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segunda-feira, 14 de julho de 2025

Relembre: Os Estados Unidos e o Fascismo na América Latina, por Franklin Frederick

 

 

O fascismo ‘amistoso’ que Bertram Gross observou, é atualmente chamado por um outro nome, um com melhor reputação: neoliberalismo.

Do Jornal GGN:

    Shutterstock


Relembre: Os Estados Unidos e o Fascismo na América Latina, por Franklin Frederick


Publicado em 7 de fevereiro de 2018

Os Estados Unidos e o Fascismo na América Latina

por Franklin Frederick

Publicado originalmente em The Dawn New

“Os crimes cometidos pelos Estados Unidos em todo o mundo tem sido sistemáticos, constantes, implacáveis e muito bem documentados, mas ninguém fala sobre eles.” – Harold Pinter

Tendências fascistas estão de volta à luz do dia na América Latina. Podem ser claramente vistas na criminosa oposição Venezuelana e também nas ruas no Brasil e na Argentina. Tais tendências têm sua origem no fato de que a desigualdade econômica e a igualdade política são incompatíveis. Mas o fascismo latino-americano também é expressão de uma agenda política e econômica mais profunda que deve ser bem compreendida se queremos combatê-la com sucesso.

Em 1979, Noam Chomsky e Edward S. Herman publicaram um dos livros mais importantes sobre o fascismo latino-americano: ‘The Washington Connection and the Third World Fascism’, onde escreveram:

“(…) O velho mundo colonial foi destruído durante a Segunda Guerra Mundial, gerando ondas de nacionalismo radical que ameaçaram a tradicional hegemonia ocidental e seus interesses econômicos. Para conter esta ameaça, os Estados Unidos se alinharam com elementos da elite e das forças armadas do Terceiro Mundo cuja função tem sido a de conter os ventos de mudança. (…) Com o apoio freqüente dos Estados Unidos, o Estado de Segurança Nacional neofascista ( National Security State) e outras formas autoritárias  tornaram-se o padrão dominante dos governos no Terceiro Mundo”.

“… a massiva intervenção e subversão (dos EUA) nos últimos 25 anos se limitaram quase exclusivamente à derrubada de governos reformistas e democracias radicais… (Os EUA) raramente ‘desestabilizaram’ regimes militares de direita, não importa o quão corruptos ou terroristas. (…) A ‘junta militar’ foi considerada como um bom modelo de governo e os Estados Unidos fizeram com que este modelo crescesse e se difundisse. Tortura, esquadrões da morte e liberdade para investimentos são elementos relacionados neste modelo patrocinado e apoiado pelo país líder do Mundo Livre. Nestes Estados, o terror é funcional, favorecendo um bom ‘clima para investimentos’(…) Assim, se olharmos para além da barreira midiática e de propaganda, Washington se converteu na capital mundial da tortura e do assassinato político.” (Grifo dos autores)

Estas palavras sobre os EUA são tão atuais hoje como o eram em 1979, porém com uma importante diferença: atualmente, além da pura violência, os EUA também passaram a utilizar formas mais sutis, ‘suaves’, de desestabilização política, como nos golpes de Estado em Honduras em 2009, no Paraguai em 2012 e no Brasil em 2016. Em todos estes casos não houve intervenção militar, pois o golpe foi dado através do Parlamento ou do Poder Judiciário do país, sempre com o respaldo de Washington. Esta diferença é crucial porque estes ‘golpes suaves’ são muito mais fáceis de legitimar e por isso serão a opção preferencial dos EUA sempre que possível. O objetivo, contudo, permanece o mesmo: ‘melhorar o clima para investimentos’ para os interesses dos EUA e os de seus aliados. Esta é a razão porque Chomsky e Herman chamam o fascismo latino-americano de ‘sub-fascismo’, ou ‘fascismo clientelista’ ( client fascism). Ao contrário do modelo clássico, nacionalista, do fascismo dos anos 20 e 30 na Europa do século XX, o fascismo latino-americano é profundamente anti-nacionalista. Chomsky e Herman o descrevem assim:

“A economia do” ‘sub-fascismo’ “implica em uma rápida mudança em direção a uma ampla abertura ao comércio e investimentos estrangeiros, à austeridade monetária e aos cortes no orçamento de programas sociais, ou seja, uma mudança conforme as políticas econômicas promovidas pelos interesses do poder dominante e de seus sócios institucionais como o FMI e o Banco Mundial. A prioridade passa a ser o serviço da dívida externa, através do aumento das exportações e da redução das importações, com a maioria da população arcando com os custos através da redução de salários e do agravamento do desemprego”.

Na verdade, o projeto sub-fascista latino-americano representa um retorno ao status de colônia, mantendo as mesmas velhas oligarquias no poder. Como estas oligarquias obviamente não contam com nenhum apoio da maioria da população em seus próprios países, todas são profundamente antidemocráticas. Com o intuito de preservar seu próprio poder e riqueza, elas escolheram representar e defender os interesses econômicos estrangeiros – o ‘mercado’ – cujo objetivo é manter os países latino-americanos como produtores subdesenvolvidos de matérias primas para as companhias transnacionais e instituições financeiras sediadas nos países do norte. Em troca, estes interesses protegem e mantém estas oligarquias no poder. Como concluem Chomsky e Herman : “(…) sob o fascismo clientelista as bases de apoio da liderança política passam a ser os interesses estrangeiros”.

Entretanto, o sub-fascismo ou fascismo clientelista latino-americano adquiriu atualmente uma nova face, criada para corresponder aos golpes de estado ‘suaves’, uma face mais ‘amistosa’.

“Friendly fascism” (Fascismo amistoso) é justamente o título de uma obra fundamental de Bertram Gross sobre o fascismo moderno publicada em 1980. Bertram Gross, Professor de Ciência Política e Secretário Executivo do ‘Council of Economic Advisers’ da Presidência dos EUA de 1946 até 1952, estava principalmente preocupado com a ascensão do ‘fascismo amistoso’ nos EUA – a ‘Nova Face do Poder na América’, como ele escreveu na época.  Mas o que ele vislumbrou nos seus inícios há 38 anos atrás quando o seu livro foi publicado, é hoje realidade na maior parte do mundo, incluindo a América Latina.

“Fascismo amistoso retrata duas tendências em conflito nos Estados Unidos e em outros países do chamado ‘mundo livre’ – escreveu Bertram Gross – A primeira tendência é um avanço lento e poderoso em direção a uma maior concentração de riqueza e poder numa parceria do Grande Negócio com o Grande Governo (Big Business – Big Government partnership). Esta tendência conduz a uma forma de manipulação nova e sutil de servidão corporativa. A expressão ‘fascismo amistoso’ ajuda a distinguir este futuro possível do corporativismo obviamente brutal do fascismo clássico do passado na Alemanha, na Itália e no Japão. Esta expressão serve também para contrastar com o fascismo dependente e ‘hostil’ apoiado pelo Governo dos EUA atualmente (1980) em El Salvador, Haiti, Argentina, Chile (…).”

“A outra é a tendência, mais lenta e menos poderosa, de indivíduos e grupos buscarem cada vez mais participação nas decisões que os afetem. Esta tendência vai além de uma mera reação ao autoritarismo. (…) Ela se alimenta das promessas do ‘establishment’ –que com muita freqüência são falsas– de mais direitos humanos, mais direitos e liberdades civis. Se encarna em valores maiores como comunidade, participação, cooperação, ajuda aos outros, decência (…). Afeta relações dentro da família, do trabalho, da comunidade, da escola, da Igreja ou Sinagoga, e chega mesmo a afetar os labirintos das burocracias públicas e privadas. Esta tendência pode levar a uma democracia mais verdadeira – e por esta razão é duramente combatida…”

O “avanço lento e poderoso em direção a uma maior concentração de riqueza” alcançou atualmente níveis sem precedentes. De acordo com um relatório da OXFAM, 8 indivíduos apenas possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre da humanidade. Tais concentrações de riqueza criam uma correspondente concentração de poder político nas mãos dos que mais se beneficiam desta: as corporações internacionais e o setor financeiro. Estes, por sua vez, assim podem impor à quase totalidade do mundo a ‘servidão corporativa’ sobre a qual Bertram Gross alertou.

A segunda tendência identificada por Gross – grupos e indivíduos buscando maior participação nas questões públicas – tem sido sempre muito presente na América Latina e foi a força maior por trás das eleições dos governos progressistas de Lula no Brasil e Evo Morales na Bolívia a Rafael Correa no Equador e Hugo Chavez na Venezuela. Enfrentando desafios muito difíceis e em condições sociais e econômicas bem diversas, estes governos progressistas tentaram construir uma democracia mais verdadeira, promovendo maior participação social e uma melhor distribuição de renda. E por esta razão foram todos ‘duramente’ combatidos pelos EUA e pelo ‘establishment’ internacional. O país latino-americano onde, hoje, esta luta se dá com violência crescente é a Venezuela.

Àqueles relutantes em encarar a realidade e usar a palavra ‘fascismo’ onde ela cabe, Bertram Gross escreveu:

“Ao olhar para a América de hoje (1980), eu não tenho medo de dizer que tenho medo. (…) Qualquer um que esteja esperando por Partidos de massa ou homens a cavalo não vai perceber os sinais de um fascismo insidioso. Em qualquer país de capitalismo avançado do Primeiro Mundo, o novo fascismo será constituído por elementos da herança nacional e cultural, de sua composição étnica e religiosa, de sua estrutura política formal e seu ambiente geopolítico. (…)  Será fascismo com um sorriso. Como um alerta contra a sua fachada cosmética, manipulação sutil e luvas de veludo, eu o chamo de ‘fascismo amistoso’. O que mais me assusta é a sua sutil atração.”

“Fico preocupado com aqueles que se esqueceram – ou nunca aprenderam – que a parceria Grande Negócio – Grande Governo, respaldada por outros elementos, foi o fato central por trás das estruturas de poder do fascismo nos tempos de Mussolini, Hitler e dos construtores de império japoneses. (…) Me preocupam aqueles que polemizam sobre as palavras. (…) que usam os termos inventados pelos ideólogos fascistas, como ‘estado corporativo’, mas não fascismo. (…) Igualmente importante é o alcance global da emergente parceria Grande Negócio – Grande Governo. Este alcance esta ancorado em colossais corporações e complexos transnacionais que ajudam a manter unido um ‘Mundo Livre’ no qual o sol nunca se põe. Estes são os elementos de um novo despotismo”.

Este novo despotismo, o fascismo ‘amistoso’ que Bertram Gross observou e denunciou em seus começos, é atualmente chamado por um outro nome, um com melhor reputação: neoliberalismo. A dinâmica ‘fascismo amistoso / fascismo hostil’ (friendly and unfriendly fascism) é fruto das políticas neoliberais. As corporações e o setor financeiro internacionais, na sua incessante busca por mais lucro e poder, vão tentar permanentemente impor ao mundo o fascismo ‘amistoso’ quando possível e o fascismo ‘hostil’ sempre que necessário para atingir os seus fins. Desta forma, o espectro político se reduz a uma escolha entre um e outro. O neoliberalismo e o fascismo ‘amistoso’ são um só. O fascismo ‘hostil’ sendo apenas a face mais sombria do neoliberalismo quando este tem que utilizar meios menos ‘amistosos’ para se impor.

Uma comparação entre o golpe de estado no Brasil e a situação na Venezuela ( antes da eleição da Assembléia Constituinte) ajuda a compreender melhor a dinâmica fascismo ‘amistoso’/ ‘hostil’.

No Brasil, em muitas das demonstrações de rua contra a Presidente Dilma Roussef, os fascistas mostravam sua tradicional face ‘hostil’: violentos, racistas, homofóbicos. Foi a relativamente rápida instalação e resultado do processo de impeachment, levando à queda da Presidente Dilma Roussef, que impediram que a violência nas ruas atingisse os mesmos níveis que vimos na Venezuela. Com o fim do governo de Dilma Roussef, a violência das ruas já tinha atingido o seu objetivo e não era mais necessária. O fascismo ‘amistoso’ do governo de Michel Temer – tão melhor para dar legitimidade ao golpe – pôde assumir o poder e iniciar o processo de destruição das conquistas e das políticas do governo anterior do PT: privatização de bens públicos, abertura das reservas de petróleo e outros recursos naturais do país para a exploração internacional – o que sempre foi a razão real por trás do golpe.

A Venezuela é um dos países mais ricos do mundo, não só em petróleo, mas em gás e outros recursos naturais. Hugo Chavez e a Revolução Bolivariana se comprometeram a usar estas riquezas para o desenvolvimento da própria Venezuela, em benefício de sua própria população, não para a ganância de algumas companhias transnacionais, o que é o maior crime que se pode cometer contra a ordem neoliberal. O fracassado golpe de estado respaldado por Washington em 2002 mostrou que desestabilizar a Venezuela não é uma tarefa fácil. A segunda tendência apontada por Bertram Gross é demasiado forte na Venezuela para permitir um golpe ‘suave’. O fascismo ‘amistoso’ na Venezuela não é uma opção, pelo menos por agora: as conquistas sociais e as políticas da Revolução Bolivariana já estão muito enraizadas na sociedade Venezuelana, elas são o resultado concreto do comprometimento e da luta política desta mesma sociedade, que irá lutar até o fim para defende-las.

O ‘establishment’ neoliberal na Venezuela, tão ansioso por recuperar o controle sobre as riquezas naturais do país, decidiu apoiar o fascismo ‘hostil’. Há uma grande parcela da oposição Venezuelana que parece seguir obedientemente o conselho de Hitler em ‘Mein Kampf: “O emprego regular e constante da violência é essencial para o sucesso”. A grande imprensa internacional, sempre servil ao poder estabelecido, aplaude esta decisão.

A dinâmica fascismo ‘amistoso / hostil’ pode ser resumida desta maneira: quanto maior a participação popular no Governo de um país, quanto mais forte e sólida sua democracia e sua determinação em utilizar seus recursos para o seu próprio desenvolvimento; então maior será a necessidade do uso do fascismo ‘hostil’ para combater estas tendências. No mundo Orwelliano em que vivemos, sob a ‘servidão corporativa’, atacar a democracia é chamado ‘defender a democracia’. A grande imprensa aplaude.

Franklin Frederick

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepautaggn@gmail.com. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Trump e o 1º dia do fim da civilização ocidental, por Luís Nassif

 A grande estratégia trumpiana é submeter o mundo a uma frente de oligarcas norte-americanos, usando as big techs e o mercado financeiro.



GGN.- A máxima é “tudo para os Estados Unidos”. E o objetivo final é o “delenda, China”, apresentada como o maior risco para a hegemonia norte-americana, maior até que a União Soviética no seu auge.

Com base nesses princípios, adotará políticas comerciais protecionistas. Como elas impactarão o custo de vida – já que tornará mais caros os produtos importados – a compensação virá de uma Declaração de Emergência Energética Nacional, um plano de emergência para combustíveis, permitindo a exploração de petróleo em regiões com restrições ambientais.

Ao mesmo tempo, anunciou a revogação de Políticas Ambientais Anteriores. Anunciou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e o fim de iniciativas como o Green New Deal, visando remover regulamentações que, segundo ele, limitavam a produção de energia fóssil.

Finalmente, cancelou os incentivos às energias renováveis, para veículos elétricos e rescindiu contratos de arrendamento para parques eólicos, com o objetivo de direcionar investimentos para a indústria de petróleo e gás.

A ideia é baratear o combustível, para contrabalançar o impacto do protecionismo comercial sobre os preços.

Esses movimentos conjunturais servem apenas para preparar a grande estratégia trumpiana, que é submeter o mundo a uma frente de oligarcas norte-americanos, usando as big techs e o mercado financeiro.

A lógica de dominação é clara:

  1. Isolamento dos Estados Unidos, com políticas protecionistas, boicote aos organismos multilaterais, expulsão de imigrantes, fim das políticas inclusivas, inclusive nas grandes corporações, fim do financiamento da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), deixando a Europa dependendo de suas próprias forças armadas.
  2. Tomada total de controle do Estado americano, colocando bilionários e aliados em todos os cargos relevantes, do procurador geral ao presidente do FED.
  3. Pressão sobre os países através de três grupos: as big techs controlando o mercado de opinião; o estímulo às criptomoedas, enfraquecendo as políticas monetária e cambial dos países; e a parceria com a ultradireita religiosa.

A Europa se torna a grande incógnita desta equação. Fica à mercê das ameaças de Trump ao mesmo tempo em que os governos nacionais são acossados por uma ultradireita cada vez mais agressiva e influente. 

Aí se chega ao impasse final. De um lado, a China, como maior parceira comercial de mais de uma centena de países; de outro, os Estados Unidos, como a maior máquina bélica do planeta.

Obviamente, haverá um movimento da parte dos países em direção aos BRICS. Mas Trump fez ameaças diretas de retaliação a qualquer país que ousar essa aproximação.

Aparentemente, o mundo entrou em uma dinâmica que só será contida com uma grande tragédia, como foi nos anos 30 e 40. 

[clique aqui para o vídeo do discurso e gesto de Elon Musk]

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segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Protagonismo do dólar em xeque? Tudo indica que sim, por Tatiane Correia

 

Maiores credores diminuem participação no mercado de treasuries, e China já tem aparecido como alternativa para os mercados emergentes

Foto: Eric Prouzet via Unsplash


GGN. -Os Estados Unidos detêm o protagonismo político e econômico no cenário global há muitas décadas, ao ponto de sua moeda local ser usada como referência para as negociações no mercado financeiro internacional.

“O mercado de US$ 25,8 trilhões dos títulos do Tesouro (os treasuries) é o sistema circulatório dos mercados financeiros mundiais – todo o resto depende dele”, destaca o jornal norte-americano The Washington Post, afirmando ainda que é papel das autoridades “manter o mercado saudável” diante da mudança de perspectivas nas taxas de juros de longo prazo e ao elevado endividamento norte-americano.

Porém, esse protagonismo está começando a ser questionado – o que pode inclusive causar mais problemas a um país que tem tido alguma dificuldade em se recuperar da crise gerada pela pandemia de covid-19 e está envolvido com as mais recentes guerras em andamento.

E essa fuga pode ser vista em números: entre agosto de 2022 e agosto de 2023, o Japão (maior credor dos Estados Unidos) diminuiu o montante de títulos em mãos de US$ 1,196 trilhão para US$ 1,116 trilhão, ao passo que a China cortou sua parcela de US$ 938,6 bilhões para US$ 805,4 bilhões no mesmo período comparativo.

Fechando a lista dos cinco maiores credores norte-americanos, estão Reino Unido (US$ 698,1 bilhões em agosto de 2023), Luxemburgo (US$ 365,8 bilhões) e a Bélgica (US$ 316,7 bilhões), segundo dados oficiais do Departamento do Tesouro norte-americano.

O avanço chinês junto aos emergentes


O acirramento do confronto entre Israel – aliado histórico norte-americano – e o grupo extremista Hamas e a guerra entre Ucrânia e Rússia, onde norte-americanos e europeus tem fornecido dinheiro e recursos para o governo de Volodymyr Zelensky conter o avanço do exército de Vladimir Putin, também tem sido visto como pontos de alerta diante do impacto na economia e na política global.

Tem sido a China o país a ocupar os espaços historicamente ocupados pelos Estados Unidos e seus aliados, o que pode inclusive levar a mudanças mais destacadas no desenho geopolítico e econômico.

Um dos exemplos nesse sentido é a política Road and Belt promovida pelo governo de Xi Jinping. Lançada há 10 anos, tal estratégia teve como ponto inicial o financiamento de obras de infraestrutura em diversos países, muitos deles localizados na Ásia.

Além dos projetos de infraestrutura, estão previstos a realização de mais negociações, financiamentos e acordos de investimento fechados em moeda chinesa, como forma de os países evitarem os riscos associados ao dólar norte-americano.

Documento divulgado a uma semana da última edição do Fórum de Cúpula de Cooperação Internacional da Iniciativa Road and Belt revela o avanço dos planos chineses para questões financeiras, como a assinatura de contratos bilaterais de swap cambial com 20 países parceiros e acordos de compensação em yuan com outras 17 nações.

Um exemplo disso foi o recente empréstimo obtido pela Argentina, que conseguiu um empréstimo equivalente a US$ 6,5 bilhões em renminbi anunciado pelo presidente do país, Alberto Fernández, durante visita recente ao país.

Yuan como contraponto ao dólar


Artigo publicado no jornal South China Morning Post lembra que a indústria de valores mobiliários chinesa criou diversos fundos e índices temáticos sobre a estratégia Road and Belt desde que as autoridades reguladoras revelaram a existência de um projeto piloto para instituições estrangeiras emitirem bonds denominados em yuan no mercado de títulos chinês.

Outra medida para aumentar a presença internacional do yuan é o incentivo à emissão de obrigações transfronteiriças denominadas em yuan, ou “panda” bonds, por contas dos baixos rendimentos no mercado doméstico.

Até o final do mês de junho, foram emitidos 99 panda bonds com um valor total de 152,54 bilhões de yuans (cerca de US$ 20,9 bilhões) no mercado de títulos negociados na bolsa da China, assim como outros 46 títulos temáticos na estratégia Road and Belt, em um total de 52,72 bilhões de yuans.

Segundo analistas ouvidos pela publicação chinesa, “as tensões geopolíticas, o desenvolvimento tecnológico e o stress da dívida causado pelo aumento dos custos de financiamento em dólares americanos deverão tornar alguma redução inevitável, tanto a nível mundial como na China, uma vez que os patrocinadores e os investidores demoram algum tempo para se adaptar às novas realidades”.

A publicação destaca ainda um estudo elaborado pela BNP Paribas Asset Management afirmando que a expansão dos BRICS e os crescentes fluxos comerciais e de investimento da China com o continente africano são pontos que favorecem a internacionalização do yuan.

Segundo o estudo, “com os Estados Unidos cada vez mais usando o dólar norte-americano como arma através do uso de sanções financeiras, existe um bom incentivo para que os países africanos (e outros) reduzam o risco do dólar americano e mudem para o renminbi (yuan)”.

O relatório destacou ainda que o Egito, mais novo país a integrar os BRICS, se tornou a primeira economia africana a emitir um panda bond: a emissão ocorreu em maio, com foco no financiamento de projetos sociais e ambientais. Além disso, países como Camarões, Quênia e Tanzânia possuem mais de 5% de sua dívida externa denominada em yuan.

A instituição financeira lembra ainda que, em janeiro, a China retomou as conversas com a Arábia Saudita sobre o comércio de petróleo em yuan. Brasil, China e Rússia – membros originais do Brics e os maiores exportadores e importadores mundiais de matérias-primas e energia – já trabalhavam em conjunto para a realização de pagamentos transfronteiriços em yuan.

Devido às sanções internacionais, a Rússia tem conduzido a maior parte do seu comércio com a China em yuan – como o recente acordo de 2,5 trilhões de rublos (cerca de US$ 25,8 bilhões) para a negociação de grãos, considerado o maior da história de transações de itens alimentícios entre os dois países.

Irã, Venezuela e Indonésia também têm liquidado algumas das suas transações petrolíferas com a China em yuan.

Retaliação ocidental à vista?


Em linhas gerais, o aumento das tensões chinesas com o Ocidente não parece afetar o avanço mandarim em outras economias, uma vez que as negociações com Rússia e outros países em desenvolvimento têm transcorrido sem grandes problemas.

Por conta disso, Estados Unidos e Europa começam a olhar com preocupação para esse crescimento: artigo publicado pelo Council on Foreign Relations, analistas consideram o projeto Road and Belt “uma expansão perturbadora do poder chinês, e os Estados Unidos têm lutado para oferecer uma visão competitiva”.

A “perturbação generalizada” causada pelas políticas industriais chinesas, consideradas “não transparentes e que distorcem o mercado”, também deve ser alvo de discussão na próxima reunião dos Ministros do Comércio do G7, que será realizada nos dias 28 e 29 de outubro na cidade japonesa de Osaka.

“Desde que aderiu à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, a China tem sido repetidamente acusada de fornecer subsídios industriais injustos, resultando em vários casos de litígio na OMC”, lembra a economista Lili Yan Ing, secretária geral da International Economic Association e Conselheira para a região do Sudeste Asiático do Instituto de Investigação Econômica para ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) e o Leste Asiático.

Em artigo recentemente publicado no site Project Syndicate, Lili Yang Ing lembra de diversas queixas relacionadas ao comércio feito pela China desde 2006 até 20185, envolvendo mercados como a indústria automotiva, peças automotivas, fabricantes de equipamento de energia eólica, alumínio, produtos de frango e veículos elétricos.

“No início deste ano, os líderes do G7 comprometeram-se a combater todas as formas de coerção econômica – mas este esforço poderá ter consequências no longo prazo, uma vez que a China é responsável por 19,4%, 7,5%, 6,8% e 6,5% das exportações do Japão, dos EUA, da Alemanha e do Reino Unido, respectivamente”, diz a articulista.

Caso o G7 decida por implementar medidas anti-coercitivas contra a China, tudo indica que Xi Jinping poderá retaliar. Mas a articulista destaca que é preciso ter em vista o impacto que essa campanha terá para o comércio global e não apenas para os negócios com os chineses.

E caso essa política seja adotada de fato, o G7 poderá incentivar outros países a erguerem suas próprias barreiras comerciais – apenas em 2022, quase 3 mil medidas protecionistas foram adotadas mundo afora com efeitos negativos no investimento, comércio e serviços.

“Embora o valor do comércio global tenha atingido US$ 49,5 trilhões em 2022, a OMC reduziu recentemente a sua previsão de crescimento do comércio para 2023 de 1,7% para 0,8%, citando perturbações comerciais e um abrandamento da produção”, pontua a articulista.

domingo, 10 de maio de 2020

Seis bancos exploram ‘200 milhões de trouxas’, nas palavras do próprio representante destes,Paulo Guedes



Em vídeoconferência, ministro diz que concentração do sistema bancário significa que a economia brasileira é hostil
foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Jornal GGN O ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou a concentração do sistema bancário brasileiro em videoconferência promovida pelo Itaú BBA.
“Em vez de termos 200 milhões de trouxas sendo explorados por seis bancos, seis empreiteiras, seis empresas de cabotagem, seis distribuidoras de combustíveis; em vez de sermos isso, vai ser o contrário. Teremos centenas, milhares de empresas”, disse, segundo informações do jornal Folha de São Paulo.
O debate contava com a presença de Candido Bracher, presidente do Itaú BBA – e um dos maiores bancos do país. Para contornar a saia justa, Guedes declarou que não foi uma recriminação a algum banco específico ou a uma determinada empreiteira, mas uma afirmação de que a economia brasileira é hostil, com alta carga tributária, por exemplo.
Na visão do ministro, as reformas e ampliação dos investimentos ajudarão a economia a ficar mais competitiva – inclusive com maior valorização dos trabalhadores, já que a mão-de-obra seria menor.

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O fracasso da política econômica neoliberal de Paulo Guedes de combate à crise causada pelo novo coronavírus, por Lauro Mattei



Quando todas as sociedades enfrentavam uma crise sanitária de proporções catastróficas, era possível prever que efeitos econômicos não seriam de curta duração
Foto: Reprodução

O fracasso da política econômica neoliberal de combate à crise causada pelo novo coronavírus

por Lauro Mattei*

Ao longo dos dois últimos meses (março e abril) procurei acompanhar e analisar os anúncios das propostas de ações do Ministério da Economia que tiveram como objetivo enfrentar os impactos negativos sobre a economia do país decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus. Para tanto, produzi diversos artigos publicados eletronicamente que agora estão sendo disponibilizados na forma de Texto para Discussão no site do NECAT-UFSC, do qual sou o coordenador geral (www.necat.ufsc.br/Texto para Discussão).
Em diferentes datas abordei os temas que estavam em debate na sociedade naquele momento diante das ações do governo federal na esfera econômica. Por exemplo, no mês de março chamou atenção a visão extremamente equivocada, por parte do Ministro da Economia, sobre a gravidade da crise, uma vez que o mesmo discutiu a temporalidade dessa crise num horizonte de 3 a 4 meses, reafirmando a todo momento que em 2020 o Brasil voltaria a crescer, caso as reformas estruturais fossem realizadas.
Fazendo um contraponto a esse equívoco analítico, mostramos que no momento em que todas as sociedades estavam enfrentando uma crise sanitária de proporções catastróficas, já se previa que os efeitos econômicos da COVID-19 não seriam de curta duração e que seus impactos poderiam destruir a estrutura econômica de um país, caso os governos não adotassem medidas efetivas para enfrentar essa nova realidade. Neste caso, previsões de todos os organismos internacionais apontavam que a parada da economia mundial no início de 2020 iria colocar o mundo mais uma vez diante de um processo recessivo, talvez até maior comparativamente à crise financeira de 2008-2009, e que seu tempo de recuperação seria gradual e dependeria, fundamentalmente, das políticas que cada país estaria adotando neste momento.
No mês de abril, após exaustivo balanço de todas as medidas anunciadas,  percebemos os seguintes aspectos: que a área econômica do governo federal não tinha um Plano de Ação organizado e articulado para amenizar os efeitos negativos da pandemia sobre as atividades econômicas; que o Ministro da Economia acreditava ser apenas uma turbulência passageira, pois segundo ele a economia do país era resiliente e estava com os fundamentos fiscais e com as reformas estruturantes em andamento, fatos que lhe daria condições de “furar essa onda”; que foram divulgadas muitas informações de impactos sobre o volume global de recursos disponibilizado, utilizando-se inclusive do patamar dos bilhões para se afirmar que o governo já tinha disponibilizado mais de R$ 800 bilhões para combater a pandemia; que era evidente o descompasso entre os anúncios das medidas e a implementação efetiva das mesmas, fato que estava contribuindo para agravar ainda mais as já precárias condições de vida de importantes parcelas da população; e que todas as ações da equipe econômica rejeitavam uma atuação mais robusta do Estado, em termos da expansão dos gastos públicos, fato que ia exatamente na contramão de tudo o que vinha sendo feito na maioria dos países do mundo que também foram afetados pelo novo coronavírus.
Nesta primeira semana de maio procurei analisar com maior profundidade a forma e a maneira como as ideias econômicas neoliberais estão contaminando as ações de política econômica e colocando o Brasil na contramão do mundo, especialmente em termos do enfrentamento da recessão decorrente dos efeitos causados pelo novo coronavírus. Em tal percurso, ficou evidente que o atual comandante da economia brasileira está mais preocupado em acalmar os instintos do mercado financeiro do que propriamente resolver os problemas da economia real do país, tamanha foi sua disposição nos últimos meses de fazer conferências eletrônicas junto aos especuladores desse mercado. Além disso, ficaram evidentes também outras concepções.
Por um lado, após a aprovação de medidas que penalizam os trabalhadores do setor privado, via MP 936, o Ministro voltou suas baterias contra os servidores do setor público, praticamente exigindo a aprovação de sua proposta de congelamento dos salários até o final de 2021. Neste caso, chegou a afirmar euforicamente no dia 07.05.20, após participar da patética marcha ao lado do Presidente da República rumo ao STF, que pediu ao presidente para vetar qualquer aumento de salários dos servidores públicos como condição basilar para o governo federal apoiar e auxiliar financeiramente os estados e municípios. Por outro, chamou detacou-se também o apreço ao dogmatismo neoliberal que rejeita uma ação mais robusta do Estado, via expansão dos gastos públicos, conduta esta condizente com a crença do “estado mínimo”.
Na verdade, esse comportamento vai exatamente na contramão de tudo o que vem sendo feito na maioria dos países também afetados pelo novo coronavírus. Nesses casos, verifica-se que é exatamente a máquina do Estado que tem se transformado no ente que define e lidera as ações e estratégias, tanto de combate à doença como de proteção aos sistemas econômicos.
Esse percurso nos mostrou mais claramente o grau de contaminação da política econômica pelo ideário neoliberal. Decorre daí um grau elevado de incertezas, uma vez que o Brasil está percorrendo um caminho totalmente adverso em relação ao que foi recomendado pelos organismos internacionais. Lamentavelmente pode-se afirmar que o preço a ser pago por tal escolha será expressivo, especialmente por parte dos segmentos sociais mais vulneráveis da população que deverão ser aqueles que mais irão sentir os efeitos da pandemia do novo coronavírus em suas vidas.
O neoliberalismo brasileiro na contramão do mundo
Desde o início da pandemia provocada pelo novo coronavírus ficou claro que os efeitos econômicos dessa crise sanitária sobre a economia global seriam bastante expressivos, podendo levar todo o sistema econômico a uma nova recessão, cuja dimensão poderá ser maior que todas as versões anteriores da história contemporânea. Além disso, ficou claro também que o tempo de recuperação das atividades econômicas deverá ser longo e dependerá, fundamentalmente, das políticas que cada governo nacional adotará nesse contexto de pandemia sanitária.
Diante desse cenário, diversos organismos internacionais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização das Nações Unidas, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, etc.) já vêm há meses indicando um conjunto de orientações para os governos nacionais enfrentar a crise econômica causada por esse problema de saúde mundial, especialmente em termos das políticas macroeconômicas e setoriais que deveriam ser adotadas para tal finalidade. Em linhas gerais, afirmou-se ao longo dos últimos meses que os programas de ajustes estruturais em curso em alguns países deveriam ser abandonados e, em seu lugar, deveriam ser implementadas políticas públicas de Estado que fossem capazes de conter a expansão da COVID-19 com o objetivo de, em primeiro lugar, salvar a vida das populações afetadas e, ao mesmo tempo, expandir o gasto público como forma de manter e ativar os distintos setores de atividade visando garantir a continuidade do funcionamento da economia.
De um modo geral, observa-se que esse aceno das organizações internacionais foi aceito pela grande maioria dos países, o que pode ser comprovado pelos vultuosos gastos públicos, particularmente dos países mais pujantes no cenário econômico internacional. Mas também não se deve desconsiderar os importantes esforços e gastos realizados por diversos países que, mesmo não fazendo parte do seleto grupo econômico representado pelo G20, entenderam as orientações das organizações internacionais e adotaram políticas públicas que visaram manter o funcionamento da economia.
Apesar de todos os esforços nesta direção, os resultados econômicos relativos ao primeiro trimestre de 2020 que foram divulgados recentemente revelaram o grande impacto que a economia mundial sofreu e deverá continuar sofrendo nos próximos anos. Uma das primeiras informações divulgadas diz respeito ao desempenho da economia chinesa, dada sua importância na dinâmica econômica global ao ocupar o posto de segunda maior economia do planeta.
Neste caso, verificou-se que, após mais de três décadas de crescimento expansivo, a China apresentou um PIB negativo da ordem de 6,8% no primeiro trimestre de 2020, destacando-se que desde 1992 a china não apresentava um trimestre com resultado negativo.
Comportamento semelhante também ocorreu na primeira economia mundial. Dados dos EUA, que no último trimestre de 2019 tinha apresentado resultado positivo de 2,1%, revelaram que no primeiro trimestre de 2020 ocorreu uma queda de 4,8%. Em dólares correntes essa queda do PIB ficou em 3,5%, significando a maior queda verificada na economia norte-americana desde 2008.
Os impactos negativos também foram sentidos por vários países do Continente Europeu, cuja taxa média de queda foi de 3,8% no mesmo período. Já em alguns países do bloco essa queda foi ainda muito maior. A França, por exemplo, teve uma queda de 5,8% no primeiro trimestre, sendo a maior queda trimestral desde quando esse registro teve início em 1949. Já a Espanha, que em 2019 teve um PIB positivo de 2%, apresentou uma queda da ordem de 5,2%, enquanto que a Itália sofreu uma queda da ordem de 4,7% no primeiro trimestre de 2020.

Notícias não muito favoráveis vêm da terceira maior economia mundial. O Japão ainda não divulgou os resultados do primeiro trimestre de 2020, mas analistas estão esperando uma queda entre 3,5 a 4% do PIB. Isto porque a economia japonesa desacelerou muito no segundo semestre de 2019, ao apresentar resultados negativos superiores a 1,5%, significando que, antes mesmo da pandemia provocada pelo novo coronavírus, a economia japonesa praticamente já se encontrava em recessão técnica no início de 2020.

A partir desses resultados de desempenho das principais economias mundiais, o Fundo Monetário Internacional (FMI), cujas previsões ao final de 2019 indicavam um crescimento da economia mundial para 2020 da ordem de 3,4%, lançou na data de 14.04.20 o documento “Panorama da Economia Mundial”. Diante da crise da COVID-19 projetou um cenário econômico sombrio para esse ano, uma vez que a retração esperada se situa no patamar de 3%, ou seja, haverá uma queda de 6% em relação à projeção elaborada em 2019. Já no caso do Brasil, ao final de 2019 o FMI projetou um crescimento de 2% para o ano de 2020. Todavia, as informações de agora revelam um cenário de queda da ordem de 5,3%, o que significará um tombo de aproximadamente 7,3% em relação ao projetado no final de 2019. A conclusão geral do documento do FMI é que a recessão atual será a pior desde 1929.
Já o Banco Mundial (BM) lançou no dia 12.04.20 o documento “The economy in the time of COVID-19”, em que analisa a situação econômica da América Latina e Caribe, procurando mensurar o impacto da pandemia do novo coronavírus na economia de 25 países. A conclusão geral do documento é que o PIB da região no ano de 2020 irá sofrer uma redução de 4,6%, enquanto o PIB do Brasil deverá sofrer uma retração de 5%.
O conjunto das informações disponíveis até o momento revela a gravidade da crise econômica em curso no âmbito mundial, a qual certamente terá como consequência uma das mais severas recessões que o sistema econômico capitalista já presenciou. É exatamente neste contexto que a economia brasileira está mergulhada, dada a sua enorme dependência do funcionamento da economia global.
Como discutimos em TDs anteriores do NECAT-UFSC (35 e 37), a economia brasileira já vinha com problemas desde 2015 quando entrou em recessão por dois anos. Com isso, o comportamento médio do PIB apresentou taxa de crescimento negativa da ordem de 0,90% ao ano entre 2015 e 2019. Nesse período foram realizadas diversas reformas estruturais (limitação do teto de gastos públicos, reforma trabalhista, reforma da previdência, etc.), mas que pouco contribuíram para alterar o cenário de crise, uma vez que ainda hoje o país convive com uma taxa de desemprego bastante elevada e uma das piores taxas de investimento das duas últimas décadas.
Entendemos que uma economia nessas condições e sendo afetada diretamente pela crise decorrente do novo coronavírus terá enormes desafios pela frente. Diante desse novo cenário global, entendíamos que o governo federal precisava atuar rapidamente em três frentes essenciais: garantir a solvência das empresas (sobretudo do capital de giro) para que elas continuassem funcionando; garantir a manutenção dos níveis de emprego e de salários dos trabalhadores; e atender aos segmentos mais vulneráveis da população que, além de excluídos economicamente, estão mais expostos à própria epidemia.
Infelizmente não parece ter sido esta a escolha da atual equipe econômica do governo federal, uma vez que os dogmáticos economistas neoliberais continuam defendendo a desgastada cartilha neoliberal de que o Estado está quebrado e que não há recursos para qualquer ação mais robusta neste momento. Na verdade, essa retórica neoliberal já vem sendo adotada desde o processo de impeachment de 2016 quando se passou a apostar que a austeridade fiscal e as reformas estruturais iriam estabilizar e expandir as atividades econômicas no país.
Para tanto, lançou-se mão de um conjunto de reformas, sendo que a cada uma delas que era aprovada, a economia era cada vez mais penalizada. Mesmo assim, e em plena crise provocada pelo novo coronavírus, manteve-se como prioridade a continuidade dessas reformas estruturais, com destaque para duas delas: a administrativa e a tributária. Registre-se que nesses últimos quatro anos as reformas realizadas (Estabelecimento de um Teto do Gasto Social; Reforma Trabalhista e Reforma da Previdência) não conseguiram reativar o crescimento econômico em níveis sustentáveis, todavia a narrativa das reformas continua sendo o assunto predileto enquanto estratégia do Ministro da Economia para fazer frente aos impactos da COVID-19.
A seguir destacaremos alguns aspectos relativos às ações anunciadas para demonstrar o quanto essa agenda econômica neoliberal fracassou e irá aprofundar o quadro recessivo no país e, consequentemente, agravar ainda mais as já péssimas condições sociais, conforme informações que acabaram de ser divulgadas pela PNAD de 2019.
 Os gastos efetivos do Tesouro Nacional com a COVID-19
Ao longo dos meses de março e abril tornaram-se comum anúncios espalhafatosos de gastos do governo federal com ações que visavam combater os problemas causados pelo novo coronavírus, tanto nas esferas da saúde e assistência social, como na área econômica. A cada semana os valores acumulados eram multiplicados, chegando-se ao ponto do Ministro, em suas últimas falas públicas sobre o assunto, ter anunciado o montante de R$ 800 bilhões nos quatro meses (timing que ele definiu no início como parâmetro para combater a crise e depois voltar ao tema das reformas).
Todavia, o documento “Monitoramento dos Gastos da União com Combate à COVID-19”, divulgado no dia 01.05.2020 pela Secretaria do Tesouro Nacional, revelou que os gastos do Tesouro foram apenas de R$ 59,9 bilhões em dois meses (março e abril) com ações de enfrentamento da crise causada pelo novo coronavírus. Além disso, projetou-se um gasto de R$ 350 bilhões ao longo do ano de 2020 com ações desta natureza. Essas informações, além de ir na contramão de ações que estão sendo desenvolvidas por governos de praticamente todos os países, revelam que o veredito econômico neoliberal de restrição máxima do gasto público continua em vigor no Brasil, mesmo diante de uma crise cujos efeitos serão sentidos por muitos anos.
Ações de apoio ao setor empresarial
Ao longo dos últimos dois meses houve vários anúncios de medidas de apoio ao setor empresarial, sobretudo para as pequenas e médias empresa, tanto por parte da equipe do Ministério da Economia como por parte do BNDES. Todavia, hoje está claro que esses anúncios tiveram pouca efetividade, uma vez que recentemente surgiram informações e estudos, bem como declarações de representantes de vários setores empresariais, que evidenciaram o fracasso de praticamente todas essas medidas anunciadas.
Dentre alguns dos principais problemas relatados pelos órgãos que representam os interesses empresariais destacam-se as dificuldades para pagamentos rotineiros, especialmente dos salários dos funcionários, e o acesso ao crédito que, segundo pesquisa da Confederação Nacional da indústria (CNI), tornou-se mais difícil após a emergência da COVID-19. Quando questionada pelos meios de comunicação sobre o problema, a Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN) reconheceu que as medidas anunciadas de fato ainda não chegaram aos setores empresariais priorizados e que isso decorria de problemas de atrasos na regulamentação das medidas anunciadas pelo próprio Banco Central do Brasil (BACEN).
Além disso, deve-se reportar que em meados de março foram anunciadas, por parte do BNDES, medidas específicas para as pequenas e médias empresas, cujo montante deveria atingir R$ 55 bilhões, especialmente para auxiliar no pagamento de custos empresariais, particularmente de custos salariais. Dados recentes divulgados pelo próprio banco revelam que, decorridos quase dois meses desse anúncio, apenas 1% desses recursos foram disponibilizados, fato que pode estar ajudando a agravar ainda mais a situação dessas empresas, que no Brasil são responsáveis por uma parcela significativa dos postos de trabalho.
Ações específicas relativas ao emprego e salário
Desde 2015 o Brasil vem convivendo com elevados índices de desemprego, além de um processo de degradação das relações de trabalho revelado pelo alto grau de informalidade no mercado de trabalho do país. Os dados relativos ao primeiro trimestre de 2020 divulgados pela PNAD Contínua do IBGE em 30.04.20 revelaram que esse cenário de deterioração do mercado de trabalho encontra-se em escala ascendente e certamente irá se agravar ainda mais nos próximos meses.
Destacamos apenas alguns desses indicadores. A População Economicamente Ativa (PEA) Ocupada caiu 2,5% no trimestre em relação ao trimestre anterior, o que em termos absolutos significou uma redução de 2,3 milhões de pessoas, enquanto que a PEA Desocupada aumentou 10,5%, significando que mais 1,2 milhões de pessoas passaram a fazer parte do grupo de desocupados. Com isso, a taxa de informalidade chegou a aproximadamente 40%, o que em termos absolutos representa 36,8 milhões de pessoas. Já a taxa de subocupação de toda a mão de obra do país subiu para 24,5%, percentual que representa 27,6 milhões de pessoas.
Todos esses indicadores muito ruins fizeram com que a massa de rendimentos real tivesse uma queda de 1,3%, o que representa menos de R$ 2,9 bilhões circulando na economia. Essa abrupta queda na renda está gerando um efeito altista no nível de endividamento das famílias, conforme vem sendo divulgado pela Confederação Nacional do Comércio.
Neste cenário de dificuldades que se avizinham, é imperioso afirmar que as medidas anunciadas pelo Governo Federal – como no caso da MP 936, que autorizou acordos individuais; a suspensão de contratos de trabalho; e a redução parcial de salários, acabaram estimulando e/ou facilitando o desemprego, ao mesmo tempo em que não oferecem nenhum mecanismo efetivo que seja capaz de garantir a estabilidade no emprego por alguns meses, especialmente quando a crise econômica for mais aguda.
A grande questão ainda em aberto é sobre o que irá acontecer no mercado de trabalho do país nos próximos meses, tendo em vista que as regras definidas pela MP 936 irão perder validade em um curto período de tempo. Portanto, ao invés do Governo Federal tentar enfrentar esses problemas com medidas efetivas de manutenção do emprego e da renda, nota-se que a linha dominante da política econômica parece estar mais preocupada em aproveitar a crise para promover uma nova contrarreforma trabalhista. Esse argumento fica claro quando se observa que – via MP 936 – tornaram-se normas muitas das propostas que fazem parte do pacote de proposições trabalhistas da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Ações destinadas aos segmentos sociais vulneráveis
Ao longo das últimas quatro décadas a política econômica na América Latina e no Brasil, em particular, esteve sob a vigência do credo econômico neoliberal. Tal fato promoveu uma desestruturação dos mercados de trabalho com elevação brutal da informalidade, bem como uma expansão expressiva dos índices de pobreza e miséria. É a partir daí que surgiram, no final dos anos de 1990, os primeiros programas de transferência de renda enquanto estratégia social compensatória. O Brasil, juntamente com o México, foi um dos pioneiros nesse processo, destacando-se como referência o programa Bolsa Família.
Foi nesta lógica que se aprovou recentemente no Congresso Nacional o Programa de Auxílio Emergencial destinado aos trabalhadores informais e microempreendedores individuais para fazer frente ao problema econômico causado pelo novo coronavírus. A partir daí se sobressaíram diversos aspectos na implementação dessa política. O primeiro deles foi o atraso inexplicável por parte da equipe econômica do governo federal que a cada momento inventava uma nova trava para claramente retardar o processo de expansão do gasto governamental que tal ação exigia. O segundo aspecto diz respeito à letargia das equipes governamentais envolvidas na implementação dessa nova política social. O terceiro aspecto está sendo a burocratização excessiva para os recursos efetivamente chegarem aos mais necessitados.
Finalmente, um último aspecto que ficou explícito na demora do governo de mais de um mês para atender aos segmentos sociais mais vulneráveis é de caráter puramente ideológico. Depois do projeto ser aprovado no Congresso Nacional, o presidente levou três dias para assiná-lo e, na sequência, o ministro da economia inventou a história de que seria preciso mudar a constituição para proceder ao pagamento.
O corpo mole da área econômica neste caso encontra explicação na fala do presidente do Banco do Brasil. Em 02.04.20 esse senhor declarou ao jornal Estadão de São Paulo que esmolas só atenuam o problema, mas não o resolvem e que a crise requeria ações públicas, porém era preciso ter cuidado para não se montar um grande Estado Assistencialista, porque depois ficaria mais difícil de desmontá-lo. É essa ideologia anti Estado que domina o núcleo econômico do governo e que também se explicita em diversas outras esferas, como no caso dos salários dos servidores públicos.
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Ao finalizar essa análise gostaríamos de incorporar ao contexto anteriormente mencionado a nova manifestação do Ministro da Economia. No dia 07.05.20, ao participar da patética marcha rumo ao STF junto com o Presidente da República e outros colegas de ministérios, o mesmo afirmou que com novos gastos a economia brasileira estava começando a colapsar e que, portanto, seria necessário o Presidente vetar todos esses novos gastos previstos no projeto de ajuda aos estados e municípios aprovado no dia anterior pelo Congresso Nacional.
Na verdade, o que temos afirmado é justamente o fato de que é a própria política econômica neoliberal do governo atual que já está se transformando em um rotundo fracasso, uma vez que ela caminha na contramão da maioria dos países do mundo que se encontram em situação semelhante ao Brasil. Neste sentido, é importante deixar claro que o colapso econômico mencionado pelo ministro deriva muito mais da inoperância das medidas econômicas assentadas no credo neoliberal do que dos mecanismos de distanciamento social adotados pelos estados e municípios para conter a pandemia da COVID-19, como quer fazer crer o Rolando Lero.

*Lauro Mattei é professor, Coordenador do NECAT-UFSC, e pesquisador do OPPA-CPDA-UFRRJ