SUCESSO EM PLENA ditadura militar, o samba-brega “Tudo está em seu lugar” de Benito di Paula causou desconfiança à época. Não só pela qualidade duvidosa, mas pelo conteúdo da letra. O refrão repetido exaustivamente “Tudo está no seu lugar. Graças a Deus” cheirava mal numa época em que tudo estava fora do lugar e apenas os militares e sua claque reacionária tinham motivos para agradecer a Deus. Benito nega a intenção e diz que o tema foi inspirado em Ziraldo, que repetia a frase ao fim de algum trabalho em tom de alívio.  
Após o segundo arquivamento de denúncias que investigam Temer,  o vice-líder do PMDB na Câmara, Carlos Marun, estava leve, com a sensação de dever cumprido. Encontrou jornalistas e começou a dançar e a cantarolar o sambinha ruim, porém simpático de Benito. Ensaiou até uma paródia “Tudo está no seu lugar. Graças a Deus. Surramos mais uma vez essa oposição, que não consegue nenhuma ganhar”. Ridículo como uma criança que vence a gincana e quer esfregar na cara do derrotado.
Marun e sua dancinha patética viraram o grande símbolo da patacoada armada na Câmara. O deputado construiu sua carreira na política sendo um coadjuvante, estando sempre atrás de algum cacique peemedebista. Começou na sombra de André Pucinelli (PMDB), passou pela de Eduardo Cunha (PMDB) e hoje vive pendurado na barra da calça de Michel Temer. O primeiro é usuário de tornozeleira eletrônica, o segundo está na cadeia e o terceiro continua solto, além de ser o presidente mais impopular do planeta Terra. Só cabra bom. Além da proximidade com o que Janot chama de “quadrilhão do PMDB”, Marun é acusado de improbidade administrativa por favorecer uma empresa que financiou sua campanha.
Por ser fiel como um cachorro, o deputado foi indicado pelo PMDB para ser relator da CPI da JBS, uma comissão em que até a uretra de Temer deveria ter sido investigada. Foi com essa cara lavada que ele assumiu a missão da relatoria: “Me sinto e sou completamente independente para o exercício desta função, que sei de grande responsabilidade”.
Marun é a cara da Câmara. Os mesmos que derrubaram, por pedaladas fiscais, uma presidente eleita, agora empurram para debaixo do tapete as denúncias de corrupção de um presidente que jamais seria eleito pelo voto popular. Em um momento em que se congelam verbas de serviços públicos fundamentais em nome do saneamento da crise, Temer gasta R$1 bilhão em emendas para favorecer deputados que o ajudem a acobertar a denúncia.
Bonifício de Andrada (PSDB), o relator da denúncia que deu parecer pelo arquivamento, viu a sua instituição universitária ganhar vultuosos R$11 milhões em 2017, dos quais R$ 7 milhões foram pagos em junho e julho. Esse tem 11 milhões de motivos para dançar na nossa cara.
Halun (PRB), que confessou ter sido assediado pelo líder do seu partido para votar a favor de Temer em troca de cargos, não teve pudor nenhum para assumir também que nem deu bola para o conteúdo denúncia de Janot:
“Não fui no aspecto ‘ah, a denúncia não tem consistência, tem, não tem’. Não olhei por este lado. Olhei, no momento agora, qual que era o mal menor. Acho que meu voto define assim: eu votei pelo mal menor. Uma mudança agora seria uma mudança muito grande”
Tirando uma breve e irrelevante indignaçãozinha em suas redes sociais, a rapaziada do MBL se calou sobre o arquivamento da denúncia. Não gravou vídeo, não convocou manifestação, nem agitou panelaço. Não se viu nenhuma palavra recriminando o titio Temer. A nudez em museus choca bem mais que as peripécias de Temer com o dinheiro público.
Brasília - O coordenador do MBL, Fernando Holiday, após protocolar no Senado pedido de impeachment do presidente do STF, Ricardo Lewandowisk, se encontra com o deputado Carlos Marum (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
O coordenador do MBL, Fernando Holiday, posa ao lado de Carlos Marun, o deputado que sambou na nossa cara  (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
 
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Os garotos, que dizem pretender renovar a política, seguem sendo aliados fundamentais de Temer e do grupo político que o tirou da forca. Isso fica claro pela lista dos deputados convidados que irão participar do próximo congresso do MBL: Rogerio Marinho (PSDB), Bruno Araújo (PSDB) e Marco Feliciano (PSC). Delcídio Perondi (PMDB), líder e porta-voz de Temer na Câmara, dessa vez não irá, mas participou do último congresso e foi bastante aplaudido. Só cabra bom. Todos eles votaram pelo arquivamento da denúncia. A indignação do MBL contra a corrupção não resiste a uma googlada.
Mas não foram apenas nossos jovens liberais que ficaram satisfeitos com a vitória de Temer. Teve um procurador da República que não disfarçou o desdém diante da denúncia do MPF — do qual faz parte  e publicou tweets constrangedores em defesa do governo Temer.

O Estadão, jornal que virou uma espécie de voz do Brasil impressa, mais uma vez abusou do “chapabranquismo” e, sem medo de ser feliz, saudou a força política de Temer na Câmara em editorial. Assim como o procurador da República, o jornalão culpou as redes sociais e Janot por atrapalharem o bom andamento do governo Temer:
“…a lógica das redes sociais, cujo norte são a histeria e a produção profícua das famosas fake news, e pelo messianismo de alguns procuradores da República, que parecem dispostos a denunciar todos os políticos como corruptos. Quando a realidade da natural negociação política entre governo e Congresso Nacional se impõe, como no caso das articulações para rejeitar as denúncias contra Temer, essa lógica singela entra em parafuso.”
É a dancinha do Marun em forma de editorial. O jornal da família Mesquita considera uma “natural negociação política” arregaçar os cofres públicos para abafar uma investigação com graves indícios de corrupção contra o presidente. Aquele fervor de outrora, quando Dilma lançou mão da mesma estratégia para interromper o processo de impeachment, evaporou. O tom deste editorial de abril do ano passado mostra que a opinião dos Mesquita muda de acordo com quem está no poder:
“Num quarto de hotel, como se lá estivesse para encontros clandestinos, Lula tentou comprar a salvação de Dilma oferecendo cargos e verbas a deputados. Mas nem o talão de cheques do governo nem a célebre lábia de Lula tiveram serventia”
Antes era compra de votos, hoje é uma “natural negociação política”. O Estadão se revolta quando votos são barganhados para impedir impeachment por pedaladas fiscais, mas acha muito natural que a mesma estratégia seja utilizada para proteger um presidente acusado de corrupção passiva e formação de quadrilha.
“Tudo está no seu lugar. Graças a Deus. Graças a Deus”. E assim, dançando e cantarolando, Michel Temer e sua turma vão caminhando para terminar seu mandato graças ao sucesso do Grande Acordo Nacional. Com compra de votos, com MBL, com Estadão, com tudo.