quarta-feira, 11 de abril de 2018

Na história brasileira, verdadeiros nacionalistas costumam tombar mortos ou presos. Texto do Advogado Almir Felitte publicado no Justificando


"A fantasia de nacionalista não é nenhuma novidade na história do Brasil. Muito antes dos tais “manifestoches” tomarem nossas ruas com camisas da CBF para protestarem contra “tudo isso que tá aí”, o país já havia sido tomado por discurso parecido. Várias vezes, aliás."


Do Justificando:

Quarta-feira, 11 de Abril de 2018

Na história brasileira, verdadeiros nacionalistas costumam tombar mortos ou presos


Na história brasileira, verdadeiros nacionalistas costumam tombar mortos ou presos


Foto: Marighella, Marielle e Chico Mendes
A fantasia de nacionalista não é nenhuma novidade na história do Brasil. Muito antes dos tais “manifestoches” tomarem nossas ruas com camisas da CBF para protestarem contra “tudo isso que tá aí”, o país já havia sido tomado por discurso parecido. Várias vezes, aliás.
A mais notória dessas farsas nacionalistas, foi, talvez, a Ditadura Militar iniciada em 1964.
No contexto da Guerra Fria, o “perigo vermelho” propagado pela mídia colocou milhares de brasileiros nas ruas contra o governo popular de João Goulart. A “Marcha da Família com Deus Pela Liberdade”, em 1964, visualmente, foi bastante parecida com os recentes protestos pelo impeachment. No conteúdo, também não foi muito diferente.
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Um pseudonacionalismo deu o tom aos golpistas de ontem e de hoje. Em 1964, tiveram o clamor atendido pelas Forças Armadas. Em 2016, pelo Congresso e pelo Judiciário. Em ambos os casos, o anticomunismo (ou antiesquerdismo) foi colocado como o grande sentimento de “proteção nacional”, aliando-se à falsa Segurança Nacional nos anos 60 e à falsa luta contra a corrupção nos anos 2000.

Ironicamente, a situação que se seguiu aos dois golpes foi, justamente, a da generalização daquilo que jurou-se combater em nome da pátria.

Ao golpe militar, seguiu-se a entrega fulminante de setores nacionais importantíssimos, como a mineração, para o capital estrangeiro. Mineradoras americanas fizeram a festa nas jazidas de ferro do país, culminando em um novo genocídio indígena e no massacre de camponeses que representavam um obstáculo ao entreguismo.
Já ao golpe de 2016, seguiu-se a grande “suruba nacional”, “com Supremo, com tudo”, que dispensa maiores comentários.
Quando a farsa nacionalista de 64 enfim acabou, os militares foram presenteados com uma anistia ampla e irrestrita, enquanto a elite civil golpista continuou se lambuzando nos monopólios e nos privilégios conquistados a base de censura e tortura. Construtoras, grupos de mídia e bancos têm muito a agradecer aos “serviços” prestados pelos militares.
Enquanto a farsa nacionalista da atualidade não se encerra, o golpe segue a todo vapor em um grande saldão que promete entregar a Petrobrás, a Eletrobrás, o pré-sal, a Embraer e, agora, também a Infraero ao capital estrangeiro.
Por outro lado, aqueles que realmente defenderam os interesses nacionais durante a história do país acabaram mortos ou presos. E justamente por aqueles que costumam se enrolar na bandeira verde e amarela.
Vargas, com todos os defeitos que lhe possam ser colocados, foi, talvez, o exemplo mais claro de nacionalista tombado. O criador da Petrobrás, da Companhia Siderúrgica Nacional, da Vale do Rio Doce e da Fábrica Nacional de Motores sofreu mais oposição por apresentar um projeto desenvolvimentista nacional e por consagrar os direitos dos trabalhadores do que por sua postura ditatorial.
Acabou suicidando-se, em 1954, após se ver cercado pelos militares e pelo “udenismo” de Carlos Lacerda. Em suas próprias palavras, saiu da vida para entrar na história.
Esse mesmo grupo que perseguiu Vargas seria responsável, também, pela perseguição a João Goulart. O Presidente Trabalhista tentou enfim implementar as Reformas de Base no Brasil, algo que já vinha sendo pensado desde o governo de JK, igualmente perseguido pelo “lacerdismo”.
Segundo a historiadora Marieta de Moraes Ferreira, esse plano compreendia “as reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária. Sustentava-se ainda a necessidade de estender o direito de voto aos analfabetos e às patentes subalternas das forças armadas, como marinheiros e os sargentos, e defendia-se medidas nacionalistas prevendo uma intervenção mais ampla do Estado na vida econômica e um maior controle dos investimentos estrangeiros no país, mediante a regulamentação das remessas de lucros para o exterior”.
Além disso, “o carro-chefe das reformas era, sem dúvida, a reforma agrária que visava eliminar os conflitos pela posse da terra e garantir o acesso à propriedade de milhões de trabalhadores rurais”.
Vale mencionar, também, que foi Jango quem desferiu o golpe final contra as pretensões de mineradoras americanas (como a US Steel e a Hanna) em solo brasileiro, melando suas concessões.
Acabou pagando caro por seu nacionalismo, sobretudo pelo viés esquerdista de seu sentimento nacional. Aliás, o país todo pagou, já que o golpe militar sofrido em 1964 se estendeu por longos 21 anos, jogando o país em um dos períodos mais tenebrosos de sua história. O entreguismo, conforme já dito, fez sua parte logo no início do golpe, através de concessões de mineração aos americanos.
Até Carlos Lacerda acabou sendo engolido pelo monstro que ele mesmo ajudou a criar. Ao mesmo tempo, Jango e JK morreram durante a ditadura em ocasiões que até hoje levantam suspeitas.

Menos radicais foram os anos de governo petista.
Não raras foram as críticas da própria esquerda ao chamado “lulismo” e suas concessões à ordem capitalista liberal. Ainda assim, a intensificação das relações Sul-Sul, a criação dos BRICS e da UNASUL e o “não” à ALCA são suficientes para colocar os governos petistas como governos de interesse nacional.
Além disso, nesse período houve também uma mudança para uma visão política em que gastos sociais internos passaram a ser considerados essenciais (incluindo, aqui, coisas como Bolsa Família, Fome Zero, criação de universidades, entre outros). Sem dúvidas, políticas de grande interesse para o país.
E, apesar de também ter recorrido a privatizações, ao menos no setor do petróleo, o PT trabalhou para manter o caráter nacionalista dessa política, algo que desagradou as petroleiras estrangeiras de países desenvolvidos. Não à toa, logo após o impeachment, o Congresso aprovou uma nova legislação que abria o pré-sal a empresas estrangeiras. O golpe de 2016 não esperou nem o corpo da democracia esfriar para colocar as mãos em nosso petróleo.

O destino dos dois Presidentes petistas, como não poderia ser diferente, foi a marginalização. Dilma, que, vale lembrar, já havia lutado contra a Ditadura Militar em sua juventude e, por isso mesmo, fora torturada, dessa vez amargou um impeachment sem base legal. Já Lula, após um processo judicial cheio de vícios e ilegalidades, se encontra preso. Não sem antes ser carregado nos braços do povo, para desgosto de uma mídia e de um Judiciário que se apequenaram diante do fato.
Mas nem só de Presidentes caídos se fez o verdadeiro nacionalismo brasileiro.
Marighella, filho de um operário “italiano e de uma preta hauçá”, teve a história política mais brilhante do país, sendo perseguido de Vargas até a Ditadura Militar por defender os interesses nacionais, se colocar contra o imperialismo e lutar pela classe trabalhadora. Foi deputado e constituinte até não mais acreditar que as instituições realmente defendiam os interesses nacionais e populares.
Virou guerrilheiro e lutou até tombar morto em uma covarde emboscada armada pelos militares da ditadura em 1969. Mesmas ideias e mesmo triste destino compartilharam Iara Iavelberg e Carlos Lamarca. Apenas alguns nomes entre tantos que sofreram o mesmo fim àquela época.
E não foi apenas durante a Ditadura Militar que tombaram aqueles que defendiam interesses verdadeiramente nacionais e populares.
Chico Mendes foi assassinado, em 1988, por defender que os brasileiros tinham direito à terra e que (porque não?) a própria terra brasileira tinha também os seus direitos. Assim como os 19 militantes do MST mortos no Massacre de Eldorado dos Carajás. Aliás, conforme disse a Anistia Internacional em 2016, assim como outros 271 trabalhadores rurais e lideranças foram mortos em vinte anos.
Marielle Franco, este ano, foi assassinada por ousar dizer que uma parte esquecida de brasileiros da cidade do Rio de Janeiro também tinha direito à dignidade. Na mesma semana, o líder quilombola Paulo Sérgio foi morto porque denunciava que uma gigante europeia destruía o meio-ambiente brasileiro em sua atividade de mineração.
Os exemplos se somam e mostram que não faltam mártires brasileiros que tenham lutado pelos interesses verdadeiramente nacionais. Não faltam guerreiros que tenham tombado por defenderem interesses populares. Todos eles vítimas de pessoas que se dizem os verdadeiros nacionalistas e que sempre tiveram o poder de fato.
Mas se eles têm o poder de fato, o nosso lado tem um segredo. É que, mesmo na derrota, avançamos. Mesmo quando os nossos tombam, vencemos. Se os “heróis” de lá ganham cargos e viram estátuas, os nossos são eternos porque suas ideias ganham sobrevida em cada um de nós.
E mesmo que, do lado de lá, suas estátuas, seus nomes em pontes e suas mídias mentirosas tentem nos dizer que os falsos nacionalistas foram heróis da nação, a história, nesse ponto, costuma ser implacável. A história não os absolve, e são os que tombaram que acabam virando exemplo para as futuras gerações avançarem. E foi assim que sempre avançamos. E continuaremos, sempre.

Almir Felitte é Graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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