sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Militarismo e religião sem espiritualidade, mas sedenta de poder, são duas bolas de ferro amarradas nos pés da humanidade. Texto de Laurez Cerqueira


Religião e militarismo sempre conviveram de mãos dadas, na manutenção da ordem que interessa aos poderosos. Uma controla o corpo e a outra a mente


Fundamentalistas  contra a menina de dez anos estuprada e engravidada pelo tio (Foto: Reprodução)


O desarmamento do mundo e o fim do militarismo poderiam ser uma utopia para o período pós-pandemia. O mundo gastou US$ 1,73 trilhão com Forças Armadas, em 2019. Somente os Estados Unidos gastaram US$ 684,6 bilhões, 39% do valor global, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. Se esse imenso volume de recursos gasto na indústria da morte fosse sendo reduzido ano a ano e investido na indústria da vida, em Educação e saúde, combate à fome e à pobreza extrema, certamente a humanidade começaria a se livrar das misérias medievais.
Esse assunto não é novidade. Já foi revirado pelo avesso ao longo da história do pensamento, porém, parece que se transformou em tabu. Não se fala mais nisso, é muito pouco comentado mesmo em círculos restritos de intelectuais e acadêmicos.
A Idade Média durou mil anos e deixou para os séculos futuros heranças que impedem a humanidade de evoluir para sociedades capazes de conviver em paz, em harmonia, construídas com concórdia, verdade e fraternidade, sentimentos unificadores do ser humano. Evoluímos em muitos aspectos, mas o ódio, pai da violência, persiste, com seu dedo em riste. Nada justifica as cercas físicas, territoriais, as guerras, as cercas morais, a opressão em nome de crenças vazias.
Religiosos obscurantistas ainda hoje tentam invadir hospital para impedir que uma criança de 10 anos, engravidada por um tio, faça aborto autorizado pela justiça. Negam a ciência no combate à pandemia do Covid-19, assim como negam os avanços, por exemplo, da astronomia, da física e da genética, em pleno século XXI.
Na Câmara do Distrito Federal, o religioso deputado Rafael Prudente conseguiu aprovar um projeto de lei proibindo a nudez nas manifestações artísticas. Não se sabe até agora como ficarão, por exemplo, as obras do escultor Ceschiatti, distribuídas pelos palácios de Brasília, com exuberante erotismo, como “Contorcionista”, no hall do Teatro Nacional, a estátua da Justiça, com suas avantajadas mamas, na frente do Supremo Tribunal Federal, “As Irmãs”, no Itamaraty, e outras obras, agora sob censura.  Esse senhor não poderia ir a uma tribo de índios recém contatados, nem, por exemplo, visitar o museu do Louvre, em Paris, ver telas de Rafael Sanzio, esculturas de Michelangelo, enfim, por ser uma pessoa de mentalidade medieval.
Impérios religiosos transnacionais foram criados, apoiados em crenças tenebrosas, moral opressiva, bárbara, com suas histórias manchadas de sangue, por práticas de torturas, mortes e perseguições a quem ousasse ou ouse, ainda hoje, discordar das imposições de igrejas.
Religião e militarismo sempre conviveram de mãos dadas, na manutenção da ordem que interessa aos poderosos. Uma controla o corpo e a outra a mente. Aqui foi assim, quando os portugueses atracaram as naus nas praias do sul da Bahia, os índios estavam nus, nas areias brancas, em perfeita harmonia com a natureza.
As primeiras providências dos navegantes foram celebrar uma missa, catequizar, instalar o deus único e a culpa no coração dos índios, para que, com medo do pecado, aceitassem a dominação. Taparam as genitais dos índios com roupas. Para dominar, as religiões vão direto ao sexo, proíbem. Escravizados, açoitados, torturados, os índios viram nações inteiras serem exterminadas e até hoje são mortos para tomarem-lhes as terras onde sempre viveram.
O mundo gasta centenas de bilhões de dólares dos contribuintes com academias militares e armas, para atacar o "inimigo externo e interno", ensinar a matar, lançar bombas incendiárias sobre escolas, famílias indefesas, como os Estados Unidos fizeram no Vietnam, e também para varrer do mapa cidades com bombas atômicas, como em Hiroshima e Nagasaki, como os mesmos Estados Unidos fizeram na Segunda Guerra Mundial e tantas outras atrocidades praticadas pelo militarismo.
Impedem a democracia de prosperar com mentiras e golpes, implantam a ferro e fogo regimes ditatoriais, torturam, matam, perseguem, privam de liberdade quem pensa diferente, todas essas barbaridades em nome da ordem.
Guardadas as devidas exceções, as academias militares têm formado monstros assassinos com dinheiro público e têm os Estados Unidos como referência de militarismo. Um país que nasceu com a mão no coldre, pronto para matar.
O governo Bolsonaro anunciou que vai tirar R$ 242 bilhões da educação e da saúde e anunciou que vai dar às Forças Armadas (indústria da morte) R$ 9,2 bilhões para comprar armas, em plena devastadora pandemia. Num momento em que, segundo o IBGE, o Brasil aumentou a pobreza, chegando a 52,5 milhões de pessoas passando o dia com R$ 7,70.
Deu aos militares R$ 26,5 bilhões de bonificação, um reajuste de 73%, com acréscimo anual. A União bancou R$ 121,2 mil, em 2019, para cada aposentado das Forças Armadas, 17 vezes o de aposentados do INSS, quase o dobro da despesa por servidor público (R$ 71.600 mil) e (R$ 6.900 mil) para os aposentados do setor privado.
No governo Bolsonaro, o aumento de gastos com o Ministério da Defesa é maior que os dos ministérios da Educação, Saúde, Agricultura e Relações Exteriores. A maior parte dos gastos é com a folha de pagamento dos militares.
Leon Tolstoi, na sua magnífica obra Guerra e Paz, dizia que todas as formas de violência são igualmente más. Não só a guerra, mas todas as formas de compulsão inerentes ao Estado são criminosas. Dizia ele que o verdadeiro cristão deve abster-se de participar das funções do Estado e que a ordem social só poderá melhorar quando todos os homens e mulheres tiverem aprendido a amar-se uns aos outros.
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