capital da República, a cidade do Rio de Janeiro. Deodoro da Fonseca, que, após o governo provisório (1889-1891), mal completou dez meses como presidente, renunciou no dia 23 de novembro de 1891.

A primeira tentativa de autogolpe fracassou redondamente, muito embora a terra costume ser plana na visão do mundo de golpistas.

Mas água mole em pedra ainda em formação…

Bolsonarismo no século 19?

Travestido de jurista de porta da Papuda, lógico de contrabando, Bolsonaro insiste na tese do cúmplice.

(Ora, ora, se eu já estava no poder, sentado na cadeira, que só Deus me tira de cima dela, como daria em golpe em si mesmo, tá ok?)

O problema do arrazoado do Jair e do Walter reside na história republicana em sua totalidade.

Não exagero: voltemos a 1891.

O vice-presidente Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, assumiu a presidência; aliás, como rezava a Constituição. E, obedecendo ao preceito constitucional, deveria ter convocado eleições, uma vez que Deodoro da Fonseca deixou o posto antes de completar dois anos de mandato, circunstância indispensável para que o vice-presidente assumisse o cargo de direito, caso fosse vitorioso no pleito.

Filigranas jurídicas nunca foram o forte do Marechal de Ferro que se apossou de fato do poder político. Em termos diretos: decidiu não abrir mão da boquinha da Presidência da República. Ou seja, o segundo autogolpe no segundo ano da República.

Mais uma vez, a Marinha se pronunciou. Inicialmente, tentou-se convencer Floriano a cumprir a lei, convocando eleições. A única resposta foi uma repressão feroz, que somente foi intensificada após a eclosão da Segunda Revolta da Armada, em setembro de 1893. A brutalidade da reação do Marechal de Ferro foi imortalizada no clássico de Lima Barreto, Triste fim de Policarpo Quaresma, publicado em 1915. No último capítulo do romance, revela-se o destino do protagonista, que será fuzilado pelas tropas florianistas. Olga, sua sobrinha, tentando salvar a vida de Policarpo, busca desesperadamente encontrar-se com Floriano Peixoto. O malogro do esforço sugere a condenação do idealista:

“Olga falou aos contínuos, pedindo ser recebida pelo marechal. Foi inútil. A muito custo conseguiu falar a um secretário ou ajudante de ordens. Quando ela lhe disse a que vinha, a fisionomia terrosa do homem tornou-se de oca e sob as suas pálpebras correu um firme e rápido lampejo de espada:

— Quem, Quaresma? — disse ele. — Um traidor! Um bandido!

Depois, arrependeu-se da veemência, fez com certa delicadeza:

— Não é possível, minha senhora. O marechal não a atenderá.

Ela nem lhe esperou o fim da frase. Ergueu-se orgulhosamente, deu-lhe as costas e teve vergonha de ter ido pedir, de ter descido do seu orgulho e ter enxovalhado a grandeza moral do padrinho com o seu pedido. Com tal gente, era melhor tê-lo deixado morrer só e heroicamente (…).”

No contexto do florianismo — incorrendo sem culpa no anacronismo deliberado, um bolsonarismo dos primórdios da República –, bandido era todo aquele que não espelhava as convicções do Marechal de Ferro; traidor, todo aquele que não apoiasse com fidelidade canina a manutenção de Bolsonaro no poder.

(Bolsonaro? Por que não?)

Plano Cohen

Um salto no tempo ou esta coluna será interminável.

(É preciso sempre ter misericórdia da eventual leitora. Sim, você: não há outra.)

Estamos agora em 1937. Getúlio Vargas completou 7 longos anos no poder desde outubro de 1930. Se levasse em conta a Constituição de 1934, deveria convocar eleições presidenciais para 1938. Um nome despontava como um forte candidato: o líder da Ação Integralista Brasileira (AIB), Plínio Salgado. Aliás, foi o chefe do integralismo o responsável involuntário pela elaboração de um relatório que propiciou o muito bem-sucedido autogolpe do Estado Novo.

(Não se esqueça nunca: O autogolpe, é coisa nossa.)

Explico.

Em novembro de 1935, ocorreu o Levante Comunista, liderado por Luís Carlos Prestes, à época presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Pois bem, Plínio Salgado teve a ideia de solicitar ao capitão Olímpio Mourão Filho, à frente do setor de inteligência da AIB, que preparasse um texto, a fim de alinhavar hipóteses sobre uma possível tomada do poder pelos comunistas.

Tarefa dada é tarefa redigida. O jovem militar, leitor da Revue des Deux Mondes, adaptou um artigo que descrevia a ascensão do Partido Comunista ao poder na Hungria sob a liderança de Béla Kun. Experiência efêmera, de março a agosto de 1919, ele foi o fundador e dirigente máximo da República Soviética Húngara.

(Nesse fugaz período de poder comunista, György Lukács foi Comissário do Povo. Olímpio Mourão Filho não parece ter dado importância à informação.)

Deslizes ortográficos à parte, o Kun brasileiro, esclarecendo o antissemitismo muito presente na gestão Vargas, teve evidenciada sua origem judaica no batismo icônico, e o Plano Cohen tornou-se o principal instrumento que assegurou o êxito do autogolpe de Getúlio.

Aos fatos.

Em setembro de 1937, a peça fictícia caiu nas mãos do governo. Plínio Salgado não se interessou pelas conjecturas do capitão integralista, pois o todo lhe pareceu tão fantasioso que até dispensava o esforço de refutações. Contudo, discordaram do autor de “Geografia sentimental” (1937), o ministro de Guerra de Getúlio, o general Eurico Gaspar Dutra, o chefe do Estado-Maior do Exército, o general Góis Monteiro, e o chefe da Polícia do Distrito Federal, o tenente-coronel Filinto Müller, um dos mais abjetos torturadores da História brasileira. Na iminência de convocação das eleições presidenciais e o consequente risco de deixar o poder em caso de derrota, Getúlio Vargas e os membros do governo viram no Plano Cohen um presente inesperado, e quanto mais dramática e irreal parecesse a tentativa de tomada do poder, mais adequada seria para o desejo de estabelecer um estado de exceção. Nesses casos, a regra é não perder tempo!

(Mas, dentro das 4 linhas, a política é um ringue do UFC: vale tudo.)

De imediato, a ardilosa trama foi difundida como uma grave ameaça à Nação — gravíssima, na verdade. Pelas ondas da Rádio Nacional, estrategicamente inaugurada em setembro de 1936, os detalhes do Plano passaram a fazer parte do dia a dia brasileiro. No dia 1 de outubro de 1937 a terceira página do Correio da Manhã estampou a notícia que deveria parar o país.

O subtítulo da reportagem foi escolhido a dedo: “O tenebroso plano foi apreendido pelo Estado-Maior do Exército”.

O Plano Cohen era mesmo mirabolante, como se alguém tivesse composto um samba-enredo distópico e sinistro. Pouco importa: o propósito era gerar pânico. Casas de famílias seriam incendiadas; estudantes e operários seriam manipulados para gerar caos; a Maçonaria seria mobilizada (!); as candidaturas presidenciais favoreceriam a agitação. Bingo! O problema gerava a solução: suspenda-se a eleição prevista para 1938 e se decrete o Estado Novo, ditadura estabelecida por lei (!) no dia 10 de novembro de 1937 e que durou até 1945.

É isso mesmo: uma terrível ditadura, que prendeu, torturou, assassinou e ocultou cadáveres.

(1937! Espere um pouco e na próxima coluna chegamos a 1964, uma terrível ditadura, que prendeu, torturou, assassinou e ocultou cadáveres.)

E uma ditadura estabelecida constitucionalmente, por assim dizer.

(Dentro das 4 linhas do terraplanismo de Ives Gandra Martins? Viva o anacronismo deliberado.)

No dia 10 de novembro de 1937, tropas cercaram “democraticamente” o Congresso Nacional. Getúlio Vargas outorgou uma nova Constituição no mesmo ato. Portanto, o Estado Novo começou como uma ditadura legalizada pelo autogolpe que o estabeleceu.

(Roda mundo, roda-gigante, rodamoinho, roda pião…)

Mas e o que aconteceu com o jovem capitão, responsável pela redação do Plano Cohen? Foi punido? Preciso responder? Em 1964, comandante de tropas em Juiz de Fora, na madrugada de 1 de abril, o general Olímpio Mourão Filho baixou as tropas para o Rio de Janeiro e deu a largada para o golpe militar que inaugurou a longa noite de 21 anos da sangrenta ditadura militar.

Aliás, o maior período de autogolpes da História brasileira.

(Claro: tema da próxima coluna.)