quinta-feira, 31 de março de 2016

Bolsonaro e o milagre malafáico da multiplicação do próprio patrimônio

TELHADO DE VIDRO
Deputado compra duas mansões de frente para o mar em área nobre do Rio com "descontos" graciosos sobre o valor de mercado. E declara patrimônio incompatível com sua renda
por Helena Sthephanowitz, para a RBA publicado 30/03/2016 13:26, última modificação 30/03/2016 15:08
GILMAR FELIX - CÂMARA DOS DEPUTADOS
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Jair Bolsonaro, deputado em sexto mandato consecutivo, mostra declaração de bens que levanta dúvidas
Você conseguiria comprar uma casa que custa, a preço de mercado, alguns milhões por "apenas" R$ 400 mil? O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) conseguiu esse, digamos, milagre. E recebeu a graça na compra não só de uma, mas de duas mansões. Em termos terrenos, com um abatimento de pelo menos 75% nos preços dos imóveis, foram verdadeiros negócios da China.
Para entender o caso: Jair Bolsonaro – que está em seu sexto mandato consecutivo como deputado federal – declarou à Justiça Eleitoral possuir, no ano de 2010, bens que totalizavam oo valor de R$ 826.670,46. Naquele ano, os dois imóveis não constavam da declaração de patrimônio.
Quatro anos depois, nas eleições de 2014, o patrimônio declarado pulou para R$ 2.074.692,43. Façamos as contas: a variação patrimonial é maior do que a soma dos salários líquidos que ele recebeu como deputado. Significa que, mesmo se Bolsonaro não tivesse gasto um único centavo de seus salários nos quatro anos de mandato entre 2010 e 2014, ainda assim o montante acumulado não lhe permitiria chegar ao patrimônio de mais de R$ 2 milhões. A conta não fecha.
E como ele não declara, entre seus bens, ser proprietário ou sócio de nenhuma empresa, é inevitável perguntar: qual é a fonte de renda de Bolsonaro para cobrir tamanha variação patrimonial?
Mas a estranheza sobre o patrimônio não para por aí. Jair Bolsonaro continua, segundo ele mesmo declara, com todos os imóveis que tinha em 2010 e aparece em 2014 com duas mansões na Avenida Lúcio Costa, de frente para o mar da Barra da Tijuca, reduto carioca da classe média alta e de parte de sua elite.
Os valores atribuído aos imóveis são piada e escárnio: o valor de compra declarado de uma das propriedades é de R$ 400 mil e a outra, de R$ 500 mil. Uma simples consulta a qualquer imobiliária da capital fluminense, ou às sessões de classificados dos jornais e sites do Rio, mostra que as mansões foram declaradas com valores muito abaixo dos praticados no mercado. Ninguém conseguiria comprar um imóvel como os de Bolsonaro, naquela localização, por esses preços entre 2010 e 2014 – período em o país chegou a viver uma "bolha imobiliária", com os preços dos imóveis dispararam.
Bolsonaro oculta o endereço completo na declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral, mas descobrimos que o deputado tem endereços em seu nome no Condomínio fechado Vivendas da Barra, na referida avenida. Em anúncios classificados, o menor vaor que encontramos para casas à venda naquele condomínio foi de R$ 1,65 milhões. Mais de 4 vezes o valor menor declarado por Bolsonaro.
Em época de alguns políticos terem de explicar até o que não têm e nunca compraram, o que o deputado Jair Bolsonaro, useiro e vezeiro em atirar pedras nos telhados alheios, tem a dizer a seus seguidores sobre seus telhados de vidro?
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Neste dia 31 de março, o mundo diz NÃO ao Golpe da Direita Cínica e Hipócrita no Brasil



quarta-feira, 30 de março de 2016

Lula, nem preso, nem livre


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Há anos, Noam Chomsky cunhou o termo “unpeople” (“não-pessoas”) para designar os que o poder global quer esquecer. É assim que a elite brasileira agora trata o ex-presidente
Por Antonio Martins - no Outras Palavras
Os abusos e ilegalidades cometidos por Sérgio Moro contra Lula foram tantos e tão graves que, agora, até mesmo os velhos jornais brasileiros [para os internacionais, clique nos links 1 2 3 4 5 6] enumeram as arbitrariedades do juiz – reconhecidas, aliás, por diversos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A coerção para depor, em 4/03 era incabível, porque não foi precedida de uma convocação. Na interceptação das conversas telefônicas, e em sua divulgação, as irregularidades, todas de caráter criminoso, acumulam-se. Os diálogos envolvendo a presidente da República precisam ser remetidos ao STF. As gravações relacionadas aos fatos investigados devem ser mantidas nos autos, mas em sigilo (foram escancaradas por Moro). O juiz deve destruir as conversas privadas (e não entregá-las os jornais). Depois de tantas violências, seria de esperar que a mídia defendesse reparação ao ex-presidente – ou, no mínimo, o fim das perseguições.
Só que não. Experimente ler os sites ligados à Folha, Estado, O Globo e Editora Abril ou, pior, ouvir os noticiários da TV. Por dias, todos reproduziram, incansável e espetaculosamente, as gravações ilegais, sempre editadas contra Lula. Foi como se, a cada 24 horas, se produzisse um episódio de manipulação semelhante ao do debate presidencial que, em 1989, levou Collor ao poder. Agora, todos os noticiários alimentam a expectativa pela prisão de Lula. O ato absurdo do ministro Gilmar Mendes, que devolveu o ex-presidente a Moro, é visto como natural. Assim como as negativas ou delongas de colegas de Gilmar [1 2 3], para conceder o habeas corpusque proibiria uma prisão arbitrária.
Lula está em Brasília desde ontem, porém acuado. Em sua ação repousam, hoje, as principais chances de evitar o impeachment. Mas como agir se sequer sua liberdade está assegurada; se não tem posto de ministro; se não pode falar ao telefone; se não sabe se acordará com a Polícia Federal batendo em seu quarto de hotel? À noite,jantou com Dilma. Teria cogitado desistir da Casa Civil. No PMDB, que prepara o desembarque do governo, o vice-presidente Michel Temer avisou que não o encontrará.
Para referir-se ao tratamento que Israel dispensa aos palestinos, ou o que Washinton reserva aos que mata por meio de drones, Noam Chomsky cunhou certa vez o termo unpeople – não-pessoas. É preciso desclassificá-los, despi-los dos direitos, para que as leis permaneçam válidas, mas não os protejam. Para a velha mídia, Lula converteu-se em não-pessoa. Para parte dos brasileiros, tornaram-se também os que vestem-se de vermelho, ainda que crianças ou bebês.

Mídia: só Brasil não democratizou

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A partir da “Ley de Medios” argentina — agora temporariamente revogada — quase toda a América do Sul enfrentou oligopólio que dominia comunicações. Aqui, ninguém mexeu com ele
Por Thales Schmidt, no Calle2
A ex-presidente argentina Cristina Kirchner estava com Diego Maradona, então técnico da seleção argentina, e o mandachuva do futebol no país, Julio Grondona, quando anunciou: “Acabou o sequestro dos gols. Eu não quero uma sociedade de sequestros de pessoas, nem de imagens e nem de ideias”. O campeonato nacional de futebol de 2009, antes exclusividade da TV a cabo do Clarín, seria agora exibido nos canais públicos da TV aberta. A jogada foi o começo de uma escalada entre Clarín e governo federal que ainda atravessa a política argentina − e que parece ter chegado ao fim com a eleição de Mauricio Macri.
Poucos meses depois do anúncio de Cristina, o Congresso argentino votou e aprovou uma nova legislação − que teve iniciativa da sociedade civil − para as empresas de televisão e rádio: a Lei de Serviços e Comunicação Audiovisual. Conhecida como Lei de Meios, a medida pregava o fim do monopólio de grandes grupos de comunicação ao restringir a porcentagem de mercado que poderiam dominar e quantos canais poderiam deter, além de incentivar veículos independentes.
A lei foi um duro golpe para o Clarín. O grupo era grande demais para as restrições antimonopólio das novas regras e precisava vender partes de seu negócio para se adequar.
Clarín conseguiu arrastar sua situação na Justiça durante anos até perder na Corte Suprema (maior instância do judiciário argentino), em 2013; mas antes do maior grupo de comunicação do país efetivamente se dividir, Macri foi eleito e revogou já no primeiro mês de seu mandato os principais pontos da Lei de Meios por meio de Decretos de Necessidade e Urgência, um recurso parecido com as Medidas Provisórias brasileiras.
Uma das maneiras de medir a concentração de um mercado é verificar quanto as quatro maiores empresas do setor faturam em comparação com as demais. Os quatro maiores canais de TV aberta argentinos concentraram 89% dos rendimentos do mercado em 2009. Já na TV a cabo, esse número é de 81,8%, e a companhia Cablevisión, do grupoClarín, lidera o mercado com uma fatia de 45%. Os dados são dos livros “Los dueños de la palabra” e “De la concentración a la convergencia”, respectivamente.
No Brasil, o quadro não é muito diferente. As quatro maiores redes de TV aberta – Globo, SBT, Band e Record – controlam uma rede com 843 canais, segundo levantamento feito pelo projeto Donos da Mídia.
“Multinacionais compraram praticamente todo o mercado de cerveja nos nossos países, mas você pode dominar o mercado de cerveja de um país sem afetar sua vida institucional. Concentração da mídia, ao contrário, afeta a democracia. Democracias fortes colocam limites à concentração de mídia”, disse Edison Lanza, relator de liberdade de expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), em entrevista ao Buenos Aires Herald.
Na Holanda, se um grupo tem mais de 25% da circulação de jornais, fica proibido de ter um canal de TV aberta ou rádio. Na Alemanha, se um grupo de comunicação tiver canais cuja soma supere 30% da audiência, ele fica proibido de comprar ou participar de outros canais. No Reino Unido, o magnata Ropert Murdoch, dono de um império de mídia espalhado pelo globo e avaliado em mais de 50 bilhões de dólares, tentou comprar a maior empresa de TV a cabo do país − e foi barrado pelo Parlamento.
Por que no Brasil não se discute monopólio da imprensa?
As regras brasileiras para empresas de rádio e televisão são de 1962, feitas pelo governo de João Goulart. Para Pedro Ekman, Coordenador do coletivo Intervozes, os políticos não tocam no assunto por uma questão de governabilidade: “Os governos e os monopólios de comunicação sempre combinaram o jogo juntos. A partir do governo Lula (2003- 2010) isso muda, mas não muito. Existe um pacto de que alguns assuntos não são tocados, e a mídia é um deles”.
Organizações da sociedade civil brasileira, entre elas o Intervozes, protocolaram junto ao Ministério Público Federal em 2015 uma ação contra 40 políticos brasileiros donos de canais de TV ou rádios − situação apontada como ilegal na ação. Aécio Neves (PSDB -MG), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Jader Barbalho (PMDB-PA) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) fazem parte da lista de 32 deputados e 8 senadores denunciados. O objetivo da iniciativa é suspender as concessões dos canais de TV e rádios e obrigador o governo federal a licitar esses espaços para novos proprietários.
Ekman explica que o Ministério das Comunicações sempre interpretou a situação como legal.
A Constituição de 1988 estabelece que a comunicação “não pode, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Até hoje, esse artigo não foi regulamentado pelo Congresso brasileiro. “Temos uma situação clara de monopólio, a Globo concentra 70% do mercado de publicidade na TV, apesar de só ter 48% da audiência. Em qualquer país civilizado, haveria uma ação antimonopólio contra isso. No Brasil, vemos isso como natural” diz Ekman.
E o resto da América Latina?
A experiência argentina não é um caso isolado. Equador, México, Uruguai e Venezuela também reformaram suas legislações de comunicação nos últimos 15 anos. Essas mudanças coincidiram com a eleição de presidentes progressistas na região, como Hugo Chávez na Venezuela, Rafael Correa no Equador e Pepe Mujica no Uruguai.
Martín Becerra, professor de políticas de comunicação da Universidade Nacional de Quilmes, conta que essas mudanças foram influenciadas pela percepção de que “os meios de comunicação privados funcionavam como a oposição – ou como uma maneira dela se expressar”.
“Acredito que exista uma relação, mas não é uma relação direta. Porque existem outros governos progressistas que não fizeram reformas em suas leis de comunicação, como Brasil, Chile e Bolívia. Em troca, há governos que não são progressistas e que fizeram reformas, como o México. Então uma relação existe, porque na Venezuela, Argentina, Equador e Uruguai se encontram governos que podemos chamar, genericamente, de progressistas.”
O professor argentino analisa que a chamada virada à esquerda do continente está acabando: “Evo Morales acaba de perder o referendo de sua reeleição na Bolívia, a situação venezuelana é muito crítica. Há muitos sinais que o momento político não é mais o mesmo. Eu diria que a América Latina está atravessando outra etapa”.
O que foi a Lei de Meios?
A Lei de Meios não teria existido sem a participação da sociedade civil argentina. A primeira versão da proposta de lei utilizou como base os “21 pontos por uma radiodifusão democrática”, documento elaborado pela Coalizão por uma Radiodifusão Democrática – grupo formado por mais de 200 entidades entre ONGs, sindicatos universidades, canais comunitárias e cooperativas.
Néstor Busso, membro do Forum Ar­gentino de Rádios Comunitárias, foi quem apresentou o documento para a então presidente Cristina Kirchner na Casa Rosada em 2008. “Fizeram 25 fóruns de consulta em todo o país, foram feitas mais de 200 modificações ao projeto original”, conta.
As regras antimonopólio da Lei de Meios foram elogiadas pelas relatorias de liberdade de expressão da OEA e da Organização das Nações Unidas (ONU). As restrições impostas pela lei limitam apenas a propriedade dos meios de comunicação e não afetam sua linha editorial.
Ainda assim, a OEA apontou que a legislação era aplicada com mais rigor ao Clarín do que com as outras empresas.
“A lei foi aplicada com critério desigual para os diferentes grupos de comunicação com base na sua proximidade com o governo de Cristina Kirchner. Tão grotescas foram essas arbitrariedades que se aplicaram prazos e exigências diferentes para situações similares para umas e outras empresas”, aponta José Crettaz, editor de política do jornalLa Nación.
Busso diz que a aplicação parcial não é justificava para que ela seja modificada por decretos. “As mudanças são feitas porque o governo Macri só pensa em negócios e em comércio, como disse o ministro de Comunicações Oscar Aguad: ‘a comunicação é uma questão de mercado’. Para nós, a comunicação é um direito humano, essa é a diferença substancial. O Estado tem que intervir para garantir esse direito, isso supõe colocar limites na concentração e favorecer a pluralidade de vozes”.
Um dos destaque da legislação foi a criação do Fundo de Fomento Concursável e o estabelecimento de cotas de produção nacional e independente. Entre 2013 e 2014, o fundo distribuiu, por meio de concursos, 50 milhões de pesos, o equivalente a R$ 13 milhões, para canais de rádio e televisão sem fins lucrativos. Foram beneficiadas iniciativas de comunicação indígenas, de sindicatos, cooperativas e ONG’s. Procurado pela reportagem, o Enacom não respondeu se pretende continuar com o fundo.
O que Macri está fazendo?
Além de relaxar as restrições antimonopólio (veja detalhes abaixo), os decretos de Macri fecharam o organismos responsáveis por aplicar a Lei de Meios e, em seu lugar, criaram o Ente Nacional de Comunicações (Enacom). Quatro dos sete integrantes do novo diretório são nomeações de Macri, que pode remover qualquer membro sem maiores explicações ou justificativas.

O sultão Eduardo Cunha e seu golpe de meio bilhão de reais

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FINACIAMENTO PRIVADO: Segundo documentos da Suíça, esquema liderado pelo atual presidente da Câmara movimentou R$ 411 milhões em 29 contas bancárias, entre 2007 e 2014
Como Eduardo Cunha, condutor do impeachment, agenciou “bancada da mala”, com 200 deputados. Detalhes pitorescos: os gastos milionários em hotéis, restaurantes, lojas de grife
Por Mauro Lopes, editor do blog Caminho para Casa
O processo de impeachment contra a presidenta Dilma é um golpe em dois sentidos: político e financeiro. Não tem qualquer traço de legalidade. Há um trem pagador de mais de R$ 500 milhões de reais (meio bilhão) que patrocina o golpe contra uma presidente eleita e contra a qual não pesa sequer uma acusação de corrupção. O trem pagador tem um maquinista, Eduardo Cunha.
Segundo documentos do Ministério Público da Confederação Suíça enviados à Procuradoria Geral da República, o esquema suíço liderado por Cunha com outros participantes movimentou R$ 411 milhões em 29 contas bancárias entre 2007 e 2014 (o valor não inclui, portanto, o ano de 2015). Isso é apenas uma fração, aquilo que foi identificado Suíça. Há ainda o dinheiro não localizado na própria Suíça e mais uma série de paraísos fiscais não mensurados neste montante (veja reportagem do Correio Braziliense sobre os documentos suíços clicando aqui).
Entrevistado pelo programa Espaço Público TV Brasil da EBC em novembro de 2015, o ex-ministro Ciro Gomes estimou que, deste volume imenso de recursos, Cunha usou R$ 350 milhões para montar seu próprio bloco parlamentar: “Eduardo Cunha roubou algo ao redor de meio bilhão de reais e deve ter distribuído uns 350 (milhões de reais) por uns 150 a 200 picaretas” – assista aqui e veja a afirmação de Ciro sobre a montagem da bancada de Cunha, a tropa de choque do impeachment, aos 8min05 da entrevista. Se as contas de Ciro estiverem corretas (e use-se o número mais modesto, 150), Cunha repassou algo como R$ 2 milhões para cada um de seus apoiadore$ apenas na “operação Suíça”.
Mas não é só. Como a planilha da Odebrecht já deixou patente, Cunha é padrinho de muitas outras doaçõe$. A planilha indica o poder de Cunha como intermediário. Tomo emprestada a formulação da jornalista Helena Sthephanowitz no blog da Helena, na Rede Brasil Atual sobre o assunto: “Eduardo Cunha aparece como beneficiário de uma doação do Grupo Odebrecht de R$ 1,1 milhão para seu partido, o PMDB. Se foi ou não devidamente registrada é outra discussão e deverá ser objeto de novas investigações. O curioso é ele aparecer como ‘padrinho’ de uma doação bem maior, de R$ 3 milhões, para o diretório nacional do PSC, atual partido do deputado Jair Bolsonaro. Cunha aparece também na planilha como ‘padrinho’ de outra doação, de R$ 900 mil, para o PR. Ou seja, só por essas indicações na planilha, em 2010 Eduardo Cunha operou como captador de R$ 5 milhões – isso apenas junto ao Grupo Odebrecht – para três partidos, justamente os que em Brasília compõem a chamada ‘bancada do Cunha’, ou seja, o grupo de parlamentares de vários estados que acompanha fielmente a liderança do atual presidente da Câmara em todas as votações.” – leia a íntegra da coluna aqui.
É impressionante. Cunha apadrinha R$ 5 milhões apenas na planilha de uma empreiteira em uma eleição. É a bancada da mala, estimada por Ciro Gomes em 150 deputados. Fiéis a Cunha até o fim – enquanto ele continuar doando, é claro. É disparadamente a maior bancada da Câmara, praticamente o dobro do maior bloco parlamentar da Casa, que conta com 87 deputados (PP, PTB, PSC e PHS).
É a tropa de choque de Cunha, majoritária na Comissão do Impeachment e capaz de tudo para impedir o prosseguimento do processo contra o “capo” na Comissão de Ética.
Mas há mais, muito mais dinheiro para comprar o impeachment de Dilma. Segundo o deputado Paulo Pereira da Silva, “tem muita gente querendo financiar esse negócio do impeachment”. Ouça aqui. É só o parlamentar interessado sinalizar que a grana aparece, segundo o deputado, conhecido como Paulinho da Força, líder do partido Solidariedade e que conhece um tipo de solidariedade que o fez réu em processo por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e crimes contra o sistema financeiro e figura em mais três inquéritos – ele está na comissão do impeachment, por óbvio.
Cunha é algo como um herói, um ícone para Paulinho. Na mesma gravação em que afirmou que está chovendo e vai continuar a chover nas hortas dos deputados golpistas, ele fez questão de ressaltar que “esse negócio (isso mesmo, “negócio”) do impeachment tá indo, eu vou falar a verdade, por causa do Eduardo Cunha. O impeachment só tá acontecendo por causa do Eduardo Cunha.” Paulinho está certo. Retire-se Cunha e o processo de impeachment terá enorme dificuldade de seguir adiante, sem o devido combustível.
O cenário da Câmara dos Deputados é desolador e faz do Brasil o centro de um escândalo ao redor do mundo. O condutor do processo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é réu numa ação no Supremo por recebimento de propina e distribuiu recursos da ordem de centenas de milhões de reais; 61% dos deputados da comissão encarregada do processo receberam R$ 9 milhões de empresas investigadas na operação Lava Jato (leia aqui); 31 dos 130 integrantes da comissão (titulares e suplentes) respondem a inquérito ou ação penal no Supremo, acusados de formação de quadrilha, corrupção e lavagem de dinheiro, entre outros crimes (leia aqui).
O relator da comissão do impeachment, deputado Jovair Arantes, é funcionário (ops, aliado) de Cunha. Atua no Conselho de Ética como um coronel do exército de Cunha nas manobras para paralisar o processo contra o chefe. Assumiu a relatoria do impeachment apenas depois de garantir aos golpistas que condenará Dilma – leia aqui. Jovair é um aliado de valor: teria cobrado R$ 4 milhões apenas para apoiar a recondução ao cargo do presidente da Agência Goiana de Meio Ambiente. Quem veiculou a denúncia? É até engraçado, mas foi a Veja! Isso mesmo, Veja desceu o cacete no deputado em 2012, quando considerava que isso prejudicava o governo do PT. Disse a revista na ocasião: “Num documento de 24 páginas assinado e entregue formalmente ao Ministério Público em dezembro passado, ele diz que, quando estava de saída da agência ambiental, ouviu uma proposta nada ortodoxa: Jovair, a quem caberia indicar o novo presidente do órgão, pediu 4 milhões de reais para apoiar sua recondução. ‘O deputado queria R$ 4 milhões para que o infraescrito fosse indicado para continuar na titularidade do órgão público’, escreveu”. Está tudo no link aqui, mas como Jovair agora é da famiglia dos Civita, não se sabe até quando estará no ar.
O crime contra o país acontece em clima de farra no Congresso – e numa escalada fascista sem precedentes na sociedade de nas ruas.
Farra para Cunha e os seus
E que farra. A Procuradoria Geral da República (PGR), na denúncia apresentada ao Supremo contra Cunha em 4 de março de 2016 apresentou a vida de sultão de Cunha ao país (não, ao país não, porque a Globo e suas congêneres de menor expressão preferiram silenciar sobre o que você lerá a seguir pois, afinal, o pedalinho era mais importante). A expressão “vida de sultão” foi um preciso achado da reportagem de El País sobre a denúncia da Procuradoria – leia aqui e, se quiser, clique no link logo no início da reportagem para ter acesso à íntegra da peça da PGR).
Os números são dignos de um sultão mesmo, é só ir à denúncia, ler e deixar o queixo cair:
Virada de 2012/2013 – Em nove dias, numa viagem a Miami para a passagem de ano (entre 28 de dezembro e 5 de janeiro) Cunha, mulher e filha torraram R$ 170 mil. Isso mesmo! Mais de R$ 18 mil por dia (a cada dia ele gastou mais do que o salário mensal de um parlamentar à época, de R$ 17.794,76). Em Miami, a gastança foi antológica. Tudo em nove dias (a seguir apenas alguns exemplos dos gastos): almoço e jantar em restaurantes em Miami Beach em 28 de dezembro pela bagatela de R$ 7.500; uma refeição para celebrar o início de 2013 com a família no restaurante Prime Italian, em 01 de janeiro, no valor de R$ 6 mil; outras contas de valor similar em diversos restaurantes; apenas no dia 29 de dezembro, R$ 24.520 em comprinhas na Saks e na Salvatore Ferragamo. Mas não foi suficiente. Em 2 de janeiro, mais comprinhas, agora na Giorgio Armani e Ermenegildo Zegna, duas das grifes mais requintadas do planeta, somando outros R$ 20.504. Parece mentira, não é? Mas tudo registrado nos cartões de crédito do futuro “capo” do impeachment.
2013 estava apenas começando – em fevereiro, depois do festival Miami, Cunha, que não é de ferro, foi a Nova York. O ritmo não se reduziu. Entre 9 e 12 daquele mês, a PGR flagrou gastos de R$ 36.732 entre hotel, restaurantes e as grifes preferidas de Cunha. O atual presidente da Câmara é rápido no gatilho; dia 12 de fevereiro a gastança começou cedinho em NYC e continuou à noite em Zurique, na Suíça (ah, a Suíça): entre a noite de 12 e a manhã do dia 15 de fevereiro, a conta ficou em R$ 18.716. Mas não foi tudo: na noite de 15 de fevereiro, lá estava ele sentado à mesa do Le Grand Vefour, em Paris, para uma refeição de R$ 9.984. No dia 16, pagou R$ 23.900 de hospedagem no famoso Hotel Crillon, em Paris, cidade onde chegara na véspera! Fevereiro acabara, mas em março a festa precisava continuar: no dia 25, pagou uma conta de R$ 12.288 no Hotel W. Barcelona, na cidade do mesmo nome. Não há distâncias nem limites para Cunha: em 20 de junho, lá estava ele no restaurante Russkiy Ampir, em São Petesburgo (Rússia): conta de mais de R$ 12 mil. Este foi o padrão em 2013, que se repetiu em setembro, de novo em Nova York.
Os sapatos de Cunha – o presidente da Câmara gosta de conforto para os pés. Parece que estava adivinhando que seria eleito presidente da Casa e tratou de cuidar dos pezinhos. Em setembro de 2013, em Nova York, torrou R$ 32.464 na loja de sapatos masculinos Prada Abbigliamento. Isto em apenas uma compra de sapatos. Podemos imaginar que Cunha não parou por aí, mas os documentos da PGR não alcançam outras aquisições de lotes de sapatos. Mas grifes como Zegna e Ferragamo, suas preferidas, têm linhas de calçados que não devem ter escapado ao seu interesse.
2014 – Cunha não parava – e não parou até hoje. Atravessou o Atlântico já em janeiro de 2014 para continuar a festança com o seu dinheiro em Paris. No dia 12, pagou uma conta de quase R$ 40 mil reais no Hotel Meurice, na Cidade Luz, sem contar as comprinhas de sempre. Em março, já estava em Roma, logo depois em Veneza e Florença – entre 2 e 7 daquele mês, lá se foram mais R$ 37 mil só em hotéis, algo como R$ 6.200 de diárias. Como Cunha não é de ferro, não custava nada (para ele) uma esticadinha à terrinha. Dia 8 de março lá estava o comandante das forças contra a corrupção em Cascais, porque afinal em Portugal é tudo mais barato, não é? Mais R$ 9.472 em dois dias de hospedagem no Grande Real Villa Hotel (quase uma pechincha para o deputado, que pagara diárias superiores a R$ 6 mil apenas dois dias antes na Itália!). Não, não acabou. Em abril, o sultão certamente sentiu-se em casa: mais R$ 23.708 no hotel Burj Al Arab, em Abu Dabi.
2015 – Até o início do último ano, Cunha não era ainda presidente da Câmara. A eleição, em 1 de fevereiro de 2015, não constrangeu o sultão. Lá estava ele, 15 dias depois de sua eleição, cuidando de renovar o guarda roupa em Paris. Uma conta de mais de R$ 32 mil reais na Textiles Astrum France. Hospedagem? Nada de monotonia. O Crillon, em 2013, e o Meurice, em 2014, não estavam à altura do terceiro homem na linha sucessória: era chegada a hora do Plaza Athenee! Cinco noites por R$ 63.520 (quase R$ 13 mil a diária). Era preciso mesmo celebrar, e de novo na terrinha, mais uma conta de quase R$ 6 mil reais por uma refeição no restaurante Os Arcos, em Paço D’Arcos e de novo no Grande Real Villa Hotel, em Cascais (ele gostou!): mais R$ 11.700.
A singeleza da mulher de Cunha, Cláudia – nada de listas extensas. Só os destaques. Em 2014: em Paris, em janeiro, R$ 30.828 na Chanel e mais R$ 16.736 na Charvet Place Vêndome (só os destaques, lembre-se); em Roma, em março, R$ 17.988; em Lisboa, também em março, outros R$ 14.144 na Louis Vuitton; e, claro, Dubai –R$ 15.196 na Chanel. Os destaques de 2014 (só os “high lights”!) somaram quase R$ 100 mil reais em roupas, sapatos e bolsas. Chanel é sempre Chanel: pra a grife, quase a metade, R$ 46.024. Importante mencionar duas compras de 2015 porque, afinal, o maridão estava eleito presidente da Câmara e era preciso caprichar e pensar nele; na favorita Charvet Place Vêndome com suas opções para homens e mulheres, R$ 26.148; e mais R$ 6.704 em gravatas na Hermès pra Cunha fazer bonito presidindo a Câmara. Tudo em fevereiro, um mês de compras pra família Cunha (junto com março, setembro, outubro, dezembro e janeiro compõem o semestre dourado dos cunhas anualmente).
A filhinha Danielle e suas delícias – a lista é enorme e tá cansando, começa a ficar monótono. Mas vale o registro que mocinha não deixou barato. Da extensa lista de Danielle, três que merecem realce: em janeiro de 2014, enquanto papai e mamãe passeavam na Europa, ela gastou quase R$ 21 mil na Chanel, em Nova York; mais R$ 20 mil na Neiman Marcus em Orlando, em abril do mesmo ano; e mais R$ 18.508 na Fendi em Nova York – afinal, Europa é pra velhos, não é?
Cunha gasta como um sultão. É o sonho de todos os manifestantes dos domingos na Paulista, das matilhas fascistas, dos pequenos, médios empresários e até alguns grandes empresários, dos parlamentares e jornalistas a serviço do golpe: querem todos gastar como sultões. Por isso Cunha desperta uma relação mal escondida de inveja e admiração: pois ele de verdade gasta como um sultão.
É um sultão que presta serviço ao ódio dos que desejam ser sultões como ele, mas, sobretudo, preferem a morte a ver um país em que os ricos tenham de abrir mão de parte de sua fortuna para que os pobres possam viver com dignidade. Preferem a morte a ter de abrir mão de farras como a de Cunha – ou do “direito” de sonhar com elas.
Não há solução para o escândalo da presença de Cunha à frente da Câmara no interior do próprio Congresso – sua bancada é a maior da Casa. Só há duas soluções possíveis para o caso Cunha no âmbito da democracia: as ruas ou o Judiciário.
Cunha é o que é. A imprensa faz de conta que não vê o meio bilhão do sultão e sua máquina de fazer bancada. Prefere cuidar dos pedalinhos do torneiro mecânico.
O golpe em marcha, entre centenas de milhões de reais, ódio, farra e um condutor: o sultão.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Da BBC: Operação que inspirou Lava Jato foi fracasso e criou corruptos mais sofisticados, diz pesquisador


"Para o cientista político Alberto Vannucci, um dos maiores estudiosos da Operação "Mãos Limpas" na Itália, que serviu de inspiração para a Lava Jato, investigações judiciais não conseguem acabar com a corrupção em um país quando ela é sistêmica."

Operação que inspirou Lava Jato foi fracasso e criou corruptos mais sofisticados, diz pesquisador


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Image captionPara especialista, apenas operações judiciais não acabam com corrupção no país
Responsável pelas investigações que têm incendiado o mundo político brasileiro e mergulharam o governo Dilma Rousseff em uma crise sem precedentes, a Operação Lava Jato, que completa dois anos nesta quinta-feira, é vista por muitos como esperança de pôr fim à corrupção no país.
Mas para o cientista político Alberto Vannucci, um dos maiores estudiosos da Operação "Mãos Limpas" na Itália, que serviu de inspiração para a Lava Jato, investigações judiciais não conseguem acabar com a corrupção em um país quando ela é sistêmica.
"Inquéritos judiciais, mesmo quando bem-sucedidos, podem colocar na cadeia alguns políticos, burocratas e empresários corruptos, mas não conseguem acabar com as causas enraizadas da corrupção", disse ele à BBC Brasil.
E mais. Para Vannucci, que é professor da Universidade de Pisa, a Mãos Limpas italiana ainda acabou permitindo o surgimento de mecanismos mais sofisticados de corrupção no país.
Uma das maiores operações anticorrupção da história europeia, a Mãos Limpas, ou Mani Pulite, realizada, nos anos 90, ajudou a desmantelar diversos esquemas envolvendo tanto o pagamento de propina por empresas privadas interessadas em garantir contratos com estatais e órgãos públicos quanto o desvio de recursos para o financiamento de campanhas políticas.
Foi essa megainvestigação que levou ao fim da chamada Primeira República Italiana, na qual a agremiação Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI) eram as principais forças políticas do país.
A operação investigou seis ex-premiês, mais de 500 parlamentares e milhares de outros agentes. Os principais partidos da época acabaram ou foram profundamente modificados por ela. Segundo o especialista, porém, apenas cerca de um quarto dos investigados foram punidos.
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Image captionPara Vannucci, investigações judiciais não conseguem acabar com a corrupção em um país quando ela é sistêmica
A operação também teve como resultado a ascensão de políticos "novos" como o ex-premiê Silvio Berlusconi, que se envolveu em diversos escândalos e acabou renunciando.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - No seu artigo "O legado controverso da Mãos Limpas", o sr. escreve que a operação expôs a corrupção, mas n'ao conseguiu resolver o problema. Pelo contrário, pode até ter criado mecanismos de corrupção mais elaborados. Por quê?
Alberto Vannucci - A Mãos Limpas pode ser considerada uma conquista incrível em curto prazo, mas um fracasso em longo prazo. Em termos gerais, inquéritos judiciais, mesmo quando bem-sucedidos, podem colocar na cadeia alguns políticos, burocratas e empresários corruptos, mas não conseguem acabar com as causas enraizadas da corrupção.
A falta de transparência e responsabilidade em política e na burocracia estatal, o controle social e político fraco sobre o exercício de poder, mecanismos de seleção da elite política errados e imorais: esses e outros fatores de corrupção não podem ser erradicados por juízes.
E, pior, na Itália, agora, os políticos corruptos, servidores públicos e empresários aprenderam a lição da Mãos Limpas e não estão cometendo os mesmos erros daqueles que foram presos. Nos últimos anos, eles desenvolveram técnicas mais sofisticadas para praticar corrupção com mais chances de ficarem impunes, como dissimular pagamentos de propinas, ou multiplicar conflitos de interesses, como fez (o ex-premiê) Berlusconi (ao criar tensões com o Judiciário).
Mesmo quando acham provas de propina e processam políticos, investigações judiciais só arranham a superfície da ilegalidade, mal podem modificar a estrutura invisível das normas não escritas da corrupção sistêmica. Quando uma parte significativa dos membros da elite desenvolvem uma crença de que "a corrupção é a forma normal de fazer as coisas", a prática da corrupção resiste a investigações e escândalos.
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Image captionAscensão do ex-premiê italiano é vista como uma das consequências da operação Mãos Limpas
BBC Brasil - Apesar de o PT ser o partido mais atingido pela Lava Jato até o momento, lideranças da oposição como Aécio Neves e Geraldo Alckmin foram hostilizados durante os recentes protestos e parece haver uma grande desilusão com partidos políticos. Na Itália, a Mãos Limpas fez os dois principais partidos desaparecerem ou mudarem profundamente. Quais foram as consequências disso?
Alberto Vannucci - A percepção de corrupção generalizada alimenta a desconfiança da opinião pública em relação ao sistema político e aos partidos em geral e, com um sistema deslegitimado, é cada vez mais difícil para qualquer político, até os que apoiam os juízes, ser considerado honesto e confiável. Quando partidos "antigos" italianos desapareceram ou passaram por mudanças drásticas, "novos" partidos e líderes apareceram, como Silvio Berlusconi.
Mas como não houve mudança institucional ou cultural, a maioria deles estava profundamente envolvida com o sistema corrupto anterior – Berlusconi era um protegido do antigo líder socialista Bettino Craxi, que fugiu para o exterior para se livrar da prisão. Então a esperança de integridade na política foi substituída por uma desilusão crescente, o que se reflete no crescimento das taxas de abstenção nas eleições.
BBC Brasil - Um fenômeno parecido com Berlusconi, que acabou acusado de corrupção, poderia ocorrer no Brasil ou foi algo específico da Itália?
Alberto Vannucci - Algo parecido pode acontecer no Brasil, na Itália e em qualquer país com corrupção endêmica. O processo de seleção das lideranças políticas pode ser profundamente influenciado pela corrupção, cujos recursos (subornos, financiamento ilegal) são normalmente reinvestidos para ganhar votos e apoio.
Inquéritos judiciais só podem contribuir para esse processo de seleção, não necessariamente eliminando os "piores" políticos (os corruptos) mas simplesmente aqueles que são pegos, enquanto outros igualmente corruptos – mas capazes de sobreviver – os substituem.
E como o caso Berlusconi claramente mostra, quando o antigo equilíbrio político e de proteção desaparece, os envolvidos em corrupção tem um incentivo forte para tentar entrar de forma autônoma na arena política, para permanecer em seus negócios ou usar sua autoridade política como escudo contra investigações judiciais.
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Image captionManifestações contra PT; na Itália, principais partidos desapareceram após investigação
BBC Brasil - O juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, foi celebrado como uma espécie de "herói" nas manifestações pelo Brasil. Mas, no artigo, o sr. diz que uma ênfase excessiva no papel de magistrados é prejudicial.
Alberto Vannucci -Com certeza há muita semelhança entre os casos brasileiro e italiano. Os juízes italianos – principalmente o promotor Antonio di Pietro – viraram heróis populares e a uma certa altura uma espécie de unanimidade, até mais que o papa. Mas – de novo – juízes só podem fazer seu papel, que é processar e julgar crimes.
Qualquer ênfase excessiva no seu papel pode colocar em risco, ao longo do tempo, a percepção da sua capacidade e imparcialidade, já que há sempre alguém que começa a acusá-los de politização em sua atividade judicial, ou quando o resultados dos processos é decepcionante.
E não há garantia de que a habilidade deles com inquéritos possa se traduzir em outros papéis públicos: quando Di Pietro deixou de ser um magistrado e começou uma carreira política, criando seu próprio partido, ele perdeu toda a credibilidade como árbitro "acima dos partidos", teve pouco impacto e, paradoxalmente, esteve envolvido em um escândalo por mal uso de recursos públicos.
BBC Brasil - É possível então fazer uma investigação da dimensão da Mãos Limpas sem tornar o quadro ainda pior?
Alberto Vannucci - É muito difícil, se não impossível, antecipar as possíveis consequências de uma investigação judicial atingindo um sistema grande, estratificado e complexo de negócios ilegais como o da Itália – e presumivelmente do Brasil – já que efeitos indesejados são quase certos.
O único conselho que pode ser dado é que os atores públicos e a opinião pública devem agir com um grande senso de dever institucional, seguindo rigorosamente as restrições que as limitam: a aparente "excepcionalidade" dos escândalos de corrupção não pode levar as pessoas que as processam a adotar a "exceção" como regra.
BBC Brasil - O que o Brasil pode aprender da experiência italiana?
Alberto Vannucci - Várias coisas podem ser aprendidas pelo Brasil – e até pela Itália. Um erro de opinião pública nas fases iniciais foi considerar a corrupção um problema restrito aos sistema políticos e econômicos. Pelo contrário, quando é disseminada e sistêmica, a corrupção tem efeitos devastadores e envolve parte significativa de segmentos da sociedade civil.
Mas provavelmente a lição mais importante é que um investigação não pode, por si só, resolver um problema tão grande de corrupção. A solução não pode ser colocar todos os políticos e empresários corruptos na cadeia – até porque não haveria espaço suficiente nas prisões.
Corrupção é sinal de Estado fraco, má governança, políticas públicas mal feitas e uma elite política e econômica mal selecionada. Reformas institucionais, políticas e econômicas são necessárias para garantir um aumento sustentável da integridade da esfera pública. Mas uma mudança tão radical precisa de um apoio social que dure, que não seja incentivado por um entusiasmo efêmero como uma ação "heroica" de algum juiz.
Um forte investimento em educação e cultura e a ativação de canais de participação comunitária para a tomada de decisões são as medidas anticorrupção mais fortes: a corrupção desenfreada que vemos hoje na Itália é uma consequência desta lição que ignoramos.