Segue texto da Professora Flávia Biroli, do Instituto de Ciência Política da UnB.
A candidata do PSB, Marina Silva, se apresenta como a
representante da “nova política”.
A política não seria feita de acordos e disputas entre
partidos políticos e grupos na sociedade, mas de uma reunião das pessoas “de
bem”. Quem define quem faz parte da “nova política” é a própria candidata, com
uma sabedoria que, ao que parece, viria da pureza de quem está fora da política
e imbuída de uma missão.
Acreditava que no Brasil de hoje não havia o risco de um
novo salvador. Afinal, o momento em que Collor apareceu como candidato da “nova
política”, contra a política dos marajás, parece não apenas distante, mas de
algum modo aquém do patamar em que as disputas se colocaram desde então.
Estava enganada. Temos hoje novamente uma candidata que se
apresenta como a representante da “nova política”. A recusa da dinâmica
política aparece como a solução, os partidos e as instituições são vistos como
entraves, mas sua candidatura só foi possível porque seguiu a rota mais
convencional do casuísmo, tomando carona em um partido que nada tem a ver com a
agenda que parecia ser a sua. E tudo para garantir que não ficaria de fora da
disputa eleitoral, mesmo não acreditando nos caminhos desta política.
Marina Silva também se apóia em concepções da economia que
nada têm de novas, que são defendidas há décadas pelos banqueiros e pelos
economistas que estão com ela – eles tiveram, aliás, lugares bem pagos e de
prestígio em consultorias, bancos e em governos anteriores.
Maior controle do mercado sobre o Banco Central (a
independência do BC), ajustes na economia para restabelecer a “confiança” dos
investidores, é assim o “novo” de Marina Silva. Ela é “nova” financiada pelo
Itaú, fazendo acordos com o agronegócio e com uma agenda econômica produzida
por André Lara Resende (quem não se lembra dele, pode lançar no google confisco
da poupança no governo Collor, grampo do BNDES, banco Matrix, privatização da
Telebrás etc.) e Eduardo Gianetti (que repete a fórmula dos “ajustes duros” e
da autonomia do Banco Central, além de elogios à política econômica de Fernando
Henrique Cardoso).
O fundamentalismo religioso a coloca numa posição em que a
crença supera os direitos individuais. Já falou a favor do criacionismo,
recusando o conhecimento científico. É contrária aos direitos dos homossexuais
e prefere diluir os problemas em noções vagas de diferença a enfrentar o fato
de que sua posição colabora para a recusa da cidadania e para a violência
contra tantas pessoas. É mulher na política, mas retirou a palavra “sexismo” do
seu programa de governo. Afinal, conflitos são coisa do passado.
O que ela teria de distinto, sua identidade de ambientalista,
vai rapidamente pelo ralo. Afinal, é preciso garantir a “confiança”. E como não
há conflitos na sociedade dos discursos de Marina Silva, as dúvidas sobre os
transgênicos se resolvem definindo áreas de plantio para transgênicos e
não-transgênicos: um caminho para a paz entre o agronegócio e os
ambientalistas, afinal! E o etanol se transforma em aliado do ambientalismo,
garantindo um lugar para os usineiros no pacote da “nova política”.
O messianismo garante que Marina Silva seja “líder nata” sem
propostas e com a entrada mais tradicional no jogo político. Ela está acima das
disputas e dos conflitos. E os acordos… bem, os acordos são feitos à velha
moda, nos bastidores, enquanto ela repete “nova política”, “nova política”,
“nova política”.
Sabemos, no entanto, que os conflitos sociais não
desaparecem e os apoios de banqueiros, investidores e empresários são cobrados
depois. Sabemos também que por mais complicado que seja governar com
instituições democráticas, sem elas nós todos nos tornamos reféns do que nos
reservam as boas intenções ou a vontade de uma “iluminada”.
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