sábado, 6 de julho de 2019

Não foi o frio que matou três homens em São Paulo, foi a frieza do projeto econômico neoliberal, excludente e perverso. Por Daniel Trevisan


"A população de rua cresce na medida em que aumenta o desemprego. Nem sempre na mesma proporção. Mas, se um índice sobe, o outro também cresce.
"Em 2014, o índice de desemprego foi o mais baixo da história, 4,7%. Este ano, está em mais de 12%, de acordo com o IBGE.
"É o resultado de um movimento político desencadeado para implantação de um projeto neoliberal, que não dá conta das demandas sociais do Brasil."
Do DCM:




“2019-7-2, terça-f, numa sarjeta de Samparalho”, escreveu Renatto Souza, autor da foto, em seu facebook

Três homens morreram de frio em São Paulo de ontem para hoje. Quase nada se sabe a respeito deles. Só um foi identificado. É Gabriel Leguthe Laffot. Ele tinha 22 anos e foi encontrado na escada que dá acesso ao Terminal Barra Funda, o segundo maior da cidade.
A escada onde Gabriel foi encontrado pela manhã por seguranças da rodoviária é em formado de caracol, protegida por paredes de concreto, e é provável que ele estivesse ali para se proteger do vento, que torna a temperatura baixa ainda mais cruel.
Gabriel estava roxo, assim como os outros dois.
Como descrevem os médicos, a morte em razão do frio não é imediata. Ele vai castigando a vítima aos poucos.
Os especialistas contam que a primeira área que o frio atinge é o hipotálamo, a área do cérebro que regula a temperatura do corpo humano, que em condições normais deve ficar em torno dos 37 graus centígrados.
É o hipotálamo que faz o corpo suar quando precisa ser resfriado e provoca arrepio quando  necessita de calor.
Com o frio intenso, esse termostato do corpo humano deixa de funcionar e o corpo vai perdendo calor, energia necessária para fazer o coração bater e os pulmões funcionarem.
Se houvesse fogo ou cobertor, o problema estaria resolvido. Mas, muitas vezes, o morador de rua não tem nada além de pedaços de papelão.
“Se a pessoa estiver desagasalhada, abaixo dos 28ºC, ela entra em estado de hipotermia – que quer dizer falta de calor para o corpo trabalhar”, explica o fisiologista Mauro Antônio Griggio, da Universidade Federal de São Paulo.
O coração vai parando de bater, num momento em que a vítima já não se dá conta do sofrimento, pois a ausência de calor também afeta o sistema nervoso central, que paralisa as transmissões.
Em no máximo cinco horas, ela estará morta.
Gabriel faz parte de um segmento da sociedade que dobrou de tamanho desde 2014, o último ano de relativa normalidade do governo de Dilma Rousseff.
Em 2015, assistentes sociais da prefeitura contabilizaram a abordagem de 56 mil pessoas dormindo nas ruas da cidade.
No ano passado, foram 105 mil.
A população de rua cresce na medida em que aumenta o desemprego. Nem sempre na mesma proporção. Mas, se um índice sobe, o outro também cresce.
Em 2014, o índice de desemprego foi o mais baixo da história, 4,7%. Este ano, está em mais de 12%, de acordo com o IBGE.
É o resultado de um movimento político desencadeado para implantação de um projeto neoliberal, que não dá conta das demandas sociais do Brasil.
Não é exagero, portanto, creditar o sofrimento humano com o frio intenso à perda de sensibilidade, não ao apenas ao do sistema nervoso central.
Mas à dos responsáveis por um projeto político e econômico que não leva em consideração o custo humano de reformas que procuram ajustar a economia aos padrões dos mais ricos.
“O neoliberalismo aplica a necropolítica – deixa morrer pessoas que não são rentáveis”, diz a catalã Clara Valverde Gefaell, autora do livro “De la necropolítica neoliberal a la empatía radical: Violencia discreta, cuerpos excluidos y repolitización”.
O frio foi só o instrumento, mas o que matou Gabriel e os outros dois anônimos em São Paulo é uma doença que se iniciou muito antes.
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