Em meados de julho de 2015, o mês de agosto era esperado como o início do fim do Governo Dilma. Mas agosto não foi o mês de desgostos que todos previam. Ao contrário, representou uma virada no quadro político. Hoje, o impeachment parece afastado, ainda que no caminho até 2018 existam minas terrestres há se desarmar.
A cronologia do impeachment abandonado.
O vento global muda de direção.
No dia 06 de agosto de 2015, respondendo a um apelo do vice-presidente Michel Temer pela união nacional,
FIESP e FIRJAN emitem uma nota conjunta que dá início ao "Fica, Dilma".
"O povo brasileiro confiou os destinos do país a seus representantes. É hora de colocar de lado ambições pessoais ou partidárias e mirar o interesse maior do Brasil”.
Ocorre, a partir de então, como que uma reação em cadeia.
No dia 08 de agosto, um editorial de
O Globo surpreende o mundo político. Eduardo Cunha foi jogado na chuva. E isso tranca a pauta-bomba no Congresso Nacional e nas redações.
No dia seguinte, em uma entrevista na
Folha, o presidente do Bradesco dá uma declaração para não deixar dúvidas:
“Precisamos sair desse ciclo do quanto pior, melhor. Melhor para quem? Para o Brasil, não é. As pessoas precisam ter a grandeza de separar o ego pessoal do que é o melhor para o país”.
Havia algo no ar, além dos aviões de carreia.
Em 09 de agosto, a deliberação tomada é passada aos senadores do PT diretamente por
João Roberto Marinho:
“Dilma deve ser sucedida por quem ganhar em 2018”.
Em 12 de agosto, o adiamento por parte do
TCU do parecer sobre as contas de 2014 do governo Dilma bloqueia a principal manobra para a aceitação de um pedido de impeachment - a reprovação das contas devido às "pedaladas fiscais". E, em 13 de agosto, um pedido de vistas adia a decisão do
TSE sobre o milésimo recurso do PSDB pedindo a cassação da chapa Dilma-Temer. Ambos os tribunais decidiram examinar a espuma.
O apoio internacional, do poder econômico e das esquerdas.
“The president should stay in office despite calls for impeachment.
Ms Rousseff has not been accused of corruption. She has also stated repeatedly that she will not resign. Furthermore, even if Ms Rousseff is removed, it would likely only see another mediocre politician replace her — and then try to implement the same economic stabilisation that she is trying to do”.
“Though the investigations have created huge political problems for Ms. Rousseff … she has admirably made no effort to constrain or influence the investigations. On the contrary, she has consistently emphasized that no one is above the law, …
So far, the investigations have found no evidence of illegal actions on her part. Forcing Ms. Rousseff out of office without any concrete evidence of wrongdoing would do serious damage to a democracy that has been gaining strength for 30 years without any balancing benefit. And there is nothing to suggest that any leaders in the wings would do a better job with the economy.
The solution must not be to undermine the democratic institutions that are ultimately the guarantors of stability, credibility and honest government”.
Basicamente, o que diziam os porta-vozes do poder mundial?
Que não há nenhuma acusação contra Dilma, que ela sempre se posicionou contra a corrupção. E, o mais importante, que não há opções melhores a ela. O FT cita, inclusive, o risco de um“mediocre politician” chegar ao poder. O NYT fala em “serious damage to a democracy, without any balancing benefit”. A saída de Dilma pioraria um quadro já bastante grave.
Não foram outros os motivos da Globo, do Bradesco, da FIESP e da FIRJAN.
Pelo quanto esses jornais expressam o posicionamento do establishment de países como EEUU e Inglaterra, intui-se que um golpe não teria apoio internacional.
A presidente Dilma ainda recebeu apoio formal de Cristina Kirchner da Argentina e de Nicolas Maduro da Venezuela, como que a lembrar de que a esquerda ainda é majoritária na América do Sul e não aceitaria passivamente que um golpe no maior dos seus países desandasse o caldo no continente. Não creio que Maduro ou Kirchner falem mais grosso que o FT e NYT, mas o recado estava dado.
No dia 19ago2015 – As CNI, CNT e CNS, confederações do poder econômico nacional, em conjunto com a OAB se posicionam em uma
”Carta à Nação” onde pedem:
“Mudanças, respeitando-se a Constituição”.
Como o calendário constitucional para mudanças são as eleições e a próxima para presidente está marcada para 2018, de modo cifrado, repetiam o que já fora dito com todas as letras pelo vice-presidente do Grupo Globo.
Dia 20 ago 2015, a esquerda sai às ruas,
unida contra o golpe do impeachment. Na cidade de São Paulo, eram 37 mil almas em uma quinta-feira de expediente normal de trabalho. Encontrara o discurso que permite a ela apoiar o governo sem se comprometer com suas medidas econômicas. A defesa da ordem democrática.
E o
PGR - Procurador Geral da República denuncia ao STF Eduardo Cunha, o mais poderoso adversário do governo Dilma e quem guarda as chaves da entrada do pedido de impeachment.
Em 23 de agosto de 2015, o
Banco Itaú, partido de oposição que teve, inclusive, candidato próprio nas eleições presidenciais de 2014, reconhece através de seu presidente:
“Não há motivos para tirar Dilma do cargo”.
O impeachment estava abandonado, restam as minas pelo caminho a serem desarmadas.
O caminho minado e suas bombas.
Por ordem crescente de poder destrutivo.
Gilmar Mendes.
Manchete da Folha de São Paulo de 22ago2015,
“Gilmar Mendes pede ação contra campanha de Dilma”.
Trata-se de um factoide, a própria Folha esclarece na primeira página: “caberá a PGR e a PF acolherem ou não o pedido”. Mas demonstra que Gilmar irá continuar com as chicanas que buscam o terceiro turno das eleições de 2014. Por mais absurdo que isso seja.
O "Fora, Dilma".
O “Fora, Dilma” é um movimento com importância política, mas eleitoralmente não é significativo.
Em 16 de agosto, por todo o Brasil, 600 mil pessoas foram às ruas, 130 mil na cidade de São Paulo, para pedir a saída de Dilma, por renúncia, por impeachment ou por golpe militar. Mas tudo democrática e institucionalmente. O movimento pacífico também lamentava que Dilma não tivesse sido assassinada na prisão. Era a terceira manifestação, desde março, todas ocorridas sempre em um domingo.
Ninguém derruba um governo com periódicas passeatas domingueiras se, na segunda-feira, todos voltarem ao trabalho. Isso é fato. Então, aquele povo não estava lá na para derrubar Dilma. E sim, para autorizar algum grupo a derrabá-la em seu nome. Essa é a importância política do “Fora, Dilma”.
Quem é essa gente? A Folha traçou o perfil dos manifestantes.
“A maior parte dos manifestantes que foi à Avenida Paulista neste domingo (16) é homem (61%), tem 51 anos ou mais (40%), cursou o ensino superior (76%), se declara branca (75%), não é ligada a nenhum partido (52%) e tem renda familiar mensal entre R$ 7.881 e R$ 15.760 (25,17%). Moram em São Paulo 80% dos manifestantes, a maioria na zona sul (40%), seguida do centro (22%).
O PSDB é o partido de preferência entre os que foram ao protesto, com 33%. O PV foi citado por 3%, o PMDB por 2%. PT, PSOL e PSB aparecem com apenas 1%. No segundo turno das eleições de 2014, a maioria dos manifestantes (77%) votou em Aécio Neves (PSDB). Cerca de 10% não votaram nas eleições, 6% anularam o voto e 5% escolheram Dilma Rousseff (PT)”.
Eram os eleitores de Aécio. Não são nenhuma novidade. Novidade seria se eleitores de Dilma, insatisfeitos com a crise, estivessem na Paulista em número significativo. Mas eles não foram.
Logo, aquele mar de gente, por si só, não mudaria em nada o resultado de uma nova eleição. O movimento é desimportante eleitoralmente – são os já convertidos.
Como o impeachment foi afastado, esse povo não será mais chamado às ruas.
Mas como isso seria feito? Do mesmo modo pelo qual os black blocs, de repente, também não aparecem mais. Desautorizando e cortando o financiamento dos grupos que os arregimentam. Alguém que acredita que o “MBL”, o “Revoltados online” e o “Vem pra rua” são grupos de voluntários que se organizam no Facebook e se mantém vendendo camisetas acredita em qualquer coisa.
A questão é que uma fantástica máquina de arregimentação de povo foi montada. E desmontá-la envolve o mesmo cuidado de se desmobilizar exércitos. Há sempre o risco de que ex-combatentes se tornem mercenários ou bandoleiros a serviço de quem pagar mais.
A lista de Eduardo Cunha.
O risco Eduardo Cunha não está na retaliação com um possível pedido de impeachment a reveleia do que foi decido pelas “forças maiores” da nação. Se fosse assim, já o teria feito na sexta-feira, dia 21 de agosto. Dia seguinte de seu indiciamento por Janot, não iria para São Paulo para ser lambido por Paulinho da Força e reunir-se com Michel Temer.
Eduardo Cunha sabe como ninguém como no Brasil são feitas as salsichas e as leis. E de como, com isso, se arrecada dinheiro para campanhas políticas. Além disso, Eduardo Cunha tem uma bancada parlamentar própria, deputados eleitos com recursos repassados pelo próprio Cunha.
Cunha tem uma lista muito mais danosa para o Congresso que a lista de Janot.
Eduardo Cunha é poderoso, ególatra e vingativo. O perfil de um psicopata. Só não é louco a ponto de rasgar dinheiro. Cunha também não sofre do “republicanismo” que faz com que políticos do PT se comportem como ovelhas no matadouro.
O silêncio do Congresso em relação à sua permanência na presidência da Câmara mesmo depois de denunciado é o silêncio de quem não quer chamar para si o chumbo grosso que vem por aí.
A Lava Jato.
Com o impeachment de Dilma abandonado, não é mais necessário prender o Lula. Em tempos de concertação, seria mesmo inadequado. Ainda que continue sendo desejável.
Logo, Sergio Moro deixa de ser importante. A Lava Jato pode ser encerrada.
Mas, se Cunha é vingativo, Sergio Moro é vingador. E quem acredita que só existam indícios de corrupção envolvendo o PT acredita que o “Vem pra rua” se financia vendendo camisetas.
Como colocar de volta o pino de segurança e travar a mais explosiva mina do caminho?
Creio que há muitos engenheiros do caos buscando uma solução.
---