terça-feira, 10 de julho de 2018

Jurista português afirma para o mundo inteiro: Moro é "Super Herói Sem Mandato"


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Foto:Recepção a Moro em palestra em Heidelberg, na Alemanha

"(...) Tudo isto se evitaria se se tivesse respeitado a Constituição, a qual não admite outra leitura que não seja a de que Lula se encontra numa espécie de “cumprimento antecipado de pena”, o que nos faz rasgar todos os manuais de Direito Constitucional, Penal e Processual Penal." - André L. Leite, Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto


Texto publicado no Público, Portugal.
POR ANDRE LAMAS LEITE, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Ontem, domingo, escreveu-se uma das mais tristes páginas da Justiça brasileira. A alucinante sucessão de despachos judiciais impõe um breve resumo do sucedido: o juiz que estava de escala no TRF-4 (Tribunal Regional Federal – 4.ª Região), Rogério Favreto, recebeu um pedido de habeas corpus impetrado por três deputados do Partido dos Trabalhadores (PT), mais tarde reafirmado por novos requerimentos. Entendendo ser sua a competência para decidir, concedeu provimento a esta petição extraordinária, de vetusta antiguidade, nascida no Direito inglês, e que visa restituir à liberdade quem se encontre ilegalmente detido ou preso. Note-se que se não trata de qualquer tomada de posição quanto à justeza ou não da condenação de qualquer recluso, mas simplesmente uma medida que visa restituir a legalidade em situações extremas em que está em causa a violação do direito fundamental individual da liberdade de locomoção.
No rigor dos princípios, este juiz tinha toda a competência para tomar a decisão, pois o habeas corpus tem, em qualquer ordenamento jurídico, carácter de processo urgente. Donde, não é verdade que o juiz de turno tivesse ou não a liberdade de decidir. Estava vinculado à decisão. Outra coisa diferente é saber se havia motivo juridicamente fundado para o fazer. A Constituição Federal do Brasil, de 1988, garante, como em qualquer Estado de Direito, que o início de cumprimento de qualquer pena só pode ocorrer após o respectivo trânsito, ou seja, quando o decidido não mais seja impugnável por via de recurso ordinário. Ora, sabe-se que Lula da Silva tem ainda pendente um recurso para um tribunal superior, pelo que tenho por materialmente inconstitucional a anterior decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que havia denegado idêntico pedido pouco tempo antes de o ex-Presidente ter ingressado no estabelecimento prisional. A justificação para que tal tenha ocorrido prende-se com um entendimento jurisprudencial no sentido de que, tendo havido duas decisões confirmatórias de tribunais superiores após uma decisão em 1.ª instância, o cumprimento da sanção penal pode iniciar-se. Sabe-se ainda que a ministra relatora dessa decisão, Cármen Lúcia, não patrocina tal entendimento, mas achou por bem seguir a posição maioritária no STF.
Donde, compulsado o art. 5.º, inciso LXVIII, da Constituição, que garante o direito à liberdade, bem como o inciso LVII, onde se lê que «ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória», dúvidas se me não oferecem que Lula está em cumprimento inconstitucional e ilegal de pena de prisão, pelo que só deveria ter recolhido ao estabelecimento em que se encontra após o esgotamento de todas as vias recursórias. Assim, não tenho dúvidas que ao “juiz plantonista” assiste toda a razão jurídica. Mas, no Brasil, como em outros Estados, cada vez mais se não consegue deslindar onde acaba a política e começa a Justiça, dado que este magistrado tem conhecidas ligações ao PT e não foi ingénuo o momento exacto, poucas horas depois de o mesmo iniciar o seu turno, a um domingo, que o pedido de habeas corpus foi deduzido. Não tem qualquer competência o juiz Sérgio Moro para tentar “revogar” o despacho de um juiz de um tribunal hierarquicamente superior, no que é uma violação frontal do princípio da independência da judicatura e que deve ser sancionado pelo respectivo órgão disciplinar dos magistrados judiciais brasileiros. Se isto já parece tirado de um filme de terror jurídico, mais ainda o é o apelo à manifestação do Povo nas ruas, arvorando-se Moro num super-herói sem mandato, extravasando por completo as suas competências.
O juiz titular do processo, no TRF-4, João Pedro Gebran Neto, podia, como fez, revogar a decisão do juiz de turno, o que, em bom rigor, só deveria acontecer quando terminasse o “plantão” do colega. Todavia, compreende-se que, sob pena de existir uma libertação e uma nova detenção, com ainda maior desprestígio para a Justiça brasileira, o mesmo tenha revogado a decisão. Tudo isto se evitaria se se tivesse respeitado a Constituição, a qual não admite outra leitura que não seja a de que Lula se encontra numa espécie de “cumprimento antecipado de pena”, o que nos faz rasgar todos os manuais de Direito Constitucional, Penal e Processual Penal. Em bom rigor, por isso, entendo que a decisão do juiz de turno é juridicamente correcta, o que já não sucede com a decisão agora vigente do desembargador titular do processo, que reafirmou a posição, quanto a mim errada, do STF.
As ilações políticas são inevitáveis e não adianta dizer que estamos a assistir ao normal funcionamento do Direito. Os princípios basilares do rule of law estão a ser vulnerados, seja Lula ou outro brasileiro qualquer, por um indefensável entendimento do STF. Quando a Justiça se não dá ao respeito e não salvaguarda o reduto das suas competências por via de argumentações solidamente sustentadas no Direito – e apenas nele –, é natural existirem extrapolações de politização dessa mesma Justiça.
Um país que não respeita a sua lei fundamental descaracteriza-se e abre crises gravíssimas de desfechos imprevisíveis. Uma última nota: não se me afigura possível, atento o disposto na chamada “Lei da Ficha Limpa”, que Lula da Silva possa candidatar-se às eleições presidenciais sem que exista, antes do termo da apresentação das candidaturas, uma decisão final absolutória. Essa é a sua única hipótese, juridicamente falando, de enfrentar o julgamento do voto popular. Tudo o mais são efabulações e jogadas políticas de um Estado polarizado entre os “petistas” e os “anti-petistas”. E Bolsonaro, um político que, digamo-lo com todas as letras, patrocina ideais fascistas, é o único a assistir de camarote e a bater palmas ante o atarantamento da Justiça brasileira. Lula e Dilma terão muitos defeitos, mas um político de extrema-direita, negacionista do Holocausto, com tomadas de posição xenófobas, racistas, machistas e contra os direitos das minorias, só pode conduzir o Brasil a algo parecido a uma ditadura militar, ainda que disfarçada, de tão má memória desse e destes lados do Atlântico

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