domingo, 3 de dezembro de 2023

Os interesses (nada republicanos) de Arthur Lira em torno do marco temporal

 

Do Jornal GGN:

Uma das fazendas de presidente da Câmara fica próxima de terra indígena; família destruiu terra sagrada para aumentar área de pasto


Os interesses de Arthur Lira em torno do marco temporal


Da Apib, com base em dossiê do De Olho nos Ruralistas



Arthur César Pereira de Lira, porque o presidente da Câmara dos Deputados quer derrubar o veto ao marco temporal


O presidente da Câmara é um dos apoiadores da tese do Marco Temporal, que pode inviabilizar a demarcações de terras indígenas por todo Brasil. Por coincidência ou não, uma das fazendas de Arthur Lira, em São Sebastião, estado de Alagoas, é vizinha ao povoado Karapotó Terra Nova.

O tio de Arthur César Pereira de Lira, Adelmo Pereira, protagonizou um conflito de três décadas contra o povo Kariri-Xocó. E seus herdeiros deram continuidade, após sua morte. Entre eles o prefeito do município de Craíbas, o primogênito Teófilo José Barroso Pereira, que teve suas contas de campanha rejeitadas pelo TSE na última eleição. Eles se dizem donos de 2.014,69 hectares, área sobreposta a Terra Indígena Kariri-Xocó, homologada por Lula em junho de 2023.

O decreto 11.508/2023 homologou a área de reestudo do território, ampliando a TI dos atuais 600 hectares para a extensão de 4.689 hectares, na fronteira de Alagoas com Sergipe, na região do Rio São Francisco. A demarcação foi fruto de muita luta, iniciada logo após a homologação da primeira área que, já nos anos 1990, era pequena para a comunidade. Segundo o Censo do IBGE de 2022, os 2.260 indígenas vivem em uma área seis vezes menor que o Parque da Tijuca, no Rio de Janeiro. Cada morador tem uma área pouco superior a 2 mil metros quadrados — insuficiente para a segurança alimentar e a reprodução cultural do povo.

Invasões e crimes ambientais


Além de tomar a terra indígena, a família também possui histórico de crimes ambientais. Em março de 2016, o Ibama embargou uma das fazendas do clã Pereira e Lira pelo desmatamento de 259,60 hectares dentro da TI, em área próxima do Ouricuri, zona sagrada para os indígenas. Em 2011, o MPF ajuizou uma ação civil pública contra o tio de Lira e outros três fazendeiros por destruírem, com “correntão”, 158,5 hectares de área indígena. O desmatamento, além de destruir o território sagrado, o que representa um ataque ao povo indígena, também tem objetivo de ampliar o pasto para criação de gado de corte.

Os Pereira e Lira dominam a produção agropecuária de Alagoas e foi assim que construíram o poder político coronelista, se aproveitando de cavalgadas, vaquejadas e controlando as prefeituras do interior. O relatório do De Olho nos Ruralistas identificou 115 fazendas, somando 17.321,20 hectares de terra voltados exclusivamente para pecuária bovina no estado e mais 2.718,31 hectares no agreste pernambucano.

A família comanda cinco prefeituras de Alagoas. Eles também estão à frente dos consórcios intermunicipais Conisul e Conagreste, que receberam tratores a partir de emendas parlamentares liberadas pelo presidente da Câmara, através do conhecido “orçamento secreto”.

O filho e o sobrinho de Pauline Pereira (prima mais próxima de Arthur Lira) são donos de frigoríficos com contratos assinados junto as prefeituras comandadas pela família. Um dos contratos foi embargado pelo Tribunal de Contas do Estado. Parte do gado que vai para as prefeituras sai da fazenda na terra indígena. O principal frigorífico com esses contratos, o Dom Grill, patrocina as vaquejadas e cavalgadas do clã.

O primo César Lira comanda o Incra em Alagoas. Um processo contra o instituto relata agressão e ameaças contra assentados e sem-terra. César visita os territórios armado e pretende disputar uma prefeitura em 2024.

A empresa que administra os negócios da família se chama ADM Administradora de Bens e Direitos, titular de seis imóveis sobrepostos à TI Kariri-Xocó. São as fazendas Baixa Grande, Boa Esperança, Brejão, Unajara e São Raimundo, além de parte da Fazenda Santa Terezinha. Os sócios são os parentes Margarida Barroso Pereira, viúva de Adelmo, e os filhos Teófilo, Noêmia, Ana Margarida e Denise.

Usina bolsonarista e despejo


Em Campo Alegre, Arthur arrendou uma área de 427 hectares da Usina Porto Rico. Em 2017, ele e o pai foram alvo de um processo de despejo por não pagar parte do arrendamento. Ainda em operação, a usina foi denunciada em setembro de 2022 por coagir funcionários a votar em Bolsonaro. Nas terras da usina Lira promoveu o despejo de uma família posseira que vivia há décadas no local.

Com dados da Receita Federal, De Olho nos Ruralistas, identificou pelo menos 47 empresas que têm, como sócios, integrantes do clã. Desse total, 33 constam como ativas no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).

A partir da lista, e dos portais de transparência de seis municípios alagoanos geridos, nos últimos doze anos, por familiares do presidente da Câmara foram identificadas treze licitações de fornecimento de carne e outros materiais, firmados entre essas empresas e as prefeituras de Campo Alegre, Junqueiro e Teotônio Vilela. Os contratos somam R$ 8,31 milhões.

 O maior beneficiário das contratações é o Frigorífico Dom Grill, de Nicolas Pereira, do gado oriundo da área demarcada da Terra Indígena Kariri-Xocó. Dos cinco contratos assinados pela empresa, apenas três tiveram os valores divulgados. Estes somam R$ 3,9 milhões.

Farra dos tratores


Sob o comando de Lira, a mesa diretora da Câmara distribuiu cerca de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares para a compra de maquinário agrícola. Os contratos superfaturados eram geridos pela Codevasf com recursos do Ministério do Desenvolvimento Regional. A pasta era comandada pelo senador Rogério Marinho (PL), homem de confiança de Lira.

Em troca, estes garantiriam a base de sustentação a Bolsonaro, facilitando sua reeleição. Entre 2020 e 2022, estima-se que o orçamento secreto custou aos cofres públicos R$ 53,9 bilhões — valor equivalente a 91% do PIB de Alagoas.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Blog da Cidadania: Dispara possibilidade de Bolsonaro ser preso

 

Do canal Blog da Cidadania:

Reportagem divulga depoimento-bomba que põe Bolsonaro a um passo de ser denunciado pela PGR e a dois passos de ser preso



'O Horror! O Horror!' o Apocalypse Now revisitado na Palestina torturada e violentada por Israel em artigo de Pepe Escobar, jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

 "Basta ligarmos nosso smartphone para acompanhar um genocídio ao vivo, 24 horas por dia em 7 dias da semana, até mesmo em HD", diz Pepe Escobar

Faixa de Gaza. Foto: Mohammed Al-Masri / Reuters

Faixa de Gaza. Foto: Mohammed Al-Masri / Reuters

Joseph Conrad uma vez disse que, antes de ter ido ao Congo, ele era um animal simples. Foi em uma daquelas terras parcialmente mapeadas pela crueldade e hipocrisia do ethos imperial que Conrad descobriu o colonialismo europeu em sua encarnação mais terrível e não-diluída, devidamente descrita em Heart of Darkness - Coração das Trevas em português – um dos grandes épicos conscientizadores da história da literatura. 

Foi no Congo que Conrad, de etnia polonesa e nascido naquilo que hoje é conhecido como "Ucrânia", então controlada pela Polônia, que só começou a escrever em inglês ao vinte e três  anos, perdeu para sempre qualquer ilusão relativa à missão civilizadora de sua raça.  

Outros europeus eminentes de seu tempo também tiveram a experiência ininterrupta desse mesmo horror – participando no Grande Show da Atrocidade Conquistadora, ajudando a Metrópole a esmagar e saquear a  África; usando o continente como pano de fundo para suas mortíferas aventuras juvenis e seus ritos de passagem, ou apenas testando seu ardor ao "salvar" as almas dos nativos.  

Eles atravessaram o selvagem coração do mundo e fizeram fortuna, construíram reputação ou cumpriram penitência, apenas para voltar para casa para o doce conforto da inconsciência – quando não era despachados de volta em um caixão, é claro.  

Para dominar essa variedade de povos "primitivos", a Britannia substituiu o ferro e a espada pelo comércio. Como qualquer outra fé monoteísta, eles acreditavam que só havia uma maneira de ser, uma maneira de beber chá, uma maneira de jogar o jogo – fosse qual fosse o jogo. Tudo o mais era incivilizado, selvagem, brutal, no máximo oferecendo  matérias-primas e dores de cabeça agudas.

A selva interior - Para a sensibilidade europeia, o mundo subequatorial, na verdade todo o Sul Global, era para onde o Homem Branco ia para alcançar triunfo pessoal ou para a dissolução, tornando-se de certa forma "igual" aos nativos. A literatura, a partir da era vitoriana, está repleta de heróis que partem para latitudes "exóticas", onde as paixões - como as frutas tropicais – são maiores que na Europa, e as formas perversas de autoconhecimento podem ser vividas até a perdição.  

O próprio Conrad colocou seus torturados heróis nos lugares obscuros da Terra para expiar suas sombras lado a lado às sombras do mundo, longe da "civilização" e de suas punições convencionais.  

O que nos leva ao Kurtz de Coração das Trevas: ele está em uma categoria à parte porque atinge um extremo de autoconhecimento virtualmente inédito na literatura europeia, enfrentando a revelação plena da malignidade de sua missão e de sua espécie. 

No Congo, Conrad perdeu a inocência. E seu personagem principal perdeu a razão.

Quando Kurtz migrou para o cinema no Apocalypse Now de Coppola, e o Camboja substituiu o Congo como o Coração das Trevas, ele estava denegrindo a imagem do Império. Então o Pentágono mandou um intelectual-guerreiro para matá-lo, o Capitão Willard. Coppola retratou o espectador passivo Willard como ainda mais insano que Kurtz: e foi assim que ele conseguiu o desmascaramento psicodélico de toda a farsa do colonialismo civilizador.

Hoje não precisamos embarcar em um barco ou em uma caravana em busca da nascente dos rios nevoentos para viver a aventura neoimperial. 

Basta ligarmos nosso smartphone para acompanhar um genocídio ao vivo, 24/7, até mesmo em HD. Nosso encontro com o horror... o horror  – tal como imortalizado pelas palavras de Kurtz em Coração das Trevas – pode acontecer ao fazermos a barba de manhã, praticarmos Pilates ou jantarmos com amigos.

E da mesma forma que Coppola, em Apocalypse Now, temos a liberdade para expressar um estupor moral humanista ao nos defrontarmos com uma "guerra" que é, na verdade, um massacre, e que já está perdida – em sua impossibilidade de sustentação ética. 

Hoje somos todos personagens conradianos, vislumbrando fragmentos, sombras, misturados ao estupor de vivermos em um tempo cruentamente memorável. Não há a menor possibilidade de compreendermos a totalidade dos fatos – em especial quando os "fatos" são fabricados e artificialmente reproduzidos e inflados. 

Somos como fantasmas, desta vez nos confrontando não com a grandeza da natureza, nem atravessando a densa e irreversível selva, mas conectados a uma urbanidade devastada, como num videogame, coautores do sofrimento incessante.  O Coração das Trevas está sendo construído pela "única democracia" no Oeste Asiático em nome de "nosso valores".  

Há tantos horrores invisíveis perpetrados por trás do nevoeiro, no coração de uma selva agora replicada como uma jaula urbana. Assistindo, impotentes, à matança desenfreada de mulheres e crianças, o bombardeio de saturação de hospitais, escolas e mesquitas, como se fossemos todos passageiros em um navio bêbado atirando-se em um redemoinho, admirando a poderosa majestade de toda a cena. 

E já estamos morrendo mesmo antes de vislumbrarmos a morte. 

Somos os epígonos do Hollow Men, os homens ocos de T.S. Eliot. Os gritos lancinantes vindos da selva não vêm mais de um hemisfério "exótico". A selva é aqui  – rastejando para dentro de todos nós. 

Tradução de Patricia Zimbres

Portal do José - STF: DURA PANCADA NO BOLSONARISMO! MÍDIA: SERÁ RESPONSABILIZADA POR CRIMES. MILEI ENGANOU ARGENTINOS

 

Do Canal Portal do José:

VEM AÍ MAIS PANCADAS NO BOLSONARISMO. TEMPOS DE CRIMES SEM RESPONSABILIDADE ESTÃO CHEGANDO AO FIM. MILEI ENGANOU ELEITORES. A CASTA É ELE! SIGAMOS



Morreu Henry Kissinger, o maior criminoso de guerra da história dos EUA. Por Pedro Paiva, jornalista e colaborador da Revista Híbrida e da USBRTV nos Estados Unidos.

 

"As políticas do ex-Secretário de Estado geraram a morte de algo entre 3 e 4 milhões de pessoas no mundo", escreve Pedro Paiva

Henry Kissinger

Henry Kissinger (Foto: Reprodução)

“Henry Kissinger, criminoso de guerra amado pela classe dominante americana, finalmente morreu”. Essa era a manchete que estampava a revista Rolling Stones na sua home na manhã desta quinta-feira. Não é para menos. Kissinger era isso e muito mais.

Secretário de Estado durante o governo de Richard Nixon, o alemão de nascimento é tido como o mais importante, mais conhecido, mais controverso e sanguinário a ocupar o cargo. O maior estrategista das relações exteriores dos Estados Unidos na segunda metade do século XX.

De acordo com a biografia A Sombra de Kissinger, de Greg Grandin, entre 1969 e 1976, as políticas do ex-Secretário de Estado geraram a morte de algo entre 3 e 4 milhões de pessoas no mundo, do Camboja ao Chile, passando, claro, pelo Brasil.

Foi sob o comando do homem que morreu ontem aos 100 anos, no conforto da sua casa, em Connecticut, que os EUA apoiaram Pinochet e a morte de mais de 40 mil opositores do regime. No Brasil, Kissinger criou uma linha de contato direta com o governo Geisel, não se opondo à tortura e aos assassinatos que ocorriam no país. Muito pelo contrário.

Na Ásia, Kissinger trabalhou contra um acordo de paz com o Vietnam para garantir a vitória republicana na eleição de 1968. Já na Casa Branca, ordenou ataques mais ostensivos na expectativa de que levaria os Vietnamitas do Norte a um acordo. Mais de 100 mil pessoas morreram por essa tática.

Até mesmo nos Estados Unidos, Kissinger cometeu crimes. Entre 1969 e 1971, o então Secretário de Estado ordenou, com a benção de Nixon, que grampos fossem colocados em telefones de jornalistas e assessores. Só 20 anos depois o criminoso de guerra assumiu o feito.

Dentre os jornalistas grampeados estava Hendrick Smith, do New York Times. Ainda assim, a manchete de hoje sobre a morte de Kissinger no jornal fala apenas de “legado complicado” e “opiniões divergentes”. A CBS, que também teve um repórter monitorado, caracterizou o morto como “diplomata controverso e influente”.

Devo concordar com as aspas de Spencer Ackerman no editorial de hoje da Rolling Stones: “A América, como todo império, celebra seus assassinos de Estado”. 

Reinaldo Azevedo: Setores da imprensa, ciosa de seu poder até mesmo de fomentar golpes, fazem escarcéu contra o STF por nada e arrumam Bolsonaro como aliado

 

Da BandNews FM:


quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Fomentador de golpes na América Latina e senhor da guerra pelo mundo, morre o sinistro Henry Kissinger

 


Eminência parda e articular de crimes pelo mundo à favor dos Estados Unidos, Henry Kissinger morre aos cem anos.


Henry Kissinger

Henry Kissinger (Foto: Reuters/Annegret Hilse)

247 Em 29 de novembro, Henry Kissinger, um influente diplomata que serviu como conselheiro de segurança nacional e secretário de Estado sob dois presidentes dos Estados Unidos, faleceu aos 100 anos. A notícia foi divulgada pela Reuters. Kissinger, cujas ações como diplomata deixaram uma marca indelével na política externa dos EUA e lhe renderam um controverso Prêmio Nobel da Paz, morreu em sua casa em Connecticut. A Kissinger Associates Inc., sua firma de consultoria geopolítica, confirmou o falecimento, mas não divulgou as circunstâncias de sua morte. Um serviço funerário privado em família está planejado, seguido por um serviço memorial público em Nova York em uma data posterior, segundo reportagem da Reuters.

Kissinger permaneceu ativo mesmo após seu centenário, participando de reuniões na Casa Branca, publicando um livro sobre estilos de liderança e testemunhando perante um comitê do Senado sobre a ameaça nuclear da Coreia do Norte. Em julho de 2023, ele fez uma visita surpresa a Pequim para se encontrar com o Presidente chinês Xi Jinping.

Durante a década de 1970, no auge da Guerra Fria, Kissinger teve um papel fundamental em diversos eventos globais que mudaram a época, como o golpe de estado no Chile, enquanto servia como conselheiro de segurança nacional e secretário de Estado sob o presidente republicano Richard Nixon. O refugiado judeu nascido na Alemanha liderou a abertura diplomática dos EUA com a China, conversas de controle de armas entre os EUA e a União Soviética, fortalecimento de laços entre Israel e seus vizinhos árabes, e os Acordos de Paz de Paris com o Vietnã do Norte.

Após a renúncia de Nixon em 1974 durante o escândalo de Watergate, Kissinger continuou como uma força diplomática como secretário de Estado sob o sucessor de Nixon, o presidente Gerald Ford, mantendo opiniões fortes pelo resto de sua vida.

Apesar de muitos o aclamarem por sua inteligência e vasta experiência, Kissinger também foi rotulado como um criminoso de guerra por seu apoio a ditaduras anticomunistas, especialmente na América Latina. Em seus últimos anos, suas viagens foram limitadas por esforços de outras nações em prendê-lo ou interrogá-lo sobre políticas externas dos EUA passadas.

Seu Prêmio Nobel da Paz de 1973, concedido conjuntamente a Le Duc Tho do Vietnã do Norte, que recusou o prêmio, foi um dos mais controversos. Dois membros do comitê do Nobel renunciaram devido à seleção, enquanto surgiam questões sobre o bombardeio secreto dos EUA no Camboja.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

O processo golpista da direita no Brasil não cessa, por Francisco Celso Calmon

 A luta de classes no Brasil não se dá no convívio e respeito à democracia, mas golpeando-a com frequência.

Foto: Pedro França/Agência Senado

Publicado em 


GGN. - Não há harmonia e nem independência entre os poderes, o que há é troca de favores, de farpas e dependências.

A funcionalidade dos poderes constitucionais da República Federativa do Brasil, sob a égide e organização do Estado Democrático de Direito, enviesam pelo autocratismo.

Temos uma democracia que se afunila num centralismo de um ou de alguns mandatários que se transformam em déspotas.

Pressões e chantagens entres os poderes vem se tornando o modo de ser da República.

Através de elaboração de leis, o Congresso atinge os demais poderes. O Executivo, dono do cofre, faz o troca-troca com o Legislativo e a sua função de executar políticas públicas fica, em parte, condicionada às emendas parlamentares (antes era pior, era concentrado no relator).

O STF, quando acionado (e ocorre amiúde) e às vezes de ofício, decide o que é ou não constitucional e é recebido como atropelo a outro poder.

Recentemente o Parlamento golpeou o Executivo com a chancela do STF impichando a presidente Dilma, e ao fazer isso, desrespeitou a soberania popular e mudou o rumo da história.

Antes, porém, numa decisão monocrática, canhestra, açodada e pueril, o ministro Gilmar Mendes impediu o chefe do Executivo de nomear um ministro da Casa Civil, Lula, e mudou o destino do governo Dilma. 

Uma nomeação interna corporis foi ceifada por um togado do STF, com base em notícia de jornal.

O Executivo, quando bolsonarista, corrompeu o Parlamento e através da emenda secreta do relator tornou, ilegitimamente, o presidencialismo numa caricatura, num Frankenstein, nem presidencialista e nem parlamentarista, e sim na autocracia de Lira e Pacheco, sob olhos plácidos do Judiciário.

Um judiciário que manteve preso um inocente por 580 dias, tem muito de autocrática a fazer antes de rejubilar-se como corajoso e altaneiro. 

A luta de classes no Brasil não se dá no convívio e respeito à democracia, mas golpeando-a com frequência.

 O histórico e insuperável antagonismo de interesses entre as classes no capitalismo se dá através da política.

Nessa arena as antinomias ocorrem dentro de cada um dos poderes, pois são, em última instância, sintomas e reflexos das ideologias em históricos e permanentes conflitos.

De forma que, não basta a racionalidade de um projeto, mas, outrossim, da oportunidade; é necessário que seja discutido no tempo certo e entendido por todos os poderes envolvidos, visto que a dialógica deve ser o modo de convívio entres os poderes, ditos harmônicos e independentes pela Carta Magna, todavia, não pela história. 

O presidente do Senado não levou em conta essas regrinhas, por isso mesmo, é encarada a PEC do Senado, que reorganiza a funcionalidade do STF, como inoportuna politicamente e de retaliação bolsonarista.

Afinal, o STF teve papel fundamental no desmonte à intentona bolsonarista e continua a ter no processo de criminalização dos envolvidos, cujo exemplo e resultados podem ser inibidores a novas aventuras extremistas.  

Foi também nesse sentido a derrapada do Senador Jacques Wagner, pois um líder não pode vestir e desvestir a casaca da função ao seu bel prazer e conveniência pessoal. Não existe o ora sou líder e ora somente senador. Pior: abstraiu da contradição principal que o país vive desde o advento do lavajatismo, do golpe de 2016 e do bolsonarismo.

Não obstantes as derrapadas e da importunidade, a PEC colocou na ordem do dia o debate: a idade mínima para ingresso na Suprema Corte e as decisões monocráticas, as quais merecem séria e apropriada análise, sem reações intempestivas.  

No artigo “Episódios marcantes da semana”, de 10 de outubro, neste blog, interroguei: Vitaliciedade ou mandato temporário dos ministros do STF?

A vitaliciedade serve para garantir ao STF ser contramajoritário e não estar sujeito a maiorias politicas sazonais. Ocorre que a permanência, dependendo da idade do ingressante, pode durar algumas décadas.

A humanidade está vivendo mais, a idade média de vida do brasileiro aumentou para 77 anos. Em 1940 a expectativa de vida era de apenas 45,5 anos. Vivemos hoje, em média, 31,5 anos a mais do que em meados do século passado.

Por outro lado, o processo de amadurecimento do jovem também está mais demorado. Jovens de 35 anos hoje não têm a mesma maturidade dos jovens das gerações passadas, como a nossa que enfrentou à ditadura militar e nem a da geração getulista.

A permanência dos ministros do judiciário foi de 70 anos para 75 (PEC da bengala, 2015), quando ocorre a aposentadoria compulsória, entretanto, a idade mínima permaneceu a mesma, 35!

Diante disso, considero que a solução imediata, que reduziria a permanência dos ministros no STF e aumentaria o tempo de formação, experiência e consequente maturidade dos futuros ingressantes, seria elevar a idade mínima de 35 para 50 anos.

O requisito de aferição da reputação ilibada não seria de um tempo de vida curto, sujeito a modificações de caráter. O tempo maior, probabilisticamente, mostraria a pessoa em sede de mando de alguma função de chefia, de poder, e a famosa frase: se quer conhecer o caráter de uma pessoa dê-lhe poder, estaria testado na vida pregressa. 

Evitaria também projetos juvenis de pessoais arrivistas para galgar a Suprema Corte.

Ingressar aos 50 e ficar até os 75 anos, manteria a vitaliciedade, condição para sustentar a posição contramajoritário, sempre que mister.  

Por outros lados, a delação do tenente-coronel Mauro Cid continua revelando muitas verdades que só comprovam que o governo anterior afrontava a Constituição amiúde e perseguia a realização de um golpe de estado, se mister, violento, para a implantação da autocracia nazifascista, com consequências inimagináveis.

Contudo, vem sendo noticiado e recebido politicamente com normalidade, sem espanto e indignação crescente, o que teria sido a mais recente e funesta tragédia para a democracia brasileira.

Os mentores e autores militares do 8 de janeiro continuam livres a articular novos atentados à democracia, espraiando seus tentáculos criminosos a outros países do cone sul. A famiglia bolsonarista age à luz do dia para novas investidas extremistas.  

Cercar o Executivo e limitar o Judiciário é a continuidade da implementação do projeto do semiparlamentarismo do Pacheco e Lira, consoante à ideação de parte da direita e do bolsonarismo.

Entretanto, é preciso separar o joio do trigo, evitar os antolhos de uma visão binária, e as circunstâncias nublarem o mérito. 

Não é jogo de dama e nem Fla x Flu, é xadrez. É estratégia. Não dá para esquecer o reloginho, o timing.

O lamentável e perigoso é que o povo está alheio. Os partidos democráticos não informam e nem fomentam o debate sobre questões conjunturais e estratégicas como essas. E a militância, infelizmente, sem formação, embarca no binário, contra ou a favor, sem acuidade para enxergar mais profundamente.

O podcast do Lula não atinge o povo e comícios estão no regra três.

A comunicação virtual tem importância, mas não empolga, não atinge os corações.

Está na hora de voltar as caravanas da cidadania.

O 8 de janeiro não está superado e nem o Estado de direito recomposto.

Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral – E o PT com isso?, Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula. Coordenador do canal Pororoca e um dos organizadores da RBMVJ.

A verborragia do império e as fantasias tecnológicas do Pentágono, William D. Hartung

 

Para dissuadir a China, armas com IA, como “enxames de drones”, são alardeados pelos EUA. Em sua maioria, irreais ou ineficazes – e uma trilionária mina de ouro para a indústria bélica. Jogada pode acirrar disputas e pavimentar a Grande Guerra

Publicado 25/10/2023 às 20:23 - Atualizado 26/10/2023


Por William D Hartung, no Consortium News

No dia 28 de agosto, a vice-secretária de Defesa, Kathleen Hicks, escolheu a ocasião de uma conferência de três dias, organizada pela Associação Industrial de Defesa Nacional (NDIA, na sigla em inglês), o maior entidade comercial da indústria de armas, para anunciar a “Iniciativa Replicador”. Entre outras coisas, envolveria a produção de “enxames de drones” que poderiam atingir milhares de alvos na China num curto espaço de tempo. Chame isso de lançamento em máxima escala da guerra tecnológica.

O seu discurso aos fabricantes de armas reunidos foi mais um sinal de que o complexo militar-industrial (CMI), sobre o qual o presidente Dwight D. Eisenhower nos alertou há mais de 60 anos, ainda está vivo, passa muito bem e está tomando um novo rumo. Pode chamá-lo de CMI da era digital.

Hicks descreveu o objetivo da Iniciativa Replicador nos seguintes termos:

“Para nos mantermos à frente [da China], vamos criar um novo estado da arte… alavancando sistemas autônomos atritáveis [attritable] em todas as áreas, pois são menos caros, colocam menos pessoas em risco e podem ser alterados, atualizados ou melhorados com prazos de entrega substancialmente mais curtos… Iremos combater o ELP [Exército de Libertação Popular] com a nossa própria massa, mas a nossa será mais difícil de figurar, mais difícil de atingir e mais difícil de vencer.”

Pense isso como se a inteligência artificial (IA) fosse para a guerra – e, bem, a palavra “atritável” (attritable), um termo que não funciona bem na língua e que não quer dizer muita coisa para o contribuinte médio, é puro “pentagonês” para falar da capacidade de reposição pronta e rápida de sistemas perdidos em combate. Vamos verificar adiante se o Pentágono e a indústria de armas sequer são capazes de produzir os sistemas de guerra tecnológica do tipo que Hicks elogiou no seu discurso: baratos, eficazes e facilmente replicáveis. Porém, em primeiro lugar, gostaria de me concentrar no objetivo de um tal esforço: confrontar a China.

Alvo: China

Independentemente da avaliação que se tenha quanto ao apetite da China por um conflito militar – em vez de confiar com mais força em suas ferramentas de influência política e econômica cada vez mais poderosas –, o Pentágono está claramente propondo uma solução militar-industrial para o desafio representado por Pequim.

Como sugere o discurso de Hicks aos fabricantes de armas, a nova estratégia se baseará em uma premissa crucial: a de que qualquer corrida tecnológica armamentista futura estará fortemente calcada no sonho de construir sistemas bélicos cada vez mais baratos e mais poderosos, baseados no desenvolvimento rápido de comunicações quase instantâneas, em inteligência artificial e na capacidade de implantar tais sistemas num curto espaço de tempo.

A visão que Hicks apresentou à NDIA é, como você deve ter notado, desvinculada do mínimo desejo de responder pela via diplomática ou política ao desafio de Pequim como uma grande potência em ascensão. Pouco importa que essas seriam, sem dúvida, as maneiras mais eficazes de evitar um futuro conflito com a China.

Um tal abordagem não militar se basearia em um recuo claramente articulado em relação à longa e permanente posição chinesa em sua política “Uma China”. Nesse cenário, os EUA renunciariam a qualquer traço de reconhecimento político formal da ilha de Taiwan como um Estado separado, enquanto Pequim se comprometeria a limitar a meios pacíficos os seus esforços por absorver essa ilha.

Há inúmeros outros temas em que a colaboração entre as duas nações poderia conduzir os EUA e a China de uma política de confronto para uma de cooperação, tal como apontado em artigo recente pelo meu colega Jake Werner do Quincy Institute:

“1) desenvolvimento no Sul Global; 2) enfrentar as mudanças climáticas; 3) renegociar as regras comerciais e econômicas globais; e 4) reformar as instituições internacionais para criar uma ordem mundial mais aberta e inclusiva.”

Alcançar esses objetivos neste planeta, hoje, pode parecer uma tarefa difícil, mas a alternativa – a retórica belicosa e as formas agressivas de competição que aumentam o risco de guerra – deve ser considerada perigosa e inaceitável.

Do outro lado da equação, os proponentes do aumento dos gastos do Pentágono para enfrentar os supostos perigos da ascensão da China são mestres em inflacionar a ameaça. Para eles é fácil e satisfatório exagerar tanto as capacidades militares de Pequim como as suas intenções globais, com o propósito de justificar a manutenção do complexo militar-industrial amplamente financiado até um futuro distante.

Como observou Dan Grazier, do Projeto de Supervisão Governamental, em um relatório de dezembro de 2022, embora a China tenha feito progressos militares significativos nas últimas décadas, a sua estratégia é “inerentemente defensiva” e não representa nenhuma ameaça direta aos Estados Unidos. Atualmente, de fato, Pequim está consideravelmente atrás de Washington tanto em despesas militares quanto em capacidades militares essenciais, incluindo ter um arsenal nuclear muito menor (embora ainda sem dúvida devastador), uma Marinha menos capaz e menos aviões de combate importantes. Contudo, nada disso soa minimamente óbvio se os únicos a serem ouvidos são os alarmistas do Capitólio e dos corredores do Pentágono.

Mas, como salienta Grazier, isto não deverá surpreender ninguém, uma vez que “a inflação da ameaça tem sido há décadas o instrumento preferido dos ‘falcões’ dos gastos com defesa”.

Para citar um exemplo, esse foi notadamente o caso do final da Guerra Fria no século passado, após a derrocada da União Soviética, quando o então presidente do Estado-Maior Conjunto, Colin Powell, disse, em discurso antológico:

“Pensem bem sobre isso. Estou ficando sem demônios. Estou ficando sem vilões. Estou reduzido a [Fidel] Castro e Kim Il-sung [o falecido ditador norte-coreano].”

Desnecessário dizer que isso representava uma grave ameaça para o futuro financeiro do Pentágono e, de fato, o Congresso insistiu na ideia de reduzir significativamente o tamanho das forças armadas, oferecendo menos fundos para gastar em novos armamentos nos primeiros anos pós-Guerra Fria.

Mas o Pentágono foi rápido em destacar um novo conjunto de supostas ameaças ao poder americano para justificar a retomada dos gastos militares. Sem nenhuma grande potência à vista, começou a concentrar-se nos perigos que poderiam representar as potências regionais como Irã, Iraque e Coreia do Norte. Também exagerou fartamente a força militar desses países no esforço de obter financiamento para vencer, não um, mas dois grandes conflitos regionais ao mesmo tempo. Este processo de mudança de foco para novas alegadas ameaças, como justificativa para majorar o establishment militar, foi capturado de forma impressionante no livro de Michael Klare de 1995, Rogue States and Nuclear Outlaws [Estados malfeitores e bandidos nucleares].

Após os ataques de 11 de Setembro, a lógica dos “Estados malfeitores” foi, durante algum tempo, substituída pela desastrosa “Guerra Global ao Terror”, uma resposta claramente equivocada a esses atos terroristas. O resultado disso foram gastos de trilhões de dólares em guerras no Iraque e no Afeganistão e uma presença global antiterrorista que incluiu operações dos EUA em 85 – sim, 85! – países, processo notavelmente documentado pelo Costs of War Project [Projeto Custos da Guerra] da Brown University.

Todo esse sangue e tesouro, incluindo centenas de milhares de mortes diretas de civis (e muito mais mortes indiretas), bem como milhares de mortes de estadunidenses e enormes quantidades de danos físicos e psicológicos devastadores ao pessoal militar dos EUA, resultaram na instalação de regimes instáveis ​​ou repressivos, cuja conduta – no caso do Iraque – ajudou preparar o cenário para a ascensão de uma organização terrorista como o Estado Islâmico (ISIS).

No final das contas, essas intervenções provaram ser tudo menos o “passeio” ou o florescer da democracia previstos pelos defensores das guerras estadunidenses pós-11 de Setembro. No entanto, eles estão de parabéns. Provaram ser uma máquina de dinheiro extraordinariamente eficiente para os habitantes do complexo militar-industrial.

Construindo a “Ameaça Chinesa”

Quanto à China, o seu estatuto de “ameaça do dia” ganhou especial força durante os anos do ex-presidente Donald Trump. Na verdade, pela primeira vez desde o século XX, o documento de estratégia de defesa do Pentágono de 2018 apontou a “competição entre as grandes potências” como a onda do futuro.

Um documento particularmente influente daquele período foi o relatório dessa comissão com mandato do Congresso, a Comissão de Estratégia de Defesa Nacional. O órgão criticou a estratégia de então do Pentágono, afirmando bravamente (sem sustentação em informações significativas) que o Departamento de Defesa não estava planejando gastar o suficiente para enfrentar o desafio militar colocado pelas grandes potências rivais, com foco principal na China.

A comissão propôs aumentar o orçamento do Pentágono entre 3% e 5% acima da inflação nos próximos anos – uma medida que o elevou a um nível inédito de US$ 1 trilhão (ou mais) dentro de poucos anos. Esse relatório seria tão fartamente citado pelos defensores dos gastos do Pentágono no Congresso, e com especial ímpeto pelo ex-presidente do Comitê de Serviços Armados do Senado, James Inhofe, que costumava literalmente acenar às testemunhas nas audiências e pedir-lhes um juramento de fidelidade às suas duvidosas conclusões.

Esse índice de crescimento real de 3% a 5% pegou muito bem para os proeminentes falcões no Congresso e, até o recente caos na Câmara dos Representantes, as despesas enquadravam-se efetivamente nesse padrão.

O que não foi muito debatido foi a pesquisa feita pelo Project on Government Oversight [Projeto de Supervisão do Governo] demonstrando que a comissão que redigiu o relatório e deu gás a esses aumentos de gastos estava pesadamente nas mãos de indivíduos ligados à indústria armamentista. O seu co-presidente, por exemplo, fez parte do conselho de administração da gigante fabricante de armas Northrop Grumman, e a maioria dos outros membros eram ou haviam sido conselheiros ou consultores dessa indústria, ou trabalharam em think tanks fortemente financiados precisamente por essas empresas. Portanto, nunca houve propriamente uma avaliação que fosse mesmo vagamente objetiva das necessidades de “defesa” dos EUA.

Cuidado com o “tecnoentusiasmo” do Pentágono

Só para garantir que ninguém perdesse o ponto central de seu discurso no NDIA, Hicks reiterou que a proposta de transformar o desenvolvimento de armas com a futura guerra tecnológica em mente visava, direta e precisamente, Pequim. “Devemos”, disse ela,

“garantir que o líder da República Popular da China acorde todos os dias, considere os riscos de agressão e conclua: ‘hoje não é o dia’ – e não apenas hoje, mas todos os dias, de agora a 2027, de agora a 2035, de agora a 2049, e além… Inovação é o modo como fazemos isso.”

A noção de que a tecnologia militar avançada poderia ser a solução mágica para desafios complexos de segurança vai diretamente contra o registro real do Pentágono e da indústria de armamento ao longo das últimas cinco décadas. Naqueles anos, novos sistemas supostamente “revolucionários” como as aeronaves de combate F-35, o Sistema de Combate Futuro do Exército (FCS) e o Navio de Combate Litoral da Marinha têm sido notoriamente atormentados por custos excessivos, atrasos de cronograma, problemas de desempenho e desafios de manutenção que, na melhor das hipóteses, limitam severamente suas capacidades de combate. Na verdade, a Marinha já está planejando aposentar cedo vários desses navios de combate litorâneos, e todo o programa FCS foi abertamente cancelado.

Em suma, o Pentágono põe agora suas fichas em uma transformação completa da forma como ele e a indústria fazem negócios na era da IA ​​– uma aposta remota, para dizer o mínimo.

Mas de uma coisa podemos estar certos: a nova abordagem provavelmente será uma mina de ouro para os fornecedores de armas, mesmo que o armamento resultante não apresente nem o cheiro do desempenho anunciado. Essa busca não será isenta de desafios políticos, tais como a obtenção dos muitos bilhões de dólares necessários para dar prosseguimento aos objetivos da Iniciativa Replicador, evitando ao mesmo tempo o lobby dos fabricantes dos produtos atuais de grande valor, como porta-aviões, bombardeiros e aviões de combate.

Os membros do Congresso irão defender os sistemas da geração atual para manter os gastos com armas a fluir para grandes empresários fornecedores e, assim, para os principais distritos eleitorais. Uma solução para o potencial conflito entre o financiamento dos novos sistemas alardeados por Hicks e os dispendiosos programas existentes que atualmente alimentam os titãs da indústria armamentista: aumentar o já enorme orçamento do Pentágono e rumar para aquele pico de um trilhão de dólares, que seria o mais elevado nível desses gastos desde a Segunda Guerra Mundial.

O Pentágono há muito constrói a sua estratégia circundando supostas maravilhas tecnológicas como o “campo de batalha eletrônico” na era do Vietnã; a “revolução nos assuntos militares”, divulgada pela primeira vez no início dos anos 1990; e as munições guiadas com precisão, elogiadas pelo menos desde a Guerra do Golfo Pérsico, em 1991.

Pouco importa que tais armas maravilhosas nunca tenham funcionado como anunciado. Por exemplo, um relatório detalhado do Gabinete de Responsabilidade Governamental sobre a campanha de bombardeios na Guerra do Golfo descobriu que

“a afirmação do DOD [Departamento de Defesa] e dos fornecedores de que as munições guiadas por laser ofereceriam o poder ‘cada alvo, uma bomba’ não foi demonstrada na campanha aérea em que, em média, 11 toneladas de munições guiadas e 44 toneladas de munições não guiadas foram despejadas em cada alvo destruído com sucesso.”

Nas situações em que esses sistemas de armas avançados podem funcionar, com enormes dispêndios de tempo e dinheiro, revelam-se quase invariavelmente de limitada valia, mesmo contra adversários relativamente mal armados (como no Iraque e no Afeganistão, neste século).

No caso da China, uma grande potência rival com uma base industrial moderna e um arsenal crescente de armamento sofisticado, a questão é completamente outra. A busca por uma superioridade militar decisiva sobre Pequim e a capacidade de vencer uma guerra contra uma potência com armas nucleares deveria ser (mas não é) considerada uma missão insensata, com maior probabilidade de estimular uma guerra do que de impedi-la, com consequências potencialmente desastrosas para todos os envolvidos.

Talvez o mais perigoso de tudo seja o fato de um esforço para a produção em grande escala de armamento baseado em IA apenas aumentar a probabilidade de futuras guerras poderem ser travadas de forma demasiado desastrosa sem intervenção humana.

Como Michael Klare apontou em um relatório para a Associação de Controle de Armas, confiar em tais sistemas também aumentará as probabilidades de falhas técnicas, bem como de decisões equivocadas de seleção de alvos baseadas em IA, que poderão estimular o abate não intencional e a tomada de decisões sem intervenção humana. O mau funcionamento potencialmente desastroso de tais sistemas autônomos poderá, por sua vez, apenas aumentar a possibilidade de um conflito nuclear.

Ainda seria possível controlar o entusiasmo tecnológico do Pentágono desacelerando o desenvolvimento dos tipos de sistemas destacados no discurso de Hicks e, ao mesmo tempo, criando regras internacionais para o seu desenvolvimento e implantação futuros. Mas o momento de começar a se opor a mais uma “revolução tecnológica” equivocada é agora, antes que a guerra automatizada aumente o risco de uma catástrofe global. Enfatizar o novo armamento em detrimento da diplomacia criativa e das decisões políticas inteligentes é uma receita para o desastre nas próximas décadas. Tem que haver uma maneira melhor.