quarta-feira, 29 de maio de 2024

Investigação jornalística desmascara ações da imperialista Israel contra Tribunal Penal Internacional de Haia

 

País mobilizou agências de inteligência para pressionar funcionários da Corte e impedir investigações de crimes cometidos na Palestina

Do Jornal GGN:

Palácio da Paz, em Haia (Holanda). Sede da Corte Internacional de Justiça. Foto: Wikipedia


srael travou uma “guerra” de bastidores contra o Tribunal Penal Internacional (TPI) ao longo de quase uma década, com suas agências de inteligência vigiando, pressionando e ameaçando funcionários seniores do tribunal para inviabilizar investigações.

Investigação realizada pelo jornal britânico The Guardian com as revistas israelitas Local Call (veículo de língua hebraica) e +972 (publicação israelo-palestina) revela que a inteligência de Israel obteve acesso às comunicações de diversos profissionais do TPI, dentre eles o atual procurador-chefe do TPI, Karim Han, e sua antecessora, Fatou Bensouda, obtendo acesso a telefonemas, mensagens, e-mails e documentos.

Tais ações tiveram andamento inclusive nos últimos meses, permitindo que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tivesse conhecimento prévio dos movimentos do atual procurador-chefe do TPI.

Esses movimentos vieram a público apenas agora, mas a reportagem mostra que as ações israelenses nos bastidores vinham desde 2015 – e um dos agentes responsáveis era o então diretor da agência de inteligência Mossad, Yossi Cohen.

Apontado como um dos principais aliados de Netanyahu, Cohen chegou a estabelecer contato com a então procuradora-geral do TPI, Fatou Bensouda, antes de a jurista abrir uma investigação formal sobre crimes de guerra e contra a humanidade ocorridos na Palestina.

Tal apuração culminou com o anúncio do atual procurador-chefe do TPI, Karim Kahn, na última semana, quando divulgou a busca pela emissão de um mandado de prisão contra Netanyahu e seu ministro de Defesa, Yoav Gallant, por conta da conduta israelense em Gaza. Três líderes do Hamas também foram alvo dessa decisão.

Inclusive, uma fonte ouvida pela reportagem destacou que um dos conteúdos interceptados era um documento indicando que Khan queria emitir mandados de prisão contra autoridades israelenses, mas que estava sob “tremenda pressão dos Estados Unidos”.

Quase uma década de ações contra a Corte

As alegações levantadas por Khan contra Netanyahu e Gallant sobre crimes de guerra e crimes contra a humanidade estão ligadas a guerra em andamento na região de Gaza, onde mais de 35 mil pessoas foram mortas pelas forças israelenses, segundo a autoridade de saúde palestina.

Entretanto, o TPI apura denúncias há uma década e, segundo a publicação britânica, os avanços são lentos em meio ao temor dentre autoridades israelenses quanto a uma emissão dos mandados de detenção, o que impediria os acusados de fugirem para qualquer um dos 123 países que integram o tribunal.

Por conta dos diversos processos em andamento em Haia, um antigo funcionário do serviço secreto de Israel declarou à reportagem que levou ‘todo o establishment político e militar” a considerar uma contraofensiva contra o Tribunal Penal Internacional “como uma guerra que tinha de ser travada, e que Israel precisava se defender”, inclusive em termos militares.

Esse “confronto” contra o TPI teve início em janeiro de 2015, quando a Palestina se uniu ao Tribunal Penal Internacional após seu reconhecimento como Estado na Assembleia Geral da ONU, uma decisão que autoridades israelitas consideraram uma forma de “terrorismo diplomático”.

Uma das fontes familiarizadas com o caso deixou claro que a decisão palestina de ingressar na Corte foi percebida pelas autoridades israelitas como “a passagem de uma linha vermelha” e “talvez o movimento diplomático mais agressivo” dos palestinos, uma vez que o “TPI é um mecanismo com dentes”.

Desde então, as ações realizadas com o aval de altas autoridades (entre elas Netanyahu) procuraram interceptar e espionar a troca de informações entre palestinos e a Corte, obter documentos enviados por instituições palestinas que defendem os direitos humanos (e que israelenses chamavam de “organizações terroristas”).

Equipes militares chegaram a instalar softwares espiões nos telefones de diversos representantes de organizações não-governamentais palestinas e de altos funcionários da Autoridade Palestina. A troca de e-mails de diversos grupos mantida com Fatou Bensouda por diversas instituições chegou a ser hackeada.

A reportagem destaca que o Tribunal Penal Internacional declarou estar ciente de “atividades proativas” de obtenção de dados por “uma série de agências nacionais hostis ao tribunal”, mas que a Corte continuamente implementa contramedidas para lidar com essa atividade e que “nenhum dos recentes ataques efetuados por agências de inteligência nacionais” chegou aos principais acervos de provas do tribunal, que permaneceram seguros.

Reinaldo Azevedo: Três derrotas do governo no dia 28 de maio, incluindo a liberação, peloa dirierta, de fake news e o fima da obrigatoriedade das vacinas em crianças, são derrotas do país

 

Da Rádio BandNews FM:




segunda-feira, 27 de maio de 2024

Reinaldo Azevedo: Bolsonaro, Campos Neto e Israel na marcha da irracionalidade da direita extrema

 

Da Rádio BandNews FM:




A tragédia anunciada: a associação entre as mudanças climáticas provocadas pelo neoliberalismo e a sutil, mas eficaz, arte da desinformação. Texto de Carlos Antonio Fragoso Guimarães

 

  "(...) tal quadro caótico que poderia, em grande medida, ter sido evitado ou grandemente minimizado. Contudo, esta realidade seja frequentemente encoberta até mesmo pelo modo como se divulga a tragédia, realçando o drama mas escondendo o fato de que a mesma se associa à degradação ambiental, envolvendo o aquecimento global provocado pela insana poluição ambiental associada à destruição do meio ambiente, tudo em nome do lucro imediato e à exploração crescente de um planeta que possui recursos e meios de reequilibração limitados."


Diante da tragédia que se abateu sobre os nossos irmãos e amigos do Rio Grande do Sul, inevitavelmente a eles nos associamos pela empatia, a compaixão, e isso nos leva a agir através da solidariedade. Isso tudo é verdade e demonstra a expressão do que ainda existe de melhor em grande parte dos seres humanos. Contudo, mesmo diante da dor do visível concreto, não podemos deixar de tentar entender racionalmente os motivos e causas para tal quadro caótico que poderia, em grande medida, ter sido evitado ou grandemente minimizado. Infelizmente, esta realidade é frequentemente encoberta até mesmo pelo modo como se divulga a tragédia, realçando o drama mas escondendo o fato de que a mesma se associa à degradação ambiental, envolvendo o aquecimento global provocado pela insana poluição ambiental associada à destruição do meio ambiente, tudo em nome do lucro imediato e à exploração crescente de um planeta que possui recursos e meios de reequilibração limitados.

Parece que nos esquecemos fácil dos ataques físicos reais e políticos contra a natureza ocorrida no mundo nas últimas seis décadas e, aqui no Brasil, nos últimos seis anos, indo da onda de incêndios e desmatamento na Amazônia à desregulação e solapamento das leis de proteção ambiental efetuados pelo agronegócio “pop” e pelos congressistas mais reacionários da história do Brasil, tudo antecipando o atual quadro que hoje nos choca, mas que foram precedidos por secas no Norte (Amazônia) e enchentes no Sul até fins do ano passado (em setembro 2023 já houve enchentes do mesmo Rio Grande do Sul), entre outros graves avisos, todos desconsiderados ou minimizados pela mesma mídia que os divulgam.

O fato é que a natureza sempre busca o equilíbrio diante da realidade provocada pelos homens. E se atacamos os meios naturais que possuem seus próprios meios de homeostase e equilíbrio dinâmico, o sistema geofísico e ecológico buscará se adequar dramaticamente à violência a que foi submetida pelo sistema econômico insano que, se antes atingia cruelmente pessoas, agora envolvem todo o sistema de seres vivos que constituem a biosfera da Terra. Mas o fato mais grotesco, como aponta Daniel Jeziorny em seu artigo A tragédia gaucha e a arte de cegar 1, é que

Quanto mais se publica sobre este novo desastre, mais se esconde o essencial: o colapso do clima pode ser evitado; basta nos livrarmos do sistema que o produz. Para que isso permaneça ofuscado, os noticiários nos inundam de banalidades

Sim, é verdade que a tragédia no Rio Grande do Sul, em suas proporções apocalípticas, emocionou e mobilizou o bom coração do nosso povo. Atos heroicos expressos em movimentos de ajuda e solidariedade advindas de mãos voluntárias e doações espontâneas de todo o país demonstram a disposição de ajuda das pessoas, mesmo diante das criminosas ações de desinformação e fake news oportunistas para fins políticos e interesses particulares… E isso, tanto a solidariedade quanto as narrativas deturpadas da extrema direita, se manterá ao menos enquanto a imprensa ainda focar as dores e a destruição que ocorre no Sul antes de serem substituídas pelas próximas manchetes e chamadas midiáticas mais ou menos superficiais para outros dramas surrealistas e tragédias, sem aprofundarem na conscientização das causas humanas das mesmas.

Mas, malgrado a dor, a tragédia é um momento dramático extremo que abre uma fenda na rotina mecanicista de nossos tempos para fazer ao menos parte das pessoas pararem para pensar ante o erro de se acreditar que o que ocorre no Sul se resume a uma catástrofe puramente natural. É o momento chocante para se refletir sobre as ações humanas, os avisos da natureza, os alertas da ciência e o crescimento das desigualdades socioambientais para se ter consciência de que a tragédia possui origem humana, mais especificamente na estrutura das relações de produção do atual estágio do capitalismo. Portanto, não há como escapar de politizar o debate sobre os eventos que levaram às inundações do Sul.

Contra a conscientização crítica da ação antropogênica na degradação ambiental surge, é óbvio, a reação de negacionistas atrelados aos interesses econômicos dos principais responsáveis pela agressão à natureza em todos as esferas, especialmente entre os dirigentes das grandes empresas financiadoras dos políticos que legislam ou destroem leis de proteção ambiental e que se sentem bem na situação de privilégio construída sobre um modelo de exploração ecológica e humana, bem adaptados ao conforto material que o dinheiro pode comprar. Contudo, por mais que se tente banalizar e normalizar a avalanche de perturbações climáticas, a irrupção de eventos extremos como inundações em grandes cidades (já que em pequenas cidades, especialmente do interior, chamam menos atenção), as ondas de intenso calor e de secas severas em ambientes antes conhecidos pela umidade e frequência de chuvas, os grandes incêndios, os furacões e tornados e o envenenamento da terra, águas e plantações constituem fatos nacionais e mundiais inegáveis. E, bem ou mal, está o espaço dos mais reativos a esses eventos está sendo atingidos e, apavorados, parecem querer ainda mais impor uma negação e uma legislação ecocida e genocida contra Gaia, a Terra viva que sustenta a vida.

É ainda Daniel Jeziorny que nos alerta:

A humanidade se depara com uma ameaça real, concreta, que talvez pela primeira vez a coloque diante de uma encruzilhada na qual não possa garantir que o futuro será melhor que o presente. A despeito da recalcitrância de teorias conspiratórias e dos escusos interesses de grupos econômicos e negacionistas, há muito a ciência alerta ao agravamento das variáveis que influenciam o aquecimento global, tais como a emissão de gases de efeito estufa, a diminuição da permafrost, a acidificação dos oceanos e o desmatamento de florestas e outros biomas ao redor do planeta. A verdade é que, quanto ao devir da civilização humana no Sistema Terra, projeções de coletivos científicos são cada vez mais sombrias.

E o que tem os espíritas, católicos, evangélicos e agnósticos a ver com isso? Bem, “muito será cobrado a quem muito foi dado”. Aos espíritas, em sua maioria, por exemplo, não faltaram meios de instrução e educação. A própria filosofia espírita impõe uma responsabilidade socioambiental a partir de uma amplidão de perspectiva espiritual que, ao menos em teoria, deveria se refletir na ação de conscientização e transformação pela justiça sócio ambiental, a maior de todas as formas de caridade, que possibilitaria meios reais para a justiça social, partilha, caridade para com os animais e vegetais e, assim, melhoria do ambiente mais amplo para minimizar tragédias ambientais e humanas, incluindo a desigualdade, participando os espíritas, de fato, na evolução do planeta como um todo. 

Há, portanto, a responsabilidade dos espíritas para, em primeiro lugar, o estudo e a conscientização das causas das emergências climáticas que, junto om as causas das desigualdades sociais, também são fatores que impedem a espiritualização e evolução da Terra, como um todo, e, em segundo lugar, ajudar a promover coletivamente a conscientização de que somos filhos e dependentes da Terra e do Clima, enquanto seres encarnados, irmanados a todos os demais seres vivos, filhos e filhas do mesmo Pai/Mãe divino

Como escreve o eco-ativista e teólogo Leonardo Boff em seu artigo A conta chegou: a tragédia climática no Rio Grande do Sul2,

O próprio ser humano percorreu várias etapas em seu diálogo com a natureza: inicialmente predominava uma interação pacífica com ela; depois passou a uma intervenção ativa nos seus ritmos, desviando cursos de rios para a irrigação, cortando territórios para estradas; passou para uma verdadeira agressão da natureza, precisamente a partir do processo industrialista que se aproveitou dos recursos naturais para a riqueza de alguns à custa da pobreza das grandes maiorias; esta agressão foi levada por tecnologias eficientes a uma verdadeira destruição da natureza, ao devastar inteiros ecossistemas, pelo desflorestamento em função da produção de commodities, pelo mau uso do solo impregnando-o de agrotóxicos, contaminando as águas e os ares.

Este humilde artigo não pretende ser apenas mais um escrito elaborado no momento de uma tragédia ambiental, mas um pequeno chamado à reflexão. E, aqui, ao final, penso ser conveniente dar à palavra à sabedoria de um representante dos povos originários das Américas, por meio do discurso que foi dito pelo Cacique Duwamish Seattle (1787-1866), endereçado ao presidente norte-americano Franklin Pierce que buscava comprar ao território da tribo em 1854, e que se tornou famoso pela sua lúcida profundidade e espiritualidade ecológica3:

O grande chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e sua benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Porém, vamos pensar em tua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra.

O grande chefe em Washington pode confiar no que o chefe Seattle diz, com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alternação das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas - elas não empalidecem.

Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é estranha para nós. Nós não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água. Como podes então comprá-los de nós?Decidimos apenas sobre o nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias arenosas, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual a outro. Porque ele é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de exauri-la, ele vai embora. Deixa para trás o túmulo dos seus pais, sem remorsos de consciência. Rouba a terra dos seus filhos. Nada respeita. Esquece a sepultura dos antepassados e o direito dos filhos.

Sua ganância empobrecerá a terra e vai deixar atrás de si os desertos. A vista de suas cidades é um tormento para os olhos do homem vermelho. Mas talvez isso seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende. Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem um lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem da primavera ou o tinir das asas de insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é para mim uma afronta contra os ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo, à noite?

Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho da água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho. Porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar - animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo ele é insensível ao seu cheiro. Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição. O homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser certo de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso do que um bisão que nós, os índios, matamos apenas para sustentar nossa própria vida.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, os homens morreriam de solidão espiritual porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo está relacionado entre si. Tudo que fere a terra fere também os filhos da terra. Os nossos filhos viram seus pais serem humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, e envenenam seu corpo com alimentos doces e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos nossos últimos dias - eles não são muitos. Mais algumas horas, até mesmo uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que tem vagueado em pequenos bandos nos bosques, sobrará para chorar sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

De uma coisa sabemos que o homem branco talvez venha um dia a descobrir: - O nosso Deus é o mesmo Deus! - Julgas, talvez, que o podes possuir da mesma maneira como desejas possuir a nossa terra. Mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira. E quer bem igualmente ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. E causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo seu Criador. O homem branco também vai desaparecer talvez mais depressa do que as outras raças. Continua poluindo tua própria cama, e hás de morrer uma noite, sufocado nos teus próprios dejetos! Depois de abatido o último bisonte e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, e quando as colinas escarpadas se encherem de mulheres a tagarelar - onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará o adeus à andorinha da torre e à caça, o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.

Talvez compreenderíamos se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar os desejos para o dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos, temos de escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos, é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os últimos dias conforme desejamos.

Depois do último homem ter partido e a sua lembrança não passar de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueças como era a terra quando dela tomaste posse. E com toda tua força, o teu poder, e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."

1JEZIORNY, Daniel Lemos. A tragédia gaúca e a arte de cegar, publicado no site Outras Palavras, em 09 de maio de 2024, acessível em https://outraspalavras.net/crise-brasileira/tragedia-gaucha-e-a-arte-de-cegar/

2BOFF, Leonardo. A conta chegou: a tragédia climática no Rio Grande do Sul, publicado no site ICL Notícias, acessível em https://iclnoticias.com.br/a-conta-chegou-a-tragedia-climatica-no-rs/

3A presente versão do discurso do Cacique Seattle econtra-se no site da Bilbiotea FUNAI, em http://biblioteca.funai.gov.br/media/pdf/Folheto43/FO-CX-43-2698-2000.pdf


UOL: Mourão é etarista consigo mesmo ao usar idade para rebater crítica sobre sua inação na tragédia do Rio Grande do Sul

 

Do UOL:

Os colunistas do UOL Carla Araújo e Leonardo Sakamoto repercutem a declaração do senador e ex-vice-presidente Hamilton Mourão.



Os editoriais dos jornalões empresarias e as loas ao bolsonarista "moderado" Tarcisio de Freitas para entregar novamente o poder à extrema-direita em 2026, por Luís Nassif

 

Do Jornal GGN:

Indague dos editorialistas desses jornais, qual o projeto de Tarcísio para o estado, além da privatização selvagem dos serviços públicos



As loas dos editoriais da Folha e do Estadão ao governador Tarcísio de Freitas são a demonstração cabal do nível de emburrecimento a que chegou a antiga opinião pública esclarecida.

Para conquistar esse apoio, Tarcísio precisou apenas do anti-lulismo radical dos jornais paulistas, de declarações vazias – sobre aumento da eficiência com cortes de gastos -, e investidas contra a Casa do Menor e a Fundação Padre Anchieta, depois de ter desistido de cortes nos orçamentos das universidades estaduais e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

É de uma burrice monumental.

Esses editorialistas não têm a menor preocupação em analisar o desempenho administrativo de Tarcísio, como se o anúncio de corte, por si, legitimasse o gestor. Não analisam os impactos nos setores cortados, indicadores de eficácia mínimos, os planos de investimento. Agem por impulso, como os ratos de Pavlov, sem um mínimo de capacidade de análise como se corte de despesas, em si, fosse indicador de eficiência.

A Polícia Militar paulista está sendo transformada em milícias, os massacres se multiplicam por todo o estado, o sistema escolar está ameaçado por essa loucura das escolas militares, ciência e tecnologia sob ameaça constante. Nada disso importa, desde que o governante escanda as palavras mágicas: corte de gastos.

É muita ignorância, aceitável para cidadãos sub-informados. Mas como é possível esses conceitos brandidos por editorialistas daqueles que, em outros tempos, foram os dois principais veículos de comunicação do país?

Um jornal que se preze deveria se fundar em indicadores de desempenho, em estatísticas, em métricas capazes de permitir a avaliação técnica de gestões municipais. Mas qualquer administrador, por mais medíocre que seja, será consagrado se pronunciar as palavras mágicas de cortes, de desprezo pelos bens públicos e, de preferência se se dispuser a bancar matérias.

Tarcísio assumiu o governo com um caixa fornido, fruto da transferência de tributos do governo federal durante a pandemia. Antes disso, passou pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), deixando um rastro de negócios obscuros. Depois, tornou-se Ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, em uma das gestões mais medíocres da história moderna. Em 2022, 66% dos 110.333 km avaliados pela Confederação Nacional dos Transportes foram classificados como “regulares, ruins ou péssimos”. Apenas 8,9% das pistas estavam em perfeito estado, contra 91,1% apresentando defeitos.

Indague dos bravos editorialistas de ambos os jornais, qual o projeto de Tarcísio para o estado, além da privatização selvagem dos serviços públicos. Se quiserem ir pouco além do tarraplanismo ideológico, procurem saber porque Berlim reestatizou sua empresa de águas, assim como cidades espanholas entre 2015 e 2018 e Amsterdã em 2019.

Não há a menor ideia sobre as características das empresas públicas e privadas, e quais setores são mais adequados para cada uma; nenhuma preocupação sobre o resultado final para a população, nada, apenas sopa de ideologismo rasteiro.

E é assim que tentam emplacar o neobolsonarismo de Tarcísio. Mais à frente, quando se completar a milicialização da PM paulista, multiplicarem-se os massacres, explodirem os problemas ambientais, sem que haja uma ação preventiva por parte do governo, tratarão cada problema sem apontar as razões originais: sua cumplicidade com um governador inepto e irresponsável, cujas duas únicas características visíveis é de estimular massacres e privatizações selvagens.


Porto Alegre, a cidade ensaio do estado mínimo para que bancos e empresas lucrem em artigo de Leandro Demori

  

"Você imagina algum imbecil matando o órgão que cuida da estrutura antienchente de Veneza?" Pois fizeram isso em Porto Alegre


Do ICL Notícias:


Por Leandro Demori

Em sua coletiva na tarde de quinta-feira (23), quando a cidade naufragava mais uma vez e crianças de colo eram tiradas de uma creche na zona sul – com os pais se arriscando com água até o peito –, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, confessou de modo meio envergonhado que foi um erro extinguir o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) da capital.

Porto Alegre é o exemplo máximo de cidade tentando, há anos, ser estado mínimo. Quer um “case” de uma administração pública com estado mínimo? Olhe para Porto Alegre.

Quem acabou com o DEP foi Nelson Marchezan, o antecessor. Melo está, portanto, confessando um pecado alheio. O ex-prefeito Marchezan matou o órgão que deveria zelar pela cidade evitando alagamentos e jogou o trabalho no colo de outras autarquias, sobretudo o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), que inicialmente cuidava de esgotos, e não das águas da chuva.

Seria o equivalente a Veneza excluir o órgão público que cuida do sistema antienchentes da cidade, chamado MOSE. Para lembrar: Porto Alegre está quase no nível do mar e tem dezenas de quilômetros de diques, muros e várias bombas hidráulicas justamente pelo risco de inundação.

Dá para imaginar que alguém exclua justamente este departamento da cidade? Veja abaixo o sistema antienchente de Veneza. Você imagina algum imbecil matando o órgão que cuida dessa estrutura?

Sistema anti-enchente da cidade de Veneza, o megaprojeto MOSE se destaca pelo planejamento e visão de longo prazo, conceitos que os governantes gaúchos ignoram

Sistema antienchente de Veneza se destaca pelo planejamento e visão de longo prazo, conceitos que os governantes gaúchos ignoram

A extinção do DEP acumulou trabalho nas costas de funcionários públicos do DMAE com as promessas de sempre: mais “eficiência” e menos “gastos”.

O DMAE, claro, sofre para dar conta de tudo. Um documento assinado por 33 engenheiros e técnicos do Rio Grande do Sul afirma que o sistema de defesa contra enchentes de Porto Alegre é “robusto, eficiente e fácil de operar e manter”, mas houve falhas de manutenção porque, entre outras coisas, faltam 2.400 funcionários no DMAE.

Funciona assim na cidade “case” do estado mínimo: conforme estrangula o serviço público, “prova” que ele é ineficiente. Receita velha e conhecida.

Vejam a fala de Marchezan ao matar o DEP: aplicar o dinheiro na “vida real” das pessoas. Que vida “real”, senhor Marchezan? Acabou a vida de muita gente. Acabaram-se os negócios. A capital está no chão. Será que o senhor e o MBL – que o apoiou com métodos sórdidos – pedirão desculpas?

Com Melo, o projeto segue. Irão eliminar mais de 3 mil postos de trabalho da limpeza urbana da cidade. Quem estava e estará limpando Porto Alegre depois de passado o caos? Justamente essas pessoas. Alguma alma se convence de que há três fucking mil cargos sobranco no departamento de limpeza urbana?

 

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domingo, 26 de maio de 2024

Raquel Landim no UOL: Haddad estava afiadíssimo e fez lembrar Flávio Dino ao debater com bolsonaristas na Câmara

 

Do UOLUOL:

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, bateu boca com deputados da oposição hoje em vários momentos de uma audiência pública da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. A colunista Raquel Landim, do UOL, analisa o tema



sexta-feira, 24 de maio de 2024

O Lamento de Dido, da Ópera Dido e Enéias, de Henry Purcell (1659-1695), cantado por Annie Lennox e coral London City Voices, é um lamento também pela destruição da natureza por conta da ganância de uma minoria e de seu neoliberalismo destrutivo...

 

Annie Lennox faz do Lamento de Dido, de Henry Purcell, o lamento por um planeta destruído pela ganância do capitalismo e de suas elites...

Abaixo do vídeo tem-se a letra original e sua tradução...


When I am laid, am laid in earth, may my wrongs create

No trouble, no trouble in, in thy breast

When I am laid, am laid in earth, may my wrongs create

No trouble, no trouble in, in thy breast


Remember me, remember me, but ah!

Forget my fate

Remember me, but ah!

Forget my fate


Remember me, remember me, but ah!

Forget my fate

Remember me, but ah!

Tradução:

Quando estou deitada, estou deitada na terra, que meus erros possam não causar

Nenhum problema, nenhum problema em teu peito

Quando estou deitada, estou deitada na terra, que meus erros não criem

Nenhum problema, nenhum problema em, em teu peito


Lembre-se de mim, lembre-se de mim, mas ah!

Esqueça meu destino

Lembre-se de mim, mas ah!

Esqueça meu destino


Lembre-se de mim, lembre-se de mim, mas ah!

Esqueça meu destino

Lembre-se de mim, mas ah!

Esqueça meu destino!

Jeferson Miola: Incompetência e irresponsabilidade da Prefeitura (neoliberal e pró privatização) causaram re-inundação de Porto Alegre

 

"A Prefeitura se mostra totalmente incapaz de produzir saídas urgentes para retirar a cidade da catástrofe", aponta Jeferson Miola sobre a gestão Sebastião Melo

Sebastião Melo
Sebastião Melo (Foto: Giulian Serafim/PMPA)

O governo do prefeito Sebastião Melo é parte do problema, não da solução. A Prefeitura, que é responsável por esta situação catastrófica de Porto Alegre, agora se mostra totalmente incapaz de produzir saídas urgentes para retirar a cidade da catástrofe.

A incompetência e a irresponsabilidade do governo municipal causaram a re-inundação de Porto Alegre nesta 5ª feira, 23/5.

Na semana passada, Melo desprezou as medidas recomendadas por especialistas para colocar fim na inundação da capital gaúcha em 48 horas por meio de medidas exequíveis.

Técnicos experientes recomendaram a vedação das comportas por mergulhadores, o fechamento hermético dos dutos forçados para impedir o refluxo de águas pluviais, e o conserto das estações de bombeamento para escoar permanentemente a água invasora da cidade.

Além de desprezar tais recomendações técnicas, a Prefeitura adotou uma atitude desesperada e improvisada na última 6ª feira, dia 17/5: arrancou um portão do Muro da Mauá, a comporta número 3, para permitir que o nível de alagamento do centro histórico da cidade, que estava acima do nível do Guaíba, pudesse escoar por gravidade.

Importante sublinhar: o portão não foi aberto, o que permitiria novo fechamento em caso de elevação do nível do Guaíba, como de fato aconteceu; mas foi derrubado, grotescamente arrancado.

A cena absurda, que produziu um dano irreversível que não permite o restabelecimento da barreira física original enquanto continuar a inundação, foi divulgada em rede social do DMAE, o Departamento de Águas e Esgotos de Porto Alegre, que está sendo gerido por agentes tão incompetentes e irresponsáveis como o próprio prefeito Sebastião Melo [https://www.instagram.com/reel/C7FMHNAu7N-/?igsh=bDhrcHE3bXJxbjVt].

Esta medida tecnicamente injustificável, ao lado da demora em restabelecer o funcionamento das Casas de Bombas, em vedar as comportas e em fechar hermeticamente os dutos forçados, deixou a cidade totalmente desguarnecida com a nova elevação do Guaíba que ocorreu na madrugada de hoje, 23/5.

Porto Alegre está à deriva.

Especialistas entendem que o sistema de esgotamento da cidade está colapsado. Está ocorrendo alagamento e inundação em ruas de bairros mais altos, que até então não tinham sido atingidos, mas que passaram a ser afetados com o refluxo dos esgotos pluviais, como aconteceu em ruas do bairro Cavalhada e de outras áreas.

A Administração Municipal é responsável direta pela magnitude dos danos, perdas e prejuízos causados à população e à economia de Porto Alegre.

Porto Alegre não teria sido inundada se a Prefeitura não tivesse sido omissa, negligente e incompetente na manutenção do sistema de proteção contra enchentes.

As instituições policiais e judiciais como Polícia Civil, Polícia Federal, Ministérios Públicos Estadual e Federal e Judiciário têm diante de si um farto acervo probatório que comprova a responsabilidade administrativa do prefeito Melo e sua equipe pelo desastre na cidade.

Aqueles que colapsaram a cidade mostram que, além de totalmente incapazes de tirar a cidade do caos, podem produzir ainda mais danos, perdas e prejuízos.


Exploração criminosa dos bancos: Vendedores denunciam terem sido forçados a vender cartão Itaú em esquema milionário

 Ex-funcionários e funcionários ativos de lojas foram coagidos a participar de uma armadilha para clientes envolvendo o maior banco privado do país, o Itaú. Mas a prática de "venda casada" de cartões (e outros produtos bancários, como seguros), apesar de criminosa, é prática comum ante o inquestioado (pela grande mídia corporativa atrelada) "deus" mercado.

Da Agência Pública e ICL Notícias:


Por Elisangela Colodeti — Agência Pública

Ex-funcionária de uma loja da rede Ponto Frio, na região oeste de Belo Horizonte (MG), Luana* diz que se viu coagida a participar de uma armadilha para clientes envolvendo o maior banco privado do país, o Itaú.

A situação envolvia a venda casada de cartões de crédito do banco para clientes de lojas de varejo sem que eles soubessem. Essa prática foi registrada em ações trabalhistas às quais a Agência Pública teve acesso com exclusividade.

O esquema de inclusão sigilosa de seguros do Itaú começou a ser investigado em 2010 e estaria em prática até hoje. Toda a extensão do negócio está sendo revelada publicamente pela primeira vez.

Segundo essas investigações do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Itaú e grupos de varejo estariam lucrando milhões de reais com taxas abusivas de cobrança de serviços não solicitados por consumidores, por meio da fatura do Itaucard.

De acordo com o MP, empresas estariam sendo criadas para que o Itaú pudesse obter o seu controle operacional e financeiro. Enquanto isso, as lojas receberiam milhões de reais como contrapartida. A liberação de acesso a dados de clientes também faria parte da estratégia.

Vendedores de lojas denunciam que são forçados a vender seguro Itaú

Luana conta que foi contratada em uma loja do Ponto Frio em Belo Horizonte para atender clientes interessados em comprar eletrodomésticos, mas acabou sendo obrigada a vender 50 seguros do Itaucard por mês. Para isso, ela era forçada a incluir o serviço durante a aquisição do cartão de crédito do banco, sem que o cliente soubesse.

Quando passou a se recusar a participar do esquema, vieram as punições. “Meus coordenadores começaram a me humilhar em público e me mandar para lojas cada vez mais longe da minha casa. Acabei pedindo demissão”, conta.

Em Goiânia (GO), o atendente de crediário Pedro* procurou a Justiça com uma queixa parecida, porém envolvendo a rede de supermercados Extra. Em depoimento, ele disse que era obrigado pelo supervisor e pelo gerente-geral da loja a realizar a venda casada do Itaucard com o seguro “cartão protegido”, para casos de perda e roubo, por exemplo. “Cerca de 60% a 70% dos vendedores agem de modo que não informam aos consumidores adequadamente sobre os produtos vendidos, tendo em vista a meta a ser cumprida.”

Na loja Marisa, do Shopping Flamboyant, ainda em Goiânia, a operadora de caixa Letícia* também teria sido forçada a bater metas diárias de venda do Itaucard. Em depoimento, ela contou que “era oferecido o seguro e, mesmo quando o cliente recusava, o seguro era inserido sem seu consentimento. Em muitas ocasiões, ciente de que o cliente ia recusar o seguro, ela embutia o serviço automaticamente”. Além disso, caso ele descobrisse a fraude, a ordem era não retirar o seguro e redirecionar o comprador para uma central, que também dificultaria o cancelamento.

As práticas descumprem determinações do Código de Defesa do Consumidor que, além de proibir a venda casada, garantem o acesso do cliente às informações sobre as aquisições. Segundo o Código Civil, os distratos devem poder ser feitos da mesma forma como o contrato foi firmado. No caso, presencialmente.

Os vendedores, que tiveram reconhecido o vínculo trabalhista com o banco, entraram com ações judiciais entre 2014 e 2018. Campo Grande (MS), Canoas (RS), Porto Alegre (MS) e Contagem (MG) são algumas outras cidades que aparecem em processos reunidos pelo MPMG.

3 milhões de brasileiros podem ter passado por esquema, diz MP

Em 2018, de acordo com relatório do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), foram encontradas mais de 450 mil reclamações contra o Itaú e seus correspondentes bancários. Só para os assuntos “cartão de crédito”, “cartão loja” e “seguro” foram localizadas mais de 32 mil reclamações nos Procons de todos os estados do país.

Foi em 2018 que o MPMG decidiu, diante das acusações, iniciar uma tentativa de conciliação com o Itaú, que ainda não tem previsão para terminar.

Segundo uma perícia encomendada pelo órgão, há seis anos, o custo médio das mensalidades dos seguros vendidos irregularmente era de R$ 10,50. Apenas entre 2010 e 2017, segundo o MPMG, 3 milhões de brasileiros podem ter sido vítimas do golpe e o proveito econômico do banco com a prática pode ter ultrapassado a casa dos R$ 3 bilhões.

Por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Belo Horizonte, foi proposto um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O documento elenca uma série de medidas que obrigariam o Itaú, entre outras ações, a cessar imediatamente a prática ilícita, ressarcir as vítimas e, além disso, destinar, por dano moral coletivo, R$ 100 milhões ao Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor.

Dois meses depois, sem que houvesse acordo, o Itaú encaminhou sua defesa, nesse momento, judicialmente, à 5ª Vara Cível de Belo Horizonte. Sem reconhecer os atos ilícitos, o banco considerou a imposição de sanções descabida e afirmou que somente seria possível um ajustamento muito aquém daquele proposto pelo MP.

Ainda segundo a defesa, equívocos podem acontecer, porém a venda de seguros sempre teria sido feita de forma legal, com o conhecimento dos consumidores.

Além disso, de acordo com o documento, a Promotoria usou coletas de dados genéricas, “provas imprestáveis”, e processos de pessoas que desejariam tirar proveito do banco em suas ações trabalhistas.

Ministério Público denuncia conluio entre empresas

A investigação, conduzida pelo promotor de justiça do MPMG, Glauber Tatagiba, indica que poderia haver um arranjo entre empresas que, apesar de não ser ilícito, possibilitaria a venda de seguros embutidos, por meio dos cartões Itaú.

Por meio do Relatório de Análise do Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD), o MP mineiro afirma que grandes grupos comerciais do varejo se vincularam ao Itaú para obter vantagens comerciais.

Segundo o MPMG, em cada parceria seriam criadas empresas, ou associações, cujas decisões operacionais e financeiras ficam a cargo do banco. Em contrapartida, os grupos receberiam quantias milionárias, em contratos firmados por anos.

Como exemplo, o documento cita o caso das Lojas Marisa. Em 2008, pela criação do cartão de crédito Marisa-Itaú e cessão da exclusividade do uso da base de dados de clientes, a rede teria recebido R$ 120 milhões.

Nessa época, o Código de Defesa do Consumidor já determinava que os clientes devem ter acesso a informações arquivadas sobre eles, bem como sobre as suas origens.

Uma outra associação seria a do Itaú com o Magazine Luiza, que gerou o Luizacred. Em 2011, a empresa financeira controlada pelo banco teria ficado com a exclusividade de exploração dos canais de distribuição dos produtos de crédito. Em contrapartida, o Magazine Luiza teria recebido R$ 48 milhões.

O MPMG cita ainda a Via Varejo (atualmente, Via), responsável pela administração das Casas Bahia, do Ponto Frio e do supermercado Extra, entre outros. O Itaú operaria nesse grupo por meio de empresas como a Financeira Itaú CBD S.A., Fic Promotora de Vendas Ltda., Banco Investcred Unibanco e Zurich Minas Brasil Seguros. Apenas com esta última seguradora, um contrato celebrado em 2014 para garantia estendida nas lojas por oito anos teria rendido R$ 850 milhões ao grupo varejista.

Além dessas associações, a investigação apontou uma “dança” entre empresários, nas organizações. Segundo o MP, os nomes se repetem em altos cargos, tanto das instituições financeiras quanto das empresas do ramo comercial.

Esses seriam indícios do modus operandi que possibilitaria a influência do banco sobre as lojas e que culminaria na venda de seguros sem consentimento dos consumidores por meio de cartões de crédito.

O banco Itaú alega que, por serem associações legítimas, os fatos expostos não passam de conjecturas. Segundo a defesa, “são sugestões pouco claras e as relações criadas por meio de fios condutores pouco nítidos levam a conclusões diferentes do que se vem travando nos autos”.

Banco é condenado em primeira instância

Em setembro de 2021, depois de várias idas e vindas em recursos judiciais, o juiz Nicolau Lupianhes Neto, da 5ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, reconheceu a prática abusiva do Itaú e proferiu uma sentença que, entre outras condenações, determinou que o banco declare e encerre a prática, disponibilize no site cópia dos contratos oferecidos aos consumidores, restitua em dobro todos que tiveram valores cobrados indevidamente, bem como aqueles que não tenham conseguido cancelar produtos ou serviços autorizados.

Por outro lado, apesar de o MPMG, ao longo do processo, ter concordado em aplicar uma indenização mínima de R$ 2 milhões, a sentença fixou o valor para o dano moral coletivo em R$ 500 mil, a serem destinados ao Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor.

O Itaú avaliou a condenação como injusta, uma vez que nega haver qualquer tipo de conduta criminosa. O banco recorreu pedindo a anulação da sentença.

Já o MPMG recorreu considerando a multa baixa. O promotor de justiça Glauber Tatagiba argumentou que o Itaú, naquele momento, possuía um ativo total superior a R$ 2 trilhões e que, portanto, a sentença não apresentava fundamentos para redução da indenização.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) entrou no processo, pedindo que o juiz acolhesse o posicionamento da promotoria e alertando a Justiça para as possíveis distorções de fatos processuais que estariam levando a um equívoco na sentença.

Ainda assim, em maio de 2022, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve sua decisão. Desde 28 de agosto de 2023, os autos foram remetidos em grau de recurso para instância superior.

Empresas de varejo citadas no processo judicial foram processadas administrativamente, em razão dessa conduta, segundo o MPMG. A Pública teve acesso ao relatório de 2022, do Procon-MG, que considerou a Cia Brasileira de Distribuição (Extra) também responsável pela venda de seguro não solicitado, com multa no valor de R$ 10 milhões. A empresa foi condenada em primeira instância.

Indícios de manutenção da prática abusiva

Só no último trimestre de 2023, o Banco Central do Brasil registrou 6.023 reclamações contra o conglomerado Itaú. A grande maioria relacionada a irregularidades relativas à integridade, confiabilidade, segurança, sigilo ou legitimidade das operações e serviços referentes a cartões de crédito.

Nos sites de empresas citadas na reportagem, como a Marisa, o Extra e o Ponto Frio, é possível verificar a venda do Itaucard. Vários outros grupos também aparecem na página do banco, com parcerias parecidas.

Por exemplo, as operadoras de telefonia Vivo e Tim, o grupo de supermercados Pão de Açúcar, a fabricante de aparelhos eletrônicos Samsung, as empresas de passagens aéreas Latam e Azul e o Instituto Ayrton Senna.

Anuidade gratuita, programa de milhas e descontos de fidelidade estão entre os benefícios anunciados para convencer os clientes a adquirir o cartão, nas bandeiras Mastercard, Hipercard ou Visa.

Segundo o site, não é preciso ter conta corrente no banco. Basta escolher “o cartão que dá match com você” e finalizar o processo pela internet.

Esses fatos, isoladamente, não indicam vendas casadas e abusos contra os consumidores. Porém, pelo número de reclamações e similaridade entre relatos recentes de consumidores, o promotor de justiça Glauber Tatagiba é enfático ao dizer que a prática abusiva ainda faz vítimas.

“Muitos consumidores sequer sabem que estão sendo lesados, pois não têm conhecimento da contratação do seguro. Outros acabam deixando a cobrança acontecer, diante dos entraves para cancelamento. É preciso que os cidadãos tomem conhecimento dos fatos e denunciem, busquem a Justiça”, alerta.

Em nota, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais informou que os juízes não comentam decisões de processos em curso.

Outro lado

O banco Itaú disse que recorreu da decisão ao Tribunal de Justiça e aguarda julgamento, não havendo ainda decisão final. O banco reforça que atua de forma ética e transparente com relação aos seus clientes, atendendo à legislação e mantendo suas equipes alinhadas com essas práticas.

A Marisa esclareceu que segue rigorosamente as melhores práticas na oferta de serviços ao consumidor e que não comenta casos judiciais em andamento.

Já o Magazine Luiza informou que não é parte da referida ação e recorre de autuação aplicada pelo órgão em 2020, baseada na mesma alegação. Segundo a resposta da empresa, “um dos pilares da cultura do Magalu é ‘o certo é certo’.

Por isso, a empresa tem uma série de mecanismos que evitam a venda de serviços sem autorização do cliente, com treinamento e conscientização de seus colaboradores e até aplicação de penalidades quando identificada alguma infração. Além disso, conta com canais para denúncia e um ágil processo de cancelamento, caso o cliente solicite”, informou.

O Grupo Casas Bahia, que representa o Ponto Frio e o supermercado Extra, não respondeu ao nosso contato.

A Seguradora Zurich esclareceu em nota que não pertence a nenhum grupo econômico financeiro ou de varejo, sendo empresa do Grupo Suíço Zurich, e desconhece o processo citado. A empresa respondeu que a companhia é de origem Suíça, com mais de 150 anos de existência no mundo, e tem operações no Brasil há várias décadas, com estrita observância a todas as normas legais e regulatórias, com transparência e rígida governança.

A empresa de telefonia Vivo disse que está em contato com a instituição financeira para solicitar esclarecimentos e acompanhar o caso.

As companhias aéreas Latam e Azul, a Samsung e o Grupo Pão de Açúcar disseram que não vão comentar o assunto.

O Instituto Ayrton Senna disse que não possui informações sobre a denúncia e que a parceria com o Cartão Instituto Ayrton Senna Itaú tem como finalidade destinar recursos aos projetos e pesquisas voltados ao desenvolvimento integral de crianças e jovens em todo o Brasil. A nota afirma, ainda, que a parceria se consolida de forma ética e transparente, atendendo à legislação e mantendo suas equipes alinhadas com essas práticas.

A telefônica Tim não respondeu aos nossos e-mails.


quinta-feira, 23 de maio de 2024

Jessé Souza sobre os dez anos da (criminosa) Lava Jato: uma perspectiva histórica

 

A Lava Jato é a última versão estratégia para garantir o saque do Estado apenas para a elite


Do site ICL Notícias:

Lava Jato não é nenhuma novidade na vida política brasileira. Basta que não nos deixemos cegar pelas meras máscaras que um dispositivo de poder pode assumir. Nada como a perspectiva histórica para nos fazer mais inteligentes acerca do acontece no presente.

A Lava Jato é apenas a reedição do princípio falso moralista que vige no nosso país desde os anos 1930 como o dispositivo de poder da elite para se contrapor ao sufrágio universal.

Como o sufrágio universal se tornou a única forma de legitimação do poder político, a elite brasileira e seus intelectuais orgânicos, como Sérgio Buarque — que é o pensador mais importante do Brasil no século 20, seguido até hoje pela maioria da inteligência brasileira — inventaram um “interdito moral” para substituir o racismo racial aberto que impedia, antes dos anos 1930, o povo mestiço e negro de votar.

Essa ideia foi a de “povo corrupto”. Buarque pensou esta ideia como sendo uma característica de toda a sociedade, uma sociedade de corruptos e de inconfiáveis, que é, ainda hoje, a forma como a ciência hegemônica mundial percebe o Sul global — América Latina, África e Asia — para legitimar o saque colonial.

No entanto — atentemos a isso, cara leitora e caro leitor –, a elite de São Paulo, que já mandava no país, se via como “americana” a partir dos anos 1920, por força da metamorfose forçada do bandeirante em pioneiro ascético empreendedor, criando a ideia do “excepcionalismo paulista” que vige ainda hoje e é ensinado a todas as crianças nas escolas em SP.

A classe média, por sua vez, que se constitui também nessa mesma época é quase que inteiramente branca e de origem europeia recente.

A elite se pensa americana e a classe média branca como europeia. Desse modo, corrupto e eleitor de corruptos vai ser sempre só o mesmo povo pobre, mestiço e negro que antes era estigmatizado pela cor e agora será estigmatizado pela “falta moral”, a suposta imoralidade pública, a dimensão mais valiosa e importante de todo ser humano.

Estigmatizar o voto dos pobres e criminalizar a participação popular é a função latente e real do falso moralismo da corrupção no nosso país nos últimos cem anos.

A elite e a classe média branca que sai às ruas indignadas pela suposta defesa da moralidade pública, na verdade, não possuem nada contra a corrupção desde que seja a corrupção de todos os dias dela mesma ou da elite que ela inveja e admira.

Vejam a diferença de atitude na corrupção filmada e ouvida por todos de Aécio e Michel Temer, por exemplo, que não levou nenhum branquinho histérico às ruas. Com Lula e Dilma foi muito diferente.

Isso significa que o tema da corrupção entre nós é uma grande cilada e uma enorme mentira que precisa ser desfeita. Na verdade, todos os governos que tentaram promover alguma forma de inclusão social e diminuição da desigualdade, foram, todos, sem exceção, vítimas de golpes de Estado onde a suposta corrupção era um mote central: Vargas, Jango, Lula e Dilma.

A Lava Jato é, portanto, apenas a última versão, menos militar e mais midiática do que as outras, de garantir o saque do Estado apenas para a elite, via dívida pública fraudulenta e nunca auditada, por exemplo, e garantir o monopólio do capital cultural legitimo da classe média branca que lhe garante bons salários e reconhecimento social.

O mote da corrupção serve para garantir o bloco antipopular de classes no poder e estigmatizar e culpar as vítimas: os 80% que não são nem elite, nem classe média real.

Sergio Moro incorporou este sentimento de profundo desprezo antipopular, universal na classe média e na elite. Daí seu sucesso. Foi blindado por uma imprensa que é propriedade privada desta mesma elite que sempre foi usada entre nós para esconder e não para mostrar a verdade do mundo social.

É preciso, portanto, reconstruir a história da cultura de golpes de Estado entre nós, para percebemos o que foi de fato a Lava Jato e como poderemos evitar outras Lavas Jatos no futuro.