Juiza proibiu hoje show que Caetano Veloso faria no início desta segunda, 30, em São Bernando do Campo.
Show na ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
No Recife, na sexta, 27 pancadaria na Universidade Federal.
Estudantes e militantes de esquerda foram ao Centro de Ciências Humanas. Para protestar contra a exibição de um...filme.
Sobre o guru da Ultra Direita, Olavo de Carvalho.
Encerrada a exibição, duelo no corredor. Entre os que protestavam e os cinéfilos pró-Carvalho. Socos e pontapés.
Em São Paulo, grupos de extrema direita, oportunistas caçando voto futuro, querem impedir uma palestra.
Da professora Judith Butler, da Universidade de Berkeley, Califórnia.
Butler é especialista em estudos de gênero. E virá para o seminário internacional os "Fins da Democracia".
Um dos líderes da ação contra Judith Butler é o ex-ator de filmes pornográficos... Certamente com saudade da fama.
No Rio, na quarta, 25, um grupo invadiu a Universidade Estadual. Gritando pela volta da ditadura militar.
Os invasores esconderam o rosto e filmaram quem estudava. Ameaçaram professores, alunos e berravam: "Antro de comunistas"...
Invadiram a UERJ para impedir um evento acadêmico. Da Pós-Graduação em História, onde se estudava o centenário da Revolução Russa.
Imaginem manchetes e escândalo se MST, MTST invadirem uma universidade?
O que tem a dizer o general Etchegoyen, sempre tão preocupado com perigosíssimos estudantes e "comunas"?
Isso é crime. Cabe ao ministério publico identificar os tipos e pedir punição. Obrigando, por exemplo, a ler um livro e depois dizer o que entendeu.
Pode ser o FEBEAPÁ: O Festival de Besteiras que Assola o País.
Livro de Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Livro de 1966, uma radiografia da ditadura, mas sempre a pedir atualizações.
Ou punir obrigando os tipos a assistir aula sobre Ievguêni Dobrenko. Professor na Universidade de Sheffield, Inglaterra.
Em entrevista a Irineu Franco Perpétuo, da Folha, Dobrenko resumiu: em todo o mundo há hoje uma luta da sociedade contemporânea contra a sociedade medieval.
Ou, ainda, obriga-los a ler "A Banalidade do Mal". Um clássico da filósofa alemã Hannah Arendt.
Durante o julgamento de Eichmann, general nazista e um dos organizadores do Holocausto, Arendt concluiu...
...o Mal pode se tornar banal para quem não aprendeu a pensar.
Além de muito concentrada, propriedade sobre meios de comunicação está oculta. Há agora um esforço sistemático para abir a caixa preta. Vale conhecê-lo Por Patricia Cornils, no Outras Palavras
Quem são os donos das tevês, das rádios, dos jornais e dos sites pelos quais nos informamos? Quem, em última instância, controla uma fatia importante das notícias que chegam até os brasileiros e brasileiras? Para responder a esta pergunta, a Repórteres Sem Fronteiras realiza, desde 2015, um projeto chamado Media Ownership Monitor (MOM), ou Monitoramento da Propriedade da Mídia. A partir de dados de audiência, a pesquisa mapeia quais são os principais veículos impressos, online, rádios e tevês do país. Busca as empresas que os controlam. E quem são os donos dessas empresas, que outros negócios possuem, que relações políticas têm. No Brasil, a pesquisa foi feita pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Os veículos de maior audiência são as redes de TV aberta Globo, SBT, Record, Band, RedeTV!, RecordNews, TV Brasil, Rede Vida e Gospel; as TVs por assinatura Globo News e Band News; as redes de rádio Jovem Pan, Gaúcha Sat, Band FM, Globo AM/FM, Transamérica, Mix FM, CBN, Rede Católica de Rádio, Rede Aleluia, Bandeirantes, BandNews e Novo Tempo; os portais Globo.com, UOL, Abril, IG, ClicRBS, Estadão, R7, Revista Fórum, O Antagonista e BBC; as revistas Veja, Época e IstoÉ e os jornais Folha de S. Paulo, O Globo, Super Notícia, O Estado de S. Paulo, Zero Hora, Extra, Diário Gaúcho, Agora São Paulo, O Estado de Minas, Valor Econômico, Correio Braziliense, O Tempo, Correio do Povo e Daqui.
Quem é o dono?
Descobrir quem são os controladores dessas empresas não é um percurso simples. A pesquisa pediu essas informações aos 50 veículos. Nenhum respondeu. Não há, no Brasil, um dispositivo legal ou constitucional específico que obrigue as empresas de capital fechado a publicar sua composição societária – a não ser no caso das rádios e tevês, que recebem do governo federal o direto de usar as frequências necessárias para emitir seus sinais. São, portanto, prestadoras dos serviços públicos outorgados e precisam manter informações sobre quem as controla em uma base de dados pública, administrada pela Agência Nacional de Telecomunicações, chamada Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco).
Para consultar as informações disponíveis no Siacco é necessário saber o CNPJ de cada empresa e qual, entre as várias sociedades dos donos dos veículos de comunicação de massa, recebeu a outorga. Que cidadão comum vai dispor seu tempo para fazer uma pesquisa assim? Além disso, nem sempre os resultados são conclusivos. Há empresas que simplesmente não declaram a participação de cada um dos acionistas. Há empresas que têm 30% de seu capital em mãos de “Outros” ou ainda aquelas que tem outras pessoas jurídicas como donas.
Legalmente, sociedades empresariais precisam manter nas Juntas Comerciais e cartórios sua composição acionária, mas não há políticas de transparência e de acesso à informação eficientes para o acompanhamento dessas informações. As Juntas têm caráter local ou regional (estadual) e a possibilidade de acesso a essas informações varia de acordo com o município ou Estado em questão – em muitos deles, a cada consulta é cobrada uma quantia próxima a R$ 200,00. Por CNPJ. E igrejas, fundações e instituições sem fins lucrativos não se registram nas Juntas Comerciais.
Um agravante deste quadro é a liberalidade total para que os grupos mudem, transfiram, comprem e vendam participações acionárias parciais ou totais. A Lei 13.424/2017, aprovada após uma Medida Provisória do governo de Michel Temer, eliminou a determinação que proibia as emissoras de realizar alterações societárias antes da aprovação do governo e restringiu-as à necessidade de informar as mudanças, depois de feitas, ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Informação e Comunicação (MCTIC) – que então as publica, da maneira como são enviadas pelas empresas, no Siacco.
O Monitoramento da Propriedade da Mídia (MOM) vai divulgar todos esses levantamentos para que pessoas comuns, que não sejam pesquisadores, especialistas, investidores ou jornalistas investigativos saibam quem controla as informações que chegam até elas. Vai fazer mais que isso: vai mostrar também em quais outros setores os donos da mídia têm interesses econômicos. Há donos de rádios que possuem bancos. Faculdades e escolas privadas. Há donos de grupos de comunicação, entre os 50 maiores do Brasil, que foram prefeitos de suas cidades. Outros possuem usinas de etanol. Empresas do mercado imobiliário. Em siderurgia. E disponibilizará um site voltado ao público em geral, onde será possível navegar por veículo de mídia, por grupos ou proprietários. O MOM constrói, ainda, indicadores sobre os riscos existentes no país ao pluralismo na mídia.
Painel
Sabemos que a concentração na mídia é um problema histórico no Brasil. O que há de novo e de velho nesse problema? Quais os desafios atuais para promover a pluralidade e diversidade de vozes? No lançamento do MOM, para responder essas questões, faremos um painel com Cynthia Ottaviano (primeira Defensora dos Interesses do Público na Argentina, onde esta defensoria foi criada pela Lei de Meios e presidenta da Organização Interamericana de Defensores das Audiências), Martin Becerra (autor de livros sobre a concentração da propriedade da mídia na América Latina e seus impactos na democracia) e Franklin Martins (ex-ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social, participou do debate sobre a possibilidade de uma lei de meios no Brasil). Eles e ela vão falar sobre sua experiência com a defesa dos interesses do público de meios de comunicação, a relação entre a concentração da propriedade da mídia e a democracia, as leis que regulam este setor em outros países – mas não no Brasil, onde não há Lei de Meios de Comunicação.
O lançamento será na terça-feira, dia 31 de outubro, a partir das 18 horas, no auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (Rua Genebra, 34 – Centro – São Paulo). Haverá também transmissão online do evento. Veja mais informações em http://bit.ly/2yRfWMc. E venha saber quem controla a mídia no Brasil.
"Após o segundo arquivamento de denúncias que investigam Temer, o vice-líder do PMDB na Câmara, Carlos Marun, estava leve, com a sensação de dever cumprido. Encontrou jornalistas e começou a dançar e a cantarolar o sambinha ruim, porém simpático de Benito. Ensaiou até uma paródia “Tudo está no seu lugar. Graças a Deus. Surramos mais uma vez essa oposição, que não consegue nenhuma ganhar”. Ridículo como uma criança que vence a gincana e quer esfregar na cara do derrotado."
29 de Outubro de 2017, 9h24 no The Intercept Brasil (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
SUCESSO EM PLENA ditadura militar, o samba-brega “Tudo está em seu lugar” de Benito di Paula causou desconfiança à época. Não só pela qualidade duvidosa, mas pelo conteúdo da letra. O refrão repetido exaustivamente “Tudo está no seu lugar. Graças a Deus” cheirava mal numa época em que tudo estava fora do lugar e apenas os militares e sua claque reacionária tinham motivos para agradecer a Deus. Benito nega a intenção e diz que o tema foi inspirado em Ziraldo, que repetia a frase ao fim de algum trabalho em tom de alívio.
Após o segundo arquivamento de denúncias que investigam Temer, o vice-líder do PMDB na Câmara, Carlos Marun, estava leve, com a sensação de dever cumprido. Encontrou jornalistas e começou a dançar e a cantarolar o sambinha ruim, porém simpático de Benito. Ensaiou até uma paródia “Tudo está no seu lugar. Graças a Deus. Surramos mais uma vez essa oposição, que não consegue nenhuma ganhar”. Ridículo como uma criança que vence a gincana e quer esfregar na cara do derrotado.
Marun e sua dancinha patética viraram o grande símbolo da patacoada armada na Câmara. O deputado construiu sua carreira na política sendo um coadjuvante, estando sempre atrás de algum cacique peemedebista. Começou na sombra de André Pucinelli (PMDB), passou pela de Eduardo Cunha (PMDB) e hoje vive pendurado na barra da calça de Michel Temer. O primeiro é usuário de tornozeleira eletrônica, o segundo está na cadeia e o terceiro continua solto, além de ser o presidente mais impopular do planeta Terra. Só cabra bom. Além da proximidade com o que Janot chama de “quadrilhão do PMDB”, Marun é acusado de improbidade administrativa por favorecer uma empresa que financiou sua campanha.
Por ser fiel como um cachorro, o deputado foi indicado pelo PMDB para ser relator da CPI da JBS, uma comissão em que até a uretra de Temer deveria ter sido investigada. Foi com essa cara lavada que ele assumiu a missão da relatoria: “Me sinto e sou completamente independente para o exercício desta função, que sei de grande responsabilidade”.
Marun é a cara da Câmara. Os mesmos que derrubaram, por pedaladas fiscais, uma presidente eleita, agora empurram para debaixo do tapete as denúncias de corrupção de um presidente que jamais seria eleito pelo voto popular. Em um momento em que se congelam verbas de serviços públicos fundamentais em nome do saneamento da crise, Temer gasta R$1 bilhão em emendas para favorecer deputados que o ajudem a acobertar a denúncia.
Bonifício de Andrada (PSDB), o relator da denúncia que deu parecer pelo arquivamento, viu a sua instituição universitária ganhar vultuosos R$11 milhões em 2017, dos quais R$ 7 milhões foram pagos em junho e julho. Esse tem 11 milhões de motivos para dançar na nossa cara.
Halun (PRB), que confessou ter sido assediado pelo líder do seu partido para votar a favor de Temer em troca de cargos, não teve pudor nenhum para assumir também que nem deu bola para o conteúdo denúncia de Janot:
“Não fui no aspecto ‘ah, a denúncia não tem consistência, tem, não tem’. Não olhei por este lado. Olhei, no momento agora, qual que era o mal menor. Acho que meu voto define assim: eu votei pelo mal menor. Uma mudança agora seria uma mudança muito grande”
Tirando uma breve e irrelevante indignaçãozinha em suas redes sociais, a rapaziada do MBL se calou sobre o arquivamento da denúncia. Não gravou vídeo, não convocou manifestação, nem agitou panelaço. Não se viu nenhuma palavra recriminando o titio Temer. A nudez em museus choca bem mais que as peripécias de Temer com o dinheiro público.
O coordenador do MBL, Fernando Holiday, posa ao lado de Carlos Marun, o deputado que sambou na nossa cara (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Os garotos, que dizem pretender renovar a política, seguem sendo aliados fundamentais de Temer e do grupo político que o tirou da forca. Isso fica claro pela lista dos deputados convidados que irão participar do próximo congresso do MBL: Rogerio Marinho (PSDB), Bruno Araújo (PSDB) e Marco Feliciano (PSC). Delcídio Perondi (PMDB), líder e porta-voz de Temer na Câmara, dessa vez não irá, mas participou do último congresso e foi bastante aplaudido. Só cabra bom. Todos eles votaram pelo arquivamento da denúncia. A indignação do MBL contra a corrupção não resiste a uma googlada.
Mas não foram apenas nossos jovens liberais que ficaram satisfeitos com a vitória de Temer. Teve um procurador da República que não disfarçou o desdém diante da denúncia do MPF — do qual faz parte — e publicou tweets constrangedores em defesa do governo Temer.
O Estadão, jornal que virou uma espécie de voz do Brasil impressa, mais uma vez abusou do “chapabranquismo” e, sem medo de ser feliz, saudou a força política de Temer na Câmara em editorial. Assim como o procurador da República, o jornalão culpou as redes sociais e Janot por atrapalharem o bom andamento do governo Temer:
“…a lógica das redes sociais, cujo norte são a histeria e a produção profícua das famosas fake news, e pelo messianismo de alguns procuradores da República, que parecem dispostos a denunciar todos os políticos como corruptos. Quando a realidade da natural negociação política entre governo e Congresso Nacional se impõe, como no caso das articulações para rejeitar as denúncias contra Temer, essa lógica singela entra em parafuso.”
É a dancinha do Marun em forma de editorial. O jornal da família Mesquita considera uma “natural negociação política” arregaçar os cofres públicos para abafar uma investigação com graves indícios de corrupção contra o presidente. Aquele fervor de outrora, quando Dilma lançou mão da mesma estratégia para interromper o processo de impeachment, evaporou. O tom deste editorial de abril do ano passado mostra que a opinião dos Mesquita muda de acordo com quem está no poder:
“Num quarto de hotel, como se lá estivesse para encontros clandestinos, Lula tentou comprar a salvação de Dilma oferecendo cargos e verbas a deputados. Mas nem o talão de cheques do governo nem a célebre lábia de Lula tiveram serventia”
Antes era compra de votos, hoje é uma “natural negociação política”. O Estadão se revolta quando votos são barganhados para impedir impeachment por pedaladas fiscais, mas acha muito natural que a mesma estratégia seja utilizada para proteger um presidente acusado de corrupção passiva e formação de quadrilha.
“Tudo está no seu lugar. Graças a Deus. Graças a Deus”. E assim, dançando e cantarolando, Michel Temer e sua turma vão caminhando para terminar seu mandato graças ao sucesso do Grande Acordo Nacional. Com compra de votos, com MBL, com Estadão, com tudo.
Esta reportagem é a primeira da série financiada através de crowdfunding feito em parceria entre o Jornal GGN e o DCM. Outras três podem ser lidas no site GGN clicando aqui. Fique ligado.
As delaçõespremiadas
O instituto da delação premiada é recente na história do direito penal brasileiro. E passou a ser utilizado exaustivamente na Operação Lava Jato.
Como deuses ex-machina, procuradores e juiz passaram a ter poder total sobre o futuro dos réus. O poder de fixar penas, de abrandá-las, de impor multas pesadíssimas ou irrisórias, de confiscar dinheiro ou de liberá-los, segundo critérios pessoais, indevassáveis. E contando com o apoio maciço da mídia tradicional.
Em torno do tema corrupção, criou-se uma indústria riquíssima para a advocacia, seja nos trabalhos mais sofisticados de compliance nas empresas ou no trabalho mais tosco de orientar uma delação. Especialmente em uma operação em que um mero diretor da Petrobras tinha acumulado contas de mais de uma centena de milhões de dólares no exterior.
Nesse universo pouco transparente, o vazamento do livro que está sendo escrito por Rodrigo Tacla Duran foi uma bomba. Nele, Duran denunciava uma proposta que lhe teria sido feita por advogado estreitamente ligado ao juiz Sergio Moro.
No primeiro capítulo da série, traremos um resumo do livro de Tacla Duran, com a ressalva de que se trata de uma visão parcial dele, em sua própria defesa.
A formação do mercado de doleiros
Independentemente das revelações sobre a Lava Jato, o livro de Tacla Duran é um ponto de partida para a história da internacionalização do capital brasileiro, o momento em que o mercado paralelo ganha musculatura, sofisticação e passa a gerir parte relevante da poupança dos bilionários brasileiros.
A primeira investida foi nos anos 80, através da Corretora Tieppo, que quebrou por não entender adequadamente sobre os novos mercados especulativos que surgiram na esteira da liberalização cambial global.
No final dos anos 80 já havia um volume considerável de recursos estrangeiros no exterior. Depois do Plano Collor, que acabou com as contas ao portador, a migração foi maior. E se acelerou definitivamente no pós-Real com a disseminação das contas CC5, que permitiam a residentes estrangeiros abrir no país.
A CC5 foi criada no final dos anos 60, durante a ditadura, mas seu propósito inicial era, em tese, nobre. Era para facilitar a vida de estudantes, pesquisadores e funcionários de multinacionais que vinham ao Brasil para morar durante um certo tempo e, em razão disso, não tinha CPF nem outros documentos necessários para abrir conta bancária. A Carta Circular número 5 do Banco Central resolveu esse problema.
Com o tempo, no entanto, laranjas estrangeiros, que nunca moraram efetivamente no país, e offshores passaram a ser usados para movimentar conta bancária. Não eram alcançáveis pelos órgãos de fiscalização no Brasil e, em consequência disso, eram o canal perfeito para escoar dinheiro sujo.
Como se aproxima da Odebrecht
O pai de Tacla Duran tinha uma firma de serviços, que fornecia refeições para os tribunais em São Paulo, especialmente para o Tribunal de Justiça de São Paulo. Depois, entrou para a política sindical do setor, disputando a direção do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares.
O presidente do sindicato, Nélson de Abreu Pinto, procurado para falar sobre Tacla Duran, disse que o pai dele chegou a fazer parte da diretoria no passado. Ele conheceu os dois, pai e filho, mas não que falar sobre eles. “Como são nomes envolvidos na Lava Jato, melhor não falar nada por enquanto”, disse um dos seus assessores.
Formado em direito, o primeiro emprego de Tacla foi na Federação do Comércio de São Paulo, com Ubirajara Rocha. Depois, trabalhou no Sindicato, com o notório Nelson de Abreu Pinto, um dos mais antigos líderes sindicais patronais do país.
Em 1999 entrou como sócio do escritório Nelson Rui Gonçalves Xavier, irmão do desembargador José Carlos Xavier de Aquino, que tinha muitos clientes do setor de telecomunicações. Aquino é um desembargador roqueiro, popular entre os colegas que, no seu perfil oficial no Facebook, se define como “o desembargador José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino que no fim do expediente, quando pendura a toga, se transforma no irreverente Zeca Aquino”.
Tacla montou uma empresa de telemarketing que acabou prestando serviços para a Rock Star Marketing, de Adir Assad, um dos grandes doleiros de São Paulo. E o conheceu pessoalmente em uma corrida de carros em Interlagos, organizado pela Rock Star.
Aí conheceu Luiz Eduardo Rocha Soares, que o aproximou do grupo Odebrecht, pelo que diz, para ajudar o amigo Adir Assad a resolver uma pendência de US$ 10 milhões com a empresa.
Segundo Tacla, durante algum tempo não se deu conta de que Adir não era simplesmente um homem de negócios: era um dos maiores doleiros da praça. E, àquela altura, fornecedor de dólares para o Departamento de Operações Estruturadas (DOE) da Odebrecht, a fonte central das propinas políticas.
Havia uma pendência entre o DOE, Adir e o corretor carioca Alvaro Novis, da Hoya Corretora, que Tacla foi incumbido de resolver. Logo depois, foi convidado a trabalhar para o DOE. Alvaro Novis é sobrinho de Pedro Novis, presidente da Odebrecht entre 2002 e 2009. Álvaro, da geração seguinte, se notabilizou pelas operações no mercado e por criar cavalos de raça no Jockey Club do Rio de Janeiro. Já Pedro Novis foi do movimento Tropicália na Juventude, e chegou a compor música com Caetano Veloso, Relance.
O DOE era dirigido por Hilberto Mascarenhas Silva, de família tradicional da Bahia, filho de um ex-presidente do Banco do Nordeste. Tinha pouco conhecimento da operação, que ficava sob a responsabilidade de dois executivos, Luis Eduardo Soares e Fernando Migliaccio.
Os doleiros do grupo eram os irmãos Assad, Adir e Samir. E a corretagem era feita por Alvaro Novis, da Hoya Corretora. Cada operação recebia um nome. Havia a Operação Esfiha, com os irmãos Adir e Samir Assad. E havia a Operação Kibe, que era apenas com Samir, que a escondia do irmão. Por sua vez, Samir era sócio de Hilberto em negócios ocultos.
Nos contatos visando equacionar as dívidas de Adir com a Odebrecht, deu-se conta dos vazamentos que saíam por todos os poros do DOE.
Segundo Tacla, Álvaro escondia US$ 7 milhões em uma cocheira no Jockey Club do Rio de Janeiro, dinheiro que havia recebido da Odebrecht para fazer pagamentos e havia sido desviado.
Hilberto não dominava bem as operações e, segundo Tacla, era constantemente enganado por Soares e Migliaccio.
Como os problemas de prestação de contas continuaram se avolumando, segundo Tacla, em abril de 2011 ele foi convidado por Fernando Migliaccio a trabalhar com o grupo.
Depois de conversar com Luiz Eduardo Soares, Migliaccio vinha com o convite para que Tacla fosse trabalhar com a Odebrecht na recuperação de ativos e no monitoramento das relações com os Assad.
A partir daí, Tacla decidiu vender as empresas de telemarketing e se concentrar no escritório de advocacia, que provavelmente já orientava investidores brasileiros pelas sendas dos paraísos fiscais. No livro, Tacla Duran diz que ganhou muito dinheiro com a intermediação de comunicações telefônicas.
Ele diz que conhecia muito a Lei das Telecomunicações aprovada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e desenvolveu soluções inteligentes para buscar conexões a baixo custo. Diz que foi bem sucedido nesse mercado, mas deixou uma dívida relativamente alta com a Tele Norte e Leste (a Telemar). Uma pesquisa no Tribunal de Justiça de São Paulo mostra que uma das empresas dele, Econocel, perdeu a ação em que a Telemar cobrava R$ 2 milhões reais por serviços que teriam sido prestados e não foram pagos.
Segundo Tacla, no auge dos trabalhos, em seu escritório em Alphaville trabalhavam 18 pessoas, das quais 7 advogados. Além disso, era sócio de uma firma de advogados em Londres, situada em Woodberry Grove.
Os desvios e a Operação Dragão
Naquele tempo, o dinheiro era transportado em conteiners pela Transportadora Transnacional. Definidos valores e prazos de entrega, era remetido um e-mail para Alvaro Novis, da Hoaya, com cópia para Fernando Migliaccio, com todas as informações.
Seis meses depois da contratação de Tacla, foi montada a Operação Dragão, com o chinês Wu Yu Sheng, na prática visando reduzir as comissões, que eram de 5,5% com os Assad. O china cobrava 4%. A operação foi sugerida por Olívio Rodrigues, do grupo Petrópolis, irmão de Marcelo Rodrigues, especialistas em TI com passagem pelas maiores empresas do país.
Wu utilizava o Meinl Bank Antigua, cuja agência ficava na rua Helena, na Vila Olímpia, na mesma rua do consulado de Antigua e Barbuda, paraíso fiscal do Caribe.O banco era controlado por Vinicius Borin, Marco Bilinski e Luiz França, raposas velhas do mercado financeiro paulista.
Os três eram egressos do Tradebank, de Adolfo Melo, muito atuante na Bolsa de Valores de São Paulo nos anos 80, operando articulado com Naji Nahas, Mathias Machline e outros. No dia em que decidiu enfrentar Naji, Adolfo acabou se estrepando. Depois, com o Tradebank transformou-se em um dos pioneiros dos esquemas de remessa de capital da praça paulista.
Borin, Blinski e França saíram do Tradebank e foram trabalhar no AOB (Antigua Overseas Bank) estimulados por Migliaccio e Soares. Nesse período começaram os negócios entre a AOB e a Cervejaria Petrópolis. Em pouco tempo o grupo ganhou US$ 75 milhões. Em 2010, a AOB quebrou deixando a Odebrecht com um prejuízo de US$ 15 milhões.
Com a queda da AOB, o grupo se incorporou ao Meinl Bank. Sediada em Antigua, a instituição era uma filial do Meinl Bank, de Viena (Áustria) e estava inativa.
No início do século 20 já era uma rede de 1.200 lojas e 63 fábricas. E em 1923 abriu uma cooperativa de crédito. Em 1983, através de uma série de fusões, assumiu o controle do Meinl Bank, com escritórios em sete países.
É dirigida por Julius Meinl V. Quando Soares e Migliaccio viram a oportunidade de participar da Operação Dragão, Borin, Belinski e França entraram em contato com o Meinl para assumir as operações em Antigua.
Além desse grupo de brasileiros, permaneceram acionistas os austríacos Julius Meinl e Alexander Waldstein.
A estratégia de Wu consistia em ter contas no Meinl Bank e em bancos de Hong Kong. Fazendo as transferências entre os mesmos titulares, burlava-se o controle da OFAC (Oficina de Controle de Ativos Estrangeiros), agência de inteligência financeira do Departamento do Tesouro dos EUA.
Tacla acabou descobrindo que os 4% de Wu eram repartidos entre os diretores do Meinl e Soares e Migliaccio do DOE, sem o conhecimento de Hilberto, o diretor geral. E também por dois britânicos, Timothy Lynn e Nicholas James Barter, através das offshore Host Telecomuniccations, Metex, que também haviam trabalhado com o Tradebank, de Adolfo Melo.
Nos anos 90, por conta das isenções fiscais, Londres tornou-se um paraíso de bilionários brasileiros,.
Com a parceria dom o DOE, a operação se expandiu. Foram abertas contas de brasileiros, peruanos, dominicanos, venezuelanos e panamenhos.
Mas, antes que a Lava Jato saísse em seu encalço, o esquema já enfrentava dificuldades.
Segundo Tacla, em setembro de 2015 Luiz França viajou para Nuanu para encontrar-se com o embaixador Casroy James. Com ele acertou um pagamento de 3 milhões de euros para o primeiro ministro de Antigua e Barbuda, Gaston Browner, para controlar as informações que seriam remetidas para a Lava Jato, no acordo de cooperação.
No dia seguinte rumou para Madri, encontrando-se com Migliaccio, Luiz Eduardo Soares, Olívio Rodrigues, Borin e Bilinski, todos alojados no Hotel Intercontinental na Avenida Castelana. O grupo decidiu cobrar 12 milhões de euros da Odebrecht, ressarcindo-se dos 3 milhões pagos a Browner e ficando com os 9 milhões restantes.
A operação acabou vazando, levando o primeiro ministro a demitir James e a se comprometer publicamente a devolver os 3 milhões de euros. Mas o sistema bancário de Antigua já tinha sido contaminado levando, em fevereiro de 2017, à intervenção no Meinl Bank.
A rede de bancos
Soares montou a rede de bancos com os quais a Odebrecht operava. E Fernando Migliaccio garantia mimos adicionais, como modelos e e comprimidos para disfunção erétil para os clientes VIP.
Um dos braços de Soares era Vinicius Claret, o Juca Bala, principal doleiro do Uruguaio, patrocinador do clube Peñarol e amigo de Andre Sanguinetti, o Betingo, irmão do ex-presidente Júlio Maria Snagiunetti.
Andre abriu contas para a Odebrecht no BPA (Banca Privada de Andorra), através do qual a Odebrecht pagou por fora para Frank Geyer Abubakir, por ocasião da aquisição da Quattor, do grupo Geyer. Por lá passaram também contas para políticas e autoridades de Angola, Equador, Panamá e Peru.
Por essas contas transitaram pagamentos ao angolano Edson N’Dalo Leite, parente do general Antônio Francia N’Dalo, considerado o general dos generais de Angola; Edwin Martin Luyo Barriento, membro da Comissão de Licitação do Sistema de Transportes de Lima, Peru; Jorhe Villacorta Camanaza, assessor do presidente do Peru Pedro Paulo Kuczynski; o Ministro de Energia do Equador, Alecksey Mosquera, entre outros.
A carta-bomba
Em 14 de março de 2014, houve uma reunião entre Soares e o advogado suíço da Odebrecht, André Amadeo Prospero. O Banco PKB queria uma carta da Odebrecht assumindo ser a beneficiária final da conta 1.1.53’532 da offshore Smith & Nash, cujo controlador era o norte-americano Berry William Herman.
Qualquer americano titular de conta teria a obrigação de informar as autoridades fiscais do Internal Revenue Service (IRS). Se não for cumprida, implica em multa e sanções contra o banco através do FTCA (Foreign Account Tax Compliance Act).
A PKB deu duas opções à Odebrecht: a carta assumindo que a conta era sua ou a retenção de um milhão de dólares para pagar a multa exigida pelo governo.
No dia 17 de março houve reunião do Diretor da PKB Hector Duarte com Luiz Eduardo Soares. Julgou-se que o simples pagamento da multa poderia alertar as autoridades norte-americanas.
O problema é que no formulário A havia sido incluído, sem autorização, o nome da Odebrecht como beneficiária final. Não havia explicações convincentes para tanto. Aparentemente, a PKB praticava evasão fiscal contra os EUA também.
No final do dia, leram no Estadão online reportagem informando sobre a detenção de Paulo Roberto Costa pela Lava Jato. Tacla Duran narra, em detalhes, como os diretores, em princípio, ficaram desesperados. Alguns tomavam calmantes para não pensar no que seria descoberto.
Dez dias depois, Tacla, Luiz Eduardo e Migliaccio encontraram-se para almoçar no restaurante Senzala em São Paulo. Lá, Tacla foi informado que Hilberto Silva havia decidido enviar a carta. Alegou que não pagaria um milhão de dólares de multa. Nem houve tempo para argumentar.
A decisão de Hilberto Silva custou a detenção de Marcelo Odebrecht, 6,5 bilhões de dólares em multa e o colapso da empresa. Talvez a Odebrecht fosse pega de outra forma — já que há um clima na Lava Jato para buscar determinados alvos —, mas a decisão equivocada complicaria a situação da empresa num prazomuito curto.
Com os extratos da Odebrecht, apareceram fragmentos de mais de 100 milhões de dólares distribuídos pela Odebrecht para suas filiais, e pelo menos quatro pagamentos a Paulo Roberto Costa na offshore Sagar Holding e no Banco Julius Baer da Suiça.
Havia três offshores e uma conta individual que recebera 28 milhões de dólares, através dos seguintes pagamentos.
Lula da Silva, en Brasil, en 2006.
Mauricio Furies, en El Salvador.
Hugo Chavez y NicoIas Maduro, Venezuela, 2012.
Danilo Medina, Republica Dominicana, em 2012.
José Domingos Arias, Panamá, en 2014.
Consultando os arquivos, Tacla constatou que João Santana e Monica Moura eram, na verdade, os beneficiários finais dessas contas. Mas, para comprovar, teria que quebrar o sigilo bancário, o que lhe foi negado por Hilberto Silva. Silva pediu para levantar dados sobre a campanha de 2010, porque Marcelo Odebrecht pretendia pressionar Dilma Rousseff.
Rapidamente, Tacla entendeu o modelo de negócios do DOE. O casal João Santana e Mônica Moura eram pessoas da Odebrecht, e de nenhum governo em particular.
A Odebrecht procurava governos latino-americanos e oferecia o seguinte pacote: o know how do marketing político, os marqueteiros, o financiamento da campanha e a identificação de obras que tivessem bom impacto eleitoral. Vencidas as eleições, ganhavam em retribuição os contratos para as obras citadas e buscavam o financiamento em bancos de desenvolvimento, como o BNDES e o BIRD.
O fato de já trabalharem com o PT no Brasil facilitava o trabalho com os governos com afinidades ideológicas.
Estoura a Lava Jato
No dia 12 de março de 2016, Ivan Carratu – dono de uma empresa de consultoria que prestava serviços à Odebrecht e à UTC – chamou Tacla em seu escritório. Lá informou que havia um procurador, Roberson Pozzobon ameaçando Ricardo Pessoa, da UTC, de prendê-lo novamente se não abrisse informações sobre os trabalhos de Tacla. Queria saber o caminho do dinheiro.
Ivan tinha perto dos 60 anos, fora diretor do Banco Nacional na fase final que antecedeu a quebra. Saindo do Nacional, com José Anchieta Carvalho, vice-presidente do Banco BIC, criou a Factoring Francfort Fomento Mercantil e várias empresas de consultoria. Passou a oferecer assessoria financeira e de reestruturação de dívida a várias empresas, entre as quais a UTC e o Grupo Triunfo.
Na conversa, Ivan sugeriu que contratasse algum advogado de Curitiba para fechar um acordo de colaboração.
– Eles são do clube de Curitiba, que eles vão trabalhar para você de forma discreta, que isso não termina em nada. Afinal, todos aqui são adultos e você não precisa foder ninguém.
Ivan Carratu forneceu a Tacla uma lista de advogados do Paraná, especialistas em delação premiada e, especialmente, em Lava Jato.Carla Domenico e Tracy Renaldet, advogados de Ricardo Pessoa ede Walmir Pinheiro, diretor financeiro da UTC; Rodrigo Castor de Matos, irmão do procurador Diogo Castor; e Antônio Figueiredo Basto.
Tacla entendeu que a intenção de Ivan era incluí-lo em um acordo para omitir os desvios da UTC praticados por ele e Walmir Pinheiro. E decidiu conversar com seu correspondente em Curitiba, o advogado Carlos Zucolotto Júnior.
No dia 15 de março, por Wick (um aplicativo que destrói as mensagens depois de lidas) Ivan disse que havia estado com Walmir Pinheiro e confirmou a oferta do “grupo de Curitiba” querendo coordenar a delação de Tacla
Ivan era homem de confiança de Ricardo Pessoa, a ponto de ter sido encarregado de administrar a vida financeira de sua amante Monica Santos.
Orientado por Walmir Pinheiro, Pessoa redigiu uma carta a Pozzebon e com acusações contra Tacla.Afirmara ter entregue dinheiro a Tacla na garagem da UTC.Mas não apresentara provas, não havia contatos de telefone, correios eletrônicos ou mensagem programando reuniões ou qualquer combinação. As garagens são monitoradas por câmeras. Mesmo assim, não havia nenhum registro.
A intenção dos procuradores era cercar Tacla para conseguir sua delação. Tinham fortes convicções de que Tacla fora o principal organizador das seis camadas de offshores por onde transitava o caixa 2 do DOE.
No dia 22 de março de 2016, Luiz Eduardo Soares, Hilberto e Olívio Rodrigues foram levados a Curitiba pela Polícia Federal, dentro da Operação Xepa.
Análises de e-mails e planilhas pelo MPF revelaram que que 14 executivos de diversos setores da Odebrecht solicitavam o “pagamento paralelo”, que era efetivado pelo DOE.
Com as informações avançando, Tacla decidiu contratar um advogado, Leonardo Pantaleão, para os contatos iniciais com os procuradores. Pretendia uma delação espontânea.
A primeira reunião foi no dia 28 de março de 2016 na sede da Procuradoria, em Curitiba. Participaram da reunião Roberson Pozzobon e Júlio Noronha. Passaram por lá Carlos Fernando dos Santos Lima, Diogo Castor e Deltan Dallagnol.
Enquanto dava declarações, Tacla reparou que os procuradores, durante todo o tempo, buscam informações em sites e trocavam impressões entre si. Tacla percebeu, então, que eles pretendiam incriminá-lo e não obter informações.
– Veio contra história ou confessar crime, indagou Diogo Castor
Até então não sabiam que ele trabalhara no DOE da Odebrecht. Quando informados, passaram a dar mais atenção. A reunião durou duas horas e terminou abruptamente quando Pozzobom interrompeu a conversa o acusando de mentir.
Tacla encerrou a reunião e saiu da sala. Foi direto para o aeroporto.
No avião encontrou Maurício Ferro, vice-presidente da Odebrecht, que o informou do acordo coletivo que estava sendo assinado com a Lava Jato.
Tacla recusou a entrar no bolo. Segundo ele, a Odebrecht teria informado a vários políticos que Tacla havia se convertido em delator. Em função disso, passou a receber ameaças anônimas que foram comunicadas ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos e à Polícia Nacional da Espanha.
Uma semana depois, recebeu um telefonema de Pantaleão informando que os procuradores de Curitiba queriam uma nova reunião. Participaram dela Roberson Pozzobon, Julio Noronha, Sergio Bruno Cabral Fernandes e Marcelo Miller, os dois últimos de Brasília. Queriam saber da Odebrecht e de informações sobre políticos com imunidade parlamentar.
Segundo Tacla, em determinado momento Miller o convidou a participar de uma “ação controlada”. Quando escreveu essa parte, Tacla já sabia das suspeitas que pairavam sobre Miller, de ter atuado na operação controlada que grampeou Michel Temer.
Tacla teria se negado. Foi lhe solicitado então que participasse da reunião com Maurício Ferro e, depois, informasse os procuradores da conversa ocorrida.
Na conversa, Ferro insistiu na proposta de entrar no acordo com a Odebrecht, porque haveria validade global e a Odebrecht pagaria seus honorários por 15 anos.
Tacla teria recusado, segundo ele para não admitir crimes que não cometeu.
Uma semana depois, houve a terceira reunião com os procuradores, agora na Procuradoria do Rio de Janeiro.
Estavam presentes os procuradores Sérgio Bruno e Atayde Ribeiro Costa. Assinaram um acordo de confidencialidade. A reunião durou 10 minutos e o acordo consumiu metade de uma folha A4.
No dia 12 de maio de 2016 Tacla estava na Florida quando recebeu, por e-mail, o modelo de acordo proposto pelos procuradores. Segundo Tacla, era uma proposta indecorosa. Primeiro, deveria criminalizar sua atuação como advogado, deixando de lado as prerrogativas constitucionais. Usaram as declarações da UTC para pressioná-lo a delatar a Odebrecht.
Há um fio tênue separando as atuações do advogado.
Ajudar o cliente a regularizar seus investimentos externos é trabalho de advogado. Montar a rede de lavagem de dinheiro é trabalho de doleiro.
Tacla insistia que seu trabalho foi de consultor, como advogado. Os procuradores tinham certeza de que era trabalho de montagem das seis camadas de offshores por onde transitava o dinheiro do DOE.
A pena seria pequena, de 6 meses de prisão. Mas exigia-se que Tacla devolvesse US$ 15 milhões que recebera da Odebrecht. Todo o jogo se dava em torno desses valores.
Tacla pretendia mostrar que as informações de que dispunha valiam esse preço. Os procuradores insistiam na devolução do dinheiro.
Em conversa com Dallagnol, Tacla explicou que tinha filhos pequenos. Dallagnol ofereceu então prisão domiciliar. Tacla refugou. Dallagnol ameaçava ora com prisão em segunda instância e com a divisão das ações para impedir a caracterização de crime continuado – que, teoricamente, reduz a pena.
Foi um jogo de blefes e apostas de ambos os lados. A esta altura, segundo Tacla, a fiscalizaçãoda Receita não havia levantado nada de efetivo contra ele.
A ida para os Estados Unidos
Tacla desistiu e rumou para os Estados Unidos. Lá, contratou o advogado Victor Cerda para que o assessorasse em uma ida do DHS (Departamento of Homeland Security), ligado ao Departamento de Justiça, criado logo após os atentados às Torres Gêmeas para coordenar todas as ações internacionais contra o terrorismo e as organizações criminosas. Desde o caso Banestado, o DHS havia se tornado o principal interlocutor da Procuradoria Geral da República nos acordos de cooperação e, especialmente, dos procuradores de Curitiba.
Em junho de 2016, Tacla reuniu-se com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Houve sete reuniões, a primeira das quais às 13 horas do dia 20 de junho de 2016.
A reunião foi coordenada pelo procurador da FCPA (Foreign Corruption Practice Act) David Last, da Divisão Criminal. Participaram agentes do FBI e do Homeland Security, o DHS.
Antes de iniciar a reunião, foram lidos todos seus direitos, garantindo que nada seria gravado nem poderia ser utilizado como evidência contra ele. Entenderam que estava ali, espontaneamente, como colaborador.
Cerda iniciou a reunião dizendo-se surpreso pelo fato do encontro já ter sido noticiado pelo jornal O Estado de S. Paulo, citando nominalmente Tacla Duran. Para surpresa da dupla, Last já tinha uma cópia traduzida da história e do acordo de Borin em Curitiba.
Quando Tacla informou que trabalhara como advogado da Odebrecht, as conversas foram interrompidas, porque poderia contaminar a investigação. Duas pessoas foram incumbidas de avaliar se as revelações poderiam ou não contaminar as investigações.
Na terceira reunião, foi orientado para não dar nenhuma informação do trabalho como advogado que pudesse comprometer a investigação.
Havia preocupação de David Last de não criar atritos com a Lava Jato. Tentou-se avançar, então, em um acordo conjunto com Curitiba. Mas Curitiba dizia não ter nenhum interesse. E não aceitou o convite para enviar procuradores aos Estados Unidos para tratar desse assunto.
Na semana de 10 de novembro, a equipe do procurador David Last esteve no Brasil e ouviu um pedido de Pozzobon e Dallagnol para que o prendessem nos EUA. A resposta teria sido que não fariam isso, depois do que haviam acertado com Tacla.
No mesmo período, Roberson Pozzobon e Júlio Noronha deram entrevista para a imprensa brasileira anunciando pedido de busca e apreensão em documentos no escritório de Tacla em Alphaville e que ele estaria foragido. Também anunciaram o pedido de prisão preventiva e o alerta vermelho para a Interpol.
Na entrevista, esconderam que havia um acordo em andamento com o Departamento de Justiça.
Nas semanas seguintes, os procuradores apresentaram duas denúncias contra Duran. Segundo Tacla, sem nenhuma evidência de cometimento de crimes, além das declarações de Ricardo Pessoa, da UTC.
Enquanto Pozzobon e Noronha anunciavam à imprensa sua condição de fugitivo, Tacla viajava livremente dos Estados Unidos para a Espanha, com seu passaporte espanhol para atender a uma citação da Receita espanhola. Embarcou em um voo da American Airlines e desceu em Madri sem ser incomodado.
Dois dias depois, o alerta vermelho da Interpol surtiu efeito e Tacla foi detido pela polícia espanhola no lobby do hotel Intercontinental, de Madri.
No dia seguinte, foi conduzido a uma audiência com o juiz Santiago Pedraz. Lá, o procurador espanhol informou que, segundo o tratado de extradição entre Brasil e Espanha, Tacla deveria ficar detido por 80 dias, até que fossem completados todos os trâmites da extradição.
Três semanas depois, foi convocado para uma vídeo conferência com os procuradores espanhóis. Queriam saber se Tacla queria fazer alguma declaração. Informaram que nada estava sendo gravado. Tacla concordou e foi acertada uma conversa pessoal na semana seguinte no centro penitenciário.
Assim como os diretores do presídio, os procuradores espanhóis advertiram que a lei espanhola não prevê acordos de delação como os Estados Unidos ou Brasil. Um dos procuradores esclareceu que “vivemos esse tipo de situação no passado (na ditadura franquista, de 1938-1975) e aqui as delações não são aceitas como meio de prova”.
Após a reunião, seu advogado Emilio Naranjo comentou o caso do juiz Baltasar Garzón, famoso nos anos 1990, que a pretexto de investigar a corrupção começou a grampear advogados e terminou aposentado.
Os excessos do passado levaram a Justiça espanhola a favorecer as investigações, a produção de evidências físicas e o controle de seus membros.
Tacla saiu da prisão e permaneceu na Espanha, enquanto a Lava Jato tenta completar o processo de extradição. Ele responde a processos na Espanha, Estados Unidos, Reino Unido, Singapura e Brasil.
O caso do primeiro amigo
Quando Ivan Carruta indicou uma lista de advogados curitibanos para ajudá-lo na delação, Tacla achou melhor recorrer ao escritório que o representava em Curitiba, o de Carlos Zucolotto Junior.
Em março e abril de 2016 tratou com Zucolotto. Entre os advogados sócios do escritório, havia Rosângela Maria Wolff de Quadros Moro. Segundo o que escreveu no livro, Tacla não sabia até então quem era Rosângela, nem que estava casada com Moro.
Ao contatar Zucolotto, em maio de 2016, Tacla estava nos Estados Unidos. E as conversas se davam através do aplicativo Wick, que encripta a conversa e pode ser programado para destruir as mensagens.
Na conversa, Tacla informou-se do que considerava tentativa de incriminação forçada sua, por parte de Walmir. Ao mesmo tempo, pediu para seu advogado, Leonardo Pantaleão, que levantasse informações a respeito para alimentar Zucolotto.
Segundo Tacla, Zucolotto teria começado uma negociação paralela sem seu conhecimento.
Nas mensagens que preservou das conversas com Zucolotto, ele teria revelado a intenção de receber os honorários por fora e utilizar parte do dinheiro para “pagar as pessoas que nos ajudarão com isso”.
Como Rosângela trabalhava no escritório, Tacla ponderou que seria considerado impedimento para o caso de ser julgado pelo juiz Moro.
Zucolotto teria explicado que a condição era não aparecer na linha de frente. Revelou ter bons contatos com a operação e que poderia tratar do assunto nos bastidores.
Tacla disse-lhe que, em uma das reuniões, os procuradores exigiram o pagamento de multa de 15 milhões de dólares por pagamentos ilegalmente recebidos da Odebrecht. Relatou a conversa que havia tido com Pozzobom. Na conversa, Tacla teria dito que os pagamentos da Odebrecht eram de 12,5 milhões de dólares. A diferença se devia a aplicações financeiras.
– Não vejo nenhuma razão para pagar qualquer multa, muito menos neste valor. Este é o resultado de anos de trabalho.
– Não importa, teria respondido Pozzobon. Recebestes da Odebrecht e este é um dinheiro que você tem e pode resolver seu problema aqui.
Depois de algumas prospecções, Zucolotto teria levado o seguinte diálogo com Tacla:
Carlos Zucollot – Amigo, tem como melhorar esta primeira… Não muito, mais um pouco.
Duran – Não entendi.
Zucolotto – Há uma forma de melhorar esta primeira proposta. Não muito. Está interessado?
Duran – Como seria?
Zucolotto – Meu contato conseguiria que DD entre na negociação.
Duran – Certo. E o que ele pode melhorar?
Zucolotto – Vou insistir para que troque a prisão por prisão domiciliar e reduzir a multa, ok?
Duran – Para quanto?
Zucolotto – A ideia é reduzir a um terço do solicitado. E você pagaria um terço de honorários para resolver.
Duran – Ok. Pago a você os honorários?
Zucolotto – Sim, mas por fora, porque tenho que cuidar das pessoas que ajudaram com isto. Faremos como sempre. A maior parte, você me paga por fora.
Duran – Ok.
Zucolotto– Lhe enviaremos um modelo com um valor alternativo, caso o valor no exterior esteja bloqueado. E você paga um terço em R$, quando você ver, você vai entender.
Segundo Tacla, os procuradores Pozzobon e Júlio Noronha enviaram por e-mail um modelo de acordo com as condições alteradas, como informara Zucolotto em suas mensagens.
Tacla recebeu a proposta no dia 27 de maio de 2016. Deveria estar no Brasil no dia 30 de maio (no livro, ele escreve março, mas deve ser erro de digitação) para assinar o acordo. Sozinho, em sua casa na Flórida, Tacla diz ter desistido, porque não poderia admitir os crimes que não havia cometido. Decidir não assinar nem voltar para o Brasil.
Pediu ao advogado Pantaleão para representá-lo na reunião de segunda-feira. A partir daí os procuradores encerraram as negociações.
Conclusão
Permanece o mistério. As afirmações de Tacla não podem ser levadas ao pé da letra sem a apresentação de provas. No livro, ele afirma ter os registros das conversas travadas com Zucolotto, por Wick.
Zucolotto é um advogado trabalhista e Tacla não tinha atuação destacada nessa área. Ele diz que já tinha contratado Zucolotto no passado para ser correspondente, mas em razão da qualificação técnica dele. Tacla Duran não diz em que situações Zucolotto trabalho, mas parece inverossímil imaginar que Zucolotto tinha apenas o trabalho de extrair cópias de processo, como o juiz Sergio Moro, na defesa do amigo, chegou a declarar.
No fundo, havia um jogo de pôquer entre Tacla e os procuradores, e esse jogo parece se estender agora para o amigo do juiz.
De seu lado, Tacla pretendia que seu trabalho fosse considerado como de advogado. Com isso, preservaria o dinheiro pago pela Odebrecht. Já a Lava Jato tem convicção que ele foi peça central na montagem dos esquemas do DOE.
Há uma ampla discricionariedade na aplicação das penas. O que está em jogo é a relevância das informações do candidato a delator e, na outra ponta, a solidez (ou não) das provas levantadas contra ele.
Tacla supõe que suas informações são valiosas e que as provas contra ele são precárias. Os procuradores acreditam na relevância das informações, têm certeza sobre o papel de Tacla no DOE, mas não teriam evidências maiores, segundo Tacla. Teriam alguma carta debaixo da manga?
É essa discricionariedade que levanta discussões sobre a transparência dos acordos de leniência. E permite incluir um novo componente no jogo: o da possibilidade da venda de facilidades. Especialmente devido aos superpoderes da Lava Jato, depois que a mídia transformou a operação em uma luta do bem contra o mal. Não é uma certeza, mas é uma possibilidade.
Afinal, como lembrou Montesquieu , um dos pais das modernas democracias e do princípio de separação de poderes, os homens não são virtuosos, as instituições é que tem que ser virtuosas.
Ele definiu bem três formas de governo.
O Republicano é aquele em que o povo, ou parte dele, governa. Por isso, é governador pelo princípio da Virtude. A Monarquia, quando um homem governa segundo suas leis fixas e estabelecidas. O Despotismo, quando há um governo sem leis e sem regras, decidindo tudo com base em seu desejo.
A Lava Jato precisa decidir em que regime se enquadra. Superpoderes já transformaram santos em pecadores. Mas não se sabe de nenhum caso em que pecadores tenham conquistado a santidade.
Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui.