quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O golpe judiciário, por Sérgio Sérvulo, jurista.



Alguns analistas afirmam que o impeachment da presidente Dilma Rousseff caracterizou um golpe de Estado, que se veio a designar como “golpe de Estado parlamentar”, não obstante a participação nele, além da oposição política, de setores da mídia e do judiciário.
O impeachment de Dilma assegurou, à oposição, a tomada do governo. Entretanto, conforme alguns desses analistas, o objetivo maior do golpe – a tomada do poder político, com o esmagamento do PT – só se consumará com a desmoralização de Lula, e sua inabilitação para concorrer às eleições presidenciais de 2018.
Esses mesmos analistas estão agora mencionando um “golpe judiciário”, a partir da decisão adotada, na última 5ª. feira (dia 22 de setembro de 2016) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (sede em Porto Alegre), com a qual, por 13 votos a 1, foi repelida representação contra ato ilegal do juiz Sérgio Moro, titular da Vara Privativa dos Feitos do PT, dos seus membros, parentes e amigos, com sede em Curitiba. Essa decisão não invoca jurisprudência do STF, isto é, acórdãos proferidos, em casos semelhantes, pela Suprema Corte; mas replica a extensão dada, por ela, à sua jurisdição.
À parte outras considerações sobre a gravidade dessa decisão “contra legem”, ela sepulta de vez qualquer esperança quanto à reforma da sentença a ser proferida, pelo juiz Sérgio Moro, ao julgar a denúncia recentemente aceita contra o ex-presidente.
Nos últimos editoriais deste site, analisei essa denúncia, e as três imputações que contém. Demorei-me com relação à segunda, que é inepta, visto acusar Lula de haver praticado um crime impossível (a ocultação de propriedade imóvel); e porque principalmente a partir dela é que se pode esperar a condenação: das três, é a única endereçada também contra d. Marisa Letícia. Acontece que a denúncia perderia a utilidade caso apenas se inabilitasse eleitoralmente Lula, deixando-se porém, em aberto, a possibilidade de indicar como candidata sua mulher. O juiz Moro mostrará o quanto é magnânimo, na sentença, ao descartar a terceira acusação (aquela do acervo presidencial); mas desde já evidencia o quanto é sensível, ao lamentar a inclusão, como ré, da ex-primeira dama.
Devo discordar, porém, dos que identificam apenas agora, na decisão do TRF-4, a consumação do golpe.
Desde 2010 tenho denunciado que o Supremo Tribunal Federal cometeu um golpe de Estado judiciário quando assumiu funções legislativas.
Denunciei esse golpe em texto publicado na Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais em abril de 2013 (n° 14). Ele foi resumido no prefácio à 2ª. edição de meu livro sobre recurso extraordinário (2012), onde se lê: “A importância dessa mudança, ocorrida no papel institucional da Corte Suprema, transcende a lógica jurídica e o direito processual, e passa a reclamar também a atenção dos cientistas políticos.” E mais, em conclusão: “O comportamento da Suprema Corte revela o que podemos designar como ‘lei da incontinência do arbítrio’. Assim como o sistema normativo da ditadura – que se buscou legitimar com o ato institucional – veio a recair no casuísmo, o STF, tendo abandonado a Constituição como norte de sua atividade, já não encontra freio na lei e sequer no seu regimento interno. O que ressalta hoje em seus anais – tal como nos anos negros de 1964 – é a tecnocracia dos números, posta por cima dos direitos cidadãos”.
Sérgio Sérvulo da Cunha é advogado, autor de várias obras jurídicas. Foi procurador do Estado de São Paulo e chefe de gabinete do Ministério da Justiça.
Fonte: Jornal GGN

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Altamiro Borges: O golpe continua com Alexandre de Moraes e a mídia aparelhando e canalizando a Lava Jato


Por Altamiro Borges

Durante o governo Dilma Rousseff, que se jactava da sua ingênua postura “republicana”, a midiática Operação Lava-Jato serviu para desgastar a presidenta e para criminalizar seu partido. Agora, no covil de Michel Temer, ela serve para abafar as sujeiras dos golpistas e para seguir atacando o PT. Baita republicanismo! Neste domingo (25), Alexandre de Moraes – o carniceiro dos estudantes paulistas que hoje é ministro da Justiça – deixou explícito o aparelhamento da ação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Em qualquer outro país minimamente civilizado, ele seria imediatamente exonerado e processado por abuso de poder.

Segundo revelação do insuspeito “Estadão”, o fascistoide antecipou durante um comício do PSDB em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, que a Lava-Jato deflagraria novas prisões na véspera das eleições municipais. “Teve na semana passada e esta semana vai ter mais, podem ficar tranquilos. Quando vocês virem esta semana, vão se lembrar de mim”, afirmou o egocêntrico ministro – que não esconde seu desejo de disputar o governo estadual em 2018. Diante da repercussão negativa da declaração, que evidencia que a Lava-Jato foi transformada de vez em cabo eleitoral dos partidos golpistas, o Palácio do Planalto até tentou desmentir o episódio. 

Só que um vídeo vazado na internet, talvez devido às bicadas sangrentas no ninho tucano – o chamado “fogo amigo” –, confirmou a burrice. Temendo o total desgaste da já desacreditada Lava-Jato, o governo acionou a mídia chapa-branca para difundir que o ministro linguarudo seria “imediatamente” exonerado do cargo. Na sequência, Michel Temer recuou – o que já virou uma marca desta gestão errática. Em nota oficial, o Ministério da Justiça garantiu que a Lava-Jato é uma operação imparcial, que a Polícia Federal segue com a sua “atuação independente” e que a declaração da Alexandre de Moraes foi apenas uma “força de expressão”. Haja cinismo!

O discurso do fascistoide, porém, foi confirmado nesta segunda-feira (26), com a prisão cinematográfica do ex-ministro Antônio Palocci. A mídia golpista aproveitou o episódio para reforçar a sua cruzada contra o PT, confirmando que a Lava-Jato virou uma operação boca-de-urna – conforme denunciou certeiramente o ex-presidente Lula. O Judas Michel Temer, “ficha suja” que já foi citado em inúmeras delações premiadas, segue impávido no Palácio do Planalto. O carniceiro Alexandre de Moraes segue ministro. E a Lava-Jato, chefiada pelo “justiceiro” Sergio Moro, continua cometendo as suas atrocidades para servir aos propósitos da direita nativa.

Sobre a midiática Operação Lava-Jato vale conferir dois artigos publicados na Folha neste final de semana.

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É hora de barrar o arbítrio

Por André Singer

O juiz Sergio Moro colocou nesta quinta (22) a gota d'água no copo da escalada de arbítrio em curso no país. Curiosamente, o fez ao liberar, por razões humanitárias, o ex-ministro Guido Mantega depois de algumas horas na Polícia Federal de São Paulo, e não ao mandá-lo para a prisão por cinco dias ou dez dias, como havia decidido de início. Pois, se era possível soltá-lo, não havia necessidade de prendê-lo, e a arbitrariedade da detenção ficou evidente.

Não sou eu quem o diz, mas o insuspeito de petismo Reinaldo Azevedo. "Força-tarefa e juiz quiseram dar um recado: 'Mandamos soltar e prender quando nos der na telha'",escreveu o colunista. O recado foi entendido.

A justificativa de Moro revelou-se tão frágil que, desta vez, ninguém engoliu. "Considerando o fato de que as buscas nos endereços dos investigados já se iniciaram (...) reputo, no momento, esvaziados os riscos de interferência da colheita de provas", escreveu no despacho de soltura. Em outras palavras, bastava determinar a busca e apreensão, não precisava prender o investigado.

Cabe lembrar que, pela terceira vez, Moro apresenta explicações mal ajambradas para decisões gravíssimas. Depois da também desnecessária condução coercitiva de Lula, em 4 de março passado, emitiu nota na qual "lamentava" que as diligências tivessem levado a confrontos, "exatamente o que se pretendia evitar". Determinou a coerção para evitar conflitos? Quem acredita?

Cinco dias mais tarde, Moro divulgou as famosas escutas telefônicas entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff. Instado pela AGU a se manifestar a respeito do assunto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki afirmou que a divulgação das fitas "comprometeu o direito fundamental à garantia de sigilo" e que era "descabida a invocação de interesse público da divulgação" feita por Moro. Em resposta, o juiz curitibano solicitou "escusas" ao STF e explicou que não tivera intenção de causar "polêmicas". Dá para acreditar?

Mas nesses episódios houve mobilização nas ruas para apoiar as atitudes de Moro. O objetivo era sustentar o impeachment, cuja aceitação foi aprovada pela Câmara um mês depois com base nas manifestações provocadas pelas "inocentes" derrapadas do juiz. Os atropelos constitucionais foram varridos para baixo do tapete.

Agora parece que Moro ultrapassou o limite do aceitável, mesmo para corações liberais e conservadores. Por isso, espero que o episódio Mantega represente um corte. A opinião pública viu a face do arbítrio. Se ficar conivente com ele, prestará contas à história. Quando um processo autoritário se explicita, todo mundo sabe como começa, mas ninguém sabe como termina.

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'Soluções inéditas' da Lava Jato têm um nome: Tribunal de Exceção

Por Janio de Freitas

A realidade não precisa de batismo nem definição, mas ambos tornam mais difundidas a sua percepção e compreensão. Esse é o auxílio que o país recebe de um tribunal do Sul, quando os fatos fora do comum se multiplicam e parecem não ter fim: a cada dia, o seu espetáculo de transgressão.

Foi mesmo um ato tido como transgressor que levou o tribunal, ao julgá-lo, a retirar a parede enganadora que separava a realidade de certos fatos e, de outra parte, a sua conceituação clareadora. Isso se deu porque o Tribunal Regional Federal da 4a Região (Sul) precisou decidir se aceitava o pedido, feito por 19 advogados, de "processo administrativo disciplinar" contra o juiz Sergio Moro. O pedido invocou "ilegalidades [de Moro] ao deixar de preservar o sigilo das gravações e divulgar comunicações telefônicas de autoridades com privilégio de foro [Dilma]". Parte das gravações, insistiu o pedido, foram interceptações "sem autorização judicial".

Se, entre os 19, alguém teve esperança de êxito, ainda que incompleto, não notara que recursos contra Moro e a Lava Jato naquele tribunal têm todos destino idêntico. Mas os 19 merecem o crédito de haver criado as condições em que o Judiciário reconheceu uma situação nova nas suas características, tanto formais como doutrinárias. Nada se modifica na prática, no colar de espetáculos diários. O que se ganha é clareza sobre o que se passa a pretexto da causa nobre de combate à corrupção negocial e política.

De início era apenas um desembargador, Rômulo Pizzolatti, como relator dos requerimentos. Palavras suas, entre aquelas com que apoiou a recusa do juiz-corregedor à pretensão dos advogados: a ação do que se chama Lava Jato "constitui um caso inédito no direito brasileiro, com situações que escapam ao regramento genérico destinado aos casos comuns". E o complemento coerente: a Lava Jato "traz problemas inéditos e exige soluções inéditas".

O "regramento genérico" é o que está nas leis e nos códigos, debatidos e fixados pelo Congresso, e nos regimentos e na jurisprudência criados pelos tribunais. O que "escapa ao regramento" e, em seu lugar, aplica "soluções inéditas" e apenas suas, tem nome no direito e na história: Tribunal de Exceção.

A tese do relator Rômulo Pizzolatti impôs-se por 13 votos contra um único desembargador. Não poderia ser tida como uma concepção individual do relator. Foi a caracterização –correta, justa, embora mínima– que um Tribunal Federal fez do que são a 13a vara federal de Curitiba, do juiz Sergio Moro, e "a força-tarefa" da Procuradoria da República no sistema judicial brasileiro, com o assentimento do Conselho Nacional de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e dos mal denominados meios de comunicação.

Fazem-se entendidos os abusos de poder, a arrogância, os desmandos, o desprezo por provas, o uso acusatório de depoentes acanalhados, a mão única das prisões, acusações e processos: Tribunal de Exceção.

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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Varoufakis e o mundo parasitado pelo Mercado Financeiro e os EUA, por Edemilson Paraná

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“O Minotauro Global”, expõe, com didatismo e profundidade, reviravoltas da Economia global no pós-guerra. Na fase atual, mundo serve aos EUA e à aristocracia financeira — mas ainda falta quem cumpra o papel de Teseu
Por Edemilson Paraná | Imagem: Daniel Carlos - | Outras Palavras
Certa vez, o economista e ex-ministro das finanças grego Yanis Varoufakis definiu a si mesmo como um “marxista errático”. Ainda que uma regra básica do bom senso nos aconselhe a não aceitar sem exame crítico aquilo que alguém diz sobre si mesmo, poucos qualificativos poderiam resumir melhor o conteúdo de seu livro que acaba de ser publicado no Brasil. Do começo ao fim, O Minotauro Global é, de fato, em todas as suas muitas riquezas e poucas lacunas, a obra de um perspicaz e criativo “marxista errático”.
Em sua abertura, franqueza e desapego a dogmas, a boa heterodoxia econômica de Varoufakis mostra-se fecunda tanto na demonstração das graves deficiências das teorias neoclássicas dominantes (aqui chamadas “teorias tóxicas”, em estreita relação com o seu papel no surgimento dos “ativos tóxicos”) – que soberbamente ousaram postular que uma crise global como a de 2008 não poderia acontecer –, quanto na construção de uma sólida narrativa alternativa sobre as origens e causas do atoleiro em que se encontra a economia mundial pós-crise.
TEXTO-MEIO
Desse modo, buscando explicações sistêmicas, e equacionando sofisticada leitura macroeconômica às dinâmicas geopolíticas, o autor consegue traçar o caminho que nos trouxe até a crise sem escorar sua análise, como se tornou corrente, em algum anedotário moralizante sobre ganância e rentismo, sobre a ação de bons e maus capitalistas, ou em qualquer outro discurso ad hoc sobre a reprovação per se da ação do Estado nas economias.
Talvez mais do que a especialistas e estudiosos, a obra se dirige a leigos interessados no que acontece a sua volta. Outro mérito: sua análise econômica não se furta a entrar no debate público. Sem com isso perder em profundidade, o texto é desenvolvido em linguagem fluída, didática e bem-humorada, recorrendo a potentes imagens da cultura pop e da mitologia grega para dissecar e apresentar, em inúmeros e elucidativos exemplos, cada um dos argumentos que mobiliza.
E é justamente uma destas alegorias que dá título à obra: o Minotauro de Creta. Metade homem, metade animal, o ser é produto da relação entre a mulher de Minos, rei de Creta, e um touro (um castigo dos deuses a Minos por este não ter atendido ordens divinas). De modo a conter a voracidade da besta, um labirinto foi construído como sua morada e, no interior deste, sua inusitada dieta se dava à base de seres humanos jovens. Para satisfazer sem maiores problemas o monstro, o rei Minos força os atenienses, após vencê-los em uma guerra, a todos os anos enviar sete rapazes e sete moças para serem devorados pelo Minotauro.
Conforme nos lembra Varoufakis, historiadores tendem a relacionar o mito à real hegemonia política e econômica de Creta na região do Mar Egeu – a quem cidades-estados menos poderosas tinham de pagar tributos regulares em troca de proteção e manutenção da paz. A imagem é mobilizada como analogia ao papel político-econômico dos Estados Unidos da América (EUA) no mundo pós-revogação do regime de Bretton Woods, a partir do início da década de 1970 – veremos por quê. O livro está encadeado, assim, pela descrição dos antecedentes que dão surgimento à besta ianque, passando pelo seu período áureo, até chegar a 2008, quando esta é praticamente ferida de morte. Percorrendo este traçado, apresenta uma didática e concisa história do capitalismo mundial, especialmente a partir do pós-guerra, até o momento presente.
A obra começa com uma breve e bastante pragmática discussão sobre os antecedentes de formação do capitalismo mundial, bem como o desenho de seus mecanismos gerais de funcionamento, explicados – raramente recorrendo a citações diretas – a partir das formulações de Karl Marx, John Maynard Keynes e Joseph Schumpeter. Em alguns momentos, e mesmo que não sejam citados diretamente, argumentos presentes em Karl Polanyi, Suzzane de Brunhoff e Hyman Minsky aparecem – articulação, aliás, que se mostra bastante produtiva.
Assentado em tais bases, a história que Varoufakis desenha é composta por três eras. Primeiro, da revolução industrial até 1945 – período que inclui a Crise (com ‘C’ maiúsculo) financeira mundial de 1929 e as duas grandes guerras. Em seguida, o boom do pós-guerra, ou os “anos gloriosos” do capitalismo mundial, período que vai de 1945 até 1971. A esse período ele dá o nome de “Plano Global”, quando os EUA se tornam a maior economia superavitária a ocupar o centro da ordem econômica internacional. Finalmente, aparece o “Minotauro Global”, a era das altas finanças, de 1971 a 2008, quando os EUA se tornam uma grande economia deficitária, mantendo, de forma renovada, sua mesma posição central.
CAPA FRONTAL RÉGUA
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A tese fundamental e fio condutor teórico-conceitual da análise de Varoufakis ao longo deste percurso é a de que o capitalismo não pode funcionar de maneira minimamente estável sem dispor de umMecanismo Geral de Reciclagem de Excedentes(MGRE). Partindo da ideia de que as economias tendem a observar diferenciais de produtividade inerentes às diferenças setoriais e regionais, o autor sustenta que, diante deste fato, e a bem de uma composição comercial mais ou menos equilibrada, faz-se necessário a construção de mecanismos que permitam investir lucrativamente os excedentes acumulados nas regiões e setores superavitários em suas contrapartes tendencialmente deficitárias (“das áreas urbanas para as rurais, das mais desenvolvidas para as menos desenvolvidas”, etc.).
No interior de uma economia nacional, por exemplo, isso é feito por meio de unidade fiscal, que possibilita a realização de transferências da União (em bens, serviços, infraestrutura, isenções, incentivos, etc.) em prol dos Estados e regiões menos vigorosas economicamente – algo que também pode ser feito por meio de sistemas federalizados de seguridade e saúde, por exemplo.
Entre as economias nacionais, distintamente, as diferentes taxas de câmbio, a depender das condições, podem igualmente constituir um mecanismo natural de reciclagem: uma vez que o acumulo de déficits tende a levar à desvalorização cambial, esta pode acabar redundando em estímulo às exportações e desestimulo às importações, além de contribuir para atrair outros capitais excedentes graças às taxas de juros mais elevadas, bem como ao preço relativo mais baixo de seus ativos. Assim, tanto o “Plano Global” quanto o “Minotauro” são, em verdade, como veremos, arranjos sustentados em formas distintas de MGRE (o primeiro tendo nos EUA um imenso polo superavitário, o segundo, seu inverso, tendo neste um polo deficitário).
Tendo vivido e aprendido com a catástrofe econômica de 1929, que só seria plenamente resolvida, de acordo com o autor, graças à enorme destruição produzida pela Segunda Guerra Mundial, os idealizadores estadunidenses do “Plano Global” aproveitaram a enorme oportunidade com a qual se depararam ao fim do conflito para desenhar uma nova ordem. O novo arranjo deveria, ao mesmo tempo em que funcionasse de modo a impedir grandes desequilíbrios que pudessem levar a eclosão de uma nova crise global, servir para cristalizar sua nova posição hegemônica no interior do “mundo livre”.
Assim, com base em muitas das prescrições keynesianas, a Conferência de Bretton Woods deu nascimento a um sistema de governança econômica global que levou à criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), e a constituição de um sistema de administração cambial que fixava a percentuais determinados a flutuação das taxas de câmbio dos demais países em relação ao dólar, e deste ao ouro – com a consequente conversibilidade direta do dólar em ouro.
Algumas das mais importantes (e ousadas) propostas de Keynes, no entanto, ficariam de fora do novo arranjo, graças a não aceitação do novohegemon: a criação de uma União Internacional de Divisas, um Banco Central Internacional e uma moeda única a ser utilizada em transações comerciais entre nações (o bancor), que objetivavam a constituição de uma governança econômica multilateral equilibrada, durável, e politicamente compartilhada. A razão da recusa não era nada ocasional: os EUA queriam gerir eles mesmos, e através de sua própria moeda, a nova ordem econômica mundial.
O sofisticado “Plano Global”, acreditavam seus idealizadores, parecia ter tudo para dar certo. Assim, os EUA, a maior economia superavitária do planeta, passaram, a bem da garantia de sustentabilidade do novo arranjo, a investir seus enormes excedentes na reconstrução dos países arrasados pela guerra. Esse investimento permitia ainda sustentar a demanda por seus produtos e a lucratividade dos capitais invertidos. De modo a constituir zonas regionais para o amortecimento de eventuais choques econômicos globais, os arrasados e humilhados Alemanha e Japão foram escolhidos como “pupilos” – os novos hubs, destinos preferenciais do mais generoso suporte político e econômico americano. Enquanto eram incentivados a fortalecer suas zonas econômicas e moedas regionais, estes dois países sustentavam a penetração e fortalecimento acelerado do dólar como dinheiro mundial. Um MGRE, sustentado no “privilégio exorbitante” do dólar, estava garantido e, com ele, a “idade de ouro” do capitalismo regulado nos países do capitalismo central.
Contudo, tal ordem de coisas só poderia permanecer inabalável sob uma condição: a de que os EUA seguissem indefinidamente como uma economia superavitária. Mas seus idealizadores não ousaram considerar a sério a hipótese de tal prospecto não ser sustentável no médio prazo. Foi exatamente isso que ficou patente, no entanto, a partir do início da década de 1970: os déficits americanos crescentes passaram a atentar contra o próprio arranjo que o país havia ajudado a conceber em seu favor.
Os déficits estadunidenses apareceram, explica Varoufakis, na esteira da rápida recuperação e dos ganhos de competitividade e produtividade dos outrora “pupilos” do pós-guerra (Alemanha e Japão), com a consequente queda de competitividade relativa dos EUA (junto da abertura de seu mercado para a entrada de produtos de tais competidores, especialmente do Japão), somado, ademais, aos crescentes gastos do governo, especialmente com guerras, como a do Vietnã. A expansão monetária vinculada ao aumento de gastos do governo americano redundou na desvalorização de sua moeda. Desse modo, vinculada à exportação de dólares para outros países e à consequente valorização das moedas nacionais destes, emergiram questionamentos sobre a real garantia de convertibilidade ouro-dólar então vigente. O “Plano Global” estava com os dias contados.
Diante de novos e sonoros questionamentos a sua posição “privilegiada”, os Estados Unidos responderam com ações enérgicas e medidas drásticas (que Paul Volcker, presidente do Federal Reserve durante os governos Jimmy Carter e Ronald Reagan, mais tarde denominou “uma desintegração planejada da economia mundial”): o rompimento unilateral do acordo de Bretton Woods, com a quebra da conversibilidade ouro/dólar, e consequente desvalorização da moeda americana. A depreciação do dólar representou um duro golpe nas exportações japonesas e europeias. Mas dado que todos estavam a esta altura já presos ao dólar como moeda de reserva global, pouco restava a fazer. A posição privilegiada que os americanos haviam construído estava garantida, e agora em bases renovadas. “A moeda é nossa. O problema é de vocês”. Começava, sob o tacão deste choque, a nova era do “Minotauro Global”.
Com seu nascimento, os EUA mostraram ao mundo que, contanto que fossem capazes de controlar a moeda mundial, que lhes permitiria continuar reciclando o excedente econômico global, ao mesmo tempo em que se mantivesse como a maior e mais importante força no comércio internacional, pouco importava ser uma economia superavitária ou deficitária. O que o mundo viu acontecer na era pós-1971 foi, então, uma reversão do fluxo comercial e dos excedentes de capital entre os Estados Unidos e os demais países. Pela primeira vez na história mundial, o poder hegemônico se fortalecia aumentando deliberadamente seus déficits.
Donos da moeda fiduciária mundial, os EUA tornam-se, sob um sistema monetário e financeiro internacional hegemonizado pelo dólar flexível, o grande polo de um novo MGRE às avessas: funcionando como uma espécie de “consumidor de primeira instância”, o enorme corpo gravitacional dos déficits gêmeos (comercial e orçamentário) americanos serviram como força de atração para o investimento dos excedentes acumulados em outras regiões do globo. Resumidamente: enquanto os seus persistentes saldos comerciais negativos suscitavam o avanço da produção em outros países e regiões, os déficits orçamentários serviam para transformar os excedentes comerciais destas em títulos da dívida americana. À medida que o mundo acumulava tais títulos, o capital mundial fluía inadvertidamente para o mercado financeiro estadunidense. Para se ter uma ideia da dimensão deste movimento, no início dos anos 2000, pouco antes da crise, mais de 70% das saídas globais de capitais tinham os EUA como destino final.
Tal qual um mostro cretense redivivo, a voracidade do Tio Sam era alimentada por oferendas estrangeiras. Com uma importante diferença: os “carismas do Minotauro” (seu poder geopolítico e a manutenção do dólar como moeda de reserva mundial), garantiam, distintamente ao mito, que os pagamentos ao “Minotauro Global” fossem “voluntários”. Para que o movimento global de capitais se configurasse e se comportasse exatamente sob esse padrão, duas tarefas foram necessárias: de um lado uma recuperação da competitividade das empresas americanas face, especialmente, às alemãs e japonesas, de outro a elevação da taxa de juros paga aos títulos de sua dívida soberana.
Como isso foi alcançado é história amplamente conhecida. À enorme redução dos custos do trabalho nos EUA somou-se a crise do petróleo (estimulado pelo próprio governo americano, segundo Varoufakis), que afetou de modo especial aos dependentes Japão e Alemanha, que não dispunham de produção própria significativa. Na outra ponta, as taxas de juros foram paulatinamente elevadas ao longo da década, até alcançarem níveis recordes em 1979 – uma verdadeira catástrofe para países endividados em dólar, como os latino-americanos e europeus do leste. A metamorfose havia sido concluída.
Mas ao conseguir emplacar mais este feito notável, o sucesso trágico de Washington, ao mesmo tempo em que reforçou seu domínio, implantou as sementes de sua própria desgraça: uma expansão financeira sem precedentes. Sob a direção dos “serviçais do Minotauro” (as teorias tóxicas, Wall Street, o sistema Walmart e as políticas da trickle-down economics), as décadas de financeirização acelerada sob esse equilíbrio desequilibrado redundaram, por fim, na hecatombe de 2008.
Enquanto absorvia uma imensidão de capitais vindos de todas as partes, Wall Street, livre de regulamentações, barreiras e constrangimentos políticos de outrora, se encarregava de ativar uma verdadeira farra desvairada de criação de dinheiro privado por meio de ativos tóxicos (dentre os quais estão as famigeradas classes de derivativos bizarros que o mundo veio a conhecer). Fusões e aquisições alavancadas por bolhas financeiras e a produção e circulação de capital fictício em quantidade inimaginável encontram-se, especialmente ao longo das últimas duas décadas, com a concessão de hipotecas e enorme expansão de crédito pessoal para aqueles mesmos trabalhadores que não percebiam aumento real em seus salários desde 1973. Ativado pela espantosa criação de dinheiro privado, o consumo sustentado parecia indicar que tudo estava indo muito bem obrigado.
Até as vésperas da crise, Wall Street, e todos as suas gambiarras outrora eufemisticamente conhecidas como “inovações financeiras”, atraiu capital mundial suficiente para reciclar a contento os excedentes obtidos pelos demais países e, inclusive, sustentar certa reconversão destes em mais investimentos produtivos, e novas vendas para os EUA – o que ensejava novos superávits daqueles países e, assim, a continuidade, em dimensão ampliada, da mesma roda-viva. Enquanto isso, os desiquilíbrios no comercio internacional seguiam se ampliando. Quando a música parou, o número de cadeiras era pequeno demais para a quantidade de pessoas que circulavam em seu redor. O dinheiro privado evaporou, e o sistema bancário quebrou. O resto é história (que nosso autor descreve, aliás, em minucias).
Desde então agonizante, gravemente ferido, o Minotauro, conforme aponta Varoufakis, não é mais capaz dos feitos de outrora: sua demanda por bens e serviços já não é mais a mesma, e tampouco Wall Street tem sido capaz, mesmo diante da astúcia em manter-se no comando, de gerar a enorme quantidade de dinheiro privado que outrora sustentou a escalada de consumo e investimento. Em consequência, com Europa, Japão e China em marcha lenta, os exportadores de commodities e produtos primários são juntos arrastados para o rosário de agonias do mundo pós-2008, um mundo de desesperança e acelerada desagregação política e social.
E assim nosso autor encerra sua teratologia da economia mundial. Seja desestabilizado pela expansão do dinheiro estatal-público, seja pelo avanço desgovernado do dinheiro privado-bancário, conclui o economista grego, MGREs dessa forma geridos – sem dispor de mecanismos de coordenação global multilateral análogos ao sugeridos por Keynes em Bretton Woods – tendem a sustentar, como em um equilíbrio desequilibrado, fôlego curto.

Leonardo Boff discute as lições a serem aprendidas após o cinismo do Golpe-Impeachment




Texto de Leonardo Boff

Seguramente é cedo ainda para tirar lições do questionável impeachment que inaugurou uma nova tipologia de golpe de classe via parlamento. Estas primeiras lições poderão servir aos que amam a democracia e respeitam a soberania popular, expressa por eleições livres e não em ultimo lugar ao PT e aliados. Os que detêm o ter, o poder e o saber que se ocultam atrás dos golpistas se caracterizam por não mostrar apreço à democracia e por  se lixar pela situação de gritante desigualdade do povo.
Primeira lição é alimentar resiliência, vale dizer, resistir, aprender dos erros e derrotas e dar a volta por cima. Isso implica severa autocrítica, nunca feita com rigor pelo PT. Precisa-se ter claro sobre qual  projeto de país se quer implementar.
Segunda lição: reafirmar a democracia, aquela que  ganha as ruas e praças, contrariamente da democracia de baixa intensidade, cujos representantes, com exceções, são comprados pelos poderosos para defender seus interesses corporativos..
Terceira lição: convencer-se de que um presidencialismo de coalizão é um logro, pois desfigura o projeto e induz à corrupção. A alternativa é uma coalização dos governantes com os movimentos sociais e setores dos partidos populares e a partir deles pressionar os parlamentares.
Quarta lição: convencer-se de que o capitalismo neoliberal, na atual fase de altíssima concentração de riqueza, está dilacerando as sociedades centrais e destruindo as nossas. O neoliberalismo atenuado, praticado nos últimos 13 anos pelo PT e aliados permitiu fazer a maior transformação social na história do Brasil com a melhoria de vida de quase 40 milhões de pessoas, com o aumento dos salários, com facilidade de crédito, com  desonerações fiscais, mas mostrou-se, no fundo,  insuficiente. Grande erro do PT foi: nunca ter explicado que aquelas ações sociais eram fruto de uma política de Estado. Por isso criou antes consumidores que cidadãos conscientes. Permitiu adquirirem bens pessoais (a linha branca) mas melhorou pouco o capital social: educação, saúde, transporte e segurança. Bem disse frei Betto: gerou-se “um paternalismo populista que teve início quando se trocou o Fome Zero, um programa emancipatório, pelo Bolsa Família compensatório; passou-se a dar o peixe sem ensinar a pescar”. No atual governo pós golpe, a radicalizada política econômica neoliberal de ajustes severos, recessiva e lesiva aos direitos sociais seguramente vai devolver à fome e à miséria os que dela foram tirados.
Quinta lição: é urgente dar centralidade à educação e à saúde. O governo Lula-Dilma avançou na criação de universidades e escolas técnicas. Mas cuidou pouco da qualidade seja da educação seja da saúde. Um povo doente e ignorante nunca dará um salto rumo a uma properidade sustentável. Tanto o filho/a de rico quanto de pobre tem direito de frequenter a mesma escola de qualidade.
Sexta lição: colocar-se corajosamente ao lado das vítimas da voracidade neoliberal, denunciando sua perversidade, desmontando sua lógica excludente, indo para as ruas, apoiando demonstrações e greves dos movimentos sociais e de outros segmentos.
Sétima lição: colocar sob suspeita tudo o que vem de cima, geralmente fruto de políticas de conciliação de classes, feitas de costas e à custa do povo. Estas políticas vem sob o signo do mais do mesmo. Preferem manter o povo na ignorância para facilitar a dominação  e combatem qualquer espírito critico.
Oitava lição: é urgente a projeção de uma utopia de um outro Brasil, sobre outras bases, a principal delas, a originalidade e a força de nossa cultura, dando centralidade à vida da natureza, à vida humana e à vida da Mãe Terra, base de uma biocivilização. O desenvolvimento/crescimento é necessário para atender, não os desejos, mas as necessidades humanas; deve estar a serviço, não do mercado, mas da vida e da salvaguarda de nossa riqueza ecológica. Concomitante a isso urge reformas básicas, da política, da tributação, da burocracia, da reforma do campo e da cidade etc.
Nona lição: para implementar essa utopia faz-se indispensável uma coligação de forças políticas e sociais (movimentos populares, segmentos de partidos, empresários nacionalistas, intelectuais, artistas e igrejas) interessadas em  inaugurar o novo viável, que dê corpo à utopia de outro tipo de Brasil.
Décima lição: esse novo viável tem um nome: a radicalização da democracia que é o socialismo de cunho ecológico, portanto, ecosocialismo. Não aquele totalitário da Rússia e o desfigurado da China que, na verdade, negam a natureza do projeto socialista. Mas o ecosocialismo que visa realizar potencialmente o nobre sonho de cada um dar o que pode e de receber o que precisa, inserindo a todos,  a natureza incluída.
Esse projeto deve ser implementado já agora. Como expressou a ancestral sabedoria chinesa, repetida por Mao: “se quiser dar mil passos, comece já agora pelo primeiro”. Sem o que jamais se fará uma caminhada rumo ao destino desejado. A atual crise nos oferece esta especial oportunidade que não deverá ser desperdiçada. Ela é dada poucas vezes na história e agora é uma delas.
*Teólogo, filósofo, escritor e articulista do JB on line. Escreveu: Que Brasil queremos? Vozes 2000.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Temer é reconhecido como ‘o Cara’ na ONU... o cara de pau! por Luciana Oliveira

tique

por Luciana Oliveira, em seu blog
O discurso de Michel Temer não convenceu o antipetista mais raivoso, nem o militante mais ignorante da direita, que dirá os participantes da 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
Entre um parágrafo e outro, tiques marcantes denunciaram o desconforto do presidente que onde vai simboliza ímpias falanges, face hostil. O Brasil que Temer representa não tem absolutamente nada a ver com o que ganhou destaque na ONU na última década.
A imagem do país se reduziu dramaticamente à miúda, desinteressante e embaraçosa imagem de Temer.
Quando iniciou seu discurso, os chefes de estado devem ter ser perguntado: a quem ele pensa que engana?
Temer exagerou no sofisma, disse entre outras mentiras que levou à ONU o compromisso com a democracia, que o processo de impeachment no Brasil é um exemplo ao mundo, que deseja que o direito sempre prevaleça à força e que o Brasil passa por um processo de depuração do seu sistema político.
Ele falou como em entrevista ao Fantástico, mas num ambiente plural e crítico como uma assembleia da ONU, não cola.
E não cola, porque há um ano a imprensa internacional e intelectuais dos mais renomados denunciam a ruptura democrática no Brasil por meio de um golpe parlamentar-midiático-judicial.
A resposta à falácia de que “A integração latino-americana é, para o Brasil, princípio constitucional e prioridade permanente de política externa”, foi dada em forma de protesto.
Ao ser anunciado viu as delegações do Equador, da Venezuela, da Costa Rica e do Nicarágua se deixarem a plenária e os representantes da Bolívia e Cuba só entraram quando ele parou de falar.
O gesto foi desprezado pelo ministro das Relações Exteriores, José Serra, que calculou como zero o impacto, flagrante contraste à importância de integração latino-americana que Temer realçou em seu discurso.
O discurso não colou, o presidente não colou.
Ninguém viu contente a mãe gentil que tem sua economia na sexta queda consecutiva.

O golpe do Caixa 2 no Planalto pós-Golpe sob a bênção das panelas caladas: tira a Dilma e depois anistia os crimes. Por Mauro Donato

Geddel e Temer
Geddel e Temer

Parlamentares tentaram um golpinho na data de ontem. Mais um. Ao apagar das luzes, quiseram aprovar na Câmara dos Deputados o projeto que tipifica o crime de caixa 2. Atrapalharam-se, deu ruim.
Tentando fazer de conta que nada sabia, o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, disse desconhecer o fato mas, consultado, afirmou ser ‘pessoalmente’ a favor da medida. E mais: uma vez tipificada como crime, Geddel declarou ser favorável a anistiar a  prática do caixa 2 para quem dele fez uso até então. O que ficou no passado, ficou.
“Quem foi beneficiado no passado, quando não era crime, não pode ser penalizado. Esse debate tem que ser feito sem medo, sem preconceito, sem patrulha e sem histeria”, disse Geddel.
Bem, se é assim, o que Dilma Rousseff praticou em termos de pedaladas não foi nada diferente do que todos sempre fizeram. Se muda a regra do jogo de uma hora para outra, então ela deveria ficar de fora das penalidades, certo? Geddel, ajude-nos a entender.
Todo o circo foi montado para dar a impressão de que o Palácio do Planalto não teria sido consultado, que Michel Temer não sabia, Geddel não sabia mas apoia, Renan não sabia, nem o sabiá sabia assobiar.
Todo mundo sabia. Estão todos acordados em aprovar o projeto do Ministério Público Federal que criminaliza o caixa 2 hoje para anistiar o caixa 2 cometido até ontem pois sabem que a lista da Odebrechet coloca uma corda com o laço já feito em seus pescoços.
O plano era que o Senado também votasse o texto rapidamente, ou seja, é evidente que Renan Calheiros (PMDB) também estava sabendo. Mas agora ninguém quer assumir a autoria da proposta. O deputado Carlos Sampaio (PSDB), que tem os dois pés e as duas mãos enfiadas nessa cuia fez cara de paisagem.
Querem nos fazer crer que uma articulação para votação de algo dessa monta se instala e ninguém sabia? O presidente da Câmara, onde a votação ocorreria, não teve participação? Foi atropelado? Com Temer nos Estados Unidos, Rodrigo Maia (DEM) não é apenas o presidente da Câmara. É o presidente da República interino. Estava ajeitando as meias tal qual Roberto Carlos na Copa da França?
Todos, absolutamente todos os passos dados pela turma que tomou o poder confimam o golpe dado para erradicar o perigo que corriam. Depois de Dilma derrubada e de Lula estar na alça de mira, agora deputados e senadores desejam anistia para o que fizeram no verão passado. Agora Renan Calheiros vem a público reclamar dos showzinhos e do ‘exibicionismo’ do pessoal de Curitiba nas ações da Lava-Jato.
“A Lava-Jato é um avanço civilizatório, mas ela tem a responsabilidade de separar o joio do trigo, acabar com esse exibicionismo, fazer denúncias que sejam consistentes”, disse o homem que tinha a amante sustentada pela empreiteira Mendes Junior. Agora ele vê inconsistência nas acusações.
Mas lembre-se, caro leitor: não é golpe. Tudo foi dentro do ‘rito democrático’, ‘feito constitucionalmente’, como disse candidamente Michel Temer em NY ontem (depois de passar por mais um carão ao ver vários líderes da América Latina se retirarem da sala para não presenciar seu pronunciamento).
Embora tenha naufragado, a tentativa de uma votação na calada da noite é um tapa na cara de todos aqueles que apoiaram essa balela chamada impeachment. Mas para quem não se importa em ouvir procuradores afirmando ‘não temos provas, temos convicção’, ta valendo tudo.
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Sobre o Autor
Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Leonardo Boff sobre o persistente (e visivelmente hipócrita) bullyng sobre Lula, Dilma e o PT dos vingativos derrotados em quatro eleições e que chegaram ao poder novamente por meio do Golpe

"(...) pode chegar a um momento em que os conflitos recrudecem e as forças do Negativo vão se acumulando, rompendo o referido equilíbrio. Começam os processos de ruptura nas relações sociais e até nas famílias e entre amigos, rejeições de uns e de outros, distorções na percepção da realidade, difamações, descontrução da imagem do outro, dando lugar até ao ódio aberto. Os instrumentos mais usados é a mídia, seja pelos jornais, pela televisão e hoje pelas redes sociais da internet. É o bullying em funcionamento."

Resultado de imagem para Hipocrisia Moro Lava Jato Globo

O persistente bullyng sobre o PT, Lula e Dilma Rousseff


Leonardo Boff

É notório o bullyng politico e social (acossamento) sofrido persistentemente pelo PT, pelo Lula e pela ex-presidenta Dilma Rousseff. Uma coisa é reconhecer que houve corrupção e erros politicos por parte de setores do PT e outra coisa é tributar quase exclusivamente tais fatos e mais a crise atual, ao PT a Lula e à ex-presidenta.

Para entender este penoso fenômeno socorre-nos um dos maiores pensadores da atualidade que dedicou grande parte de sua obra a decifrar o que seja a agressividade humana e seus disfarses: René Girard(+2015), francês, professor de Letras e antropólogo, que viveu nos EUA. Seu principal livro se intitula exatamente “O bode expiatório”(Le bouc émisaire, Paris 1982).

Constata Girad que todos os grupos e mesmo as sociedades conhecidas vêm atravessadas por tensões e conflitos. O processo civilizatorio, a educação, as leis e as religiões propõem um ponto de equilíbrio que permita a convivência minimamente pacífica ou impedir que os conflitos não sejam destrutivos.

Mas pode chegar a um momento em que os conflitos recrudecem e as forças do Negativo vão se acumulando, rompendo o referido equilíbrio. Começam os processos de ruptura nas relações sociais e até nas famílias e entre amigos, rejeições de uns e de outros, distorções na percepção da realidade, difamações, descontrução da imagem do outro, dando lugar até ao ódio aberto. Os instrumentos mais usados é a mídia, seja pelos jornais, pela televisão e hoje pelas redes sociais da internet. É o bullying em funcionamento.

Lentamente emerge o sentimento de que assim como se encontra a sociedade não pode continuar. Ela tem que encontrar um novo equilíbrio. Uma das formas, a mais equivocada e persistente, é a criação de um bode expiatório. Os grupos mais dominantes definem um bode expiatório e praticam terrível bullyng sobre ele, para descarregar todas as forças do Negativo. Esse bode expiatório varia consoante as circunstâncias históricas: podem ser os comunistas, os sem-terra, os pobres que ascenderam socialmente, os terroristas, os muçulmanos, as esquerdas que querem mudanças estruturais e outros.

No nosso caso, o bode expiatório escolhido foi e continua sendo, o PT e pessoalmente a ex-presidente Dilma Rousseff, incluindo o ex-presidente Lula. Ele cumpre uma dupla função: uma de aplacar e outra de ocultar. Toda a raiva e o ódio acumulado são lançados sobre o bode expiatório. Ele carrega todas as maldades e é feito responsável por todos os desmandos ocorridos e pela crise econômico-financeira. Esquecidos ficam, consciente ou inconscientemente, todos os acertos, em especial, a maior transformação social pacífica feita em nosso país, que implicou na diminuição de nossa maior vergonha, a desigualdade social e, positivamente, a integração de cerca de 40 milhões, sempre considerados peso morto da história. Para o efeito da construção do bode expiatório tudo isso não conta, caso contrario não se cumpriria a função do bode expiatório de aplacar a fúria coletiva. Desta forma, todos se sentem livres desta praga, se possível, a ser extermianda. É a função de aplacar a carga negativa jogada sobre a vítima.

Mas há uma outra função, de ocultar. Ao colocar toda culpa e todos os males sobre PT, Lula e a ex-presidenta, feitos bodes expiatórios, esses grupos dominantes ocultam sua própria perversidade e sua culpa. Apresentam-se, farisaicamente, como paladinos da moralidade e tomados de indignação contra a corrupção. No entanto, a bem da verdade, exatamente dentre esses grupos dominantes se encontram os maiores corruptos, corruptores e sonegadores de impostos, no estilo da FIESP, esteio do impeachment, aquela que mais sonega impostos, na ordem de bilhões, como o tem denunciado o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, sem ainda referir os cerca de 600 bilhões de reais de brasileiros, mantidos no exterior em paraísos fiscais e em offshores.

A Bíblia conhece também as figura do bode expiatório, sobre o qual a comunidade colocava todas as ofensas a Javé e o levava para o deserto para lá morrer. O mesmo faziam os gregos, chamando o bode expiatório, uma pessoa ou animal, de phármacon que como um remédio farmacêutico purificava a sociedade de seus desacertos. O cristianismo ve na figura do cordeiro imolado, aquele que vicariamente tira os pecados do mundo, como se reza por três vezes na missa. O efeito é sempre o mesmo: aplacar a sociedade para que, refeita, possa equilibrar seus conflitos até que estes se agravem novamente e acabem por criar algum outro bode expiatório.

Pois assim funciona canhestramente a nossa história sacrificialista. Gerard vê uma saída sensata: na coordenação dos interesses ao redor do bem comum, na total transparência e da inclusão de todos, sem sacrificar ninguém. Mas reconhece que este não é o caminho seguido pela maioria das sociedades conhecidas. O mais fácil é criar bodes expiatórios como se pratica atualmente no Brasil. Para a infelicidade geral.

Leonardo Boff é teólogo e filósofo, articulista do JB on line.