Historiador ressalta que, no Brasil, a regra geral é passar a mão na cabeça dos militares, que seguem nas listas de promoções e em posições de comando da FAB
O ministro da Defesa, José Múcio, afirmou nesta semana que é a favor da anistia para os envolvidos na depredação da sede dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, mas apenas para aqueles que cometeram infrações leves.
Múcio afirmou ainda que as penas devem ser graduadas, a fim de evitar a polarização do processo. “Deve haver uma punição específica para quem organizou o ato, enquanto para aqueles que foram manipulados, a situação é outra”, disse em entrevista ao UOL News.
Para analisar esta declaração, que foi um dos fatos de grande repercussão da semana, o programa TVGGN 20H da última sexta-feira (1°) contou com a participação do professor e historiador Manuel Domingos, que observou que na história do Brasil, atitudes firmes diante de golpes militares só se mostraram em conjunturas muito específicas.
“A regra geral foi passar a mão na cabeça, foi a anistia”, observou o convidado. “E a própria voz governamental do ministro Múcio já anistiou todo mundo, eles acham que deve haver gradação de punições. A investigação sobre a carta aponta alguns, poucos oficiais, sempre poucos, quatro apenas, são coronéis, tenentes-coronéis, todos eles, inclusive, não sei se todos eles, mas alguns deles que continuaram desde o evento até hoje na lista de promoções normalmente, bem assimilados no cotidiano dos quartéis.”
Para exemplificar a conivência com os militares, Neto lembrou do Almirante Garnier, que desafiou as urnas, o tribunal e Lula, mas nada aconteceu com ele. Pelo contrário. Recentemente, estava no comando da Marinha.
Manuel Neto ressalta ainda que vivemos tempo de extrema reação, brutalidade e golpismo, mas que este ambiente não deve ser atenuado, porque “vivemos nas tensões da guerra. “O Brasil está acorçoado, a posição brasileira, diante dessa conflagração imanente, sorte que as posições tendem a se acirrar. Não digo que vai acontecer isso ou vai acontecer… A gente verifica tendências. As tendências vão se acentuando.”
O resultado das eleições, aliás, demonstram a posição da sociedade brasileira na avaliação do entrevistado, que está contaminada com o conservadorismo e apenas em Fortaleza, onde o Evandro Leitão venceu a disputa contra o candidato do PL, houve a ideia da defesa da democracia.
“Mas, se nós percorrermos a história do Brasil, vamos ver coisas atrozes, sem punição. Essa é a regra. Anistia ou não anistia é uma questão puramente política. Porque a força institucional, o esgarçamento que você menciona, ele retrata essa força institucional. E as corporações estão com força. Pega a Polícia Federal. O que eles aprontaram na Lava Jato não teve nenhuma punição. Aquela delegada que levou ao suicídio o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. O delegado que invadiu a Universidade Federal de Minas Gerais, todos aqueles abusos. O pessoal que levou o governador do Rio algemado nos pés, nos braços, que montaram operações fantasmas”, lista o historiador.
Mais que o histórico de atrocidades impunes, o professor aponta ainda que o 8 de janeiro teve um conjunto de elementos preparados por anos para que fosse possível, como ausência de responsabilizações, inércia do comando militar, além de sinais claros de terrorismo, fatores que construíram um ambiente propício para uma tentativa de golpe.
“A meu ver, demorou-se demais para desmobilizar aqueles golpistas dos quartéis. Aquilo continuou. Não posso entender o negócio daquilo. Como é que persiste tanto tempo? O presidente pediu a desmobilização, mas a desmobilização foi negociada quando não tinha o que negociar.”
Manuel Neto reafirma ainda que a democracia brasileira vai continuar sempre falseada e subjugada se não houver uma reação institucional “contra essas corporações, esse espírito golpista que persiste desde sempre”. “Quem acompanha a história do Brasil sabe que não prestar contas agora significa comprar uma complicação daqui a pouco.”
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